RESUMO
Objetivo:
Avaliar a prevalência e a existência de fatores preditores da síndrome de Burnout em técnicos de enfermagem que atuam em unidade de terapia intensiva (UTI) durante a pandemia da COVID-19.
Métodos:
Trata-se de um estudo descritivo, de caráter transversal e abordagem quantitativa com 94 técnicos de enfermagem de terapia intensiva. Os instrumentos utilizados foram: um formulário de coleta de dados sociodemográficos, ocupacionais e comportamentais e o Maslach Burnout Inventory (MBI) em sua versão Human Services Survey (HSS). A associação entre as variáveis estudadas e a prevalência da síndrome de Burnout foi verificada por análise bivariada seguida de regressão de Poisson hierarquizada, com variância robusta.
Resultados:
Observou-se uma prevalência da síndrome em 25,5% da amostra analisada. As variáveis que, após análise múltipla, se mostraram como preditores associados a maior prevalência de síndrome de Burnout foram: idade > 36 anos, realizar hora extra, considerar a carga horária de trabalho rígida e ser etilista.
Conclusão:
Conclui-se que a prevalência da síndrome de Burnout em técnicos de enfermagem que atuam em UTIs e que estão na linha de frente na pandemia da COVID-19 foi alta e fatores sociodemográficos, ocupacionais e comportamentais se mostraram como preditores da síndrome.
PALAVRAS-CHAVE
Técnicos de enfermagem; unidades de terapia intensiva; COVID-19; esgotamento profissional
ABSTRACT
Objective:
To evaluate the prevalence and existence of predictive factors for Burnout syndrome in nursing technicians who work in an intensive care unit during the COVID-19 pandemic.
Methods:
This is a descriptive, cross-sectional study with a quantitative approach with 94 intensive care nursing technicians. The instruments used were: a form for collecting sociodemographic, occupational, behavioral data and the Maslach Burnout Inventory (MBI) in its Human Services Survey (HSS) version. The association between the variables studied and the prevalence of Burnout syndrome was verified by bivariate analysis followed by hierarchical Poisson regression, with robust variance.
Results:
It observed a prevalence of the syndrome in 25.5% of the analyzed sample. The variables that, after multiple analysis, showed themselves as predictors associated with the higher prevalence of Burnout syndrome were: age > 36 years, working overtime, considering the workload as rigid and being alcoholic.
Conclusion:
It is concluded that the prevalence of Burnout syndrome in nursing technicians who work in intensive care units and who are in the front line in the COVID-19 pandemic was high and sociodemographic, occupational and behavioral factors were shown as predictors of the syndrome.
KEYWORDS
Licensed practical nurses; intensive care units; COVID-19; burnout professional
INTRODUÇÃO
Em 31 de dezembro de 2019, a China relatou os primeiros casos de pneumonia em humanos na cidade de Wuhan, província de Hubei. Em 31 de dezembro de 2019, a China relatou os primeiros casos de pneumonia em humanos na cidade de Wuhan, província de Hubei, sendo identificado como patógeno responsável um novo coronavírus (SARS-CoV-2). Essa patologia foi denominada síndrome respiratória aguda grave e ficou conhecida internacionalmente como COVID-19.11. Lescure FX, Bouadma L, Nguyen D, Parisey M, Wicky PH, Behillil S, et al. Clinical and virological data of the first cases of COVID-19 in Europe: a case series. Lancet Infect Dis. 2020;20(6):697-706.
Essa epidemia rapidamente se disseminou na China e em vários países do mundo. Em janeiro de 2020, a doença já apresentava uma taxa de mortalidade de 2,3%22. Wu F, Zhao S, Yu B, Chen YM, Wang W, Zhi-Gang C, et al. A new coronavirus associated with human respiratory disease in China. Nature. 2020;579(7798):265-9., e a Organização Mundial de Saúde (OMS)33. World Health Organization. Coronavirus disease 2019 (COVID-19): situation Report-46. Geneva: WHO; 2020. Disponível em: https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/situation-reports/20200306-sitrep-46-covid-19.%20pdf?sfvrsn=96b04adf_2. Acesso em: 12 jun. 2020.
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declarou uma emergência em Saúde Pública (OMS, 2020a). No dia 11 de março, a epidemia de COVID-19 passou a ser considerada uma pandemia decretada pela OMS, uma vez que ela já atingia 114 países em diferentes continentes44. World Health Organization. Rolling updates on coronavirus disease (COVID-19). 2020. Disponível em: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019. Acesso em: 1º jun. 2020.
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No Brasil, o primeiro caso registrado foi em fevereiro de 2020, e em 13 de junho de 2020, de acordo com o Ministério da Saúde, o número total de casos acumulados era de 850.514, e 42.720 evoluíram para óbito55. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico. Doença pelo Coronavírus COVID-19. Disponível em: https://saude.gov.br/images/pdf/2020/June/18/Boletim-epidemiologico-COVID-2.pdf. Acesso em: 22 jun. 2020.
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O espectro clínico da infecção pelo novo coronavírus é muito amplo, podendo variar de um simples resfriado até uma pneumonia grave, levando o indivíduo a desfechos como a admissão em unidade de terapia intensiva (UTI), uso de ventilação ou morte66. Guan W, Ni Z, Hu Y, Liang WH, Ou CQ, He JX, et al. Clinical characteristics of coronavirus disease 2019 in China. N Engl J Med. 2020. Disponível em: https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2002032. Acesso em: 22 jun. 2020.
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. Nesse contexto, entre os profissionais que atuam nas UTIs, destacam-se os técnicos de enfermagem77. Paiva LC, Canário ACG, China ELCP, Gonçalves AK. Burnout syndrome in health-care professionals in a university hospital. Clinics. 2017;72(5):305-9. que estão na linha de frente do combate à COVID-19. Esse cenário eleva a exposição a situações de estresse e desgaste decorrentes do contato com as pessoas infectadas. Assim, dada a falta de preparo para enfrentar as demandas emocionais e dos pacientes acometidos, esses profissionais estão mais sujeitos a desenvolver patologias psicossociais, como a síndrome de Burnout (SB), que surge como resposta aos estressores interpessoais crônicos diretamente ligada ao trabalho como profissão88. Ferreira NN, Lucca SR. Burnout syndrome in nursing assistants of a public hospital in the state of São Paulo. Rev Bras Epidemiol. 2015;18(1):68-79., e isso se intensifica em períodos atípicos, como no caso das pandemias99. Almeida IM. Proteção da saúde dos trabalhadores da saúde em tempos de COVID-19 e respostas à pandemia. Rev Bras Saúde Ocup. 2020;45(e17):1-10..
São escassos os estudos que avaliam o desenvolvimento de patologias como a SB em técnicos de enfermagem. Assim, considerando a importância desses profissionais, que passam mais tempo em contato direto com os pacientes e seus familiares, que convivem com o sofrimento, o medo da morte e o risco ocupacional, além das influências de fatores sociodemográficos e estilo de vida desse grupo, estudos que avaliam a SB e os fatores preditores se tornam relevantes88. Ferreira NN, Lucca SR. Burnout syndrome in nursing assistants of a public hospital in the state of São Paulo. Rev Bras Epidemiol. 2015;18(1):68-79.,1010. Meneghini F, Paz AA, Lautert L. Fatores ocupacionais associados aos componentes da síndrome de Burnout em trabalhadores de enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2011;20(2):225-33.. Acrescenta-se a isso o cenário da pandemia da COVID-19, no qual se tem observado um esforço mundial para que as lacunas do conhecimento sobre essa doença sejam respondidas rapidamente pela ciência e pela organização e prática nos serviços de saúde, a fim de que medidas ágeis possam ser adotadas para proteger a população, inclusive os profissionais de saúde, da contaminação pelo vírus99. Almeida IM. Proteção da saúde dos trabalhadores da saúde em tempos de COVID-19 e respostas à pandemia. Rev Bras Saúde Ocup. 2020;45(e17):1-10. e dos distúrbios emocionais relacionados ao trabalho1111. Fundação Oswaldo Cruz. Covid-19: a saúde dos que estão na linha de frente. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/noticia/covid-19-saude-dos-que-estao-na-linha-de-frente. Acesso em: 22 jun. 2020.
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Nesse contexto, o estudo tem como objetivo avaliar a prevalência e a existência de fatores preditores da SB em técnicos de enfermagem que atuam em UTI durante a pandemia da COVID-19.
MÉTODOS
Estudo quantitativo, descritivo e transversal, realizado com técnicos de enfermagem que atuam em UTIs durante a pandemia da COVID-19 em um grande centro urbano do norte de Minas Gerais. Essa região representa uma área de transição entre o Sudeste e o Nordeste brasileiro, e constitui um polo de saúde de referência para uma região heterogênea, que conta com mais de 2 milhões de habitantes1212. Silva VH, Rocha JSB, Caldeira AP. Fatores associados à autopercepção negativa de saúde em mulheres climatéricas. Ciênc Saúde Coletiva. 2018;23:1611-20..
Para o cálculo amostral, considerou-se o total de técnicos intensivistas (120), prevalência desconhecida (50%), erro tolerável de 5% e intervalo de confiança (IC) de 95%, totalizando uma amostra mínima de 92 técnicos1313. Szwarcwald CL, Damacena GN. Amostras complexas em inquéritos populacionais: planejamento e implicações na análise estatística dos dados. Rev Bras Epidemiol. 2008;11(1):38-45.. A amostra foi definida utilizando a modalidade de amostragem não probabilística por conveniência; os sujeitos foram selecionados de acordo com a indicação de colegas que atuavam nas UTIs, sendo o contato realizado por telefone; os pesquisadores convidaram os técnicos para participar do estudo e aos que aceitaram foi enviado pelo WhatsApp@ um formulário do Google Forms® que continha o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e as perguntas a serem respondidas. A amostra final foi constituída por 94 indivíduos. Os critérios de inclusão foram: ser técnico de enfermagem assistencial e atuar em UTI no período da pandemia da COVID-19. Não foram adotados critérios de exclusão.
Antes do período da coleta de dados, conduziu-se um estudo-piloto com um grupo de técnicos de enfermagem e que não fizeram parte da amostra final. O estudo-piloto permitiu que os questionários fossem avaliados quanto à adequação para a coleta das informações. Após essa fase, foram realizados os ajustes necessários no instrumento de coleta e a pesquisa foi iniciada.
Os instrumentos utilizados foram: um formulário de coleta de dados sociodemográficos, ocupacionais e comportamentais e o Maslach Burnout Inventory (MBI) em sua versão Human Services Survey (HSS)1414. Maslach CP, Jackson SE. Maslach Burnout Inventory. 2nd ed. Palo Alto: Consulting Psychologist Press; 1986.. O bloco de variáveis sociodemográficas foi composto por perguntas de múltipla escolha e abertas, abrangendo: idade (≤36 anos; >36 anos), sexo (masculino; feminino), estado conjugal (com companheiro fixo, sem companheiro fixo), cor da pele (branca; não branca – preta, parda ou amarela) e renda (>2 salários mínimos; ≤2 salários mínimos). Já as variáveis relacionadas aos aspectos ocupacionais abrangeram: tipo de vínculo profissional (efetivo; contratado), carga horária semanal de trabalho (≤40 horas; >40 horas), tempo de trabalho na instituição (≤15 anos; >16 anos), realiza hora extra (não; sim), costuma dobrar turno (não; sim), possui outro trabalho remunerado (não; sim), tem contato direto com pacientes com COVID-19 (não; sim), considera a carga horária de trabalho (flexível; rígida) e sofre pressão no trabalho (não; sim). As variáveis comportamentais foram: apresenta indícios de problemas psicológicos (não; sim), é tabagista (não; sim) e é etilista (não; sim).
Para identificar a prevalência da SB nos técnicos, utilizou-se o MBI-HSS, voltado para os profissionais da saúde, em sua versão traduzida e adaptada. Esse instrumento avalia como o trabalhador experiencia o seu trabalho de acordo com as três dimensões estabelecidas no estudo realizado pelas autoras: Exaustão Emocional (9 itens), Realização Profissional (8 itens) e Despersonalização (5 itens), totalizando 22 itens1414. Maslach CP, Jackson SE. Maslach Burnout Inventory. 2nd ed. Palo Alto: Consulting Psychologist Press; 1986..
Foram utilizados os seguintes pontos de corte: exaustão emocional (baixo: zero a 15; médio: 16 a 25; e alto: 26 a 54), despersonalização (baixo: zero a 2; médio: 3 a 8; e alto: 9 a 30) e realização profissional (baixo: zero a 33; médio: 34 a 42; e alto: 43 a 48)1515. Benevides-Pereira AMT, organizador. Burnout: quando o trabalho ameaça o bem-estar do trabalhador. 3ᵃ ed. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2010.. A SB foi constada nos técnicos nos quais houve a combinação de alta exaustão emocional, alta despersonalização e baixa realização profissional1616. Vasconcelos EM, De Martino MMF. Predictors of burnout syndrome in intensive care nurses. Rev Gaúcha Enferm. 2017;38(4):e65354..
Para análise dos dados, utilizou-se o Programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS)®, versão 21. Inicialmente, foram realizadas as análises descritivas de todas as variáveis para determinar sua distribuição e frequências. Para analisar a associação entre a SB (variável dependente) com as variáveis independentes, procedeu-se à análise bivariada por meio do teste qui-quadrado de Pearson, sendo selecionadas para a análise multivariada as variáveis associadas até o nível de 25% (p ≤ 0,25). Nessa etapa, utilizou-se o modelo de Poisson com variância robusta, já que é uma alternativa para a análise de estudos transversais com resultados binários e prevalência do desfecho acima de 10%1717. Barros AJD, Hirakata VN. Alternatives for logistic regression in cross-sectional studies: an empirical comparison of models that directly estimate the prevalence ratio. BMC Med Res Methodol. 2003;3:21.. Foram calculadas as razões de prevalências (RPs) brutas com seus respectivos ICs de 95%. As variáveis que se mostraram associadas até o nível de 25% (p ≤ 0,25) foram selecionadas para análise de regressão múltipla de Poisson com variância robusta.
Na fase analítica ajustada, utilizou-se um modelo hierárquico, adaptado ao de outros autores1818. Mascarenhas CHM, Prado FO, Fernandes MH. Fatores associados à qualidade de vida de Agentes Comunitários de Saúde. Ciênc Saúde Coletiva. 2013;18(5):1375-86.. Para esse modelo, seguiu-se o esquema apresentado na figura 1, constituído por blocos de variáveis nos níveis distais (características sociodemográficas), intermediárias (ocupacionais) e proximais (comportamentais). Foram obtidas as RPs e seus respectivos ICs de 95%, sendo adotado para o modelo final o nível de significância de 5% (p < 0,05). Todos os cálculos durante as análises foram realizados considerando a ponderação amostral (complex sample analysis).
Modelo teórico hierárquico de possíveis fatores associados à síndrome de Burnout em técnicos de enfermagem de unidade de terapia intensiva durante a pandemia da COVID-19.
Os participantes do estudo concordaram em participar da presente pesquisa de forma voluntária e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido contendo o objetivo do estudo, o procedimento de avaliação e o caráter de voluntariedade da participação. O projeto do estudo foi previamente avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa das Faculdades Integradas do Norte de Minas, sob o Parecer nº 4.107.295 (CAAE 26713519.2.0000.5141).
RESULTADOS
Participaram do estudo 94 técnicos de enfermagem que atuaram na linha de frente nas UTIs durante a pandemia da COVID-19. A idade média dos participantes foi de 36,3 ± 9,3 anos. A maioria da população investigada é do sexo feminino (74,5%) e possui companheiro fixo (67,05), cor da pele autorreferida não branca (preta, parda e amarela) (84,0%) e renda ≤ 2 salários mínimo (71,3%). As principais características sociodemográficas, ocupacionais e comportamentais da amostra estão apresentadas na tabela 1.
Características sociodemográficas, ocupacionais e comportamentais dos técnicos de enfermagem de unidade de terapia intensiva durante a pandemia da COVID-19
As características relacionadas à SB e a distribuição dos técnicos de enfermagem segundo os níveis das dimensões, escore médio e desvio-padrão estão apresentadas na tabela 2. Observou-se uma prevalência da síndrome em 25,5% da população analisada (Tabela 2).
Prevalência da síndrome de Burnout e distribuição dos técnicos de enfermagem segundo os níveis das dimensões, escore médio e desvio-padrão
A tabela 3 apresenta os resultados das análises bivariadas da SB segundo características sociodemográficas, ocupacionais e comportamentais da amostra estudada. Verificou-se que os seguintes preditores se mostraram associados ao nível de 25%: idade, estado conjugal, tipo de vínculo profissional, tempo de trabalho na instituição, realizar hora extra, costumar dobrar turno, possuir outro trabalho remunerado, como considera a carga horária de trabalho, ser tabagista e ser etilista. Essas variáveis foram selecionadas para análise múltipla final.
Distribuição (%) da síndrome de Burnout segundo características sociodemográficas, ocupacionais e comportamentais dos técnicos de enfermagem de unidade de terapia intensiva durante a pandemia da COVID-19
As variáveis que, após análise múltipla, se mostraram associadas à maior prevalência de SB foram: idade > 36 anos, realizar hora extra, considerar a carga horária de trabalho rígida e ser etilista (Tabela 4).
DISCUSSÃO
No presente estudo, considerando os pontos de corte proposto por Vasconcelos1616. Vasconcelos EM, De Martino MMF. Predictors of burnout syndrome in intensive care nurses. Rev Gaúcha Enferm. 2017;38(4):e65354., a prevalência da SB foi de 25,5% nos técnicos de enfermagem que atuaram em UTI durante a pandemia da COVID-19. Em um estudo realizado por Ferreira e Lucca88. Ferreira NN, Lucca SR. Burnout syndrome in nursing assistants of a public hospital in the state of São Paulo. Rev Bras Epidemiol. 2015;18(1):68-79., foi encontrada uma prevalência da SB em 5,9% da população de técnicos de enfermagem estudada, e eles chamaram a atenção para a preocupação com relação aos achados. Nesse contexto, a atenção com os profissionais que constituíram a amostra deste estudo deve ser redobrada, visto que a prevalência da SB foi considerável na população.
Quando avaliados os componentes de Burnout de forma isolada, para a exaustão emocional e despersonalização, a pontuação média observada neste estudo foi superior aos achados de Meneghini et al.1010. Meneghini F, Paz AA, Lautert L. Fatores ocupacionais associados aos componentes da síndrome de Burnout em trabalhadores de enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2011;20(2):225-33.. Assim, destaca-se que a maioria dos profissionais identificam tanto a sobrecarga de trabalho quanto a existência de conflitos entre os valores pessoais e laborais como fatores geradores de estresse laboral, o que merece atenção dos gestores1010. Meneghini F, Paz AA, Lautert L. Fatores ocupacionais associados aos componentes da síndrome de Burnout em trabalhadores de enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2011;20(2):225-33..
Os resultados deste estudo evidenciaram que a prevalência da SB aumenta com o avançar da idade, contradizendo os achados de outros estudos realizados anteriormente1919. Özden D, Karagözoğlu Ş, Yildirim G. Intensive care nurses' perception of futility: job satisfaction and burnout dimensions. Nurs Ethics. 2013;20(4):436-47.,2020. Abdo SA, El-Sallamy RM, El-Sherbiny AA, Kabbash IA. Burnout among physicians and nursing staff working in the emergency hospital of Tanta University, Egypt. East Mediterr Health J. 2016;21(12):906-15. que afirmam que jovens são mais propensos a desenvolver a SB, em virtude da inexperiência e da não adaptação às condições de trabalho e das organizações. Nossos achados sugerem que o excesso de responsabilidade adquirida pelos profissionais com maior idade possa ser um dos motivos que aumenta também a probabilidade do desenvolvimento da síndrome. Além disso, um estudo brasileiro demonstrou que a Burnout acomete indivíduos mais velhos, visto que, com o processo de envelhecimento, as pessoas tendem a desenvolver transtornos mentais, devido à dificuldade de adaptação às condições laborais2121. Cañadas-De la Fuente GA, Vargas C, San Luis C, García I, Cañadas GR, De la Fuente EI. Risk factors and prevalence of burnout syndrome in the nursing profession. Int J Nurs Stud. 2015;52(1):240-9.,2222. Vasconcelos EM, Martino MMF. Predictors of Burnout syndrome in intensive care nurses. Rev Gaucha Enferm. 2017;38(4):e65354..
Algumas características ocupacionais estão mais frequentemente associadas com o desenvolvimento de SB2121. Cañadas-De la Fuente GA, Vargas C, San Luis C, García I, Cañadas GR, De la Fuente EI. Risk factors and prevalence of burnout syndrome in the nursing profession. Int J Nurs Stud. 2015;52(1):240-9.–2323. Sousa KHJF, Zeitoune RCG, Portela LF, Tracera GMP, Moraes KG, Figueiró RCS. Factors related to the risk of illness of nursing staff at work in a psychiatric institution. Rev. Latino Am Enfermagem. 2020;28:e3235., confirmando os achados do presente estudo, no qual realizar hora extra e ter carga horária de trabalho rígida esteve associado com a maior prevalência da SB. Para garantir melhores salários, os trabalhadores de enfermagem precisam realizar longas jornadas de trabalho profissional ou jornada dupla, o que pode refletir no processo de adoecimento psíquico desses profissionais. As longas jornadas acarretam desequilíbrio entre esforço e recompensa, caracterizam aumento de exigências no trabalho e podem influenciar em desfechos como a SB2323. Sousa KHJF, Zeitoune RCG, Portela LF, Tracera GMP, Moraes KG, Figueiró RCS. Factors related to the risk of illness of nursing staff at work in a psychiatric institution. Rev. Latino Am Enfermagem. 2020;28:e3235.–2525. Campos ICM, Angélico AP, Oliveira MS, Oliveira DCR. Fatores sociodemográficos e ocupacionais associados à síndrome de Burnout em profissionais de enfermagem. Psicol Reflex Crít. 2015;28(4):764-71.. Longas jornadas de trabalho podem variar em intensidade, pausas e frequências de repetição. Quanto piores as condições de trabalho em termos psicossociais e de carga de trabalho, mais prejudicial tende a ser a jornada2323. Sousa KHJF, Zeitoune RCG, Portela LF, Tracera GMP, Moraes KG, Figueiró RCS. Factors related to the risk of illness of nursing staff at work in a psychiatric institution. Rev. Latino Am Enfermagem. 2020;28:e3235..
Com relação à percepção dos técnicos de enfermagem sobre a carga horária ser rígida, se não houver uma flexibilização entre empregador e empregado com relação à carga horária, isso pode gerar estresse e diminuir o comprometimento da equipe2626. Monteiro JK, Oliveira ALL, Ribeiro CS, Grisa GH, Agostini N. Adoecimento psíquico de trabalhadores de unidades de terapia intensiva. Psicol Ciênc Prof. 2013;33(2):366-79.,2727. Fernandes LS, Nitsche MJT, Godoy I. Associação entre síndrome de Burnout, uso prejudicial de álcool e tabagismo na Enfermagem nas UTIs de um hospital universitário. Ciênc Saúde Coletiva. 2018;23(1):203-14.. Situações como essa fazem com que o profissional desenvolva mecanismos de defesa e se sinta pressionado no ambiente de trabalho, desencadeando sintomas graves de ansiedade e levando o indivíduo ao desenvolvimento da SB2626. Monteiro JK, Oliveira ALL, Ribeiro CS, Grisa GH, Agostini N. Adoecimento psíquico de trabalhadores de unidades de terapia intensiva. Psicol Ciênc Prof. 2013;33(2):366-79..
No período da pandemia da COVID-19, tanto o exercício das atividades laborais quanto as condições de trabalho são fontes potenciais de exposição ao vírus, além de influenciar no desenvolvimento de doenças psíquicas, uma vez que tem sido reportado na literatura que durante esse período muitos profissionais da saúde estão trabalhando em condições precárias, com jornadas prolongadas. Soma-se a isso a falta de treinamento e, inclusive, a insuficiência ou indisponibilidade de equipamentos de proteção, mesmo nos serviços de terapia intensiva2828. Associação Médica Brasileira [Internet]. Faltam EPIs em todo o país. São Paulo. 2020. Disponível em: https://amb.org.br/epi/. Acesso em: 21 jun. 2020.
https://amb.org.br/epi/...
,2929. Jackson Fiho JM, Assunção AÁ, Algranti E, Garcia EG, Saito CA, Maeno M. A saúde do trabalhador e o enfrentamento da COVID-19. Rev Bras Saúde Ocup. 2020;45:e14.. Esses são fatores que podem inclusive aumentar o risco de desenvolvimento de doenças psicossociais, como a SB, em que o indivíduo passa por um esgotamento físico, mental e emocional, levando-o a mudanças comportamentais que podem comprometer a sua vida enquanto ser humano e profissional3030. Oliveira LPS, Araújo GF. Características da síndrome de Burnout em enfermeiros da emergência de um hospital público. Rev Enferm Contemp. 2016;5(1):34-42.,3131. Tomaz HC, Tajra FS, Lima ACG, Santos MM. Síndrome de Burnout e fatores associados em profissionais da Estratégia Saúde da Família. Interface (Botucatu). 2020;24(1)..
E por fim, os achados sugerem que características comportamentais também estão associadas com a SB, pois houve associação entre o consumo de bebida alcoólica e a prevalência da síndrome. O uso abusivo de substâncias como álcool pode ser uma forma de manifestação comportamental de fuga ou esquecimento do trabalho, bem como a busca do prazer que não conseguem nas atividades laborais do dia a dia, em decorrência das más condições de trabalho3232. Campos JADB, Schneider V, Bonafé FSS, Oliveira RV, Maroco J. Burnout syndrome and alcohol consumption in prison employees. Rev Bras Epidemiol. 2016;19(1):205-16.–3434. Brites RMR, Abreu AMM, Portela LF. Reduction of the alcohol consumption among workers using a brief intervention. Texto Contexto Enferm. 2019;28:e20180135.. Nesse contexto, a detecção desse tipo de comportamento nos padrões de consumo de bebidas alcoólicas de uma população deve servir de alerta para as diversas consequências sociais decorrentes do consumo elevado do álcool3535. Monteiro MG. Public policies to prevent alcohol-related harm. Epidemiol Serv Saúde. 2016;25(1)..
Este estudo apresenta limitações, podendo-se destacar alguns itens das perguntas que constituíram o instrumento de coleta de dados, que podem ter sido mal compreendidas ou respondidas distorcidamente, uma vez que a coleta foi baseada em questionários autoaplicáveis, situação que foi minimizada pela condução do estudo-piloto. Além disso, o MBI-HSS não tem poder diagnóstico, ou seja, para a confirmação da SB, é necessária, preferencialmente, uma avaliação por um psiquiatra experiente1515. Benevides-Pereira AMT, organizador. Burnout: quando o trabalho ameaça o bem-estar do trabalhador. 3ᵃ ed. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2010.. Contudo, trata-se de um estudo relevante que contribui para identificar possíveis comportamentos e fatores associados à SB em profissionais técnicos de enfermagem que atuaram em UTI durante a pandemia da COVID-19, constituindo um grupo de risco.
CONCLUSÃO
Por meio do presente estudo, ficou evidente que uma parcela considerável de técnicos de enfermagem que atuam em UTIs e que estão na linha de frente na pandemia da COVID-19 foi identificada com SB e que fatores sociodemográficos (idade > 36 anos), ocupacionais (realizar hora extra, considerar a carga horária de trabalho rígida) e comportamentais (etilismo) se mostraram como preditores da síndrome.
Espera-se que este estudo sirva como base para a elaboração de programas de saúde ocupacional para esse grupo de trabalhadores, uma vez que com esses dados é possível compreender melhor os perfis de risco que levam à SB, contribuindo com o conhecimento na área de saúde mental do trabalhador.
REFERÊNCIAS
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
31 Mar 2021 -
Data do Fascículo
Jan-Mar 2021
Histórico
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Recebido
19 Jul 2020 -
Aceito
07 Nov 2020