Open-access Aptidão cardiorrespiratória e associações com fatores de risco cardiovascular em adolescentes

Resumos

OBJETIVO: O consumo máximo de oxigênio tem sido sugerido como medida preferível em relação a questionários de atividade física para expressar a aptidão cardiorrespiratória, por sua maior objetividade e menor possibilidade de erros. Estudos indicam que essa medida se correlaciona melhor com as doenças cardiovasculares. Este trabalho propõe-se a associar fatores de risco cardiovasculares em adolescentes ao nível de aptidão cardiorrespiratória. MÉTODOS: Foram selecionados 380 escolares, 177 meninos e 203 meninas (10 a 14 anos), que foram divididos em dois grupos de acordo com a aptidão cardiorrespiratória. Realizou-se avaliação antropométrica, medidas hemodinâmicas (pressão arterial e freqüência cardíaca), teste cardiopulmonar e perfil bioquímico (triglicerídeos, colesterol total e frações). RESULTADOS: Nos meninos, observou-se diferença significativa entre grupo "fraco" e "não fraco" para as médias de freqüência cardíaca basal, consumo máximo de oxigênio, índice de massa corporal e triglicerídeos. Nas meninas, as diferenças significativas foram nas médias de freqüência cardíaca basal, consumo máximo de oxigênio e índice de massa corporal. Em ambos os sexos, o grupo classificado como "fraco" apresentou maior número significativo de indivíduos com excesso de peso em relação ao grupo "não fraco" (x² = 25,242; p = 0,000; x² = 12,683; p = 0,000, para meninos e meninas, respectivamente). Associação significativa entre aptidão cardiorrespiratória e triglicerídeos (x² = 3,944; p = 0,047) observou-se apenas para o sexo masculino. CONCLUSÕES: A aptidão cardiorrespiratória mais baixa parece ter influência negativa sobre os fatores de risco cardiovasculares em adolescentes, especialmente em relação ao excesso de peso em ambos os gêneros e ao perfil bioquímico no sexo masculino, evidenciando para a necessidade de intervenções preventivas precoces.

Consumo de oxigênio; adolescente; aptidão física; fatores de risco


OBJECTIVE: Maximum oxygen uptake is emerging as the measure of preference for expressing cardiorespiratory fitness for the purposes of surveys of physical activity, due to its greater objectivity and lower propensity to errors. Studies indicate that this measure is better correlated with cardiovascular diseases. This paper proposes to relate cardiovascular risk factors in adolescents with their level of cardiorespiratory fitness. METHODS: The study enrolled 380 schoolchildren, 177 boys and 203 girls (10 to 14 years old), who were divided into two groups according to their cardiorespiratory fitness. Anthropometric assessment was carried out, hemodynamic measurements (arterial pressure and heart rate) were taken, cardiopulmonary exercise testing was performed and biochemical tests were run (triglycerides, total and partial cholesterol). RESULTS: Among the boys, significant differences were observed between boys defined as "weak" and those classed as "not weak" in terms of baseline heart rate, maximum oxygen uptake, body mass index and triglycerides. Among the girls, significant differences were detected between baseline heart rates, maximum oxygen uptake and body mass indices. In both sexes, the group classified as "weak" exhibited a significantly greater number of overweight individuals that the "not weak" group (x² = 25.242; p = 0.000; x² = 12.683; p = 0.000, for boys and girls, respectively). A significant association between cardiorespiratory fitness and triglycerides (x² = 3.944; p = 0.047) was observed among the boys only. CONCLUSIONS: A low level of cardiorespiratory fitness appears to have a negative influence on cardiovascular risk factors among adolescents, especially with relation to overweight in both sexes and to biochemical profile in the male sex, providing evidence of the need for early preventative interventions.

Oxygen consumption; adolescent; physical fitness; risk factors


ARTIGO ORIGINAL

Aptidão cardiorrespiratória e associações com fatores de risco cardiovascular em adolescentes

Anabel N. RodriguesI; Anselmo José PerezI; Luciana CarlettiII; Nazaré S. BissoliII; Gláucia R. AbreuII

IDoutor. Faculdade Salesiana de Vitória, Vitória, ES

IIDoutora. Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Vitória, ES

Correspondência Correspondência: Anabel Nunes Rodrigues Rua Otávio Manhães de Andrade, 124, cobertura 2, Ed. Topazio CEP 29200-450 - Guarapari, ES Tel.: (27) 3361.5136, (27) 9944.6823 Fax: (27) 3222.3829 Email: arodrigues@salesiano.com.br

RESUMO

OBJETIVO: O consumo máximo de oxigênio tem sido sugerido como medida preferível em relação a questionários de atividade física para expressar a aptidão cardiorrespiratória, por sua maior objetividade e menor possibilidade de erros. Estudos indicam que essa medida se correlaciona melhor com as doenças cardiovasculares. Este trabalho propõe-se a associar fatores de risco cardiovasculares em adolescentes ao nível de aptidão cardiorrespiratória.

MÉTODOS: Foram selecionados 380 escolares, 177 meninos e 203 meninas (10 a 14 anos), que foram divididos em dois grupos de acordo com a aptidão cardiorrespiratória. Realizou-se avaliação antropométrica, medidas hemodinâmicas (pressão arterial e freqüência cardíaca), teste cardiopulmonar e perfil bioquímico (triglicerídeos, colesterol total e frações).

RESULTADOS: Nos meninos, observou-se diferença significativa entre grupo "fraco" e "não fraco" para as médias de freqüência cardíaca basal, consumo máximo de oxigênio, índice de massa corporal e triglicerídeos. Nas meninas, as diferenças significativas foram nas médias de freqüência cardíaca basal, consumo máximo de oxigênio e índice de massa corporal. Em ambos os sexos, o grupo classificado como "fraco" apresentou maior número significativo de indivíduos com excesso de peso em relação ao grupo "não fraco" (x2 = 25,242; p = 0,000; x2 = 12,683; p = 0,000, para meninos e meninas, respectivamente). Associação significativa entre aptidão cardiorrespiratória e triglicerídeos (x2 = 3,944; p = 0,047) observou-se apenas para o sexo masculino.

CONCLUSÕES: A aptidão cardiorrespiratória mais baixa parece ter influência negativa sobre os fatores de risco cardiovasculares em adolescentes, especialmente em relação ao excesso de peso em ambos os gêneros e ao perfil bioquímico no sexo masculino, evidenciando para a necessidade de intervenções preventivas precoces.

Palavras-chave: Consumo de oxigênio, adolescente, aptidão física, fatores de risco.

Introdução

Historicamente, as doenças cardiovasculares vêm sendo consideradas um problema de saúde pública importante há várias décadas, embora não tenham um papel tão destacado como as doenças infectocontagiosas1. Atualmente, o perfil de mortalidade da população brasileira tem passado por transformações, destacando-se a queda dos óbitos infantis, a redução relativa de óbitos por doenças infecciosas e o aumento das mortes por doenças crônico-degenerativas, especialmente as do aparelho circulatório2.

No passado, acreditava-se que as doenças cardiovasculares eram específicas da população mais idosa, contudo tem-se observado uma prevalência importante entre adultos jovens3. Além disso, ensaios clínicos apontam para um início muito precoce do processo de aterosclerose, uma das principais formas de manifestação das doenças cardiovasculares, e uma relação desta com fatores de risco semelhante aos encontrados na população adulta, como hipertensão, dislipidemias, obesidade, tabagismo, sedentarismo e baixa aptidão física4,5.

A relação entre aptidão física e menor perfil de risco cardiovascular tem sido demonstrada em crianças e adolescentes de ambos os sexos6-10. Até mesmo em crianças bem jovens, tem-se verificado essa associação, ao se observar que o aumento da pressão arterial esperado com o progredir da idade foi atenuado naquelas que apresentavam melhor aptidão física10. Entretanto, há resultados contraditórios que podem ser atribuídos às diferenças metodológicas para identificação da aptidão física, à composição de gordura corporal da amostra estudada8,11, bem como a diferenças genéticas e nos níveis de maturação e de crescimento12.

Descrita como sendo um comportamento, a atividade física compreende todo tipo de atividade muscular em que se eleve significativamente o gasto de energia. Já a aptidão física é descrita como sendo um atributo, e geralmente refere-se à habilidade para o desempenho de um trabalho físico, sendo considerada um estado adaptativo e, em parte, geneticamente determinada12. Deste modo, as medidas da aptidão física têm sido sugeridas como preferíveis em relação à atividade física, por sua maior objetividade e menor possibilidade de erros. Além disso, a aptidão aeróbia, e não a atividade física, tem se correlacionado melhor com as doenças cardiovasculares no adulto12.

Sendo assim, nossa proposta é buscar associação entre aptidão cardiorrespiratória e presença de fatores de risco cardiovasculares em adolescentes, utilizando para isso uma categorização da aptidão física proposta para amostra brasileira13.

Métodos

Amostra

Este estudo foi realizado com escolares da rede pública do município de Vitória (ES), na faixa etária de 10 a 14 anos, de ambos os sexos. Vitória é a capital do Estado do Espírito Santo e possui uma população totalmente urbana, de 292.304 habitantes. Segundo estatísticas das Nações Unidas, a taxa de freqüência escolar do município de Vitória é de 93%, a expectativa de vida chega a 70,7 anos de idade e apresenta a maior renda per capita do estado. A taxa de mortalidade no estado, na faixa etária de 10 a 14 anos em 2001, representou 0,71% do total dos óbitos e, dentre as diversas causas de mortes da população geral, as doenças do aparelho cardiocirculatório representaram 26,58% dos óbitos14.

O cálculo da amostragem mínima foi determinado através da equação geral para tamanho de amostra em todas as populações15, com um nível de confiança de 95% e intervalo de confiança de 5%. A amostragem foi obtida por um processo de seleção amostral aleatória, levando-se em consideração a proporcionalidade entre a população dessa faixa etária (total de 27.491 adolescentes). As escolas de cada uma das sete regiões administrativas foram sorteadas e convidadas a participar por meio de seus diretores, que forneceram uma listagem de seus alunos. A partir dessa lista, forma sorteados 380 escolares, sendo 177 do sexo masculino e 203 do sexo feminino. Apenas duas das crianças selecionadas desistiram de participar do estudo, as quais foram substituídas através de novo sorteio.

Os adolescentes sorteados foram convidados, por meio de seus pais ou responsáveis, a participar do estudo. Todos assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido sobre os benefícios, riscos e procedimentos a serem realizados no estudo. O protocolo de estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da Faculdade Salesiana de Vitória. Nenhum deles se declarou tabagista, portador de alguma doença metabólica previamente conhecida ou ser usuário de contraceptivo oral, que eram critérios de exclusão. A idade cronológica dos adolescentes foi determinada em forma centesimal, tendo como referência a data da coleta de dados e a data de nascimento.

A amostra foi estratificada em dois grupos, a partir da classificação do consumo máximo de oxigênio (VO2max) proposta para amostra brasileira13: VO2max fraco (< 36,4 mL.kg-1.min-1 para meninas, e < 43,3 mL.kg-1.min-1 para meninos) e VO2max não fraco (> 36,5 mL.kg-1.min-1 para meninas, e > 43,4 mL.kg-1.min-1 para meninos).

A identificação dos fatores de risco cardiovascular

Excesso de peso

A massa corporal foi determinada por uma balança antropométrica com precisão de 100 g e capacidade máxima para 150 kg, e a estatura foi determinada utilizando um estadiômetro com escala de 0,1 cm, conforme padronizações conhecidas. A partir dessas duas variáveis, calculou-se o índice de massa corporal (IMC, kg.m-2). Definiu-se como excesso de peso as condições de sobrepeso e obesidade identificadas através de valores de IMC para a idade e sexo, estabelecendo o ponto de corte o percentil > 85 e < 95 para sobrepeso e > 95 para obesidade, e como peso corporal normal aqueles que se encontravam com valores de IMC inferiores ao percentil 8516.

Aptidão cardiorrespiratória

Para identificação e classificação da aptidão cardiorrespiratória, utilizou-se o teste cardiopulmonar. Inicialmente, os indivíduos foram orientados a respeito dos cuidados a serem considerados para a realização do teste. Para o monitoramento das variáveis cardiopulmonares, utilizou-se um ergoespirômetro da marca MedGraphics Corporation (MGC), o qual fornecia informações acerca do consumo de oxigênio (VO2), produção de dióxido de carbono (VCO2), ventilação pulmonar (VE), equivalentes respiratórios de oxigênio (VE/VO2) e gás carbônico (VE/VCO2) e a razão de troca respiratória (RER = VCO2/VO2). Neste estudo, utilizamos um protocolo de rampa, detalhado em publicação anterior13, que progredia de acordo com VO2 predito, comparado com o VO2 medido. O teste era interrompido se os avaliados sinalizassem (através de gestos pré-combinados) para a fadiga ou algum desconforto que impedisse a continuidade do mesmo. Para considerar se o VO2 atingido era o máximo, pelo menos três dos seguintes critérios deveriam ser observados: a) exaustão ou inabilidade para manter a velocidade requerida; b) RER > 1,0; c) freqüência cardíaca máxima (FCmax) alcançada seja > 90% da freqüência cardíaca (FC) estimada, d) platô do VO2max, ou ter atingido valores > 85% do predito17.

A análise dos gases

Para a análise dos gases durante o esforço, utilizou-se o ergoespirômetro CardiO2 da MGC, que consiste em um sistema de calorimetria de circuito aberto, ou seja, o gás referência para calibração era ajustado por uma mistura de gases com concentração constante de CO2 e O2. Um software breeze suite era utilizado para determinação da concentração de VO2 e VCO2 pela medida na VE (volume minuto ou volume expirado de ventilação por minuto) da diferença entre as pressões gasosas no ar inspirado e no ar expirado aferidos a cada respiração (breath by breath). O equipamento da ergoespirometria era devidamente calibrado antes da realização do teste. O laboratório era equipado com equipamentos e fármacos para o caso de intercorrências.

Pressão arterial e freqüência cardíaca

A medida da pressão arterial foi realizada conforme metodologia estabelecida pela IV Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial18, sendo mensurada três vezes, com um intervalo de repouso de cerca de 2 minutos entre as medidas. Foram usados esfigmomanômetro padrão de coluna de mercúrio de marca Wan Med® devidamente calibrado e manguitos adequados à circunferência do braço da criança, previamente medido. As medidas da pressão arterial sistólica (PAS) e diastólica (PAD) foram realizadas em ambiente tranqüilo e silencioso, com as crianças assentadas, relaxadas e com o braço direito apoiado sobre uma mesa e à altura do precórdio. As crianças foram mantidas em repouso por um período entre 5 a 10 minutos. A PAD foi determinada na fase V de Korotkoff. A média das três medidas foi utilizada para determinar a PAS e PAD dos indivíduos. Como critério para classificação, foi utilizado o valor de pressão arterial referente aos percentis 90 e 95 de pressão arterial para crianças e adolescentes, de acordo com os percentis de estatura para ambos os sexos. Consideraram-se os valores < percentil 90 como normotensão; entre os percentis 90 e 95, como limítrofes; e > percentil 95, como hipertensão arterial5,18.

A FC de repouso foi obtida a partir do registro eletrocardiográfico de 12 derivações, com os indivíduos em decúbito dorsal, após estabilização visualizada ao monitor.

Perfil bioquímico

Para determinação do perfil bioquímico, o sangue foi coletado após jejum mínimo de 12 horas. O colesterol, HDL-colesterol (HDL-c) e triglicerídeos foram determinados por método colorimétrico-enzimático19. Os triglicerídeos foram medidos fotometricamente. LDL-colesterol e VLDL-colesterol foram calculados, respectivamente, pelas fórmulas [(colesterol - HDL-c) - (triglicerídeos/5)] e triglicerídeos/520. A glicemia foi determinada pelo método enzimático espectrofotométrico oxidase/peroxidase BioSystems®. Para o cálculo das prevalências lipídicas, considerou-se os valores de referências propostos pela I Diretriz de Prevenção da Aterosclerose na Infância e na Adolescência21.

Estatística

A análise estatística dos dados foi processada utilizando recursos da estatística descritiva (média, desvio padrão e freqüência percentual), por sexo e idade. Na comparação entre as médias, foi utilizado teste t de Student para amostras independentes. Foi calculada a média para nível de colesterol e suas frações e triglicerídeos conforme sexo e categorização da aptidão física. Correlação não paramétrica r de Spearman (ps) e análise de covariância (ANCOVA) foram aplicadas quando necessário. Para comparar diferenças de prevalências, foram utilizados os testes de qui-quadrado e odds ratio, com intervalo de confiança de 95% (IC95). Quando necessário, foram determinados o risco relativo (RR) e o número necessário para prejudicar (NNP) com IC95. Sob a denominação "excesso de peso", foram agrupados aqueles adolescentes com sobrepeso juntamente com os obesos, isto é, qualquer um que apresentasse IMC acima do percentil 85. Portanto, incluiu-se o sobrepeso, um fator de risco para doenças cardiovasculares22 que, na amostra, contava com um número de adolescentes muito maior do que os obesos. Considerou-se pressão arterial "alterada" quando a PAS ou a PAD estavam acima do percentil 90 da população de referência. Para as variáveis lipídicas, foram agrupados sob o termo "alterado" todos os adolescentes que apresentassem valores acima dos desejáveis aos utilizados como referências neste estudo, ou abaixo para o HDL-c.

Foi estabelecido p < 0,05 ou 5% como nível de significância estatística para rejeição de uma hipótese nula para todos os testes.

Resultados

As características antropométricas, hemodinâmicas e bioquímicas dos grupos, segundo a classificação aqui denominada de "fraco" (aptidão muito fraca e fraca) e "não fraco" (aptidão regular, boa e excelente), para o sexo masculino e feminino, estão demonstradas respectivamente nas Tabelas 1 e 2.

No sexo masculino, observa-se diferença significativa entre grupo "fraco" e "não fraco" para a idade (12,14±1,30 versus 12,99±1,49 anos; p = 0,000), FC basal (77,13±8,96 versus 74,28±9,73 bat/min; p = 0,050), VO2max (37,47±4,98 versus 50,79±5,51 mL.kg-1.min-1, p = 0,000), IMC (19,54±4,14 versus 17,35±2,41; p = 0,000) e triglicerídeos (78,00±39,38 versus 65,37±24,19 md/dL; p = 0,008). Para o sexo feminino, as diferenças significativas observadas são entre a FC basal (83,94±9,55 versus 79,95±9,01 bat/min; p = 0,002), VO2max (32,49±3,06 versus 41,48±4,50 mL.kg-1.min-1, p = 0,000) e IMC (19,92±4,24 versus 17,99±2,39; p = 0,000).

Sabe-se que a idade pode ser uma importante variável de confusão e, no sexo masculino, mostrou-se significativamente diferente entre os dois grupos. Assim sendo, através da correlação não-paramétrica r de Spearman (ps), foram evidenciadas influências significativas, de fraca a moderada, da idade em um ou em ambos os grupos (fraco e/ou não fraco), sobre a PAD (ps = -0,25; p = 0,01, não fraco), VO2max (ps = 0,27; p = 0,006, não fraco), IMC (ps = 0,40; p = 0,000, para ambos os grupos), CT (ps = -0,20; p = 0,040, não fraco), HDL (ps = -0,29; p = 0,021 e ps = -0,25; p = 0,012; fraco e não fraco, respectivamente). Aplicou-se então a ANCOVA para se ajustar às médias pela idade nessas variáveis. Após o ajuste, os resultados previamente observados entre as médias do grupo fraco e não fraco não se modificaram.

No sexo feminino, não há diferença significativa da idade entre os dois grupos e, portanto, nenhum ajuste da influência desta sobre as demais variáveis deve ser considerado.

As Tabelas 3 e 4 demonstram a associação entre aptidão cardiorrespiratória (VO2max) e obesidade para ambos os sexos. Tanto para o grupo masculino quanto para o feminino, aqueles classificados como "fraco" agregaram significativamente maior número de casos de excesso de peso em relação ao grupo "não fraco", observado através do valor significante de odds ratio (9,98 e 4,81 para meninos e meninas, respectivamente). O mesmo grupo apresentou um RR 7 e 3,95 vezes maior em ser portador de IMC alterado em relação ao grupo não fraco, respectivamente. Além disso, a cada quatro adolescentes do sexo masculino e seis do sexo feminino que vierem a ser classificados como VO2max "fraco", um será portador de excesso de peso (NNP). Associação significativa (χ2 = 3,944; p = 0,047) também pode ser observada para o sexo masculino entre aptidão cardiorrespiratória e triglicerídeos, com o grupo "fraco" apresentando significativamente maior número de alterações nos níveis de triglicerídeos (odds ratio = 2,960) e um RR 2,63 maior. Para cada nove adolescentes que forem classificados como "fraco", um apresentará níveis alterados de triglicerídeos.

Discussão

O propósito deste estudo foi buscar associação entre aptidão cardiorrespiratória, medida diretamente, e presença de fatores de risco cardiovascular em adolescentes, utilizando a categorização da aptidão física proposta para amostra brasileira.

Os resultados encontrados apontaram para um maior IMC no grupo com aptidão cardiorrespiratória mais baixa, sem alterações pressóricas significantes, tanto para o sexo feminino quanto para o sexo masculino. Contudo, o valor médio do IMC do grupo de VO2max fraco não foi suficientemente alto para ser classificado como sobrepeso ou obesidade. Esta nos parece uma possível justificativa para o fato de o IMC significativamente maior no grupo fraco não ter influenciado nas cifras pressóricas, como relatado na literatura23.

Estudos epidemiológicos descrevem a atividade física e/ou aptidão como eficazes em diminuírem a pressão arterial de adultos hipertensos; contudo, não está claro se esses benefícios podem ser vistos também em crianças12. Neste estudo, a associação entre aptidão física e pressão arterial não foi confirmada, o que é corroborado com dados apresentados na literatura24,25. Entretanto, outros estudos apresentam resultados contrários8-10. Acredita-se que dados contraditórios se devam a diferenças metodológicas e à diversidade de fatores que interferem na resposta pressórica. Além disso, existe uma grande variedade de métodos empregados nas investigações clínicas para identificar a aptidão física, como medida direta e indireta do VO2máx11,26,27 e FC de recuperação7, que podem conferir resultados divergentes aos estudos.

Uma maior FC foi encontrada no grupo de aptidão física mais baixa (masculino e feminino). Isso pode tanto ter ocorrido por influência do condicionamento físico, que aprimora a função cardiovascular28, quanto pela sobrecarga cardíaca imposta pela maior massa corporal deste grupo23. Adicionalmente, é sabido que indivíduos com sobrepeso ou obesidade apresentam nível mais baixo de aptidão física29-31. Portanto, é difícil identificar o que é causa e o que é efeito nesta relação.

Maiores níveis de triglicerídeos foram observados no grupo com menor aptidão física apenas para o sexo masculino. Dados previamente publicados evidenciaram uma correlação negativa entre VO2max e triglicerídeos apenas em meninos pós-púberes32. Sabe-se que, por depositar-se na parede do vaso e iniciar o processo de acúmulo das lipoproteínas de baixa densidade, os triglicerídeos estão fortemente associados ao risco de desenvolvimento de doença aterosclerótica33,34. Convém ressaltar que a dislipidemia iniciada na infância tende a se manter durante o crescimento e apresenta uma relação direta com doenças cardiovasculares no adulto35.

Embora nesta investigação o VO2max tenha sido determinado diretamente, este não tem sido o método habitual utilizado, com a aptidão cardiorrespiratória sendo determinada por diversos métodos indiretos. Em nossa amostra, esta importante variável da aptidão física determinada diretamente não foi capaz de influenciar significativamente os níveis de colesterol total e suas frações. Apenas os níveis de triglicerídeos, no sexo masculino, mostraram-se sensíveis à aptidão cardiorrespiratória. Vale a pena ressaltar que Wilmore & McNamara36 também não conseguiram demonstrar associação significativa entre VO2max e níveis de lipídeos sangüíneos de adolescentes. Estudos adicionais, com metodologia bem delineada e padronizada, são necessários para identificar a real força preditiva da aptidão cardiorrespiratória sobre os lípides sangüíneos em adolescentes. Portanto, a falta de critérios pode ser a origem das controvérsias que indicam ou falham em indicar esta variável como um preditor independente do perfil lipídico em adolescentes37.

As medidas da aptidão física têm sido sugeridas como preferíveis em relação às da atividade física, por sua maior objetividade e menor possibilidade de erros. Além disso, estudos indicam que a aptidão aeróbia, e não a atividade física, tem se correlacionado melhor com as doenças cardiovasculares no adulto12,38,39. Assim, esforços deveriam ser intensificados para identificar o ponto inicial de uma atividade física diária para elevar a aptidão física dos jovens.

Embora o presente estudo reflita dados de uma localidade restrita, avaliou-se um grupo que representa 59,71% de toda população nesta faixa etária, em uma cidade cuja freqüência escolar é alta (93%). Portanto, esta é uma amostra representativa do universo dos adolescentes nesta faixa etária. Contudo, convém ressaltar que os resultados não devem ser extrapolados a toda a população, pois apenas alunos das escolas públicas foram avaliados.

A presente investigação sugere que aptidão cardiorrespiratória se associa com maior freqüência de fatores de risco (IMC, pressão arterial e colesterol total para ambos os sexos; LDL-c e triglicerídeos para o sexo masculino, e HDL-c no sexo feminino). No entanto, em nossos dados, ela foi capaz de revelar-se significativa apenas com excesso de peso em ambos os gêneros e ao nível de triglicerídeos no sexo masculino.

Artigo submetido em 26.03.07, aceito em 11.07.07.

Financiamento parcial (equipamentos): Faculdade Salesiana de Vitória e FACITEC.

Referências bibliográficas

  • 1. World Health Organization (WHO). Diet, nutrition, and the prevention of chronic diseases. Geneva: WHO; 1990. Technical Report Series, 797. p. 1-203.
  • 2. Brasil, Ministério da Saúde. Caderno de Informações em Saúde. 2004. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br Acesso: 05/02/2007.
  • 3. Laurenti R, Buchalla CM. Os mitos a respeito das doenças cardiovasculares. Arq Bras Cardiol. 2001;76:99-104.
  • 4. Boreham C, Riddoch C. The physical activity, fitness and health of children. J Sports Sci. 2001;19:915-29.
  • 5. Williams CL, Hayman LL, Daniels SR, Robinson TN, Steinberger J, Paridon J, et al. Cardiovascular health in childhood. A statement for health professionals from the Committee on Atherosclerosis, Hypertension, and Obesity in the Young (AHOY) of the Council on Cardiovascular Disease in the Young, American Heart Association. Circulation. 2002;106:143-60.
  • 6. al-Hazaa HM. Physical activity, fitness and fatness among Saudi children and adolescents: implications for cardiovascular health. Saudi Med J. 2002;23:144-50.
  • 7. Hofman A, Walter HJ. The association between physical fitness and cardiovascular disease risk factors in children in a five-year follow-up study. Int J Epidemiol. 1989;18: 830-5.
  • 8. Gutin B, Basch C, Shea S, Contento I, DeLozier M, Rips J, et al. Blood pressure, fitness and fatness in 5- and 6-year-old children. JAMA.1990;264:1123-7.
  • 9. Hansen HS, Hyldebrandt N, Froberg K, Rokkedal Nielsen J. Blood pressure and physical fitness in school children. Scand J Clin Lab Invest Suppl.1989;192:42-6.
  • 10. Shea S, Basch CE, Gutin B, Stein AD, Contento IR, Irigoyen M, et al. The rate of increase in blood pressure in children 5 years of age is related to changes in aerobic fitness and body mass index. Pediatrics. 1994;94(4 Pt 1):465-70.
  • 11. Guerra S, Ribeiro JC, Costa R, Duarte J, Mota J. Relationship between cardiorespiratory fitness, body composition and blood pressure in school children. J Sports Med Phys Fitness. 2002;42:207-13.
  • 12. Thomas NE, Baker JS, Davies B. Established and recently identified coronary heart disease risk factors in young people: the influence of physical activity and physical fitness. Sports Med. 2003;33:633-50.
  • 13. Rodrigues AN, Perez AJ, Carletti L, Bissoli NS, Abreu GR. Maximum oxygen uptake in adolescents as measured by cardiopulmonary exercise testing: a classification proposal. J Pediatr (Rio J). 2006;82:426-30.
  • 14. Instituto de Apoio à Pesquisa e ao Desenvolvimento Jones dos Santos Neves (IPES). ES Perfil 2001/2002. Vitória: IPES; 2003.
  • 15. Rea LM, Parker RA. Metodologia de pesquisa: do planejamento a execução. São Paulo: Pioneira; 2000.
  • 16. Daniels SR, Arnett DK, Eckel RH, Gidding SS, Hayman LL, Kumanyika S, et al. Overweight in children and adolescents: pathophysiology, consequences, prevention, and treatment. Circulation. 2005;111:1999-2012.
  • 17. Turley KR, Wilmore JH. Cardiovascular responses to treadmill and cycle ergometer exercise in children and adults. J Appl Physiol. 1997;83:948-57.
  • 18 IV Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial.
  • 19. Bergmeyer HV. Methods of enzymatic analysis. New York: Academic; 1974.
  • 20. Friedewald WT, Levy RI, Frederickson DS. Estimation of the concentration of low density lipoprotein cholesterol in plasma, without use of the preparative ultracentrifuge.Clin Chem.1972;18:499-502.
  • 21. Sociedade Brasileira de Cardiologia. I Diretriz de Prevenção da Aterosclerose na Infância e na Adolescência. Arq Bras Cardiol. 2005;85 Supl 6:3-36.
  • 22. Kiess W, Galler A, Reich A, Muller G, Kapellen T, Deutscher J, et al. Clinical aspects of obesity in childhood and adolescence. Obes Rev. 2001;2:29-36.
  • 23. Ferreira SRG, ZanellaMT. Epidemiologia da hipertensão arterial associada à obesidade. Rev Bras Hipertens. 2000;2:128-35.
  • 24. de Visser DC, van Hooft IM, van Doornen LJ, Hofman A, Orlebeke JF, Grobbee DE. Anthropometric measures, fitness and habitual physical activity in off-spring of hypertensive parents. Dutch Hypertension and Offspring Study. Am J Hypertens. 1994;7:242-8.
  • 25. Jenner DA, Vandongen R, Beilin LJ. Relationships between blood pressure and measures of dietary energy intake, physical fitness, and physical activity in Australian children aged 11-12 years. J Epidemiol Community Health. 1992; 46:108-13.
  • 26. Harshfield GA, Dupaul LM, Alpert BS, Christman JV, Willey ES, Murphy JK, et al. Aerobic fitness and the diurnal rhythm of blood pressure in adolescents. Hypertension. 1990;15(6 Pt 2):810-4.
  • 27. al-Hazaa HM, Sulaiman MA, al-Matar AJ, al-Mobaireek KF. Cardiorespiratory fitness, physical activity patterns and coronary risk factors in preadolescent boys. Int J Sports Med. 1994;15:267-72.
  • 28. Almeida MB, Araújo CG. Effects of aerobic training on heart rate. Rev Bras Med Esporte. 2003;9:113-20.
  • 29. Fonseca VM, Sichieri R, Veiga GV. Fatores associados à obesidade em adolescentes.Rev Saude Publica.1998;32:541-9.
  • 30. Hanley AJG, Harris SB, Gittelsohn J, Wolever TMS, Saksvig B, Zinman B. Overweight among children and adolescents in a native Canadian community: prevalence and associated factors. Am J Clin Nutr. 2000;71:693-700.
  • 31. Ribeiro MM, Silva AG, Santos NS, Guazzelle I, Matos LN, Trombetta IC, et al. Diet and exercise training restore blood pressure and vasodilatory responses during physiological maneuvers in obese children. Circulation. 2005;111:1915-23.
  • 32. Rodrigues AN, Moyses MR, Bissoli NS, Pires JG, Abreu GR. Cardiovascular risk factor in a population of Brazilian schoolchildren. Braz J Med Biol Res. 2006;39:1637-42.
  • 33. Hokanson JE, Austin MA. Plasma triglyceride level is a risk factor for cardiovascular disease independent of high-density lipoprotein cholesterol level: a meta-analysis of population-based prospective studies. J Cardiovasc Risk. 1996;3:213-9.
  • 34. Gaziano JM, Hennekens CH, O'Donnell CJ, Breslow JL, Buring JE. Fasting triglycerides, high-density lipoprotein, and risk of myocardial infarction. Circulation.1997;96:2520-5.
  • 35. Forti N, Diogo Giannini S, Diament J, IssaJ, Fukushima J, Dal Bo C, et al. Fatores de risco para aterosclerose em filhos de pacientes com doença coronariana precoce. Arq Bras Cardiol. 1996;66:119-23.
  • 36. Wilmore JH, McNamara JJ. Prevalence of coronary heart disease risk factors in boys, 8-12 years of age. J Pediatr. 1974;84:527-33.
  • 37. Tolfrey K, Campbell IG, Jones AM. Selected predictor variables and the lipid-lipoprotein profile of prepubertal girls and boys. Med Sci Sports Exerc.1999;31:1550-7.
  • 38. Bouchard C, Dionne FT, Simoneau JA, Boulay MR. Genetics of aerobic and anaerobic performances. Exerc Sport Sci Rev. 1992;20:27-58.
  • 39. McMurray RG, Ainsworth BE, Harrell JS, Griggs TR, Williams OD. Is physical activity or aerobic power more influential at reducing cardiovascular disease risk factors? Med Sci Sports Exerc.1998;30:1521-9.
  • Correspondência:
    Anabel Nunes Rodrigues
    Rua Otávio Manhães de Andrade, 124, cobertura 2, Ed. Topazio
    CEP 29200-450 - Guarapari, ES
    Tel.: (27) 3361.5136, (27) 9944.6823
    Fax: (27) 3222.3829
    Email:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Nov 2007
    • Data do Fascículo
      Out 2007

    Histórico

    • Aceito
      11 Jul 2007
    • Recebido
      26 Mar 2007
    location_on
    Sociedade Brasileira de Pediatria Av. Carlos Gomes, 328 cj. 304, CEP: 90480-000 , Tel.: (+55 51) 3108-3328 - Porto Alegre - RS - Brazil
    E-mail: assessoria@jped.com.br
    rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
    Acessibilidade / Reportar erro