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Tratamento dos transtornos alimentares: perfil sociodemográfico, desfechos e fatores associados

Eating disorders treatment: sociodemographic profile, outcomes and associated factors

RESUMO

Objetivo:

Avaliar o perfil dos pacientes com transtornos alimentares (TAs) atendidos por um serviço especializado e investigar os fatores associados ao desfecho do tratamento.

Métodos:

Estudo retrospectivo, realizado com dados de pacientes com TAs que fizeram seguimento em um serviço especializado, desde a sua criação, em 1982, até 2019. Foram coletadas informações, nos prontuários médicos, referentes ao primeiro atendimento, de natureza sociodemográfica, clínica e antropométrica, e ao desfecho do tratamento.

Resultados:

Foram incluídos 271 pacientes. A amostra foi predominantemente do sexo feminino (89,7%), com idade média de 21,5 ± 9 anos, sem companheiro (86,9%) e diagnóstico de anorexia nervosa (AN) (65,7%), e o índice de massa corporal mais frequente foi de magreza (53,9%). A metade dos indivíduos tinha comorbidades psiquiátricas (50,6%), e 88,5% dos pacientes (n = 100) dos 113 prontuários com essa informação realizaram tratamento anterior. O tempo médio de tratamento foi de 2,16 ± 3,25 anos (1 mês a 40 anos). O abandono foi o desfecho terapêutico mais prevalente na amostra (68,3%). O maior tempo de tratamento e a realização de tratamento anterior reduziram a taxa de abandono, de forma significativa (p = 0,0001 e p = 0,0101, respectivamente). Para os pacientes com diagnóstico de transtorno de personalidade, a média de encaminhamento/inassistência foi 4,47 vezes maior (p = 0,0003).

Conclusões:

O perfil dos pacientes foi composto por mulheres adultas jovens, estudantes, sem companheiro, com AN, magreza e comorbidades psiquiátricas. A taxa de abandono foi elevada, e os fatores associados foram o tempo de tratamento e a realização de tratamento anterior. Além disso, transtornos de personalidade foram associados a encaminhamento para outro serviço e alta por inassistência.

PALAVRAS-CHAVE
Transtorno alimentar; anorexia nervosa; bulimia nervosa; preditores; desfecho

ABSTRACT

Objective:

To evaluate the profile of patients with eating disorders (ED) treated by a specialized service and to investigate the factors associated with the treatment outcome.

Methods:

Retrospective study, with data from patients with ED who were followed up at a specialized service, since its creation, in 1982, until 2019. Information of a sociodemographic, clinical, anthropometric nature and the outcome of the treatment were collected from the medical records regarding the first consultation.

Results:

Two hundred and seventy one patients were included. The sample was predominantly female (89.7%), with a mean age of 21.5 ± 9 years, without a partner (86.9%), diagnosis of anorexia nervosa (AN) (65.7%) and the most frequent body mass index was thinness (53.9%). Half of the individuals had psychiatric comorbidities (50.6%) and 88.5% (n = 100) of the 113 medical records with this information had undergone previous treatment. The mean treatment time was 2.16 ± 3.25 years (1 month to 40 years). Dropout was the most prevalent therapeutic outcome in the sample (68.3%). Longer treatment time and having undergone previous treatment significantly reduced the dropout rate (p = 0.0001 and p = 0.0101, respectively). For patients diagnosed with a personality disorder, the mean referral/lack of assistance was 4.47 times higher (p = 0.0003).

Conclusions:

The patients’ profile consisted of young adult women, students, single, with AN, thinness and psychiatric comorbidities. The dropout rate was high, and the predictors associated with this outcome were treatment time and previous treatment for ED. In addition, personality disorders were associated with referral to another service and discharge due to lack of assistance.

KEYWORDS
Eating disorder; anorexia nervosa; bulimia nervosa; predictors; outcome

INTRODUÇÃO

Os transtornos alimentares (TAs) são condições psiquiátricas nas quais a anorexia nervosa (AN), a bulimia nervosa (BN) e o transtorno de compulsão alimentar (TCA) são considerados os mais graves e com maiores repercussões para a saúde global11 Klump KL, Bulik CM, Kaye WH, Treasure J, Tyson E. Academy for eating disorders position paper: Eating disorders are serious mental illnesses. Int J Eat Disord. 2009;42:97-103.,22 Alvarenga MS, Koritar P, Pisciolaro F, Mancini M, Cordás TA, Scagliusi FB. Eating attitudes of anorexia nervosa, bulimia nervosa, binge eating disorder and obesity without eating disorder female patients: Differences and similarities. Physiol Behav. 2014;131:99-104., e o transtorno alimentar não especificado (TANE), o mais prevalente na atualidade33 Galmiche M, Déchelotte P, Lambert G, Tavolacci MP. Prevalence of eating disorders over the 2000-2018 period: a systematic literature review. Am J Clin Nutr. 2019;109:1402-13..

O curso desses quadros tende a evoluir com desfechos abaixo do ideal em se tratando de remissão e manutenção dessa recuperação ao longo da vida, sendo mais comum a sustentação de certa sintomatologia, podendo atingir a cronificação da doença ou a migração para outra hipótese diagnóstica44 Fichter MM, Quadflieg N, Crosby RD, Koch S. Long-term outcome of anorexia nervosa: Results from a large clinical longitudinal study. Int J Eat Disord. 2017;50:1018-30.77 Quadflieg N, Fichter MM. Long-term outcome of inpatients with bulimia nervosa – Results from the Christina Barz Study. Int J Eat Disord. 2019;52:834-45.. A recidiva mostra-se frequente por até dois anos após a alta88 Berends T, Boonstra N, van Elburg A. Relapse in anorexia nervosa: A systematic review and meta-analysis. Curr Opin Psychiatry. 2018;31:445-55., e o tempo médio que os indivíduos se mantêm em tratamento é em torno de cinco a seis anos99 Smink FRE, van Hoeken D, Hoek HW. Epidemiology, course, and outcome of eating disorders. Curr Opin Psychiatry. 2013;26:543-8.. O abandono do tratamento é comum1010 DeJong H, Broadbent H, Schmidt U. A systematic review of dropout from treatment in outpatients with anorexia nervosa. Int J Eat Disord. 2012;45:635-47.. Além disso, é constatado que o risco de morte prematura nos indivíduos com AN e BN é significativamente maior e ainda mais prevalente em pacientes com AN66 Keel PK. Epidemiology and course of eating disorders. In: Agras WS. The Oxford Handbook of Eating Disorders. 2nd ed. Oxford: Oxford University Press; 2018. p. 34-43.,1111 Arcelus J. Mortality Rates in Patients with Anorexia Nervosa and Other Eating Disorders. Arch Gen Psychiatry. 2011;68:724.1313 Fichter MM, Quadflieg N. Mortality in eating disorders – Results of a large prospective clinical longitudinal study. Int J Eat Disord. 2016;49:391-401..

Diante desse cenário, a busca por fatores que podem predizer o desfecho do tratamento se faz necessária, pois podem apontar alvos terapêuticos ou perfis de pacientes nos quais as metodologias de tratamento podem ser aprimoradas. Fatores prognósticos para os TAs foram avaliados por estudos anteriores, apontando aspectos de diversas naturezas. Entre os mais específicos da doença, inclui-se: preocupação com o peso/forma corporal1414 Steinhausen HC, Weber S. The outcome of bulimia nervosa: Findings from one-quarter century of research. Am J Psychiatry. 2009;166:1331-41.1616 Peckmezian T, Paxton SJ. A systematic review of outcomes following residential treatment for eating disorders. Eur Eat Disord Rev. 2020;28:246-59., índice de massa corporal (IMC)44 Fichter MM, Quadflieg N, Crosby RD, Koch S. Long-term outcome of anorexia nervosa: Results from a large clinical longitudinal study. Int J Eat Disord. 2017;50:1018-30.,1111 Arcelus J. Mortality Rates in Patients with Anorexia Nervosa and Other Eating Disorders. Arch Gen Psychiatry. 2011;68:724.,1313 Fichter MM, Quadflieg N. Mortality in eating disorders – Results of a large prospective clinical longitudinal study. Int J Eat Disord. 2016;49:391-401.,1515 Vall E, Wade TD. Predictors of treatment outcome in individuals with eating disorders: A systematic review and meta-analysis. Int J Eat Disord. 2015;48:946-71.2020 de Souza APL, Pessa RP. Tratamento dos transtornos alimentares: Fatores associados ao abandono. J Bras Psiquiatr. 2016;65:60-7., tempo de resposta ao tratamento, frequência de sintomas, comportamentos de compulsão/purgação1414 Steinhausen HC, Weber S. The outcome of bulimia nervosa: Findings from one-quarter century of research. Am J Psychiatry. 2009;166:1331-41.,1515 Vall E, Wade TD. Predictors of treatment outcome in individuals with eating disorders: A systematic review and meta-analysis. Int J Eat Disord. 2015;48:946-71., idade da manifestação, duração do tratamento/doença44 Fichter MM, Quadflieg N, Crosby RD, Koch S. Long-term outcome of anorexia nervosa: Results from a large clinical longitudinal study. Int J Eat Disord. 2017;50:1018-30.,99 Smink FRE, van Hoeken D, Hoek HW. Epidemiology, course, and outcome of eating disorders. Curr Opin Psychiatry. 2013;26:543-8.,1111 Arcelus J. Mortality Rates in Patients with Anorexia Nervosa and Other Eating Disorders. Arch Gen Psychiatry. 2011;68:724.,1313 Fichter MM, Quadflieg N. Mortality in eating disorders – Results of a large prospective clinical longitudinal study. Int J Eat Disord. 2016;49:391-401.,1414 Steinhausen HC, Weber S. The outcome of bulimia nervosa: Findings from one-quarter century of research. Am J Psychiatry. 2009;166:1331-41.,1616 Peckmezian T, Paxton SJ. A systematic review of outcomes following residential treatment for eating disorders. Eur Eat Disord Rev. 2020;28:246-59.1919 Yager J, Devlin MJ, Halmi KA, Herzog DB, Mitchell III JE, Powers P, Zerbe KJ. Guideline Watch (August 2012): Practice Guideline for the Treatment of Patients with Eating Disorders, 3rd Edition. Focus (Madison). 2014;12:416-31.,2121 Dobrescu SR, Dinkler L, Gillberg C, Råstam M, Gillberg C, Wentz E. Anorexia nervosa: 30-year outcome. Br J Psychiatry. 2020;216:97-104., hospitalizações 44 Fichter MM, Quadflieg N, Crosby RD, Koch S. Long-term outcome of anorexia nervosa: Results from a large clinical longitudinal study. Int J Eat Disord. 2017;50:1018-30.,1111 Arcelus J. Mortality Rates in Patients with Anorexia Nervosa and Other Eating Disorders. Arch Gen Psychiatry. 2011;68:724.,1313 Fichter MM, Quadflieg N. Mortality in eating disorders – Results of a large prospective clinical longitudinal study. Int J Eat Disord. 2016;49:391-401.,1717 Treasure J, Claudino AM, Zucker N. Eating disorders. Lancet. 2010;375:583-93.1919 Yager J, Devlin MJ, Halmi KA, Herzog DB, Mitchell III JE, Powers P, Zerbe KJ. Guideline Watch (August 2012): Practice Guideline for the Treatment of Patients with Eating Disorders, 3rd Edition. Focus (Madison). 2014;12:416-31.,2222 American Psychiatric Association (APA). Manual diagnóstico de transtornos mentais: DSM-5. 5th ed. Porto alegre: Artmed; 2014. e o diagnóstico de AN1414 Steinhausen HC, Weber S. The outcome of bulimia nervosa: Findings from one-quarter century of research. Am J Psychiatry. 2009;166:1331-41.,2020 de Souza APL, Pessa RP. Tratamento dos transtornos alimentares: Fatores associados ao abandono. J Bras Psiquiatr. 2016;65:60-7.,2323 Fassino S, Pierò A, Tomba E, Abbate-Daga G. Factors associated with dropout from treatment for eating disorders: A comprehensive literature review. BMC Psychiatry. 2009;9:67.,2424 Gregertsen EC, Mandy W, Kanakam N, Armstrong S, Serpell L. Pre-treatment patient characteristics as predictors of drop-out and treatment outcome in individual and family therapy for adolescents and adults with anorexia nervosa: A systematic review and meta-analysis. Psychiatry Res. 2019;271:484-501..

Outros estudos avaliaram fatores preditores mais gerais, como: motivação1414 Steinhausen HC, Weber S. The outcome of bulimia nervosa: Findings from one-quarter century of research. Am J Psychiatry. 2009;166:1331-41.,1515 Vall E, Wade TD. Predictors of treatment outcome in individuals with eating disorders: A systematic review and meta-analysis. Int J Eat Disord. 2015;48:946-71.,2424 Gregertsen EC, Mandy W, Kanakam N, Armstrong S, Serpell L. Pre-treatment patient characteristics as predictors of drop-out and treatment outcome in individual and family therapy for adolescents and adults with anorexia nervosa: A systematic review and meta-analysis. Psychiatry Res. 2019;271:484-501., melhor funcionamento interpessoal/psicossocial, resiliência1616 Peckmezian T, Paxton SJ. A systematic review of outcomes following residential treatment for eating disorders. Eur Eat Disord Rev. 2020;28:246-59., autoestima, autoeficácia, ambiente familiar1515 Vall E, Wade TD. Predictors of treatment outcome in individuals with eating disorders: A systematic review and meta-analysis. Int J Eat Disord. 2015;48:946-71., perfeccionismo, ter filhos99 Smink FRE, van Hoeken D, Hoek HW. Epidemiology, course, and outcome of eating disorders. Curr Opin Psychiatry. 2013;26:543-8.,1717 Treasure J, Claudino AM, Zucker N. Eating disorders. Lancet. 2010;375:583-93.,2121 Dobrescu SR, Dinkler L, Gillberg C, Råstam M, Gillberg C, Wentz E. Anorexia nervosa: 30-year outcome. Br J Psychiatry. 2020;216:97-104., comorbidades clínicas e psiquiátricas44 Fichter MM, Quadflieg N, Crosby RD, Koch S. Long-term outcome of anorexia nervosa: Results from a large clinical longitudinal study. Int J Eat Disord. 2017;50:1018-30.,1111 Arcelus J. Mortality Rates in Patients with Anorexia Nervosa and Other Eating Disorders. Arch Gen Psychiatry. 2011;68:724.,1313 Fichter MM, Quadflieg N. Mortality in eating disorders – Results of a large prospective clinical longitudinal study. Int J Eat Disord. 2016;49:391-401.,1515 Vall E, Wade TD. Predictors of treatment outcome in individuals with eating disorders: A systematic review and meta-analysis. Int J Eat Disord. 2015;48:946-71.,1717 Treasure J, Claudino AM, Zucker N. Eating disorders. Lancet. 2010;375:583-93.1919 Yager J, Devlin MJ, Halmi KA, Herzog DB, Mitchell III JE, Powers P, Zerbe KJ. Guideline Watch (August 2012): Practice Guideline for the Treatment of Patients with Eating Disorders, 3rd Edition. Focus (Madison). 2014;12:416-31.,2222 American Psychiatric Association (APA). Manual diagnóstico de transtornos mentais: DSM-5. 5th ed. Porto alegre: Artmed; 2014., uso/abuso de álcool44 Fichter MM, Quadflieg N, Crosby RD, Koch S. Long-term outcome of anorexia nervosa: Results from a large clinical longitudinal study. Int J Eat Disord. 2017;50:1018-30.,1111 Arcelus J. Mortality Rates in Patients with Anorexia Nervosa and Other Eating Disorders. Arch Gen Psychiatry. 2011;68:724.,1313 Fichter MM, Quadflieg N. Mortality in eating disorders – Results of a large prospective clinical longitudinal study. Int J Eat Disord. 2016;49:391-401.,1717 Treasure J, Claudino AM, Zucker N. Eating disorders. Lancet. 2010;375:583-93.1919 Yager J, Devlin MJ, Halmi KA, Herzog DB, Mitchell III JE, Powers P, Zerbe KJ. Guideline Watch (August 2012): Practice Guideline for the Treatment of Patients with Eating Disorders, 3rd Edition. Focus (Madison). 2014;12:416-31.,2222 American Psychiatric Association (APA). Manual diagnóstico de transtornos mentais: DSM-5. 5th ed. Porto alegre: Artmed; 2014., comportamentos suicidas e autodestrutivos44 Fichter MM, Quadflieg N, Crosby RD, Koch S. Long-term outcome of anorexia nervosa: Results from a large clinical longitudinal study. Int J Eat Disord. 2017;50:1018-30.,1111 Arcelus J. Mortality Rates in Patients with Anorexia Nervosa and Other Eating Disorders. Arch Gen Psychiatry. 2011;68:724.,1313 Fichter MM, Quadflieg N. Mortality in eating disorders – Results of a large prospective clinical longitudinal study. Int J Eat Disord. 2016;49:391-401.,1414 Steinhausen HC, Weber S. The outcome of bulimia nervosa: Findings from one-quarter century of research. Am J Psychiatry. 2009;166:1331-41.,1717 Treasure J, Claudino AM, Zucker N. Eating disorders. Lancet. 2010;375:583-93.1919 Yager J, Devlin MJ, Halmi KA, Herzog DB, Mitchell III JE, Powers P, Zerbe KJ. Guideline Watch (August 2012): Practice Guideline for the Treatment of Patients with Eating Disorders, 3rd Edition. Focus (Madison). 2014;12:416-31.,2222 American Psychiatric Association (APA). Manual diagnóstico de transtornos mentais: DSM-5. 5th ed. Porto alegre: Artmed; 2014., relações sociais, história de maus-tratos físicos, estresse psicossocial1414 Steinhausen HC, Weber S. The outcome of bulimia nervosa: Findings from one-quarter century of research. Am J Psychiatry. 2009;166:1331-41., transtorno de personalidade/borderline1414 Steinhausen HC, Weber S. The outcome of bulimia nervosa: Findings from one-quarter century of research. Am J Psychiatry. 2009;166:1331-41.,2323 Fassino S, Pierò A, Tomba E, Abbate-Daga G. Factors associated with dropout from treatment for eating disorders: A comprehensive literature review. BMC Psychiatry. 2009;9:67., medo da maturidade e impulsividade2323 Fassino S, Pierò A, Tomba E, Abbate-Daga G. Factors associated with dropout from treatment for eating disorders: A comprehensive literature review. BMC Psychiatry. 2009;9:67..

Diversos achados demonstram a relação do perfil do paciente com o prognóstico do tratamento para TA, entretanto a temática ainda está em debate, pois não há um consenso, devido à grande heterogeneidade nas metodologias dos estudos, variando desde o tipo do tratamento até a definição do desfecho1616 Peckmezian T, Paxton SJ. A systematic review of outcomes following residential treatment for eating disorders. Eur Eat Disord Rev. 2020;28:246-59.,2525 Radunz M, Keegan E, Osenk I, Wade TD. Relationship between eating disorder duration and treatment outcome: Systematic review and meta-analysis. Int J Eat Disord. 2020;53:1761-73.. Além disso, foi observada escassez de dados brasileiros sobre a temática na literatura. No Brasil, poucos são os serviços públicos especializados2626 Astral. Astral – Associação Brasileira de Transtornos Alimentares. Disponível em: https://astralbr.org/buscar-ajuda/. https://astralbr.org/. Acesso em: 1 dez. 2021.
https://astralbr.org/buscar-ajuda/...
e há carência de estudos sobre os TAs, principalmente com resultados sobre prevalência, perfil de pacientes, curso da doença, assim como fatores que podem predizer a sua evolução e consequentes desfechos do tratamento2727 Alves E, De Vasconcelos FDAG, Calvo MCM, Das Neves J. Prevalência de sintomas de anorexia nervosa e insatisfação com a imagem corporal em adolescentes do sexo feminino do Município de Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. Cad Saude Publica. 2008;24:503-12.,2828 Nunes MA. Epidemiologia dos transtornos alimentares. In: Nunes MA, Appolinario JC, Galvão AL, Coutinho W (Eds.). Transtornos alimentares e obesidade. Porto Alegre: Artmed; 2006. p. 51-8..

Portanto, demonstra-se a necessidade de mais estudos sobre a temática, seja para continuar contribuindo com dados na busca de um consenso sobre os fatores preditores de desfechos terapêuticos dos TAs, seja para explorar a situação dessas condições no Brasil. O objetivo deste estudo foi avaliar o perfil dos pacientes de um serviço especializado em TA, investigar as taxas de abandono, alta, óbito e encaminhamento, e correlacioná-las com as possíveis variáveis preditoras desses desfechos.

MÉTODOS

Estudo transversal, retrospectivo, descritivo e exploratório, desenvolvido em um serviço especializado para tratamento de TA no interior do estado de São Paulo, Brasil, de um hospital público universitário de nível terciário, com equipe multiprofissional composta por nutrólogos, psiquiatras, psicólogos, nutricionistas e terapeutas ocupacionais. O protocolo inclui atendimentos para pacientes com AN, BN e TANE individuais semanais, em nível ambulatorial, grupos de apoio aos pacientes e familiares, além de internação integral, quando necessário2929 Palma RFM, dos Santos JE, Ribeiro RPP. Hospitalização integral para tratamento dos transtornos alimentares: A experiência de um serviço especializado. J Bras Psiquiatr. 2013;62:31-7.3131 Santos JE. Grata: Nossa História, Trabalho e Desafios. Medicina (Ribeirao Preto Online). 2006;39:323..

Como participantes, foram incluídos todos os pacientes atendidos por esse serviço desde a sua criação, em 1982, até o mês de dezembro de 2019, independentemente do sexo e idade, e com hipótese diagnosticada de AN, BN e TANE por meio de entrevista clínica. Foram excluídos apenas aqueles que se encontravam em seguimento no momento da coleta de dados, que ocorreu entre julho 2020 e janeiro de 2021, ou com hipóteses diagnósticas diferentes das listadas acima, ou aqueles que não completaram, pelo menos, um mês de seguimento no serviço.

A coleta de dados foi realizada pelo levantamento das informações contidas nos prontuários médicos de todos os pacientes atendidos pelo serviço no referido período, por meio do sistema informatizado do hospital no Departamento de Seção de Dados Médicos. Essas informações dizem respeito ao primeiro atendimento do paciente no serviço, de natureza sociodemográfica (sexo, idade, estado civil, nível de escolaridade e ocupação), clínica (hipótese diagnóstica, presença de comorbidades psiquiátricas, tempo de sintomas e de tratamento) e antropométrica (IMC), à necessidade de internação durante o tratamento e ao seu desfecho, considerando as seguintes situações: abandono (quando o paciente não compareceu às consultas agendadas por três vezes consecutivas ou cinco vezes alternadas), alta hospitalar por recuperação do quadro clínico, alta por inassistência do paciente (desligamento do tratamento quando o paciente não teve adesão às orientações da equipe), encaminhamento para outros serviços e óbito. Para pacientes que receberam a hipótese diagnóstica de AN atípica, esta foi considerada como TANE2222 American Psychiatric Association (APA). Manual diagnóstico de transtornos mentais: DSM-5. 5th ed. Porto alegre: Artmed; 2014..

Todos os dados foram organizados em uma planilha no Microsoft Office Excel 2007® e verificados por dupla digitação. Em um segundo momento, foram analisados estatisticamente pelo IBM software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) 22.0®, por análise descritiva e de frequência. Para relacionar as variáveis categóricas com a variável Hipótese diagnóstica e com o desfecho, foi utilizado o teste qui-quadrado ou o teste exato de Fisher. Já para relacionar as variáveis numéricas com a variável Hipótese diagnóstica, foi utilizado o teste de Kruskal-Wallis3232 Agresti A. An Introduction to Categorical Data Analysis. 2nd ed. Hoboken: John Wiley & Sons, Inc.; 2007..

Para investigar a influência conjunta das variáveis que influenciaram no desfecho do tratamento, foi utilizado o modelo de regressão logística com necessidade de imputação de dados faltantes pelo algoritmo MICE (Multiple Imputation Chained Equation)3333 Van Buuren S, Groothuis-Oudshoorn K. MICE: Multivariate imputation by chained equations in R. J Stat Softw. 2011;45:1-67.. Além disso, para cada um dos modelos imputados, foi realizada análise de regressão de Poisson com variância robusta3434 Van Buuren S. Flexible Imputation of Missing Data. 2nd ed. Boca Raton, Florida: Chapman and Hall/CRC; 2018.. No ajuste final, todas as variáveis foram mantidas em todas as imputações realizadas e calculadas as respectivas razões de prevalências (RPs) junto com o respectivo intervalo de confiança (IC) de 95%. Em todas as análises, o nível de significância adotado foi de 5% (alfa = 0,05), sendo utilizado o programa R (R Core Team, 2020) versão 4.0.1.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (CAAE: 49314015.1.0000.5393).

RESULTADOS

Foram elegíveis para a pesquisa 271 prontuários médicos, constituindo uma amostra composta predominantemente pelo sexo feminino (89,7%), considerada jovem (idade média de 21,5 ± 9 anos, porém com ampla variação (10 a 78 anos). A maioria dos pacientes foi diagnosticada com AN (65,7%), seguida por BN (21,4%) e TANE (12,9%). A maior parte não tinha companheiro(a) (86,9%) nem filhos (88,2%).

Em relação à ocupação no momento do primeiro atendimento no serviço, a maioria era estudante (57,6%) e uma menor parcela da amostra não exercia uma profissão (17,1%). A escolaridade foi variada; uma parcela (35,8%) dos participantes tinha ensino fundamental completo, seguido de ensino médio completo (27,9%).

Algumas características sociodemográficas revelaram diferença estatisticamente significativa entre as hipóteses diagnósticas de TA, sendo elas sexo (p = 0,012), idade (p = 0,001), estado civil (p = 0,001), escolaridade (p = 0,011) e ocupação (p = 0,001), como demonstrado na tabela 1.

Tabela 1
Características sociodemográficas dos participantes do estudo (n = 271) no primeiro atendimento do tratamento, da amostra total e por diagnóstico do transtorno alimentar

As características clínicas da amostra estão apresentadas na tabela 2, com o estado nutricional, representado pelo IMC, indicando que a maioria da amostra apresentava magreza (53,9%), seguida de eutrofia (36%) e sobrepeso ou obesidade (10,1%). A metade dos indivíduos apresentava comorbidades psiquiátricas (50,6%), sendo a depressão (25,8%) e os transtornos de personalidade (34,3%) os mais recorrentes.

Tabela 2
Características clínicas dos participantes do estudo (n = 271) no primeiro atendimento do tratamento, gerais e segundo o diagnóstico do transtorno alimentar

Quanto à realização de tratamento anterior para TA, apenas 113 prontuários continham essa informação, e a resposta foi positiva para 100 pacientes (88,5%). O tempo de tratamento médio da amostra, no serviço, foi de 2,16 ± 3,25 anos (1 mês a 40 anos). Da mesma forma, o tempo médio de sintomas antes do seguimento foi de 48,9 ± 66,8 meses, variando de 2 a 298 meses (quartil 50 = 24 meses). Parcela moderada (22,1%) dos pacientes precisou ser internada de forma integral, sendo as causas nutricionais (80,5%) as mais recorrentes.

Algumas características clínicas revelaram diferença estatisticamente significativa entre as hipóteses diagnósticas de TA, entre elas estado nutricional (p < 0,001), comorbidades psiquiátricas (p = 0,004), transtorno de personalidade (p = 0,003) e internação (p = 0,003).

Quanto ao desfecho observado ao final do seguimento, a maioria da amostra abandonou o tratamento (68,3%), seguido de alta (22,5%), encaminhamento para outro serviço (5,9%) e alta por inassistência (1,8%). No serviço, a taxa de óbito foi baixa, com apenas 1,5% da amostra apresentando esse desfecho. Esse perfil se manteve entre os diferentes diagnósticos.

Ao analisar os desfechos por décadas, observa-se número variável de pacientes, com maior concentração na década de 2000 (n = 125), seguida pelas décadas de 1990 (66), 2010 (57) e 1980 (19) (Figura 1). O abandono é o desfecho apresentado pela maioria da amostra em todas as décadas. Apesar disso, quando se observa a porcentagem de cada desfecho por década, nota-se aumento da alta do tratamento e diminuição do abandono ao longo do tempo (Figura 2).

Figura 1
Desfechos do tratamento dos participantes do estudo (n=267) por hipótese diagnóstica e por década.
Figura 2
Desfechos do tratamento dos participantes do estudo (n=267) por década.

Ao investigar as variáveis que se mostraram preditoras do desfecho do tratamento, entre os pacientes que abandonaram e os que receberam alta, foi encontrada diferença estatística relativa ao tempo de tratamento (p = 0,0001), considerando que para cada mês a mais de tratamento se espera redução média de 1,33% na prevalência de abandono. Além disso, ter realizado tratamento anterior para o TA (p = 0,0101) exerceu influência, cuja prevalência média de abandono é 19,84% menor do que para quem não fez algum seguimento anteriormente.

Além disso, entre os pacientes que foram encaminhados para outros serviços e os que receberam alta, foi encontrada diferença estatística relativa a apresentar transtorno de personalidade (p = 0,0003), visto que, para os participantes com esse quadro, a prevalência média de encaminhamento/inassistência é 4,47 vezes maior do que para aqueles sem o transtorno.

DISCUSSÃO

Este estudo apontou que o perfil dos pacientes com TA foi composto predominantemente por mulheres adultas jovens, sendo a maioria diagnosticada com AN, estudante, sem companheiro, nem filhos. Esse perfil foi consistente com dados da literatura relativos ao sexo e à idade predominantes em pacientes com TA33 Galmiche M, Déchelotte P, Lambert G, Tavolacci MP. Prevalence of eating disorders over the 2000-2018 period: a systematic literature review. Am J Clin Nutr. 2019;109:1402-13.,1212 Demmler JC, Brophy ST, Marchant A, John A, Tan JOA. Shining the light on eating disorders, incidence, prognosis and profiling of patients in primary and secondary care: National data linkage study. Br J Psychiatry. 2020;216:105-12.,3535 Volpe U, Tortorella A, Manchia M, Monteleone AM, Albert U, Monteleone P. Eating disorders: What age at onset? Psychiatry Res. 2016;238:225-7.. Além disso, pacientes com AN tendem a ser mais novos, em comparação com pacientes com outros TAs, evidenciado do mesmo modo na amostra do presente estudo3636 Godart N, Radon L, Curt F, Duclos J, Perdereau F, Lang F. et al. Mood disorders in eating disorder patients: Prevalence and chronology of ONSET. J Affect Disord. 2015;185:115-22.. Relativamente a estado civil e filhos, analisando a idade jovem dos pacientes e a ocupação, parece coerente que a grande maioria não tivesse companheiro nem filhos, o que é corroborado pela literatura3737 Andrade R, Gonçalves-Pinho M, Roma-Torres A, Brandão I. Treatment of anorexia nervosa: The importance of disease progression in the prognosis. Acta Med Port. 2017;30:517-23.. Porém, há de se considerar a dificuldade no estabelecimento e manutenção de relacionamentos interpessoais e afetivos comuns nesses quadros, consequência do provável espelhamento das suas relações familiares conflituosas, do fato de sua dinâmica psíquica englobar emoções e pensamentos disfuncionais, além da baixa autoestima3838 Leonidas C, dos Santos MA. Relacionamentos afetivo-familiares em mulheres com anorexia e bulimia. Psicol Teor Pesq. 2015;31:181-91.,3939 Oliveira ÉA, Santos MA. Perfil psicológico de pacientes com anorexia e bulimia nervosas: a ótica do psicodiagnóstico. Medicina (Ribeirao Preto Online). 2006;39:353..

Em relação às comorbidades psiquiátricas, elas foram prevalentes em metade dos pacientes, sendo depressão e transtorno de personalidade as que mais caracterizaram a amostra, com a última sendo a mais prevalente, principalmente na BN, acometendo metade dos casos. Na literatura, as comorbidades psiquiátricas são apontadas como frequentes nos TAs, principalmente transtornos de humor, como depressão e transtorno bipolar; transtornos de personalidade, como o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), borderline, paranoide e dependente; transtornos de ansiedade e transtornos de abuso de substâncias3636 Godart N, Radon L, Curt F, Duclos J, Perdereau F, Lang F. et al. Mood disorders in eating disorder patients: Prevalence and chronology of ONSET. J Affect Disord. 2015;185:115-22.,4040 Farstad SM, McGeown LM, von Ranson KM. Eating disorders and personality, 2004-2016: A systematic review and meta-analysis. Clin Psychol Rev. 2016;46:91-105.,4141 Thiebaut S, Jaussent I, Maimoun L, Beziat S, Seneque M, Hamroun D, et al. Impact of bipolar disorder on eating disorders severity in real-life settings. J Affect Disord. 2019;246:867-72.. No presente estudo, não foi feita a diferenciação entre transtornos de personalidade na amostra, podendo ser uma sugestão para futuros estudos, para elucidar as diferenças entre as prevalências do grupo investigado.

O tempo de sintomas dos pacientes anterior ao atendimento no referido serviço foi de quatro anos, devendo-se levar em conta que a entrada no tratamento se faz por meio de encaminhamento dos pacientes trazidos pelos familiares, que muitas vezes demoram a perceber os sintomas e a necessidade de ajuda especializada4242 Valdanha-Ornelas ÉD, Santos MA. O Percurso e seus percalços: itinerário terapêutico nos transtornos alimentares. Psicol Teor Pesq. 2016;32:169-79., e o fato de os serviços comumente terem lista de espera pelo atendimento, fazendo com que esse tempo de sintomas aumente, impactando seu desfecho, pois a cada ano que o paciente não recebe tratamento, aumentam as chances de um prognóstico desfavorável3737 Andrade R, Gonçalves-Pinho M, Roma-Torres A, Brandão I. Treatment of anorexia nervosa: The importance of disease progression in the prognosis. Acta Med Port. 2017;30:517-23.,4343 Andrés-Pepiñá S, Plana MT, Flamarique I, Romero S, Borràs R, Julià L, et al. Long-term outcome and psychiatric comorbidity of adolescent-onset anorexia nervosa. Clin Child Psychol Psychiatry. 2020;25:33-44.. Para prevenir tal situação, políticas de psicoeducação devem ser implementadas para que a população saiba detectar os sintomas de TA o mais precocemente possível e que a trajetória em busca de um diagnóstico assertivo e tratamento especializado seja mais acessível, informado e facilitado.

Ao ser investigado o desfecho do tratamento, o abandono foi o mais prevalente no serviço em relação aos outros desfechos. Os estudos apresentam taxa de abandono entre 15% e 45%4444 Carter O, Pannekoek L, Fursland A, Allen KL, Lampard AM, Byrne SM. Increased wait-list time predicts dropout from outpatient enhanced cognitive behaviour therapy (CBT-E) for eating disorders. Behav Res Ther. 2012;50:487-92.4949 Muzi L, Tieghi L, Rugo MA, Lingiardi V. Evaluating empirically valid and clinically meaningful change in intensive residential treatment for severe eating disorders at discharge and at a 6-month follow-up. Eat Weight Disord. 2020;25:1609-20., e a grande variabilidade se deve à heterogeneidade no método utilizado, especialmente quanto ao tratamento de base de cada um deles, limitando comparações. Em um serviço com características semelhantes às do presente estudo, a taxa de abandono foi de 55%3737 Andrade R, Gonçalves-Pinho M, Roma-Torres A, Brandão I. Treatment of anorexia nervosa: The importance of disease progression in the prognosis. Acta Med Port. 2017;30:517-23.. Outro estudo corrobora essa amplitude nos resultados e igualmente assinala os diferentes tipos de tratamento permeando essas diferenças. Em média, as taxas encontradas foram entre 20%-40%. Seus achados mostram que os maiores índices surgiram de tratamentos em que a abordagem era mais educacional, principalmente com aconselhamento nutricional isolado, e as menores taxas tinham relação com terapias familiares, mostrando a necessidade de abordagens multifacetadas e a importância do envolvimento da família entre esses enfoques1010 DeJong H, Broadbent H, Schmidt U. A systematic review of dropout from treatment in outpatients with anorexia nervosa. Int J Eat Disord. 2012;45:635-47.. Portanto, é possível inferir que a interrupção do tratamento dos TAs é bastante comum e previsível, sobretudo em uma amostra composta principalmente por AN, como foi a do nosso estudo, sendo importante analisar os aspectos que influenciam esse desfecho.

Os preditores significativos de abandono encontrados no presente estudo foram o tempo de tratamento e a realização de tratamento anterior. Ou seja, a menor prevalência de abandono foi encontrada entre pacientes que apresentaram maior tempo de tratamento e naqueles que tinham realizado tratamento anterior para TA. A influência do tempo de tratamento no prognóstico foi consistente com uma metanálise apontando que, para pacientes alocados em tratamentos mais longos, a prevalência de abandono diminuiu5050 Linardon J, Hindle A, Brennan L. Dropout from cognitive-behavioral therapy for eating disorders: A meta-analysis of randomized, controlled trials. Int J Eat Disord. 2018;51:381-91.. Entende-se que o estado nutricional como indicador isolado não representa critério para alta do tratamento5151 Agüera Z, Sánchez I, Granero R, Riesco N, Steward T, Martín-Romera V, et al. Short-Term Treatment Outcomes and Dropout Risk in Men and Women with Eating Disorders. Eur Eat Disord Rev. 2017;25:293-301.5353 Levallius J, Clinton D, Högdahl L, Norring C. Personality as predictor of outcome in internet-based treatment of bulimic eating disorders. Eat Behav. 2020;36:101360., apesar de ainda estar em debate 5454 Berona J, Richmond R, Rienecke RD. Heterogeneous weight restoration trajectories during partial hospitalization treatment for anorexia nervosa. Int J Eat Disord. 2018;51:914-20.5656 Wales J, Brewin N, Cashmore R, Haycraft E, Baggott J, Cooper, A et al. Predictors of Positive Treatment Outcome in People with Anorexia Nervosa Treated in a Specialized Inpatient Unit: The Role of Early Response to Treatment. Eur Eat Disord Rev. 2016;24:417-24.. Dessa forma o protocolo utilizado no serviço do presente estudo considera que outros parâmetros relativos à psicopatologia da doença devem ser analisados em conjunto, com o intuito de alcançar a remissão mais completa possível. Outra hipótese seria que quanto maior o tempo de tratamento, maiores as possibilidades de se estabelecer vínculo entre o paciente e a equipe, diminuindo a probabilidade de abandono do tratamento, visto que menor aliança terapêutica prediz a interrupção do seguimento5757 Graves TA, Tabri N, Thompson-Brenner H, Franko DL, Eddy KT, Bourion-Bedes S, et al. A meta-analysis of the relation between therapeutic alliance and treatment outcome in eating disorders. Int J Eat Disord. 2017;50 323-40.,5858 Zaitsoff S, Pullmer R, Cyr M, Aime H. The Role of the Therapeutic Alliance in Eating Disorder Treatment Outcomes: A Systematic Review. Eat Disord. 2015;23:99-114.. Dessa forma, espera-se que o maior tempo de tratamento esteja associado a um melhor desfecho.

Em contrapartida, sobre a influência do tratamento anterior para TA predizendo menores taxas de abandono, alguns autores apontam que o tratamento anterior aumentaria o risco de abandono, na hipótese de que esses pacientes talvez não se sentissem capazes de atingir desfechos favoráveis no tratamento atual, por já terem tentado anteriormente, sem sucesso5959 Watson HJ, Levine MD, Zerwas SC, Hamer RM, Crosby RD, Sprecher CS, et al. Predictors of dropout in face-to-face and internet-based cognitive-behavioral therapy for bulimia nervosa in a randomized controlled trial. Int J Eat Disord. 2017;50:569-77.. Esse contexto provocaria diminuição da autoeficácia e motivação autônoma dos pacientes, as quais são conhecidos como fatores preditores de abandono e desfechos favoráveis, respectivamente6060 Keshen A, Helson T, Town J, Warren K. Self-efficacy as a predictor of treatment outcome in an outpatient eating disorder program. Eat Disord. 2017;25:406-19.,6161 Sansfaçon J, Gauvin L, Fletcher É, Cottier D, Rossi E, Kahan E, et al. Prognostic value of autonomous and controlled motivation in outpatient eating-disorder treatment. Int J Eat Disord. 2018;51:1194-200.. Diante da diferença dos resultados encontrados no presente estudo, em comparação ao identificado pela literatura, há de pensar que o tratamento fornecido pelo serviço foi capaz de trabalhar a autoeficácia e a motivação desses pacientes para que eles permanecessem no tratamento. No entanto novos estudos são necessários para explorar esses resultados.

Os outros desfechos encontrados no presente estudo foram a alta hospitalar, o encaminhamento para outro serviço e a alta por inassistência, em ordem decrescente. Destaca-se que a conduta terapêutica referente aos dois últimos desfechos foi se tornando mais frequente ao longo dos anos, após aprimoramento do protocolo clínico, no intuito de favorecer melhor prognóstico para o tratamento.

A presença de transtorno de personalidade foi um preditor significativo de encaminhamento ou alta por inassistência, corroborando dados da literatura, que apontam características típicas da comorbidade psiquiátrica que agravam a sintomatologia do paciente. No TOC, existe maior preocupação com aceitação e aprovação pessoal, medo de críticas e de rejeição, além de perfeccionismo, enquanto o transtorno borderline pode estar associado a maiores níveis de desregulação emocional, impulsividade e desconfiança4040 Farstad SM, McGeown LM, von Ranson KM. Eating disorders and personality, 2004-2016: A systematic review and meta-analysis. Clin Psychol Rev. 2016;46:91-105.. Não raro, o paciente pode apresentar melhora significativa dos sintomas específicos de TA, mas aqueles que permeiam a personalidade permanecem, prolongando o tratamento e a necessidade de encaminhamento para uma abordagem mais focada no quadro de maior exacerbação do momento6262 Martinussen M, Friborg O, Schmierer P, Kaiser S, Øvergård KT, Neunhoeffer AL, et al. The comorbidity of personality disorders in eating disorders: a meta-analysis. Eat Weight Disord. 2017;22:201-9.,6363 Rø Ø, Martinsen EW, Hoffart A, Sexton H, Rosenvinge JH. The interaction of personality disorders and eating disorders: A two-year prospective study of patients with longstanding eating disorders. Int J Eat Disord. 2005;38:106-11..

O presente estudo apresenta grande contribuição para a literatura referente ao tratamento dos TAs, com importantes implicações clínicas. Os resultados apontaram o perfil de pacientes atendidos pelo serviço pioneiro no Brasil, com elevada prevalência de abandono do seguimento, indicando a necessidade de aprimoramento da prática clínica. Ao identificar fatores associados a esse desfecho e ao encaminhamento para outros serviços, são oferecidos subsídios para revisão das intervenções nesses alvos terapêuticos específicos em busca de melhores prognósticos para esses graves quadros clínicos.

Como limitações, a pesquisa documental retrospectiva desenvolvida utilizou informações não geradas originalmente para o estudo, portanto não sendo descritos e planejados com sistematização. Além disso, o serviço está inserido em um hospital-escola com alta rotatividade de aprendizes em processo de aprimoramento, prejudicando a homogeneidade dos dados coletados. Destaca-se também que os dados obtidos foram referentes ao primeiro atendimento do paciente no serviço, momento inicial em que as informações, para uma avaliação mais completa do quadro, não estão disponíveis integralmente devido ao protocolo estendido em consultas clínicas posteriores e ao vínculo terapêutico em processo de fortalecimento. Sendo assim, novos estudos devem ser desenvolvidos com desenho longitudinal com vistas a inferir, com mais precisão, a predição dos desfechos do tratamento para TAs. Além disso, a inclusão de dados de pacientes de outros serviços do país seria de extrema importância para aumentar o tamanho da amostra e possibilitar o aprimoramento dos protocolos de assistência oferecido a essas pessoas.

CONCLUSÕES

Com a realização deste estudo, foi possível traçar o perfil dos pacientes atendidos em um serviço especializado para TAs, composto predominantemente por mulheres adultas jovens, estudantes, sem companheiro e sem filhos. Clinicamente, a maioria da amostra foi diagnosticada com AN, apresentando estado nutricional de magreza, com comorbidades psiquiátricas, além de uma parcela dos participantes ter realizado seguimento prévio. O tempo de seguimento foi bastante variável, e o desfecho terapêutico mais prevalente foi o abandono. O menor tempo de tratamento e a não realização de tratamento anterior foram preditores significativos de abandono, assim como a presença de transtorno de personalidade foi preditora de encaminhamento para outros serviços.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio financeiro ao primeiro autor deste artigo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    10 Out 2022
  • Aceito
    03 Jul 2023
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