Resumos
RESUMO
O estudo objetivou explorar fatores que influenciam a adoção das métricas de valor de tecnologia da informação em organizações brasileiras, utilizando amostra não probabilística de 28 empresas de médio e grande porte, tendo como base os pressupostos da Teoria Neo-Institucional (isomorfismo) e os impactos decorrentes da transformação digital. Foi utilizado questionário com 16 questões fechadas e uma aberta, construído a partir de pesquisas realizadas por empresas de consultoria de grande porte e institutos internacionais de pesquisas, além dos próprios fundamentos da Teoria Neo-Institucional. Os dados e os resultados alcançados permitiram-nos chegar aos seguintes achados: (i) prevalência do isomorfismo mimético; (ii) a legitimação da Tecnologia da Informação como motivador para comunicação do valor gerado; (iii) importância atribuídas às métricas de operação e suporte; (iv) a troca de experiência entre pares se sobrepõe a busca de fontes acadêmicas ou de pesquisas científicas, caracterizando isomorfismo normativo; e (v) negação dos impactos da transformação digital na forma de mensurar valor de tecnologia da informação.
Termos para indexação
Valor de TI; Métricas; Transformação Digital; Isomorfismo
ABSTRACT
The study aimed to explore factors that influence the adoption of information technology value metrics in Brazilian organizations, using a non-probabilistic sample of 28 medium and large companies, based on the assumptions of the Neo-Institutional Theory (isomorphism) and the impacts resulting from digital transformation. We used sixteen closed questions plus one open question survey, created from research conducted by large consulting companies and international research institutes, in addition to the very foundations of Neo-Institutional Theory. The data and results achieved allowed us to reach the following findings: (i) prevalence of mimetic isomorphism; (ii) the legitimization of Information Technology as a motivator for communicating the value generated; (iii) the importance attributed to operation and support metrics; (iv) the exchange of experience between peers overlaps with the search for academic sources or scientific research, characterizing normative isomorphism; and (v) the denial of the impacts of digital transformation on the way of measuring the value of information technology.
Index terms
IT Value; Metrics; Digital Transformation; Isomorphism
Introdução
O entendimento sobre como a tecnologia da informação pode agregar maior valor à organização, contribuindo de forma mais efetiva para o sucesso da estratégia do negócio — principalmente em um cenário de transformação baseado no uso massivo de tecnologia (transformação digital) — vem sendo objeto de frequentes debates no meio empresarial e constitui importante tópico nas práticas e procedimentos no campo dos sistemas de informação (CAVIGGIOLI, 2016 CAVIGGIOLI, F. Technology fusion: Identification and analysis of the drivers of technology convergence using patent data. Technovation, v. 55, p. 22-32, 2016. ).
Medir o valor gerado pela tecnologia da informação tem sido considerado um fator de extrema importância e, consequentemente, a necessidade de aprofundamento maior nesse tema, discutindo não somente a medição da eficiência operacional nos serviços de tecnologia, mas também uma maior visibilidade do valor gerado por tecnologia da informação no contexto estratégico (WU, STRAUB, LIANG, 2015 WU, S. P.; STRAUB, DETMAR, W.; LIANG, T. How information technology governance mechanisms and strategic alignment influence organizational performance. MIS quarterly, v. 39, n. 2, p. 497-518, 2015. ).
Considerando que um dos principais fatores de sucesso do uso de sistemas da informação reside no relacionamento entre as decisões que envolvem a Tecnologia da Informação e as decisões sobre os negócios (ALBERTIN & ALBERTIN, 2010 ALBERTIN, L. A.; ALBERTIN, R.M.M. Estratégia de governança de tecnologia da informação: estrutura e práticas. Rio de Janeiro, Elsevier, 2010. ) é essencial que os reflexos da tecnologia da informação — e respectiva governança (COSTA &ROSSINI, 2016) — sejam, de fato, mensurados pelo valor estratégico agregado, devendo ser assim também percebida pelas áreas finalísticas.
Assim, o tema central desta pesquisa reside nos alicerces da mensuração do valor estratégico agregado pela Tecnologia da Informação, abordando os meios utilizados mais usualmente adotados nessa medição, os fatores promotores e obstaculizadoresdessa abordagem, tendo como pano de fundo o atual cenário de transformação digital pelo uso massivo de tecnologias inovadoras (ROGERS, 2017 ROGERS, D. L. Transformação digital: repensando o seu negócio para a era digital. Autêntica Business, 2017. ; FLORES, 2018 FLORES, D. Transformação digital por inovação sustentada ou tecnologias disruptivas em arquivos. In Produção, tratamento, disseminação e uso recursos informacionais heterogêneos [recurso eletrônico]: diálogos interdisciplinares / Maria Luiza de Almeida Campos ... [et al.] (Org.). - Niterói : IACS/UFF. 2018. 241p. – (Série Estudos da Informação, 5).
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).
O estudo de temas relacionados à Tecnologia da Informação é, por natureza, bastante abrangente, sendo improvável identificar alguma atividade, processo ou estratégia de qualquer organização que não seja atualmente influenciada de alguma forma por ela.
Portanto, é essencial uma adequada delimitação do tema por meio de um processo de especificação que ajude a fazer a sua limitação geográfica e espacial possibilitando ao final a realização da pesquisa.
A Tecnologia da Informação (TI) tem sido considerada um dos fatores mais importantes do atual contexto das organizações e em função disso passou-se a perseguir além de uma maior eficiência operacional nos serviços de tecnologia também um maior aproveitamento do valor da TI no contexto estratégico (ALBERTIN, 2009 ALBERTIN, A. L.; DE MOURA ALBERTIN, R. M. Tecnologia de informação e desempenho empresarial: as dimensões de seu uso e sua relação com os benefícios de negócio. Atlas, 2009. ; OLIVEIRA, MAÇADA, OLIVEIRA, 2015 OLIVEIRA, D. L.; MAÇADA, A. C. G.; OLIVEIRA, G. D. Valor da tecnologia da informação na firma: estudo com empresas brasileiras. Revista de Administração Contemporânea, v. 19, p. 170-192, 2015. ).
Considerando que um dos principais fatores de sucesso do uso de sistemas da informação reside na eficácia do relacionamento de tecnologia da informação e as unidades de negócios e que o alinhamento necessário para essa eficácia (COLTMAN et al , 2015 COLTMAN, T. et al. Strategic IT alignment: twenty-five years on. Journal of Information Technology, v. 30, p. 91-100, 2015. .) é influenciado de forma relevante pelo valor que é atribuído à tecnologia da informação pelas unidades de negócio, a questão central estudada reside nos meios utilizados pelos tomadores de decisão em TI para medir e comunicar o valor agregado internamente em cada organização, quais os principais promotores e obstaculizadores para a adoção desses meios, qual a influência que o atual contexto de transformação digital possui nesse processo e se existe algum tipo de isomorfismo aplicado.
A mensuração do valor da TI nas organizações contemporâneas pode ser considerada um desafio ainda maior em função do ambiente de transformação digital, extremamente dinâmico, volátil e cheio de incertezas (MILLAR, GROTH, MAHON, 2018 MILLAR, C. CJM; GROTH, O.; MAHON, J F. Management innovation in a VUCA world: Challenges and recommendations. California management review, v. 61, n. 1, p. 5-14, 2018. ) no qual as organizações estão inseridas, momento esse que faz com que haja uma gradual e sistemática fusão, e confusão, das atribuições de tecnologia da informação e de negócios. A regra das organizações atualmente é atuarem de maneira multifuncional e a velocidade com a qual as mudanças vêm sendo geradas nos ambientes competitivos têm feito com que cada vez mais seja importante destacar a contribuição e valor que a tecnologia da informação é capaz de gerar (EYMANN, 2016 EYMANN, Torsten. The Uncertainty of Information Systems: Cause or Effect of VUCA?. Managing in a VUCA World, p. 227-240, 2016. ).
Com o objetivo de estabelecer de forma mais específica, qual o espaço que será ocupado pelo tema da pesquisa, estabelecendo limites para a investigação, a opção foi por restringir a abordagem à avaliação dos principais indicadores usualmente aplicados para medir valor da TI, tendo como base as práticas difundidas pelo COBIT (Control Objectives for Information and Related Technology) (PEREIRA &FERREIRA, 2015 PEREIRA, C.; FERREIRA, C.. Identificação de Práticas e Recursos de Gestão do Valor das TI no COBIT 5. Revista Ibérica de Sistemas e Tecnologias de Informação, n. 15, p. 17, 2015.
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; MULGUND, PAHWA, CHAUDHARI, 2019 MULGUND, P.; PAHWA, P.; CHAUDHARI, G. Strengthening it governance and controls using COBIT: a systematic literature review. International Journal of Risk and Contingency,2019. ), além de trabalhos anteriores realizados por empresas de consultoria e de pesquisa — grey literature.
A utilização de grey literature (ADAMS, SMART, HUFF, 2017 ADAMS, R. J.; SMART, P.; HUFF, A. S. Shades of grey: guidelines for working with the grey literature in systematic reviews for management and organizational studies. International Journal of Management Reviews, v. 19, n. 4, p. 432-454, 2017. ) é justificada pela expressiva participação de empresas de consultoria na definição de metodologias que buscam abordar o tema geração de valor da TI, bem como do conceito de transformação digital, que pode ter papel significativo na mudança dos modelos de mensuração de valor nas organizações.
Pesquisa realizada anualmente pela IBM desde 2006, denominada “CEO Study” e que em 2018 contou com a participação de cerca de 12.800 diretores executivos em mais de 112 países, vem destacando a crescente importância que a tecnologia da informação, em seu sentido mais estratégico, é retratada na agenda dos Chief Executive Officers (CEOs) das organizações, estando agora classificada como fator número um de impacto nas organizações. Outro achado importante extraído da evolução dessas pesquisas é que a até então visão sobre a importância da tecnologia da informação decorrer, prioritariamente, do prisma da eficiência operacional e suporte ao negócio já faz parte do passado, em contraste com a importância atribuída ao contexto da estratégia de negócios — alterando a maneira como o valor da TI precisa ser medido, ponto central deste estudo.
Outra pesquisa realizada anualmente pela IBM, intitulada “Global Chief Information Officer Study” — que na edição de 2018 contemplou entrevistas pessoais com cerca de 2.200 Chief Information Office (CIOs), executivos líderes de TI, abrangendo 112 países e 20 tipos de indústria — reforçou a necessidade da integração entre tecnologia e negócios face os desafios da transformação digital, e também como esses líderes possuem papel fundamental contribuindo para a formação e o alcance dos objetivos de negócio (SCHWARZMÜLLER, T., 2018 SCHWARZMÜLLER, T. et al. How does the digital transformation affect organizations? Key themes of change in work design and leadership. Management Review, v. 29, n. 2, p. 114-138, 2018. ).
Referencial Teórico
Para construção do referencial teórico deste artigo foram utilizados conceitos da Teoria Neo-Institucional, tipificados por Vasconcellos (2007), quanto a adoção de outros fatores, para lém dos econômicos, na tomada de decisão das práticas gerenciais, nas quais se enquadrariam as escolhas em relação à mensuração do valor de TI.
A Teoria Institucional (MEYER &ROWAN, 1977 MEYER, J. W.; ROWAN, B. Institutionalized organizations: Formal structure as myth and ceremony. American Journal of Sociology, v. 83, n. 2, p. 340-363, 1977. ) explica o conceito de governança por meio do conceito de legitimidade. As organizações, uma vez legitimadas em seu papel, passam a ser percebidas naturalmente (institucionalizadas) pelos stakeholders, sem necessidade de afirmação permanente. O comportamento isomórfico é um dos principais meios para a institucionalização, já que permite à organização apresentar estrutura e comportamento padronizados (DIMAGGIO &POWELL, 1983), ou seja, em conformidade com normativas e em convergência com o comportamento de outras organizações no mesmo setor. O comportamento isomórfico é influenciado por três forças (ou direcionadores): (i) Coercitiva, em que regulamentações externas à organização estabelecem padrões a serem seguidos por meio de leis, normas, fiscalização de conformidade; (ii) Normativa, em que os profissionais atuantes na organização compartilham um mesmo conjunto de normas procedimentais, geralmente adquiridas em seus processos de formação ou credenciamento; e (iii) Mimética, em que a organização imita outras organizações que são consideradas modelo de referência no setor (DIMAGGIO & POWELL, 1983 DIMAGGIO, P.; POWELL, W. W. The iron cage revisited: Collective rationality and institutional isomorphism in organizational fields. American Sociological Review, v. 48, n. 2, p. 147-160, 1983. ; DIMAGGIO &POWELL, 2005 DIMAGGIO, P. J.; POWELL, W. W. A gaiola de ferro revisitada: isomorfismo institucional e racionalidade coletiva nos campos organizacionais. RAE-Revista de Administração de Empresas, v. 45, n. 2, p. 74-89, 2005. ).
Essa abordagem sociológica explica a adoção de determinadas práticas como uma forma de legitimação da companhia. O foco da base de conhecimento teórico utilizada foi a homogeneidade entre as organizações e não as suas diferenças, tal qual trabalho de pesquisa construído por DiMaggio e Powell (1983) DIMAGGIO, P.; POWELL, W. W. The iron cage revisited: Collective rationality and institutional isomorphism in organizational fields. American Sociological Review, v. 48, n. 2, p. 147-160, 1983. , se contrapondo a ideia ortodoxa vigente de que as organizações se diferenciam de forma deliberada para se ajustarem a fatores externos.
Isomorfismo é “um processo restritivo que força um elemento de uma população a se parecer com os outros que enfrentam o mesmo conjunto de condições ambientais estudado” (DIMAGGIO &POWELL, 1983 DIMAGGIO, P.; POWELL, W. W. The iron cage revisited: Collective rationality and institutional isomorphism in organizational fields. American Sociological Review, v. 48, n. 2, p. 147-160, 1983. ). Esse princípio acaba sendo adotado nas empresas, onde adotam formas e práticas organizacionais semelhantes.
Mecanismos de controle podem ser tomados como forças coercitivas, uma vez que quem os impõe estabelece penalidades em caso de não cumprimento das determinações. A coerção pode ser exercida, seja direta, seja indiretamente, por meio do controle de acesso a recursos necessários (BECKERT, 2010 BECKERT, J. Institutional isomorphism revisited: Convergence and divergence in institutional change. Sociological Theory, v. 28, n. 2, p. 150-166, 2010. ). Dessa coerção, exercida simultaneamente sobre todo um setor, derivaria a homogeneização de suas estruturas, processos e produtos. A homogeneização resultaria, portanto, “tanto de pressões formais quanto informais exercidas sobre as organizações por outras organizações das quais elas são dependentes e por expectativas culturais da sociedade na qual as organizações funcionam” (DIMAGGIO &POWELL, 1983 DIMAGGIO, P.; POWELL, W. W. The iron cage revisited: Collective rationality and institutional isomorphism in organizational fields. American Sociological Review, v. 48, n. 2, p. 147-160, 1983. ).
O argumento de DiMaggio &Powell (1983) DIMAGGIO, P.; POWELL, W. W. The iron cage revisited: Collective rationality and institutional isomorphism in organizational fields. American Sociological Review, v. 48, n. 2, p. 147-160, 1983. , quando tratam de novas formas institucionalizadas de mudança organizacional (neo-institucionalismo), é que as organizações sob pressão coercitiva tendem a se tornar homogêneas, em um movimento que levaaoisomorfismo. Ou seja, o conjunto de pressões normativas, coercitivas e miméticas — nas situações em que casos de sucesso estimulam a imitação — levaria as áreas de tecnologia da informação nas empresas a convergir para um mesmo modelo estrutural e operacional, mimetizado.
Na área de tecnologia da informação, os profissionais, em geral, compartilham informações rapidamente e tendem a se identificar mais com suas especialidades e com seus pares do que com a organização em que trabalham o que demonstra que estes profissionais já estariam predispostos ao isomorfismo normativo (TEODORO, 2014 TEODORO, M. P. When professionals lead: Executive management, normative isomorphism, and policy implementation. Journal of Public Administration Research and Theory, v. 24, n. 4, p. 983-1004, 2014.
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), enquanto as organizações em que trabalham também estariam basrante sujeitas a influências coercitivas ou miméticas (CATER-STEEL, TAN &TOLEMAN; 2009 CATER-STEEL, A.; TAN, W.; TOLEMAN, M. Using institutionalism as a lens to examine ITIL adoption and diffusion. 2009. ).
O aspecto normativo, aquele que ocorre no âmbito da profissão, repercute ainda na ocorrência de soluções de tecnologia da informação (hardware, software ou serviços) não analisadas, aprovadas ou reconhecidas pela tecnologia da informação em nível institucional. Muitas vezes essas soluções são inseridas na organização por funcionários de áreas diversas, baseados em suas experiências anteriores e não necessariamente conectados com a gestão estratégica de tecnologia da informação ou com a estratégia de negócios.
Design e Procedimentos
Esse estudo tem caráter exploratório e busca, de forma geral, expandir o conhecimento existente sobre a adoção de métricas de geração de valor de tecnologia da informação nas organizações, sob o prisma dosconceitos difundidos pela Teoria Neo-Institucional. A justificativa para tal escolha é a importância cada vez maior atribuída a tecnologia da informação em relação aos resultados obtido pelas organizações, principalmente em tempos de transformação digital dos negócios, e o impacto que a percepção do valor atribuído a tecnologia da informação pode possuir na implementação da estratégia dessas organizações.
Com o objetivo de entender de forma mais aprofundada a mensuração de valor de TI nas organizações, a coleta de dados foi realizada por meio da aplicação de um questionário que contém 17 perguntas, sendo 16 fechadas e uma aberta. O questionário foi desenvolvido em segmentos por finalidade do conjunto de perguntas, sendo três perguntas para identificação do setor de atuação e tamanho da empresa; quatro perguntas para identificação do cargo, formação e experiência do respondente, quatro perguntas relacionadas especificamente a critérios de adoção de métricas de medida do valor de tecnologia da informação; cinco perguntas sobre atitudes e atribuições dos gestores de tecnologia da informação e sua relação com a medida de valor e uma específica sobre o impacto percebido da transformação digital em relação a adoção de métricas de valor de tecnologia da informação nas organizações. Este questionário foi previamente discutido junto a dois responsáveis por áreas de governança de tecnologia da informação, que respondem por métricas em grandes organizações e com um consultor de um instituto especializado em pesquisas de tecnologia.
A amostra utilizada para aplicação do questionário foi extraída de um grupo que reúne CIO (Chief Information Officer), diretores, superintendentes e gerentes de tecnologia da informação de empresas dos mais variados segmentos, além de CEO (Chief Executive Officer) de empresas de base tecnológica e consultores especializados em serviços de tecnologia, envolvendo mensuração de valor da TI, todas com sede no Rio de Janeiro. Foram contatadas 110 empresas por meio de aplicativo de mensagem informando o link para o questionário de pesquisa, hospedado em um site de serviço especializado de pesquisas na internet. A amostra foi definida por conveniência, em virtude de o canal ser de fácil acesso aos pesquisadores, contemplando uma quantidade e uma diversidade de empresas bastante representativa para uma primeira abordagem sobre o tema. Todos os respondentes são executivos que possuem responsabilidade direta sobre tecnologia da informação em suas organizações. Das empresas contatadas, foram obtidas 28 respostas, todas consideradas válidas.
Análise e discussão dos resultados
A qualificação dos respondentes (Tabela 1) é um quesito essencial para a legitimidade das respostas dos questionários, visto que é necessário que elas representem a percepção dos executivos responsáveis de fato pela geração e comunicação de valor de tecnologia da informação nas organizações. Dos 28 respondentes, 75% exercem o principal cargo de TI nas organizações em nível de diretoria (principal decisor na área) e 18% exercem esse mesmo protagonismo a frente de TI, porém no nível gerencial/superintendência — nestes casos não existe uma Diretoria de TI, estando a área subordinada a um Diretor que acumula outras atribuições.
Outros aspectos relevantes dizem respeito ao nível de experiência do executivo em relação a área de tecnologia, bem como o tempo que se encontra no cargo. Ambos os quesitos medidos em anos, são importantes para demonstrar a experiência dos respondentes. Executivos com mais de 20 anos de experiência em tecnologia da informação possuem uma maior exposição a diversos modelos temporais de medição de valor e desempenho na área, o que sugere uma maior capacidade de analisar comparativamente sua eficácia.
Conforme pode ser observado na Tabela 2, 85,0 % dos respondentes atuam há pelo menos 20 anos diretamente com TI. Desses executivos, 78% ocupam o cargo atual entre um e seis anos, sendo essa concentração reflexo, principalmente, de movimentações entre empresas, o que vem sendo um fenômeno relativamente comum na área como decorrência das expectativas das organizações por respostas às demandas da transformação digital que, se por um lado gera constante pressão nos decisores de TI, por outro também atrai oportunidades de mudança de empresa.
Com relação à formação acadêmica, cerca de 90% possuem algum tipo de pós-graduação (MBA ou Mestrado) e 10% apenas a formação superior. Não foram registradas ocorrências de respondentes sem formação universitária, o que, geralmente, tende a ser uma exigência para esse nível de executivos. Também não identificamos nenhum que apresentasse titulação de doutoramento.
Em relação as organizações que serviram de campo para a pesquisa (Tabela 3), a amostra apresenta alguma homogeneidade em função da presença unânime de organizações privadas, com uma ligeira concentração no segmento de energia, representando 25% dos respondentes
Nenhum segmento individualmente representa mais do que 10% do total de respostas, o que, se por um lado traz mais diversidade e oportunidade de generalização a pesquisa, por outro dificulta o processo de comparação de algumas questões estudadas, como, por exemplo, o fato de que alguns segmentos são bem mais regulados (pressões legais e normativas) do que outros.
O porte relativo de cada empresa é também um fator muito relevante nessa análise, visto que, analisado em conjunto com o segmento de atividade, pode indicar o potencial de importância que o valor de tecnologia da informaçãopode desempenhar no atingimento dos objetivos estratégicos dessas organizações.
O porte foi avaliado em função da combinação de dois fatores: a faixa de faturamento anual e a quantidade de funcionários, já que diversos estudos de empresas de consultoria demonstram que é uma prática comum definir limites orçamentários para desembolsos de tecnologia da informação levando-se em consideração um percentual aplicado sobre o faturamento, bem como um gasto médio por funcionário. Conforme demonstrado na Tabela 4, três em cada quatro das organizações da amostra — 75% — possuem faturamento superior a R$ 500 milhões. Em relação a quantidade de funcionários cerca de 60% das empresas estão situadas em faixas superiores a 1.000 funcionários, sendo que 10% do total possui quadro funcional maior do que 10.000 funcionários. Notadamente existe uma concentração da amostra em grandes empresas (faturamento anual acima de R$ 300 milhões segundo critérios do BNDES).
O objeto da pesquisa não foi medir a maturidade de cada modelo de geração e comunicação de valor de tecnologia da informação, mas sim avaliar as práticas consideradas mais importantes e mais utilizadas no âmbito das organizações pesquisadas. Para isso, na definição dos indicadores objeto da análise, foram utilizados trabalhos anteriores desenvolvidos por empresas de consultoria e institutos de pesquisa (grey literature produzida por empresas como Gartner, McKinsey, Accenture, IBM, entre outras), além de consultas a frameworks padrões já estabelecidos e consolidados em relação ao tema tecnologia da informação, como por exemplo o COBIT 5 (Pereira &Ferreira, 2015 PEREIRA, C.; FERREIRA, C.. Identificação de Práticas e Recursos de Gestão do Valor das TI no COBIT 5. Revista Ibérica de Sistemas e Tecnologias de Informação, n. 15, p. 17, 2015.
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).
O COBIT 5 é um framework de gestão de tecnologia da informação desenvolvida pelo ISACA (Information Systems Audit and Control Association) e publicado em 2002 com uma abordagem holística, abordando as diversas áreas de negócio e a tecnologia dainformação.
A partir dessa fonte de informações especializada iniciamos nossa análise tentando construir o contexto macro no qual as organizações estão inseridas, avaliando para isso os principais desafios envolvidos na determinação de valor da TI dentro dasorganizações, conforme apresentado na Tabela 5, na qual também eram permitidas múltiplas respostas. Os respondentes deveriam indicar os principais desafios, sendo admitidas múltiplas respostas sem limitador.
Todos os desafios listados se mostraram relevantes, com citação em pelo menos 10% das empresas estudadas. Identificamos uma concentração maior em um grupo de três questões principais: (i) desalinhamento entre tecnologia enegócios, amplamente avaliado por pesquisas acadêmicas anteriores (LUFTMAN, 2000 LUFTMAN, J. Assessing business-IT alignment maturity. Communications of the Association for Information Systems, v. 4, n. 14, p. 1-51, 2000. ; HENDERSON; VENKATRAMAN, 1989 HENDERSON, J. C.; VENKATRAMAN, N. Strategic alignment: a framework for strategic information technology management. 1989. ); (ii) dificuldade em comunicar o valor gerado e a definição daquilo que deve ser de fato objeto de mensuração (MAJDENBAUM, A.; CHAVES, M., 2020 MAJDENBAUM, A.; CHAVES, M. Comunicação em Projetos de Desenvolvimento Global de Software: A Visão Geral dos Praticantes. Gestão &Regionalidade, v. 36, n.107, p. 68–87, 2020. ); e (iii) dificuldade relacionada à mensuração aparece em frequência menor nas respostas relacionadas a “quantificar o valor gerado/ROI” com cerca de 21% de frequência e “encontrar as métricas corretas para a avaliação” com cerca de 14% (WU et ali, 2015). Ao integrarmos esses três desafios alcançamos uma frequência superior a 75%.
Ainda dentro da necessidade de contextualização do ambiente no qual as organizações objeto da pesquisa estão inseridas, perguntamos aos executivos quais seriam as principais razões para querer medir e demonstrar o valor da TI na sua organização, admitindo-se também múltiplas respostas.
Conforme demonstrado na Tabela 6 identificamos uma frequência maior do que 50% em três razões principais, que demonstram uma preocupação dos respondentes em legitimar-se perante a organização, sendo garantido assento nas discussões maisestratégicas, mostrando ser capaz de atender os desafios demandados pelo negócio ou buscando uma maior credibilidade para a tecnologia da informação como um todo.
Essa busca pela legitimação por meio de práticas gerenciais é uma característica muito marcante na Teoria Neo-Institucional, se contrapondo a um modelo tradicional no qual essas práticas se justificariam apenas por razões econômicas.
No que diz respeito especificamente aos tipos de indicadores adotados pelas organizações os resultados coletados indicam uma razoável pulverização, com pelo menos oito deles com frequência igual ou superior a 25% de utilização na amostra pesquisada.
Apesar de ainda identificarmos tipos tradicionais de indicadores sendo amplamente adotados, como por exemplo a comparação entre o custo orçado e o real (60%) e a avaliação de estudos de caso (32%) nos quais são detalhados os benefícios obtidoscomdeterminadas ações da TI, podemos perceber a relevância de itens que contribuem diretamente para a aproximação entre tecnologia e negócios, como por exemplo a contribuição aos objetivos de negócios e o nível de satisfação do cliente/usuário/demandante dos serviços de tecnologia.
Outro destaque se faz em relação a pequena incidência de organizações que consideram o ROI (Retorno sobre Investimentos) e a comparação com referências de mercado como indicadores relevantes na apuração do valor de tecnologia. A Tabela 7 apresenta uma consolidação das respostas pelos principais indicadores, também com múltiplas respostas sendo permitidas.
A identificação de quais são as principais atribuições das quais se ocupam os executivos de tecnologia da informação nas organizações pode fornecer informações importantes sobre o processo de geração de valor. A Tabela 8 apresenta o resultado das principais atribuições declaradas pelos respondentes, novamente permitindo múltiplas respostas.
Inicialmente o que pode parecer uma inconsistência é explicado na verdade pelo conceito aplicado de planejamento estratégico no âmbito de TI na maior parte das organizações brasileiras, nesse caso estamos tratando de basicamente duas atividades: a primeira o processo de orçamentação de tecnologia da informação e o segundo o de instituição de um plano de tecnologia para suportar o plano de negócios apresentado.
Cabe ressaltar também que apesar das atribuições de “Liderança Executiva” e “Inovação Tecnológica” , ambos mais estratégicos no que se refere a atribuição, aparecerem com frequências relevantes nas respostas, 64% e 57% respectivamente, logo a seguir temos uma sequência de atribuições mais direcionadas para a operação de tecnologia da informação (suporte) – Infraestrutura e operação de TI, Gestão de Projetos e Melhoria de processos de negócios, todos com cerca de 57% de frequência.
É razoável considerar a partir desse conjunto de achados que os executivos de TI ainda enfrentam uma dualidade na destinação do seu tempo útil, com parte relevante ainda sendo consumida em atividades de suporte e operação, em detrimento de atribuições mais conexas às estratégias de negócios. Ressalta-se também a menor frequência observada em relação a Analytics e em relação às atividades relacionadas a novos produtos (ou modelos de negócios)(Table 8).
Com o objetivo de identificarmos aqueles fatores que servem de indução ao processo de adoção ou abandono de uma determinada métrica e qual a relação deles com os mecanismos de isomorfismo estudados por DiMaggio e Powell (1983 DIMAGGIO, P.; POWELL, W. W. The iron cage revisited: Collective rationality and institutional isomorphism in organizational fields. American Sociological Review, v. 48, n. 2, p. 147-160, 1983. , 2005 DIMAGGIO, P. J.; POWELL, W. W. A gaiola de ferro revisitada: isomorfismo institucional e racionalidade coletiva nos campos organizacionais. RAE-Revista de Administração de Empresas, v. 45, n. 2, p. 74-89, 2005. ) questionamos aos executivos que indicassem, baseado em uma lista prévia com múltiplas possibilidades de respostas, aquelas que eles consideram como os fatores mais predominantes nas organizações que atuam.
Conforme observado nos resultados apresentados na Tabela 9, os fatores que representam o isomorfismo mimético apresentaram as maiores frequência. O isomorfismo coercitivo aparece também com um destaque principalmente pela existência de organizações na amostra trabalhada de empresas multinacionais, onde a autonomia dos executivos locais para definir métricas em geral é muito limitada, e de empresas que atuam em mercados altamente regulados, como o de energia por exemplo, nos quais o atendimento das métricas definidas pelos órgãos reguladores é uma questão de continuidade de negócios. Os fatores relacionados ao isomorfismo normativo apresentaram frequência pouco expressiva.
Como forma de reforçar essa análise relacionada a existência de isomorfismo, questionamos aos executivos qual a propensão (em uma escala de 0 a 100) para eles adotarem determinadas métricas de medição de valor da TI originadas de duas fontes distintas: (i) a indicação da maioria de membros do grupo de executivos (CIO RJ); e (ii) a indicação de estudos relevantes de pesquisadores acadêmicos da área de sistemas de informação.
Como resultado, os executivos indicaram uma propensão média de 72% (com 22% de desvio padrão) para as métricas originadas do grupo de executivos, contra uma propensão média de 60% (com 23% de desvio padrão) para as métricas originadas dos estudos acadêmicos, demonstrando também, a exemplo dos resultados da Tabela 9, uma supremacia do isomorfismo mimético em relação ao normativo.
Questionamos também como os executivos percebiam a consistência dos resultados alcançados por eles na medição e comunicação de valor da tecnologia da informação e os resultados, conforme apresentados na Tabela 10, e os achados apontam que, apesar dos desafios e dificuldades relatadas nas questões antecedentes, geralmente, os executivos se consideram mais bem sucedidos do que o contrário. Tal preponderância de uma avaliação positiva pode ser o reflexo do receio de ter sua avaliação geral de sucesso ou insucesso demonstrada no grupo, apesar de ter sido indicado inicialmente que nenhuma identificação de respondentes seria feita, bem como pode indicar mais uma necessidade de legitimação perante o grupo.
Como as avaliações se restringiram a percepção do próprio executivo de TI e não houve uma confrontação com a percepção das áreas de negócios das organizações, qualquer conclusão sobre esse quesito fica prejudicada.
Como forma de validar essa percepção sobre sucesso, questionamos se os executivos mensuravam de forma consistente o alinhamento entre TI e negócios e o resultado foi de 53% dos respondentes afirmaram que fazem essa medição de forma consistente, muito embora o desalinhamento entre tecnologia e as áreas de negócios tenha sido indicado pela maioria dos respondentes como o principal desafio enfrentado em relação a mensuração de valor (Tabela 5).
Como questão final perguntamos de forma aberta aos executivos como eles entendiam que o movimento de transformação digital no setor deles estaria afetando a forma como TI gera, mensura e comunica valor na organização.
Analisando detalhadamente o conteúdo descritivo das respostas foi possível chegar a algumas observações importantes: (i) em 29% das respostas há uma clara negação do impacto da transformação digital na geração e medição de valor nas organizações; (ii) em 21% das respostas existe a indicação de incipiência nas mudanças em decorrência da transformação digital, fazendo com que qualquer avaliação por parte dos executivos seja prematura; (iii) 29% das respostas reconhecem algum impacto nos modelos adotados, mas na faixa de moderação; (iv) 14% dos respondentes indicou a ocorrência de impactos relevantes no modelo de avaliação de valor; e (v) 2% associou esses impactos relevantes à transformação de cultura.
Em suma, temos 50% dos respondentes indicando nenhum impacto ou em um momento inicial de avaliação, contra 16% que sugerem impactos relevantes.
Considerações Finais
A partir dos dados obtidos e analisados neste estudo exploratório, emergem as proposições: (i) o isomorfismo mimético é o mais influente no processo de adoção das métricas de mensuração do valor de TI nas organizações analisadas, seguido pelo isomorfismo coercitivo decorrente de pressões de “casa matriz” e/ou de forças regulatórias; (ii) a necessidade de legitimação do trabalho de tecnologia da informação ainda é o principal motivador para a mensuração e comunicação do valor de tecnologia nas organizações; (iii) apesar do contexto de transformação digital os executivos ainda mantém de forma relevante o peso de atribuições mais relacionadas a operação e suporte desempenhados por tecnologia, e isso possui impacto na definição dos principais indicadores utilizados na medição do valor gerado, fazendo com que medições tradicionais como a comparação entre real e orçado é benefícios de estudos de caso, ainda sejam preponderantes em relação a indicadores de objetivos de negócio e qualidade percebida pelo cliente; (iv) A troca de experiência entre pares e a adoção de modelos previamente testados (isomorfismo mimético), mesmo que em contextos diferentes, se sobrepõe a busca de fontes acadêmicas ou de pesquisas científicas (isomorfismo normativo) como origem de novos modelos de mensuração de valor; e (v) ainda existe nos executivos uma corrente preocupante de negação dos impactos da transformação digital na forma de mensurar valor de tecnologia da informação.
A principal contribuição deste estudo foi a de explorar o tema de mensuração de valor de tecnologia da informação à luz dos conceitos cognitivos-culturais do isomorfismo, presentes nos pressupostos da Teoria Neo-Institucional. Outra contribuição foi a de identificar aspectos claros de necessidade de legitimação dentre as principais justificativas para se buscar a mensuração e comunicação de valor.
Este estudo apresenta limitações que impedem que seus resultados sejam generalizados: (i) amostra com apenas 28 respondentes (não probabilística); (ii) possibilidade de ocorrência de viés em algumas respostas, principalmente a relacionada ao sucesso percebido pelos executivos de tecnologia da informação; (iii) o fato de não ter sido objeto da metodologia a confrontação com as respostas de executivos das unidades de negócios nas mesmas organizações; (iv) o fato de não haver organizações governamentais e/ou de sem fins lucrativos dentre os respondentes; e (v) possibilidade de o questionário não ter capturado de forma efetiva os pressupostos da Teoria Neo-Institucional.
Como oportunidades para trabalhos futuros indica-se o complemento com organizações dos segmentos não contemplados nessa pesquisa, a coleta da percepção das áreas de negócios sobre o valor gerado por tecnologia da informação e outros recortes relacionados a diferenças culturais e modelos de negócios.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
07 Jun 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
10 Jan 2022 -
Aceito
28 Maio 2023