DISCENTES DE EDUCAÇÃO FÍSICA DE UNIVERSIDADES PÚBLICAS CONCEITUADAS SABEM PARCIALMENTE O CONCEITO DE BULLYING

STUDENTS OF PHYSICAL EDUCATION FROM CONCEPTED PUBLIC UNIVERSITIES PARTIALLY KNOW THE BULLYING CONCEPT

RESUMO

Bullying pode ser conceituado como todas as atitudes agressivas, intencionais e repetidas que causam dor e angústia, sendo executadas dentro de uma relação desigual de poder. Deste modo, parece que três elementos são cruciais (agressão; repetição; dor e desconforto) na conceituação do fenômeno, no qual precisam aparecer de modo articulado, tornando o conceito complexo. O objetivo do presente estudo foi verificar o conhecimento de acadêmicos de licenciatura em Educação Física sobre o conceito de bullying. Participaram do estudo 191 estudantes. Utilizou-se de entrevista estruturada, sendo a mesma gravada e posteriormente transcrita. As estatísticas utilizadas foram o teste de Qui-quadrado, o cálculo da Razão de Possibilidades (OR) e o Intervalo de Confiança (CI). Os resultados apontaram que os alunos de Educação Física, sabem parcialmente, em sua maioria, o conceito de bullying [χ²(2) = 237,25; p < 0,001]. Os sujeitos não apresentaram ou apresentaram de modo incompleto as unidades que caracterizam o fenômeno. Em conclusão, sugere-se que os cursos de Educação Física devam ampliar as discussões e estudos a cerca do bullying.

Palavras-chave:
Bullying; Formação de conceito; Educação física

ABSTRACT

The aim of the present study was to verify the knowledge of undergraduate students in physical education about the concept of bullying. The sample consisted of 191 students. We used a structured interview, which was recorded and later transcribed. The statistics used were the chi-square test, the odds ratio (OR) and confidence interval (CI). The results showed that the physical education undergraduate students who participated in this study, partially know the concept of bullying [χ² (2) = 237,25; p <0.001]. The subjects did not present or incompletely presented the units that characterize the phenomenon. Thus, it is suggested that undergraduate physical education courses should broaden discussions and studies about bullying.

Keywords:
Bullying; Concept formation; Physical education

Introdução

Bullying é um problema mundial que atinge crianças e adolescentes em idade escolar, mas que apenas nas últimas décadas tem recebido a atenção de pesquisadores e profissionais pelo fato de ter uma prevalência relativamente alta (entre 9 a 30%) e suas consequências podem ser graves, como por exemplo, o suicídio das vítimas [para maiores detalhes ver: Berger¹]. Bullying pode ser conceituado como todas as atitudes agressivas, intencionais e repetidas que causam dor e angústia, sendo executadas dentro de uma relação desigual de poder². Deste modo, parece que três elementos são cruciais (agressão; repetição; dor e desconforto) na conceituação do fenômeno, no qual precisam aparecer de modo articulado, tornando o conceito complexo^1),(6),(7

Apesar de amplamente investigado no ambiente escolar, ele não ocorre somente neste espaço, mas é um fenômeno possível de ocorrer em qualquer campo de convivência social^2),(8. Entretanto, o ambiente escolar é um local de destaque nos estudos sobre a temática^{2),(4),(5),(7),(9} uma vez que, no ambiente escolar se estruturam uma série de relações sociais. Deste modo, cabe destacar que no período escolar as crianças e adolescentes estão em processo de formação integral, podendo o bullying afetar uma série de domínios como: a concentração, a autoestima, o convívio social, além de gerar atitudes de isolamento e de desesperança, dentre outras consequências^3),(5. Sendo assim, as experiências de sofrimento constantemente provocadas pelo bullying podem gerar comprometimento do processo ensino-aprendizagem¹⁰ e queda no desempenho escolar¹¹. Em resumo, as consequências do bullying podem acarretar prejuízos importantes que, a longo prazo, podem afetar a vida adulta¹².

Como descrito anteriormente, o bullying tem impacto direto na vida das crianças que são vítimas desse fenômeno e, por esta razão, a comunidade escolar precisa estar atenta no sentido de coibi-lo¹³. Neste sentido, destaca-se o papel do professor no qual tem uma função fundamental dentro da escola pelo fato de ser um agente ativo na formação dos estudantes, bem como estão presentes na maior parte do período escolar com os alunos. Entretanto, é possível verificar na literatura que os docentes não realizam as intervenções necessárias durante os episódios de bullying, uma vez que afirmam não testemunhar ou considerar os fenômenos como típicos da idade². Entretanto, é importante considerar que com o conhecimento escasso a respeito do fenômeno bullying é difícil identificar sua ocorrência¹⁴. Em suma, parece ser de fundamental importância que os professores que atuam no contexto escolar compreendam melhor o fenômeno bullying para que seja possível identifica-lo, bem como realizar intervenções criativas e bem contextualizadas¹³.

Estudos prévios^{2),(4),(5),(7),(9} têm apresentado indicativos de que um pior envolvimento nas aulas de Educação Física Escolar pode levar a uma maior duração e frequência das ocorrências de bullying, ao passo que indivíduos com dificuldades nas habilidades motoras, apresentaram um risco três vezes maior de se tornarem vítimas de bullying⁷. Sendo assim, os professores de Educação Física Escolar precisam ficar atentos a este fenômeno, já que cabe aos mesmos atuar na prevenção do bullying de modo a e evitar que as vítimas sofram das consequências deste fenômeno¹⁴. Apesar disso, professores de Educação Física Escolar têm mostrado pouco conhecimento sobre o fenômeno do bullying, sendo que uma das principais justificativas é que o tema é pouco tratado no processo de formação e na formação continuada, resultando em prejuízos nos planejamentos e intervenções neste campo¹⁵. Portanto, uma das possíveis lacunas encontradas no processo de formação docente pode estar, inicialmente, relacionada ao não entendimento ou compreensão do conceito do bullying.

Sendo assim, o presente estudo tem como objetivo verificar o conhecimento de alunos do curso de Licenciatura em Educação Física de cursos classificados com notas 4 e 5 no ENADE sobre o conceito de bullying, bem como verificar quais as unidades de análise [ou elementos cruciais (agressão; repetição; dor e desconforto)] encontram-se ausentes no conceito de bullying reportados pelos alunos.

Métodos

Participantes

Participaram do presente estudo 191 estudantes regularmente matriculados e frequentes em cursos de Licenciatura em Educação Física, de três instituições públicas de ensino superior com conceito 4 e 5 no ENADE de 2017 para os cursos de Licenciatura em Educação Física. Foram selecionados para o estudo, por meio de amostragem não probabilística (por conveniência), os alunos devidamente matriculados no curso e que não tinham cursado ou estavam cursando outra licenciatura. Destes, 55% são do sexo masculino e 45% do sexo feminino, tendo idade média de 23,9 anos (± 5,4 anos). Quanto à organização por tempo de curso, a amostra se dividiu estando 46% dos voluntários na primeira metade do curso e 54% na segunda metade.

Procedimentos

A coleta dos dados foi realizada em local reservado e protegido de ruídos, onde foram fornecidas as informações sobre os objetivos e procedimentos a serem realizados. Em seguida, os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e o procedimento de coleta dos dados teve início. O estudo cumpriu todos os procedimentos legais a partir de sua aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa com Humanos da Universidade Federal de Viçosa (protocolo nº 1.319.452 de 12/11/2015).

Inicialmente, para caracterização dos participantes foi realizado o levantamento dos dados pessoais, tais como sexo, idade, ano de entrada no ensino superior e período do curso em que está matriculado.

A técnica utilizada para a coleta dos dados foi a entrevista estruturada no qual foi composta por um único questionamento: “O que é bullying?”.

Nessa fase do estudo, as entrevistas tiveram o áudio integralmente gravado por meio de um gravador digital de voz e um backup realizado por aplicativo de smartphone.

Figura 1
Procedimentos do estudo

Análise dos dados e estatística

Inicialmente as entrevistas foram transcritas. Posteriormente optou-se por utilizar uma análise qualitativa¹⁶. A definição por esse método justifica-se pela sua capacidade de entender os fenômenos de forma objetiva e sistematizada, fornecendo também a compreensão do significado de uma comunicação e preocupando-se com as intenções, consequências e contextos de produção dessa mensagem¹⁶.

Segundo Harwood and Garry¹⁷ o sucesso desta análise está na sua flexibilidade de adaptação a diferentes delineamentos de pesquisa. No entanto, deve-se preocupar com as condições técnicas que são produzidas as análises, preservando deste modo a confiabilidade do estudo e sua capacidade de reprodutibilidade.

Como proposto por Elo and Kyngäs¹⁶ a análise foi adaptada em três fases de desenvolvimento (Figura 02), como é possível observar no esquema abaixo:

Figura 2
Processo da análise

No primeiro passo, denominado “fase de preparação”, foram realizadas a organização dos dados e definição das unidades de análise que se referem aos três elementos (“agressão”, “repetição” e “dor e desconforto”) identificados como fundamentais no conceito do fenômeno bullying. Este processo teve o objetivo de definir claramente os significado de cada um dos elementos que devem estar presentes no conceito de bullying. Apesar de amplamente estudado internacionalmente e nacionalmente, como apresentado anteriormente, o conceito base do fenômeno bullying adotado no presente estudo é o de Lopes Neto². Isso se justifica em razão de sua proximidade com a realidade brasileira, perpassando pela cultura, idioma, bem como, por apresentar em seu conceito as três unidades de análise amplamente aceitas em publicações internacionais^3)-(7),(18, sendo estas: “agressão”, “repetição” e “dor e desconforto”.

Na segunda fase, denominada de “fase de organização” todas as entrevistas foram analisadas por duas pesquisadoras que realizaram reuniões de capacitação prévias nas quais foram compostas por: 1) discussão sobre o conceito; 2) conceito de cada uma das unidades de análise; 3) avaliação das entrevistas. Nesta última etapa, 19 entrevistas (≅ 10% do total) foram usadas de forma independente entre as duas avaliadores com o objetivo de verificar concordância das avaliadoras em identificar as três unidades de análise nas entrevistas. A confiabilidade dos avaliadores foi realizada e indicou uma concordância acima de 80%. Após esta avaliação independente as duas avaliadores se reuniram para avaliar cada uma das 19 entrevistas utilizas no processo de capacitação de modo a padronizar o processo de avaliação, em especial, reduzir as possíveis divergências. Após o período de capacitação, as duas avaliadoras avaliaram as 191 entrevistas, distribuídas de forma aleatória, de forma independente. Ao final deste processo, as avaliadoras discutiram as avaliações divergentes (≅ 8% de questões divergentes). Ou seja, caso fosse observado avaliação divergentes entre as pesquisadoras, nas diferentes unidades de análise, elas deveriam debater os sentidos de modo chegar a um consenso de avaliação. Ainda, destaca-se que durante este processo não buscou encontrar apenas as palavras “agressão”, “repetição” e “dor e angústia” nos conceitos apresentados pelos participantes, mas sim, o sentido no contexto apresentados em cada uma das entrevistas transcritas.

Por último, ocorreu a classificação das categorias estruturadas, que foram divididas em três categorias: denominando de 1) “sabe o que é bullying” quando as três unidades de análise (“agressão”, “repetição” e “dor e desconforto”) apareceram de modo articulado nas transcrições; 2) “sabe parcialmente o que é bullying”, quando somente uma ou duas unidades de análise apareceram nas transcrições, ou 3) “não sabe o que é bullying” quando nenhuma das unidades de análise apareceram nas transcrições.

Após a classificação, os dados foram tabulados no Microsoft Excel® 2016 e posteriormente transferidos para o RStudio versão 1.1.463 (Windows) que é um ambiente de desenvolvimento integrado (IDE) para R. Sendo assim, o banco de dados final foi composto por cinco colunas, sendo: 1) “id” (sujeitos - 1 a 191); 2) “agressão” (presente ou ausente); 3) “repetição” (presente ou ausente); 4) “dor e desconforto” (presente ou ausente); e 5) classificação final (sabe, sabe parcialmente ou não sabe). Como estatística descritivas foram utilizadas as frequências relativas.

Para a avaliação do entendimento do conceito de Bullying, bem como a ausência das unidades de análise extraídas do conceito, foi utilizado o teste de Qui-Quadrado¹⁹, assumindo frequência esperada de 50% em todas as análises. Como utilizado por^20),(21, a Razão de Possibilidades (OR) e o Intervalo de Confiança de 95% (CI) foram calculados como tamanhos de efeito sendo que valores inferiores a 1,22 considerados como pequeno efeito, entre 1,22 e 3,00 considerados de médio efeito e acima de 3,00 considerados de grande efeito²².

Resultados

O presente estudo, buscou investigar duas manifestações presentes nas entrevistas dos participantes. A primeira refere-se ao conhecimento dos alunos de licenciatura do curso de Educação Física sobre o conceito de bullying e a segunda indica quais as unidades de análise do conceito encontram-se ausentes.

Analisando as respostas referentes às categorias “sabe”, “sabe parcialmente” e “não sabe” o conceito de bullying (Figura 03), é possível verificar que os alunos de licenciatura em Educação Física investigados “sabem parcialmente”, em sua maioria, o conceito de Bullying [χ²(2) = 237,25; p < 0,001]. A análise de OR na comparação entre “sabe” e “não sabe” o conceito pode ser classificado como pequeno [OR=0,80 (95% IC - 0,35 - 1,84)]. Já o OR na comparação entre “não sabe” e “sabe parcialmente” foi grande [OR=10,93 (95% IC - 5,81 - 20,57)] e por fim, o OR na comparação entre “sabe” e “sabe parcialmente”, foi classificado como grande [OR=13,67 (95% IC - 6,92 - 27,00)].

Figura 3
Frequência relativa referente ao conceito de Bullying

Como pode ser visto nas transcrições das entrevistas feitas com os voluntários do estudo, não é possível identificar nas respostas abaixo apresentadas as três unidades de análise do conceito articuladas que o enquadrariam na categoria “sabe”.

“Bullying é o ato de constranger um indivíduo virtual, física ou psicologicamente, trazendo algum dano, a sua, ao seu intelecto, a sua moralidade ou aos seus pertences, é isso ai.”. (Voluntário 153).

“Bullying pra mim é quando uma pessoa faz o uso de, de palavras ou de força física para subjulgar a outra com intuito de, de exatamente subjulgar e diminuir essa outra pessoa.”. (Voluntário 191)

Em contrapartida, é possível identificar na resposta do voluntário 33 as três unidades de análise articulada, demonstrando que o mesmo “sabe” o conceito de bullying.

“Ah bullying para mim é todo ato de violência, seja qual for, que seja repetitivo e intencional contra um ou vários grupos menosprezados que causam algum transtorno, a vergonha e coisas ruins para as pessoas.”. (Voluntário 33)

Para as unidades de análise do conceito das respostas (Figura 04) foi observada uma diferença significativa entre as frequências de ausência na resposta na unidade de análise “agressão” [χ²(1) = 59,94; p < 0,001], na qual a frequência de entrevistas em que aparecem a unidade de análise é maior que a frequência que não aparecem. Já a unidade de análise “dor e desconforto” o teste de qui-quadrado demonstrou que a frequência de respostas não apresentou diferença significativa [χ²(1) = 0,13; p = 0,717]. Por fim, foi encontrada uma diferença significativa entre as frequências de ausência na resposta na unidade de análise “repetição” [χ²(1) = 98,27; p < 0,001], na qual a frequência de entrevistas em que não aparecem a unidade de análise é maior que a frequência que aparecem.

Figura 4
Frequência relativa referente as unidades de análises

Portanto, a unidade de análise “repetição” foi a mais ausente nas respostas dos voluntários, explicitando uma lacuna de conhecimento do conceito de bullying, tendo em vista principalmente que esta unidade possui um peso grande na caracterização do fenômeno. Observa-se abaixo algumas das respostas que foram transcritas e não apresentaram o item “repetição”:

“Pra mim o bullying é um comportamento que pode ser de uma pessoa ou mais, que interfere na vida de outra pessoa. Ele resulta de uma pode ser agressão física, verbal ou psicológica a outra pessoa e que pode acarretar problemas a vítima. E que pode acontecer em qualquer lugar, escola, na rua, bar, qualquer lugar.” (Voluntário 17)

“Bullying é quando você agride de maneira intencional, física ou psicologicamente alguma pessoa e ela se sente agredida.” (Voluntário 56)

“Bullying pra mim é qualquer forma de agressão seja ela verbal ou física. Independente de se a, se a pessoa agrediu é bullying, se xingou é bullying, se falou e a pessoa se achou ofendida é bullying independente da forma se ela, se a, se quem foi ofendido se sentiu, se quem foi agredido se sentiu ofendido é bullying..” (Voluntário 94)

Discussão

O objetivo do presente estudo foi identificar o conhecimento dos alunos de licenciatura em Educação Física de instituições públicas com cursos de formação de qualidade (Conceito ENADE 4 e 5) acerca do conceito de bullying e apontar quais unidades [ou elementos cruciais (agressão; repetição; dor e desconforto)] estiveram mais ausentes nas respostas dos mesmos. Em síntese, o presente estudo identificou que os estudantes de licenciatura em Educação Física de instituições públicas de qualidade investigados majoritariamente sabem parcialmente o conceito de bullying, apresentando respostas em que o conceito de bullying é abordado de forma incompleta.

O conceito de bullying, principal objeto desta análise, é compreendido pela soma de algumas características, denominadas no presente estudo de unidades de análise. Diversos autores trazem em seus estudos que o conceito de bullying deve compreender de modo articulado três unidades de análise: ter a presença da agressão (física, verbal ou psicológica); ocorrer de forma repetitiva e ter como consequência dor/desconforto da vítima^{2),(3),(4),(5),(6),(7}. Desta forma, o presente estudo observou que os participantes possuem uma noção fragmentada do conceito de bullying, muitas vezes citando uma ou duas unidades que, isoladas não caracterizam o bullying^{2),(3),(4),(5),(6),(7}.

Compreendendo estas complexas características do fenômeno, este estudo, além de identificar se os voluntários sabiam, sabiam parcialmente ou não sabiam o conceito de bullying, apresentou também em seus resultados relacionados às unidades de análise que são mais desconhecidas pelos professores de Educação Física em formação, buscando apresentar os resultados de modo a subsidiar a construção de uma futura proposta para melhor formação desses sujeitos na temática. Dentre as três unidades de análise, “repetição” chamou atenção nos resultados, pois foi presente em somente 14,14% das respostas. Deste modo, como apresentado por Pigozi and Machado²³ em uma revisão integrativa da literatura, um dos fatores característicos do bullying é a exposição continuada dos sujeitos as ocorrências e não somente o fato de ter havido alguma forma de agressão entre pares que apresentam características físicas e emocionais similares. A persistência do comportamento hostil, repulsivo e intimidador contra um mesmo grupo ou uma mesma pessoa que irá determinar o bullying^{8), (23}. Sendo assim, apesar da unidade de análise “repetição” ser uma unidade importante e fundamental no conceito de bullying, os alunos de licenciatura em Educação Física, em sua maioria, não foram capazes de relata-lá em suas respostas.

Apesar da falta de conhecimento dos discentes de licenciatura em relação a unidade de análise “repetição” ganhar destaque no presente estudo, outra importante unidade que precisa ser compreendida que é a “agressão”. O bullying é uma forma de agressão, mas nem toda agressão é bullying²⁴. Para que a agressão seja caracterizada como bullying, ela deve carregar intenção do autor em ferir a vítima^8),(24),(25. No presente estudo, a unidade de análise “agressão” foi a mais presente no discurso dos participantes (82,20%). Sendo assim, a presença da unidade de análise “agressão”, seja ela física, verbal ou psicológica para caracterizar o bullying, foi apresentada de forma significativa e com tamanho de efeito grande demonstrando que os estudantes de licenciatura em Educação Física investigados, em sua maioria, são capazes de identificar esta importante unidade de análise no conceito de bullying.

Por último, o termo “dor e desconforto”, última das três unidades que compõe e caracterizam o conceito de bullying no presente estudo, foi citada em aproximadamente 50% dos discursos dos participantes. Esta unidade aponta que as agressões repetidas devem gerar incômodo, angústia, dor e desconforto nas vítimas das agressões²⁶. Desta forma, aproximadamente 50% dos participantes não foram capazes de apresentar em seus discursos sobre o conceito esta caracteristica do bullying.

Ainda, o presente estudo apresenta como resultado que apenas 7% dos estudantes de licenciatura em Educação Física de três cursos de qualidade (conceito 4 e 5 no ENADE de 2017), de importantes instituições publicas brasileiras conseguiram, em seus discursos, apresentar o conceito de bullying com as três unidades de análise. Deste modo, cabe destacar que a compreensão de apenas uma ou duas unidades não faz com que os participantes saibam o conceito de bullying, tendo em vista que esse é complexo e se caracteriza pela articulação das três unidades apresentadas pela literatura científica e analisadas pelo estudo. Ou seja, apesar do bullying ser um fenômento presente no contexto escolar, em especial na Educação Fisica Escolar atual e que têm recebido ao longo dos últimos anos relativa divulgação em diferentes meios de comunicação, o mesmo tem um conceito complexo e que precisa ser trabalhando dentro do processo de formação de futuros professores de Educação Física.

Historicamente os professores desempenham a função de, para além de construir os processos significativos de ensino-aprendizagem, mediar a relação escola e comunidade em razão de diversos conflitos, dentre eles o bullying¹⁴. Sendo assim, a compreensão do conceito torna-se um importante aliado dos docentes que convivem cotidianamente com o bullying, pois o mesmo fornece subsídio para sua identificação, intervenção e prevenção¹³. Apesar disso, o tema ainda parece ser precarizado na formação de futuros profissionais em cursos de qualidade e pouco trabalhado na formação continuada, ficando relegado em ambos os casos a debates e palestras¹³.

Especificamente no que diz respeito à formação do Profissional Licenciado em Educação Física, deve-se levar em conta a importância do entendimento deste fenômeno, tendo em vista que é possível identificar que estudantes do ensino médio dizem ter sido vítimas de bullying durante as aulas da disciplina Educação Física²⁷, tornando este um local de risco para a ocorrência de bullying. Diante desse apontamento, cabe reiterar que o profissional deve ser capaz de identificar o bullying para que os alunos não sofram as consequências do mesmo, pois essas podem ser deletérias as vítimas (ex., depressão, ansiedade, comportamento delinquente e agressivo) que podem impactar, inclusive, na vida adulta^{28),(29),(30),(31}. Essas consequências possivelmente poderiam ser evitadas com intervenções preventivas. Além disso, destaca-se o papel do familiar, em que os pais e os cuidadores devem contribuir de forma significativa no processo de desenvolvimento de habilidades sociais das crianças, bem como da capacidade de resolver conflitos e lidar com as emoções^{28), (30),(32}.

Ainda, apesar do presente estudo focar na compreensão do conceito de bullying, é de extrema importância destacar o fato de que o mesmo é um fenômeno complexo que apresenta diferentes fatores que devem ser levados em consideração. Em outras palavras, embora o presente estudo apresente um olhar reducionista ao verificar somente o conceito de bullying, o processo de formação do professor que vai atuar no ambiente escolar deve ser capaz de preparar o discente nos diferentes fatores que estão relacionados a este complexo fenômeno que é o bullying². Por exemplo, discentes em formação precisam discutir e se aprofundar no entendimento dos personsagens (ex. agressor, vítima e testemunhas) envolvidos, nas diferentes classificações (direto ou indireto), nos fatores de riscos, nas consequencias desta prática para os diferentes personagens, bem como nas medidas preventivas e formas de atuação².

Em resumo, os resultados do presente estudo fornecem indicativos que os discente de licenciatura em Educação Física de instituições publicas de qualidade sabem parcialmente o conceito deste importante fenômeno. Este fato é preocupante já que o espaço de trabalho do licenciado em Educação Física parece ser um espaço propício para a ocorrência de bulying e deste modo, compreendê-lo parece ser importante. Entretanto, entende-se que são necessários novos estudos que ampliem a amostra analisada e aprofundem as discussões acerca da compreensão do conceito por estudantes e professores de Educação Física.

Por último, o presente estudo apresenta algumas limitações que devem ser consideradas. 1) A amostra é relativamente pequena e não representa a formação de todos os cursos de Educação Física no Brasil, em especial todos os cursos de qualidade; 2) Não considerar que o fenômeno Bullying é complexo, não somente no seu conceito, mas que outros fatores (tipos, avaliação, intervenção, dentre outros) podem contribuir para a identificação, intervenção e prevenção deste fenômeno. Por exemplo, o bullying pode ser tipificado em três formas: física, quando podem ocorrer agressões como tapas, empurrões, roubos, cuspes (relativamente fácil de identificar); verbal, com a presença de insultos públicos, xingamentos, provocações (mais difícil de identificar quando comparado com o físico); e de relacional, observando-se atos de isolamento, exclusão social dentro de determinado grupo e boatos (mais difícil de identificar quando comparado com o físico e o verbal)^24),(33. Sendo assim, para um entendimento mais aprofundado sobre o processo de formação do licenciado em Educação Física sobre a temática bullying é nessário investigar e entender outros fatores relacionados ao bullying que não foram possíveis de ser investigados no presente estudo.

Conclusões

Pode-se concluir que os estudantes de licenciatura em Educação Física de cursos de qualidade participantes deste estudo, majoritariamente sabem parcialmente o conceito de bullying. Em suas respostas, a maioria dos participantes apresentaram de modo incompleto os subconceitos fundamentais que caracterizam o fenômeno bullying.

Durante a análise dos dados, observou-se que a unidade menos presente nas respostas dos voluntários foi a “repetição” sendo seguida de “dor e desconforto”, mas foram capazes, em sua maioria, de identificar a unidade “agressão”. Ou seja, os estudantes analisados compreendem que o bullying está relacionado agressão, mas não apresentam o conhecimento de que esta agressão precisa ser repetitiva e causar dor e descoforto à vitima.

A partir disso, sugere-se que os cursos de licenciatura em Educação Física devam ampliar as discussões e estudos do conceito de bullying e, sempre que possível, façam o mesmo nos ambientes de formação continuada, tendo em vista a importância do professor na identificação e mediação das ocorrências do bullying no ambiente escolar, em especial nas aulas de Educação Física.

Agradecimentos:

Agradecemos a Camila Cristina Fonseca Bicalho, Natalia Cristina Leão Andrade e Victor Lana Gonçalves pela contribuição na coleta de dados do presente estudo

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  05 Jan 2022
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  19 Jan 2020
• Revisado
  19 Maio 2020
• Aceito
  23 Maio 2020