RESUMO
Objetivo: Descrever os padrões do suicídio, relacionando-os com aspectos sociodemográficos, espaço-temporais e relacionados ao suicídio na região mais populosa do estado de Alagoas (AL), Brasil.
Métodos: Foi delineado um estudo observacional e retrospectivo a partir de dados de suicídio do Instituto Médico Legal localizado em Maceió (AL), compreendendo os anos entre 2016 e 2018. Por meio de regressão logística binária e múltipla foi determinado um modelo estatístico para identificar fatores associados ao suicídio dentre homens e mulheres.
Resultados: Do total de suicídios levantados (n = 172), 71,5% eram de vítimas do sexo masculino. A média de idade nos homens foi de 39,3 anos e de 34,1 nas mulheres. O modelo final de regressão logística identificou que homens pretos/pardos tem 12 vezes mais chances (p < 0,001) de cometer suicídio do que os brancos. Além disso homens tem menos chances de se suicidar por intoxicação exógena (p < 0,001) ou queda intencional (p =0,01) do que por enforcamento. Homens em situação empregatícia apresentaram maior chance de suicídio (p = 0,02).
Conclusões: Apesar da complexidade do fenômeno em estudo, foi possível verificar alguns padrões para a região mais populosa do estado de Alagoas. O padrão do suicídio no estado seguiu o cenário nacional, afetando homens, adultos, jovens de etnia negra (preta/parda) em situação empregatícia, além do enforcamento como mecanismo padrão entre os homens. O presente estudo poderá ser base para planejamento de intervenções com foco na prevenção do fenômeno, com foco nos determinantes para o suicídio.
PALAVRAS-CHAVE Epidemiologia; comportamento autodestrutivo; ideação suicida; prevenção ao suicídio; suicídio
ABSTRACT
Objective: To describe the patterns of suicide, relating them to sociodemographic, spatial-temporal and suicide-related aspects in the most populous region of the state of Alagoas (AL), Brazil.
Methods: Observational and retrospective study based on suicide data from the Instituto Médico Legal located in Maceió (AL), covering the years between 2016 and 2018. Through binary and multiple logistic regression, a statistical model was determined to identify factors associated with suicide between men and women.
Results: From the overall number of reported suicides (n = 172), 71.5% were male victims. The mean age for men was 39.3 years and 34.1 for women. The final logistic regression model identified that black/brown men are 12 times more likely (p < 0.001) to commit suicide than white men. In addition, men are less likely to commit suicide by exogenous intoxication (p < 0.001) or intentional fall (p = 0.01) than by hanging. Men in employment were more likely to commit suicide (p = 0.02).
Conclusions: Despite the complexity of the phenomenon under study, it was possible to verify some patterns for the most populous region of the state of Alagoas. The pattern of suicide in the state followed the national scenario, affecting men, adults, young people of black ethnicity (black/brown) in employment, in addition to hanging as the standard mechanism among men. The present study could be the basis for planning interventions focused on preventing the phenomenon, focusing on the determinants of suicide.
KEYWORDS Epidemiology; self-injurious behaviour; suicidal ideation; suicide prevention; suicide
INTRODUÇÃO
O suicídio é um agravo percebido ao longo de toda a história da humanidade. Ele é determinado por causas multifatoriais, incluindo a interação de fatores psicológicos, biológicos, genéticos, culturais e socioambientais sendo a consequência final de um processo1. A terminologia suicídio é atribuída a um neologismo latino da Inglaterra de 1630, mas é provável que o termo tenha sido usado pela primeira vez pelo abade Desfontaines entre 1734 e 17372. A origem etimológica mais provável deriva do latim "sui" (si mesmo) e "caedes" (ação de matar)3.
A biologia do suicídio foi publicada recentemente em grande estudo colaborativo internacional que investigou a expressão genética de milhares de indivíduos que já sofreram tentativa de suicídio (29.782 casos e 519.961 controles). Após análise gênica foi identificado dois locus significativamente associados em indivíduos com tentativa de suicídio; uma no cromossomo 7 e outra no cromossomo 6 na região do Complexo Principal de Histocompatibilidade, local já previamente associado com transtornos psiquiátricos como depressão e esquizofrenia4.
Suicídio está entre as principais causas de morte no mundo e resulta em mais óbitos do que malária, câncer de mama, guerras e homicídios5. Em 2016, representou cerca de 1,4% de todas as mortes do mundo, aproximadamente 800.000 ao ano, média de um caso a cada 40 segundos6. No Brasil, no período de 2011 a 2017, foram registrados 80.352 óbitos por suicídio entre pessoas com 10 anos ou mais. Destes, 27,3% ocorreram na faixa etária de 15 a 29 anos, e 79% vitimaram indivíduos do sexo masculino7. Estes dados tornam o suicídio a terceira causa de morte entre homens de 20 a 39 anos, além de aparecer entre as cinco primeiras causas de morte para todas as regiões brasileiras8.
A Associação Brasileira de Psiquiatria cita os dois principais fatores preditivos para o suicídio; a tentativa prévia de suicídio e as doenças mentais como depressão, transtorno bipolar, alcoolismo/drogas, transtornos de personalidade e esquizofrenia1. Estima-se que, para cada morte por suicídio, existam mais de 20 tentativas9. Uma revisão sistemática identificou que para a região da América Latina e Caribe os principais fatores para tentativa de suicídio foram o Transtorno Depressivo Maior (TDM), disfunção familiar e a tentativa anterior de suicídio, enquanto para o suicídio consumado os fatores foram ser do sexo masculino e possuir TDM10.
Estudo ecológico realizado sobre o suicídio contemporâneo brasileiro entre os anos de 1980-2010, identificou por meio de análise espaço-temporal que há uma clara dicotomia na distribuição do suicídio entre Norte/Nordeste e Sul/Sudeste/Centro-Oeste. Municípios do Norte/Nordeste apresentaram taxas de suicídio mais baixas, enquanto que aqueles do Sul e boa parte do Centro-Oeste e Sudeste apresentaram elevadas taxas de suicídio11.
Apesar de menores taxas nas regiões Norte e Nordeste, outra análise sobre a tendência de suicídio no Brasil entre 1996-2015, têm indicado que há uma tendência crescente, com taxa de variação positiva de 1,73% e 2,30% para as regiões citadas, respectivamente12. Além disso, apesar da região Sul apresentar historicamente maiores taxas, foi percebido uma tendência de diminuição ao longo do período analisado entre 1996 a 201512. Outra análise temporal entre os anos de 2000 e 2012, identificou que o Sul com a maior taxa global, enquanto que o Nordeste apresentou maior crescimento ao longo do tempo13.
O atual estudo teve como cenário o estado de Alagoas, localizado em região Nordeste. Ainda existem poucas investigações nessa localidade acerca do padrão epidemiológico do suicídio e os fatores associados à sua ocorrência dentre os sexos. Neste sentido, a presente pesquisa descreveu e analisou o suicídio, relacionando os aspectos sociodemográficos e espaço-temporais, conforme a distribuição do sexo da vítima.
MÉTODOS
Desenho e cenário do estudo
Foi delineado um estudo observacional retrospectivo, entre os anos de 2016 e 2018, acerca do suicídio na região mais populosa de Alagoas, denominada de 1ª macrorregião do estado, com população aproximada de 2 milhões de habitantes, incluindo 56 municípios. Essa macrorregião tem como expoente a capital Maceió, que representa metade desta população com estimativa de 1.012.382 habitantes para o ano de 201814.
Seleção dos participantes
Foram incluídas vítimas fatais de suicídio com causa determinada pelo registro do laudo de necropsia do Instituto Médico Legal (IML) de Maceió. A determinação do suicídio no Brasil, por legislação, deve ser atestada por um médico perito oficial de cada estado, ou na sua ausência, por duas pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, em conformidade com a Lei n° 11.690 de 200815. A inclusão dos participantes deste estudo deu-se por meio indireto, com o consentimento cedido pelo diretor responsável pela guarda dos laudos.
Descrição das variáveis de estudo
O sexo da vítima (masculino x feminino) foi utilizado como fator dependente, sendo associado com diversas condições independentes. Estes fatores independentes foram divididos em quatro grandes blocos: a) características sociodemográficas; b) características relacionadas ao evento do suicídio; c) a temporalidade do fenômeno; e d) relacionadas à região de residência e ocorrência do suicídio.
As características sociodemográficas abrangeram: sexo da vítima (feminino/masculino); idade (em anos); etnia (pretos-pardos/brancos); relacionamento (com/sem parceiro); ocupação (trabalha/não). As características relacionadas ao evento do suicídio envolveram o agente lesivo utilizado como mecanismo para a prática do ato (enforcamento, intoxicação exógena ou queda intencional). Adicionalmente foi investigado o método de reconhecimento da vítima (facial/tatuagem/outros). A temporalidade do fenômeno foi avaliada por meio do ano de ocorrência (2016-2018); dia da semana (seg-sex/fim de semana); horário (madrugada, manhã, tarde e noite) e trimestre da ocorrência. Por fim, os fatores relacionados a região do suicídio englobaram o município de residência e ocorrência, sendo codificados em capital/interior.
Fonte de dados e medidas
Os dados foram obtidos por meio de consulta aos laudos de necropsia do IML de Maceió. A ficha de entrada cadavérica do Instituto incluía a numeração do registro; identificação do cadáver (nos casos já identificados); responsável e método de reconhecimento; preâmbulo (data/horário do exame, médico legista responsável, tipo de perícia requisitada e quesitos oficiais); histórico contendo os comemorativos do caso, normalmente relatado pela perícia no local do fato ou por familiares/testemunhas; inspeção externa e interna do cadáver.
Baseado no estudo da ficha padrão do IML foi elaborado um formulário de coleta de dados, incluindo as variáveis chaves de interesse para o presente estudo, citadas anteriormente. O formulário foi testado por meio de um estudo piloto, no qual dois pesquisadores foram treinados para realizar a coleta de dados que ocorreu nos meses de outubro a dezembro de 2015, não incluídos no atual estudo. Cada pesquisador realizou uma busca independente e ao fim os resultados foram confrontados. Houve inconsistências e dúvidas entre os pesquisadores para as categorias do mecanismo do suicídio, sendo necessário adequação. Após a elaboração do formulário final, os mesmos pesquisadores treinados realizaram a coleta integral e digitação dos dados em planilha eletrônica. Como recurso de controle de qualidade dos dados utilizou-se validação de entrada dos dados em programa computacional, bem como a dupla digitação de dados.
Vieses
A principal fonte de viés do presente estudo esteve relacionada à natureza dos dados. O uso de informações secundárias contidas em registros médicos está sempre sujeita à incompletude, assim como diferenças na classificação/diagnóstico por diferentes profissionais, e no caso do suicídio nem sempre é possível determinar a causa exata da morte. Esses vieses são inerentes ao tipo de estudo e são previsíveis, entretanto, correspondem a informação oficial do estado de Alagoas e, portanto, são o único meio de aceso às informações mais detalhadas sobre o suicídio. Outras fontes de vieses foram passíveis de controle, como a realização do pré-teste do instrumento de coleta, treinamento dos anotadores, critérios de validação de entrada de dados e dupla digitação.
Método estatístico
Utilizou-se uma modelagem estatística por meio da regressão logística múltipla, utilizando o sexo masculino como categoria de referência para a análise. Esta escolha se deu devido ao amplo número de suicídios envolvendo homens. Inicialmente foi calculado o valor da Razão de Chances (RC) por meio do método binário, estimando o Intervalo de Confiança (IC) de 95%. Os pré-requisitos para a regressão foram ausência de multicolinearidade (autocorrelação da variável independente com o desfecho), expressos por valores de Tolerância > 0,1 e valores de VIF < 10, outro quesito observado foi a inexistência de valores discrepantes (outliers). As variáveis com significância de até 20% (p-valor até 0,20) na regressão binária foram elegíveis para o modelo múltiplo. Foi utilizado o método de modelagem tipo hierárquico, iniciando com a introdução de variáveis mais significativas no modelo por blocos. A escolha do modelo final observou a significância do modelo, o R Quadrado de Nagelkerke, a capacidade de classificação do modelo e a significância de Hosmer e Lemeshow. Em todas as análises fixou-se o nível de significância em 5%, sendo utilizado o pacote estatístico SPSS (versão 20.0) para auxílio no processamento dos dados.
Consideração ética da pesquisa
Os principais riscos da pesquisa envolveram a possibilidade de vazamento de informações das vítimas de suicídio, incluindo o nome, por algum dos pesquisadores, quebrando o sigilo médico que deveria ser garantido, em acordo com o Código de Ética Médica. Nesse aspecto, foi acordado um termo de responsabilidade assinado pelos membros do estudo que participaram da coleta, firmando o dever de manter o sigilo de todas as informações acessadas nos laudos de necropsia, sob pena de responsabilização ética, civil ou penal.
O estudo somente foi iniciado após aprovação por um Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos (CAAE: 12226919.0.0000.0039), pois apesar de tratarmos de dados secundários, as informações acessadas são de caráter sigiloso do estado e referem-se a pessoas. Nenhum dado relativo ao nome da vítima foi coletado durante o estudo, e todas as informações divulgadas não permitem identificação das vítimas.
RESULTADOS
Ao longo de três anos (2016-2018) foram computados 172 registros de suicídio no IML de Maceió. Desse total 123 (71,5%) acometeram homens, 48 (27,9%) mulheres e em apenas 01 caso (0,6%) não houve identificação do sexo. A idade variou entre 12 e 78 anos, sendo a média de 38 (DP: ±15,3) e mediana de 37, com distribuição não normal entre os sexos (p-valor para Kolmogorov-Smirnov = 0,01 para ambos os sexos). Nos homens a média de idade foi de 39,3 anos (DP: ±15,5) e de 34,1 anos nas mulheres (DP: ± 13,7).
O resultado da regressão logística binária expresso na Tabela 1 mostrou que seis variáveis (idade, etnia, ocupação, mecanismo do suicídio, ano e trimestre da ocorrência) apresentaram o pré-requisito do valor de significância de até 20% (p-valor até 0,20), sendo incluídas para o delineamento no modelo múltiplo. A inclusão das variáveis idade e ano da ocorrência causaram uma piora no resultado do modelo final, sendo excluídas durante a modelagem.
A variável "reconhecimento do corpo" não foi expressa na Tabela 1 pois não teve pré-requisito para análise de regressão, devido a frequência muito baixa de algumas categorias. Além disso essa variável teve alto percentual de dados ausentes os laudos necroscópicos, apenas 60 fichas apresentavam tal informação. Destas, 55 casos (91,7%) foram de reconhecidos pela face, 03 (05%) foram reconhecidos pela combinação de tatuagens e face, e 02 casos (3,3%) por outras formas não especificadas.
Na Tabela 2 temos o resultado do melhor ajuste conseguido após regressão logística com método hierárquico. O modelo em geral foi significativo (p < 0,001) e conseguiu prever 46% das variações, expresso pelo R Quadrado de Nagelkerke. Além disso, foi capaz de classificar corretamente 84,8% dos dados. O teste de Hosmer e Lemeshow foi não significativo, indicando confiabilidade do modelo.
A Tabela 3 indica os fatores que permaneceram significativos na análise de múltiplas variáveis. O suicídio envolvendo pretos/pardos teve 12 vezes mais chance de acontecer no sexo masculino, enquanto a categoria de suicídio por intoxicação exógena teve 0,07 vezes menos chances de ocorrer em comparação a categoria referencial, que foi enforcamento. Outros fatores significativos no modelo foram as categorias "não trabalhar"; "queda intencional" e "2° trimestre".
Os indicadores apresentados na Tabela 3 indicam os valores do modelo matemático de regressão tido com Y = α + βX + ε. O coeficiente β que representa o intercepto da função de regressão, indicando a variação observada em Y associada ao aumento de uma unidade de X, incluindo o respectivo erro padrão. A estatística Wald representa o valor do teste calculado em modelos múltiplos, servindo para testar as hipóteses nula (H0) e alternativa (H1).
DISCUSSÃO
O presente estudo detalhou uma análise epidemiológica para a região mais populosa do estado de Alagoas, exibindo padrões de suicídio de acordo com características demográficas, sociais e relacionadas ao suicídio. Ao todo 172 registros puderam ser computados ao longo de três anos (2016-2018) de análise no IML de Maceió, estado de Alagoas.
O suicídio na região em estudo afetou principalmente homens, adultos jovens, de etnia preta/parda, vivendo em situação conjugal e que possuíam vínculo empregatício. O mecanismo predominante para consumação do ato suicida foi pelo enforcamento, seguido por intoxicação exógena e queda intencional.
Observando os fatores sociodemográficos percebemos que o padrão de vitimização é masculino, pois os homens se suicidaram 2,5 vezes mais do que as mulheres. Essa discrepância homem/mulher na distribuição do suicídio é condizente com o cenário nacional, verificado no mais recente boletim epidemiológico do Ministério da Saúde16. Segundo o boletim, os homens apresentaram risco 3,8 vezes maior de cometer suicídio, sendo que a taxa para o Brasil foi de 10,7 por 100 mil nos homens e 2,9 por 100 mil nas mulheres.
O fato de os homens cometerem mais suicídio pode estar relacionado a questões sociais, uma vez que os homens tendem a buscar menos ajuda quando apresentam pensamentos suicidas e depressivos1. A solidão e o isolamento social são fatores comuns no comportamento masculino1. É provável que as mulheres se suicidem menos, pois possuem redes sociais de proteção mais fortes, sendo mais engajadas para busca de proteção individual e comunitária1. A saúde mental e o uso de álcool também tem sido fatores importantes no desenvolvimento do pensamento suicida e do ato em si. Nesses casos, os homens também se destacam, pois tendem a procurar menos apoio a serviços de saúde mental e consomem significativamente mais álcool que as mulheres17–19.
Analisando a variável idade no presente estudo, percebemos que houve predominância de óbitos entre adultos-jovens, com média de 38 anos. No ano de 2019, o Brasil teve como principal faixa-etária, acometida por suicídio, adultos entre 40-59 anos (8,43 por 100 mil), seguido da faixa de 20-39 anos (8,19 por 100 mil)16.
Em escala global há diversos padrões suicidas nos países. Em regiões de baixa e média renda os adultos jovens e mulheres idosas apresentam taxas mais altas, enquanto que nas regiões de alta renda os homens de meia-idade apresentam maiores taxas9. No atual estudo, a média de idade entre homens foi superior às mulheres, entretanto, esta relação esteve no limiar de significância na regressão binária e não foi significativa na análise múltipla.
Referente a etnia, houve associação estatística significativa na análise de regressão múltipla. Houve maior chance de suicídio entre pardos/pretos comparados com brancos. Dados nacionais já evidenciaram que entre 2011 e 2017, a maior parte da população que se suicidou foram os negros (pretos/pardos), contabilizando 11.758 óbitos, que representou 54,0% de todos os óbitos7. Dentre os fatores associados a maior causa de suicídio entre negros o Ministério da Saúde explica que o racismo é um fator estrutural importante, pois gera efeitos diretos no comportamento da pessoa negra, relacionados à humilhação racial, negação de si, e consequências incluindo a prática do suicídio20. Segundo cartilha do Ministério da Saúde, entre 2012 e 2016 o risco de suicídio entre os que se autodeclaram negros (pretos/pardos) foi 45% maior entre jovens de 10 a 29 anos, comparados aos que se autodeclaram brancos20. Nossos dados corroboram com o cenário apontado pelo Ministério da Saúde.
Os homens com status civil "sem parceira (o)" apresentaram ligeiramente maior chance de cometer suicídio, entretanto, sem associação estatística. O estado civil englobado dentro da categoria "sem parceiros", que abrange os solteiros, separados e viúvos, tem sido apontado na literatura como possível fator associado com maiores tentativas de suicídio e suicídio consumado1,21. Dados do Boletim Epidemiológico sobre suicídio do Ministério da Saúde Brasileiro mostrou que entre 2011 e 2015 o principal estado civil que cometeu suicídio foram os solteiros/viúvos/divorciados, contabilizando 60,4% do total de 33.594 óbitos22.
Outros achados também verificaram essa tendência apontada no Boletim e no presente estudo(23–25). Possível explicação seria o fato de que os solteiros, sobretudo homens, apresentam maior isolamento social, enquanto os casados em geral apresentam maior grau de consolidação social e rede familiar de apoio que servem como fator de proteção ao suicídio(26,27).
Os homens sem trabalho apresentaram menor chance de cometer suicídio, comparando com homens em situação regular de trabalho. O homem no contexto brasileiro ainda é visto como mantenedor econômico do lar, apresentando estressores associados ao trabalho e ao provimento financeiro23. O emprego tem sido associado com o suicídio, sobretudo devido ao estímulo desenfreado ao sucesso, a competição individual, culto à excelência e orgulho irrestrito ao trabalho. A devoção ao trabalho como símbolo do sucesso tem causado patologias no homem moderno, por vezes, levando ao próprio suicídio28. A Associação Brasileira de Psiquiatria explica que o trabalho pode ser um dos fatores desencadeantes ao suicídio, principalmente nos indivíduos com transtorno de personalidade1.
Dentre os mecanismos de suicídio foi verificado que nos homens estão mais associados a enforcamento e menos associados às mortes por intoxicação exógena, permanecendo tal associação significativa no modelo de regressão múltipla. As mulheres, por sua vez, estiveram mais associadas à intoxicação exógena. Estes resultados condizem com o cenário nacional em que o mecanismo de suicídio geral dentre os sexos tem sido, de fato, o enforcamento. Entretanto, quando observamos a segunda principal causa de suicídio no Brasil, a proporção de intoxicação exógena nas mulheres é bem superior aos homens8,22.
O mecanismo de suicídio possui relação com a acessibilidade a meios de se cometer o suicídio, contribuindo para o desfecho do fenômeno29,30. Os homens normalmente estão mais propensos ao uso de meios mais agressivos durante o ato suicida como enforcamento e uso de arma de fogo, enquanto que nas mulheres a intoxicação exógena tem sido mais relevante, sobretudo por uso de medicamentos29,31. Outros estudos têm identificado que o acesso a arma de fogo também tem sido etiologia para o suicídio32,33. No atual estudo, porém, não houve registros de uso de arma de fogo por parte das vítimas. É mais comum o uso de arma de fogo para a prática de homicídios na região alagoana em análise34.
Com relação a temporalidade do suicídio foi percebido que houve apenas associação significativa na análise múltipla para a variável trimestre do ano, de modo que no segundo trimestre houve uma maior chance de ocorrência em comparação ao primeiro semestre. Tal associação está relacionado ao baixo número de mulheres que cometeram suicídio no segundo trimestre exclusivamente, elevando a chance para esta categoria. Os fatores relacionados à região de ocorrência e residência também não mostraram diferenças significativas nas análises bivariadas e na regressão múltipla.
As variáveis idade e ano de ocorrência não foram incluídas na modelagem final pois afetavam a qualidade do modelo. Tal procedimento provavelmente ocorreu devido a própria distribuição dos dados, uma vez que a idade teve uma amplitude muito grande (variação entre o valor mínimo e máximo), e também o ano de ocorrência obteve distribuição muito semelhante entre os anos.
O suicídio é um fenômeno complexo, e, portanto, múltiplos fatores podem estar envolvidos na sua causalidade. A presente investigação não teve o objetivo de esgotar o assunto e não abarcou todos os seus aspectos. A principal limitação enfrentada na condução da pesquisa decorreu da ausência de informações importantes nos laudos cadavéricos, provavelmente devido à dificuldade dos peritos na determinação da causa básica dos óbitos durante as necropsias. É preciso considerar ainda que a proporção maior de indivíduos de etnia preta/parda influenciou na significância dessa categoria, haja vista que a minoria se autodeclarou branca.
CONCLUSÕES
Foram descritos no presente estudo o padrão de vitimização do suicídio em função do sexo. O suicídio na região em análise apresentou características semelhantes ao cenário nacional. Os homens negros, que inclui as categorias pretos e pardos, estiveram significativamente mais associados a ocorrência do suicídio. Além disso, o trabalho e o mecanismo do suicídio, sobretudo o enforcamento nos homens, também mostraram-se fatores relevantes na análise múltipla. É preciso considerar o impacto que o trabalho excessivo possa ter na saúde mental das pessoas, como carga-horária excessiva, cobranças elevadas, além de situações de assédio, insalubridade/exposição a riscos ocupacionais. Apesar da complexidade do fenômeno em estudo, foi possível verificar alguns padrões para a região mais populosa do estado de Alagoas.
Por fim, este estudo fornece informações importantes para a saúde pública do estado e pode servir de base para planejamento sobre possíveis formas de prevenção e promoção da saúde focada nos fatores determinantes para sua ocorrência. Dentre possíveis desdobramentos do atual estudo é preciso focar em ações para a população masculina, jovem e sobretudo no ambiente laboral. Tais ações devem focar na valorização da vida, além de identificação, aconselhamento e encaminhamento para ajuda as pessoas com distúrbios mentais e psicológicos.
AGRADECIMENTOS
Ao apoio financeiro fornecidos pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) por meio do Edital N° 28/2018 [processo: 408271/2018-3]. Agradecemos especialmente ao Diretor do Instituto Médico Legal de Maceió (gestão 2019) pela autorização de acesso aos arquivos de necrópsia.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
09 Set 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
22 Nov 2022 -
Aceito
07 Jan 2024