Resumos
OBJETIVOS: O choque séptico (CS) é uma causa freqüente de internação na unidade de tratamento intensivo pediátrica e requer reconhecimento e intervenção imediatos para que haja um desfecho favorável. Nosso objetivo é revisar a literatura relacionada ao diagnóstico e manejo do CS e apresentar um manejo seqüencial para seu tratamento. FONTES DOS DADOS: Revisão não-sistemática da literatura médica através de pesquisa na base de dados MEDLINE. Os artigos foram selecionados de acordo com sua relevância em termos do objetivo proposto e com base na opinião dos autores. SÍNTESE DOS DADOS: O desfecho da sepse e do CS depende do reconhecimento precoce e da implementação de tratamentos sensíveis ao tempo e guiados por objetivos. Esses tratamentos incluem reanimação agressiva com fluidos seguida de tratamento medicamentoso bem elaborado. Os objetivos da reanimação são a restauração da microcirculação e a melhora da perfusão tecidual. Os marcadores clínicos e laboratoriais são importantes para avaliar a adequação dos tratamentos. Respostas farmacocinéticas e farmacodinâmicas alteradas indicam que os agentes vasoativos devem ser ajustados a fim de atingirem o objetivo pré-estabelecido. Na reanimação inicial com soluções isotônicas (> 60 mL/kg), é possível usar infusão tanto de cristalóides (solução salina normal) como de colóides. Apesar da reanimação adequada com fluidos, se: (a) uma pressão de pulso com grande amplitude, pressão arterial baixa, ou pulso oscilante (débito cardíaco alto, baixa resistência vascular sistêmica - RVS) estiverem presentes, o uso de noradrenalina deve ser considerado; (b) reenchimento capilar prolongado, pulso fraco e filiforme, pressão arterial normal (baixo débito cardíaco, alta RVS), deve-se considerar o uso de dopamina, adrenalina ou dobutamina. O tratamento concomitante com dose de estresse de corticosteróides é indicado em populações selecionadas. CONCLUSÕES: A resposta hemodinâmica do CS é um processo variável que requer avaliação e ajustes terapêuticos freqüentes.
Choque séptico; sepse; cuidado intensivo pediátrico; reanimação com fluidos; suporte hemodinâmico; corticosteróides
OBJECTIVES: Septic shock (SS) is a frequent cause for admission to the pediatric intensive care unit, requiring prompt recognition and intervention to improve outcome. Our aim is to review the relevant literature related to the diagnosis and management of SS and present a sequential management for its treatment. SOURCES: Non-systematic review of medical literature using the MEDLINE database. Articles were selected according to their relevance to the objective and according to the authors’ opinions. SUMMARY OF THE FINDINGS: The outcome of sepsis and SS is dependent on the early recognition and implementation of time-sensitive goal-directed therapies. These include rapid aggressive fluid resuscitation followed by a well-designed pharmacotherapy. The goals of the resuscitation are the restoration of microcirculation and improved organ tissue perfusion. Clinical and laboratory markers are needed to assess the adequacy of the treatments. Altered pharmacokinetic and pharmacodynamic responses dictate that vasoactive agents should be adjusted to achieve the predetermined goals. In initial resuscitation with isotonic solutions (> 60 mL/kg), either crystalloid (normal saline) or colloid infusion could be used. Despite adequate fluid resuscitation, if: (a) wide pulse pressure, low blood pressure, or bounding pulses (high cardiac output, low systemic vascular resistance - SVR) are present, norepinephrine should be considered; (b) prolonged capillary refill, weak pulses, narrow pulse pressure, normotensive (low cardiac output, high SVR), dopamine, epinephrine or dobutamine should be considered. Adjunctive therapy with stress dose of corticosteroid is indicated in selected populations. CONCLUSIONS: Septic shock hemodynamics is a changing process that requires frequent assessment and therapeutic adjustments.
Septic shock; sepsis; pediatric intensive care; fluid resuscitation; hemodynamic support; corticosteroids
ARTIGO DE REVISÃO
Suporte farmacológico a lactentes e crianças com choque séptico
José IrazuztaI; Kevin J. SullivanII; Pedro Celiny R. GarciaIII; Jefferson Pedro PivaIII
IMD. Division of Pediatric Critical Care Medicine, Health Science Center, University of Florida, Jacksonville, FL, USA
IIMD. Division of Pediatric Critical Care Medicine, Health Science Center, University of Florida, Jacksonville, FL, USA. Department of Pediatric Anesthesia and Critical Care Medicine, Nemours Children’s Clinic, Jacksonville, FL, USA
IIIMD, PHD. Department of Pediatrics, Hospital São Lucas and Medical School, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, RS, Brazil
Correspondência Correspondência Jose Irazuzta Division of Pediatric Critical Care Medicine Wolfson Children’s Hospital, Third Floor 800 Prudential Drive 32207 - Jacksonville, FL - USA Tel.:+1 (904) 202.8758 Email: jose.irazuzta@jax.ufl.edu
RESUMO
OBJETIVOS: O choque séptico (CS) é uma causa freqüente de internação na unidade de tratamento intensivo pediátrica e requer reconhecimento e intervenção imediatos para que haja um desfecho favorável. Nosso objetivo é revisar a literatura relacionada ao diagnóstico e manejo do CS e apresentar um manejo seqüencial para seu tratamento.
FONTES DOS DADOS: Revisão não-sistemática da literatura médica através de pesquisa na base de dados MEDLINE. Os artigos foram selecionados de acordo com sua relevância em termos do objetivo proposto e com base na opinião dos autores.
SÍNTESE DOS DADOS: O desfecho da sepse e do CS depende do reconhecimento precoce e da implementação de tratamentos sensíveis ao tempo e guiados por objetivos. Esses tratamentos incluem reanimação agressiva com fluidos seguida de tratamento medicamentoso bem elaborado. Os objetivos da reanimação são a restauração da microcirculação e a melhora da perfusão tecidual. Os marcadores clínicos e laboratoriais são importantes para avaliar a adequação dos tratamentos. Respostas farmacocinéticas e farmacodinâmicas alteradas indicam que os agentes vasoativos devem ser ajustados a fim de atingirem o objetivo pré-estabelecido. Na reanimação inicial com soluções isotônicas (> 60 mL/kg), é possível usar infusão tanto de cristalóides (solução salina normal) como de colóides. Apesar da reanimação adequada com fluidos, se: (a) uma pressão de pulso com grande amplitude, pressão arterial baixa, ou pulso oscilante (débito cardíaco alto, baixa resistência vascular sistêmica - RVS) estiverem presentes, o uso de noradrenalina deve ser considerado; (b) reenchimento capilar prolongado, pulso fraco e filiforme, pressão arterial normal (baixo débito cardíaco, alta RVS), deve-se considerar o uso de dopamina, adrenalina ou dobutamina. O tratamento concomitante com dose de estresse de corticosteróides é indicado em populações selecionadas.
CONCLUSÕES: A resposta hemodinâmica do CS é um processo variável que requer avaliação e ajustes terapêuticos freqüentes.
Palavras-chave: Choque séptico, sepse, cuidado intensivo pediátrico; reanimação com fluidos, suporte hemodinâmico, corticosteróides.
Introdução
A melhora significativa no desfecho da sepse e do choque séptico (CS) observada nos últimos anos é devida, em grande parte, à utilização da reanimação agressiva com fluidos e à implementação de tratamentos sensíveis ao tempo e guiados por objetivos1-4. O diagnóstico precoce do CS é de extrema importância para o início do tratamento. O CS é caracterizado por uma série de sinais de infecção, disfunção hemodinâmica e falência de órgãos. Os sintomas mais comuns são hipotermia ou hipertermia, taquicardia, estado mental alterado, pulsos periféricos reduzidos (choque frio) ou oscilantes (choque quente), reenchimento capilar prolongado (> 3 segundos, choque frio) ou rápido (choque quente), extremidades moteadas ou frias, e débito urinário reduzido (< 1 mL/kg/h). Observa-se, às vezes, uma pressão de pulso com grande amplitude (pressão arterial diastólica menor que a metade da pressão arterial sistólica); a hipotensão, que nem sempre está presente, é um sinal tardio de CS.
A impossibilidade de restauração rápida da microcirculação adequada desencadeia uma cascata de inflamação e microtrombose para a qual não existe atualmente, em pediatria, um tratamento eficaz. Não é possível avaliar a plenitude da reanimação através de um único parâmetro; é necessária uma avaliação abrangente dos parâmetros clínicos e bioquímicos5. Uma reanimação inicial inadequada resulta em falência múltipla dos órgãos e em óbito dias ou semanas depois da manifestação inicial. Han et al. observaram que cada hora sem restauração da circulação adequada esteve associada a um aumento de duas vezes na mortalidade6.
Durante o CS, o aporte de oxigênio aos tecidos é insuficiente para suprir as necessidades metabólicas, que aumentam significativamente em órgãos em estado crítico. Além disso, há uma má distribuição do débito cardíaco com elevado fluxo sangüíneo para os músculos esqueléticos, que ocorre às custas da hipoperfusão relativa da circulação esplâncnica. Desta forma, os objetivos terapêuticos do tratamento do CS são restaurar um volume sangüíneo intravascular efetivo, atender as necessidades de um débito cardíaco elevado e de aporte de oxigênio e, ao mesmo tempo, redirecionar o fluxo sangüíneo para os órgãos nobres e prevenir a microtrombose.
O CS pode ser classificado como CS sensível a fluidos, CS refratário a fluidos (ausência de melhora após reposição volêmica adequada), CS resistente a catecolamina (ausência de melhora após uso de fluidos e catecolaminas) e CS refratário (ausência de melhora após uso de fluidos, catecolaminas e vasodilatadores). O CS é um processo dinâmico, portanto talvez seja necessário alterar e ajustar os medicamentos vasoativos e sua dose de infusão no decorrer do tempo a fim de manter a perfusão adequada dos órgãos e a microcirculação. Os agentes vasoativos exercem efeitos variados na resistência vascular sistêmica (RVS) (vasodilatadores ou vasopressores), na resistência vascular pulmonar e contratilidade (inotrópicos) e na freqüência cardíaca (cronotrópicos). A idade do paciente e alterações na perfusão hepática e renal afetam a farmacocinética dos medicamentos vasoativos (drogas disponíveis no soro). A resposta farmacodinâmica é afetada por inflamação, produção de óxido nítrico e regulação descendente (down regulation) do receptor. Portanto, as doses de infusão recomendadas são aproximações e devem ser ajustadas a fim de atingir os objetivos pré-estabelecidos de perfusão e microcirculação.
Avaliação e conduta inicial
A reanimação inicial de lactentes e crianças se baseia na administração de soluções isotônicas na quantidade de 20 mL/kg a cada 10 minutos repetidamente durante o monitoramento da resposta clínica do paciente ao tratamento (Figura 1). Não há dados que confirmem a superioridade dos cristalóides (solução salina normal) ou dos colóides em crianças. Todos os pacientes com CS sofrem de algum grau de hipovolemia relativa secundária à vasodilatação sistêmica, extravasamento capilar, aumento das perdas insensíveis e redução na ingestão oral, e podem necessitar até 200 mL/kg de fluidos via endovenosa para restaurar adequadamente a volemia. Essa reanimação com fluidos não causa aumento na incidência da síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA ou edema pulmonar não-hidrostático)7. Em pacientes que apresentam instabilidade hemodinâmica (por exemplo, baixa freqüência cardíaca e baixo débito cardíaco), muitas vezes pode ser necessário iniciar o tratamento com drogas vasoativas/inotrópicas concomitantemente ao início da reanimação com fluidos. Durante e após essa reanimação inicial com fluidos, os parâmetros clínicos e laboratoriais da resposta do paciente ao tratamento devem ser avaliados. A evidência clínica de resposta positiva inclui maior enchimento dos pulsos periféricos, extremidades quentes, diminuição na freqüência dos pulsos, diminuição da amplitude e normalização dos níveis pressóricos, melhora no estado mental e no débito urinário.
Infelizmente, a resposta clínica à reanimação com fluidos é um indicador relativamente insensível à plenitude da restauração do fluxo sangüíneo microvascular. A saturação do oxigênio da veia cava superior (O2 VCS) (uma medida indireta do débito cardíaco e da utilização do oxigênio) e o lactato sérico (produto do metabolismo anaeróbico) são marcadores usados para avaliar a microcirculação5. Recomenda-se verificar os níveis crescentes e aceitáveis de O2 VCS (> 70%) a fim de demonstrar a adequação da oferta sistêmica de oxigênio em relação à demanda8. Esse achado é especialmente importante quando os níveis séricos de lactato estão em declínio. Saturações elevadas de oxigênio venoso central quando se observa um aumento dos níveis de lactato sérico podem indicar falha metabólica celular e incapacidade para a extração e o consumo de oxigênio.
Pacientes com resolução inadequada do choque em resposta à reanimação com fluidos (CS refratário a fluidos) requerem a otimização da capacidade de transporte de oxigênio e aporte sistêmico de oxigênio. O monitoramento invasivo da pressão venosa central (PVC) é necessário para assegurar uma pré-carga ventricular direita satisfatória (PVC = 10-12), e a capacidade de transporte do oxigênio é otimizada pela transfusão de concentrados de hemácias a fim de corrigir a anemia (concentração de hemoglobina > 10 g/dL). Estudos recentes têm questionado a habilidade da PVC de refletir a adequação da pré-carga, favorecendo outras mensurações do débito cardíaco em resposta à prova com volume9. Se após essas medidas o paciente continuar apresentando uma resposta incompleta à reanimação, será necessário iniciar o tratamento medicamentoso a fim de dar suporte à circulação.
A resposta hemodinâmica no CS pediátrico
Adultos e crianças apresentam respostas adaptivas diferentes que precisam ser consideradas durante a seleção dos agentes vasoativos. Entre os pacientes adultos, as alterações hemodinâmicas mais comuns incluem RVS reduzida e débito cardíaco elevado. A RVS é reduzida devido à baixa resposta às catecolaminas, a alterações na transdução do sinal do receptor α-adrenérgico e à elaboração de óxido nítrico sintase induzida. Após a carga de volume, o débito cardíaco aumenta, apesar da fração de ejeção reduzida, em conseqüência das respostas compensatórias que incluem dilatação ventricular e aumento da freqüência cardíaca10. Na verdade, uma depressão miocárdica significativa pode estar presente em pacientes adultos com CS. Pacientes pediátricos demonstram perfis hemodinâmicos variados durante o CS refratário a fluidos: 58% apresentam um baixo índice cardíaco em resposta à administração de inotrópicos ± vasodilatadores, 20% exibem índice cardíaco elevado e baixa RVS em resposta ao tratamento com vasopressores e 22% apresentam disfunção vascular e cardíaca, exigindo o uso de vasopressores e inotrópicos7. A heterogeneidade e o padrão variável da apresentação hemodinâmica nas horas iniciais indicam que se deve suspeitar de um suporte farmacológico incorreto quando não houver resposta à fluidoterapia e aos agentes vasoativos.
A capacidade relativa de lactentes e crianças em aumentar o débito cardíaco através da elevação da freqüência cardíaca é limitada por sua freqüência cardíaca elevada pré-existente, que impede aumentos proporcionais da freqüência cardíaca sem comprometer o tempo de enchimento diastólico (Tabela 1). Além disso, a quantidade maior de tecido conjuntivo existente no coração do lactente e a quantidade menor de actina e miosina restringem o potencial de dilatação ventricular aguda11.
Quase sempre há hipovolemia relativa, geralmente associada à má distribuição do débito cardíaco. Na presença de desconforto respiratório, uma intubação traqueal eletiva seguida de ventilação mecânica ajuda a redistribuir o fluxo sangüíneo dos músculos respiratórios para outros órgãos vitais. Entretanto, é essencial que haja uma reanimação adequada com fluidos antes da intubação, já que a mudança da respiração espontânea para a ventilação com pressão positiva irá reduzir a pré-carga efetiva no coração. Com o uso de analgésicos e sedativos, pode-se observar um efeito vasodilatador que afeta a perfusão tecidual, independentemente da presença de hipotensão. Nessa situação, deve-se considerar o suporte vasotivo/inotrópico precoce.
A má distribuição do fluxo sangüíneo com hipoperfusão da circulação esplâncnica, mesmo quando o débito cardíaco total estiver normal ou elevado, representa um grande desafio. Um dos efeitos benéficos de vasopressores potentes na sepse é o redirecionamento do fluxo sangüíneo dos músculos esqueléticos para a circulação esplâncnica.
Agentes farmacológicos no suporte ao CS pediátrico
O suporte farmacológico deve ser individualizado devido à existência de diferentes anormalidades hemodinâmicas em pacientes pediátricos e porque as anormalidades hemodinâmicas primárias presentes em um determinado paciente podem mudar com o tempo e com a progressão da doença.
Os agentes farmacológicos podem ser classificados como inotrópicos, vasopressores e vasodilatadores. Os medicamentos inotrópicos aumentam o débito cardíaco, elevando a contratilidade miocárdica e/ou freqüência cardíaca. Os vasopressores aumentam a RVS, elevando o tônus da circulação arterial, e os vasodilatadores reduzem a resistência arterial, resultando em uma pós-carga menor e em um débito cardíaco elevado sem afetar a contratilidade.
Em muitos casos, uma única droga pode apresentar efeitos combinados que resultam na alteração da contratilidade e da RVS, ou também podem apresentar efeitos dose-dependentes diferenciais sobre a contratilidade e a RVS. Além disso, existe uma grande variabilidade com relação à farmacodinâmica desses medicamentos, resultando em efeitos diferentes ocorrendo em indivíduos diferentes mesmo que estejam sob a mesma velocidade de infusão. Finalmente, os medicamentos têm efeitos diretos no sistema cardiovascular, efeitos indiretos mediados pelo sistema nervoso autônomo, ou efeitos mistos em ambos os sistemas. Nesta seção, revisaremos a farmacodinâmica de muitos medicamentos normalmente utilizados no suporte a pacientes com CS.
Os medicamentos tradicionalmente utilizados no suporte circulatório a pacientes com sepse e choque incluem vasopressores (dopamina, noradrenalina e vasopressina) e inotrópicos (adrenalina, dobutamina e milrinona). Medicamentos mais recentes, que incluem o fenoldopam e o levosimendan, podem ser aplicados no manejo do CS. Finalmente, em lactentes, é preciso cuidado e manejo especiais no tratamento de hipertensão arterial pulmonar e homeostase do cálcio.
Vasopressores
O tratamento com vasopressores é necessário em pacientes com RVS reduzida. Pacientes em CS com RVS diminuída e débito cardíaco elevado geralmente apresentam extremidades quentes, pulsos periféricos oscilantes, pressão de pulso com grande amplitude e pressão arterial normal ou baixa. Na presença de débito cardíaco reduzido, a perfusão periférica normalmente encontra-se comprometida, e a pressão arterial geralmente é baixa. O tratamento com vasopressores é iniciado para restaurar a perfusão nos órgãos vitais; no entanto, na presença de contratilidade miocárdica reduzida, isso pode comprometer ainda mais o débito cardíaco. Portanto, o monitoramento adequado é indicado. Embora os medicamentos listados nesta seção tenham atividade vasopressora, a dopamina e a noradrenalina também possuem um pouco de atividade inotrópica e podem aumentar a freqüência cardíaca e a contratilidade.
Dopamina
A dopamina é uma precursora da noradrenalina na medula adrenal e um neurotransmissor no sistema nervoso central. Produz efeitos hemodinâmicos sistêmicos dose-dependentes; todavia, alguns efeitos são mediados indiretamente pela liberação de noradrenalina pelas vesículas simpáticas. Em adultos, velocidades de infusão menores que 3 µg/kg/min induzem a ativação de receptores primariamente dopaminérgicos (DA). Em doses de 3-5 µg/kg/min, a dopamina ativa os receptores DA (80-100%) e β-adrenérgicos (5-20%), e em doses de 5-10 µg/kg/min, ela ativa predominantemente os β-receptores e, em menor grau, receptores α-adrenérgicos. Em doses superiores a 10 µg/kg/min, a ativação de receptores α-adrenérgicos predomina. A dopamina é utilizada tradicionalmente como medicamento de primeira linha no suporte circulatório e tem sido empregado no tratamento de diversos tipos de doenças críticas como suporte não-específico ao fluxo sangüíneo renal e esplâncnico. Evidências recentes têm questionado essas práticas.
Os efeitos dose-dependentes da dopamina são imprevisíveis na população pediátrica; muitos clínicos dão preferência a medicamentos que tratem as anormalidades relacionadas ao débito cardíaco e à RVS de forma independente e específica. Exemplos dessa estratégia hemodinâmica incluem a administração de dobutamina e de um nitrovasodilatador a pacientes com baixo débito cardíaco e elevada RVS, ou a administração de dobutamina e noradrenalina a pacientes com débito cardíaco reduzido e baixa RVS. Essa estratégia contorna a dificuldade inerente do uso de medicamentos que são agonistas a uma ampla gama de receptores cardiovasculares em pacientes com anormalidades hemodinâmicas variáveis.
A dopamina também tem sido administrada na esperança de aumentar o fluxo sangüíneo renal e esplâncnico e prevenir a progressão para insuficiência renal aguda. Não há evidências a favor dessa prática, e vários ensaios abrangentes e metanálises indicam que ela não traz nenhum benefício13. Além disso, evidências recentes indicam que a dopamina apresenta vários efeitos colaterais que podem influenciar negativamente a morbidade e a mortalidade, como por exemplo uma redução no consumo de oxigênio e no pHi da mucosa gástrica do intestino apesar de um fluxo sangüíneo esplâncnico elevado14, comprometimento da motilidade gástrica15, diminuição do impulso respiratório hipóxico em pacientes submetidos a ventilação mecânica16, comprometimento da relação ventilação/perfusão com piora da hipoxemia17, comprometimento da secreção do hormônio hipofisário anterior e da imunidade mediada por células e agravamento do comprometimento da função da tireóide em doenças críticas18. Finalmente, o uso da dopamina e de outros inotrópicos/vasopressores de ação indireta em lactentes prematuros e em lactentes com menos de 6 meses de idade pode ser menos eficaz em função da imaturidade das vesículas sinápticas que contêm noradrenalina no sistema nervoso simpático19. Esse conjunto de efeitos colaterais, a ineficácia e o estabelecimento impreciso de variáveis hemodinâmicos levaram alguns clínicos a dar preferência à noradrenalina (em detrimento da dopamina) como vasopressor inicial de escolha. Outros clínicos preferem a dopamina como primeira escolha com base em vários anos de experiência clínica bem-sucedida em quadros de hipotensão e/ou baixo débito cardíaco. Recomenda-se iniciar a administração de dopamina com doses de 5 µg/kg/min, não ultrapassando 10 µg/kg/min.
Noradrenalina
A noradrenalina é um agente direto naturalmente produzida na glândula adrenal. Trata-se de um vasopressor potente que redireciona o fluxo sangüíneo do músculo esquelético para a circulação esplâncnica mesmo na vigência de débito cardíaco reduzido.
A maioria dos pacientes adultos com CS apresenta RVS reduzida, que resulta em má distribuição do débito cardíaco e hipoperfusão orgânica. Aproximadamente 20% das crianças com CS refratário a volume de fluidos apresentam baixa RVS7. Em crianças com CS tratadas com sedativos ou analgésicos, a incidência de RVS baixa pode ser maior; nesses casos, a noradrenalina poderia ser a droga de escolha.
A noradrenalina vem sendo utilizada em grande escala para elevar a RVS em adultos e crianças com sepse. Devido ao receio de vasoconstrição excessiva, o uso de noradrenalina tem sido evitado historicamente. As evidências existentes, entretanto, não corroboram essa tendência20. Iniciando em níveis baixos como 0,02 µg/kg/min, a dose de noradrenalina tem sido aumentada a fim de elevar a RVS e a pressão arterial diastólica e reduzir a pressão de pulso. Vários estudos têm descrito a habilidade da noradrenalina em restaurar a estabilidade hemodinâmica em pacientes adequadamente reanimados com reposição volêmica que não responderam ao tratamento com dopamina. Quando comparada com a dopamina, a reanimação com noradrenalina está associada à resolução mais rápida da acidose láctica21, e dados de estudos com animais sugerem que a noradrenalina exerce um efeito protetor sobre o fluxo sangüíneo renal no CS22. Estudos com seres humanos também têm demonstrado melhora no débito urinário21 e nenhum efeito nocivo sobre a perfusão esplâncnica no CS23. Um estudo com pacientes adultos inclusive reconheceu uma vantagem em termos de sobrevida em pacientes com CS tratados com noradrenalina em comparação àqueles tratados com outros vasopressores24.
O uso da noradrenalina evita preocupações com a insensibilidade à dopamina relacionada à idade. Contudo, o uso seguro e eficaz da noradrenalina parte de vários pressupostos. Primeiro, de que a reanimação volêmica dos pacientes foi eficaz, já que esse é o primeiro e o mais importante tratamento contra o CS. As doses excessivas de noradrenalina podem ser evitadas e as complicações secundárias à vasoconstrição excessiva podem ser minimizadas através do fornecimento de reanimação volêmica adequada. Em segundo lugar, garantimos que um débito cardíaco adequado é mantido através de técnicas de monitoramento clínicas, laboratoriais e/ou invasivas. A administração excessiva de noradrenalina a um paciente cuja reanimação volêmica foi inadequada pode dar ao clínico a impressão de que há estabilidade hemodinâmica quando, de fato, a perfusão dos órgãos vitais está comprometida. Em pacientes com comprometimento da contratilidade, a pós-carga adicional imposta pela noradrenalina pode afetar seriamente o débito cardíaco. Em alguns pacientes com débito cardíaco comprometido ou marginal e RVS reduzida, pode ser necessário estimular a contratilidade miocárdica através da adição de um agente, como a dobutamina.
Vasopressina
A vasopressina (hormônio antidiurético) é sintetizada no hipotálamo. Sob condições normais, os níveis sangüíneos permanecem constantes em concentrações amplamente reguladas pela osmolaridade sérica. A vasopressina é metabolizada rapidamente pelo fígado e pelo rim, tendo uma meia-vida de 10-30 minutos25. Além disso, a vasopressina é liberada em resposta a reduções na pressão arterial, com um aumento de mais de 10 vezes nos níveis séricos a fim de elevar a pressão arterial através da vasoconstrição26. Em baixas concentrações, as catecolaminas produzem efeitos estimuladores sobre a liberação da vasopressina via receptores centrais α-1, mas em concentrações maiores, podem inibir a liberação da vasopressina através ao estimular receptores α-2 e β27. Hipóxia, acidose, endotoxina e citocinas estimulam a liberação da vasopressina; o óxido nítrico inibe sua secreção27.
As ações da vasopressina são mediadas por receptores acoplados à proteína G, classificados como V1, V2, V3, e por receptores de ocitocina (ROT). Os receptores V1 estão localizados nas células do músculo liso vascular nas circulações sistêmica, esplâncnica, renal e coronária. A ativação dos receptores V1 resulta em concentrações elevadas de cálcio intracelular, contração do músculo liso e vasoconstrição27. Os receptores V2 mediam as ações antidiuréticas da vasopressina no néfron, e os receptores V3 exercem uma função de mensagens secundárias na glândula hipofisária anterior. Os ROT estão localizados no miométrio e nas células mamárias mioepiteliais, onde mediam a contração do músculo liso, e também estão presentes na superfície das células endoteliais, onde sua ativação leva a concentrações elevadas de cálcio, ativação da enzima óxido nítrico sintase induzida e elaboração do óxido nítrico resultando em vasodilatação27.
Pacientes com sepse grave são muito sensíveis à administração exógena de vasopressina28. No CS agudo, observa-se um aumento de 10 vezes nos níveis de vasopressina. Todavia, após um choque mais prolongado, os níveis de vasopressina diminuem e se normalizam, resultando em uma razoável deficiência de vasopressina28,29. A causa de níveis reduzidos de vasopressina na sepse pode estar relacionada a uma osmorregulação ou uma barorregulação prejudicada, ou aos efeitos inibidores da elevação do óxido nítrico sobre a liberação da vasopressina; ambas as condições estão associadas à sepse grave27.
A administração exógena de vasopressina produz elevação da pressão arterial em pacientes com CS, mas não produz nenhuma resposta pressora em pacientes hígidos. O mecanismo subjacente a essa sensibilidade exagerada é desconhecido.
Em pacientes com CS refratário a catecolamina, débito cardíaco elevado e baixa RVS, a vasopressina é inicialmente administrada em baixas doses e ajustada para atingir os efeitos clínicos desejados. Em pacientes com vasodilatação persistente refratária a catecolamina, a vasopressina pode ser eficaz na restauração da RVS e da pressão sangüínea.
Em uma nota pessoal, utilizamos a vasopressina no CS refratário a noradrenalina (> 1 µg/kg/min) apesar da reanimação adequada com fluidos e corticosteróides. A vasopressina foi titulada até se atingir uma resposta positiva; em seguida, a infusão de noradrenalina pôde ser reduzida. A hiponatremia é um efeito colateral comum, observado normalmente 24 h após a infusão da droga.
A vasopressina é um vasoconstritor potente e pode causar isquemia coronária, mesentérica e cutânea se utilizada em altas doses. Há evidências que sugerem que a vasopressina pode ter efeitos neutros ou benéficos no fluxo sangüíneo renal e no débito urinário30. É aconselhável monitorar o débito cardíaco ao iniciar e ao ajustar o tratamento com vasoconstritores potentes em pacientes com débito cardíaco marginal e contratilidade miocárdica reduzida. O suporte inotrópico em pacientes com débito cardíaco reduzido pode se tornar necessário.
Inotrópicos
Os inotrópicos são utilizados para melhorar o débito cardíaco em pacientes com contratilidade miocárdica reduzida. São normalmente administrados concomitantemente com vasopressores em pacientes com baixa RVS ou com um vasodilatador em pacientes com RVS elevada. A milrinona e a dobutamina possuem algumas propriedades vasodilatadoras e diminuem a pós-carga, ao mesmo tempo em que melhoram a contratilidade do miocárdio. Dependendo da dose administrada, a adrenalina pode reduzir a RVS (em baixas doses) ou elevá-la (quando usada em altas doses), aumentando a contratilidade miocárdica. A dobutamina e a adrenalina podem aumentar o consumo de oxigênio pelo miocárdio e produzir diferentes graus de disritmias e isquemia miocárdica.
Adrenalina
A adrenalina é um agente direto naturalmente produzido na glândula adrenal e é o principal hormônio do estresse, com amplos efeitos metabólicos e hemodinâmicos. A adrenalina é uma catecolamina de ocorrência natural que possui efeitos inotrópicos e cronotrópicos potentes. Pode ser administrada inicialmente em doses de 0,02 µg/kg/min e aumentada até 1,0 µg/kg/min para se obter a resposta clínica desejada. A adrenalina é melhor administrada através de um cateter venoso central, mas também pode ser administrada através de uma agulha intraóssea ou de um cateter endovenoso periférico até que um acesso possa ser obtido. A infiltração subcutânea da adrenalina pode resultar em necrose das partes moles, que pode ser antagonizada através da infiltração subcutânea de fentolamina.
A adrenalina é uma escolha razoável para o tratamento de pacientes com baixo débito cardíaco e perfusão periférica insuficiente, pois ela aumenta a freqüência cardíaca e a contratilidade miocárdica31. Dependendo da dose administrada, a adrenalina pode produzir efeitos variáveis na RVS. Em baixas doses (geralmente < 0,3 µg/kg/min), ela aumenta a ativação de receptores adrenérgicos β-2, resultando em vasodilatação do músculo esquelético e em leitos vasculares cutâneos, desviando o fluxo sangüíneo da circulação esplâncnica32. Em doses altas, a ativação de receptores adrenérgicos α-1 se torna mais proeminente, e pode ocorrer aumento da RVS e da freqüência cardíaca. Para pacientes com RVS muito elevada, a adrenalina pode ser administrada concomitantemente com um vasodilatador.
Em pacientes adultos, tem-se observado redução no pH da mucosa intestinal em resposta à infusão de adrenalina, mas não se sabe se crianças com sepse tratadas com adrenalina podem desenvolver lesões no intestino32. A adrenalina aumenta a glicogênese e a glicogenólise, resultando em elevadas concentrações séricas de glicose. Como efeito colateral do estímulo da gliconeogênese, o músculo esquelético libera mais ácido láctico para ser transportado ao fígado para a síntese da glicose (ciclo de Cori). Assim, pacientes tratados com adrenalina podem apresentar concentrações elevadas de ácido láctico independentemente de quaisquer alterações na perfusão orgânica. Portanto, as concentrações séricas de lactato devem ser monitoradas regularmente ao se iniciar o tratamento com adrenalina, já que elas podem não refletir fielmente um equilíbrio entre oferta e demanda de oxigênio33.
Dobutamina
A dobutamina é um agonista sintético com uma estimulação complexa dos receptores adrenérgicos β-1, β-2, α-1 e α-2, seja de forma direta ou através de um metabólito. A dobutamina aumenta a contratilidade miocárdica e a freqüência cardíaca. Ela reduz a RVS, em parte devido à remoção reflexa do tônus simpático. Esse efeito hipotensivo é acentuado e parece ser observado mais freqüentemente em pacientes adultos do que em crianças pequenas. A dobutamina é indicada para pacientes com débito cardíaco reduzido acompanhado de RVS elevada34. É administrada por infusão contínua de 3-20 µg/kg/min. Em quadros de contratilidade e débito reduzidos e baixa RVS, a dobutamina tem sido administrada juntamente com a noradrenalina para normalizar os dois índices da função hemodinâmica35. É importante ressaltar que a dobutamina na dose de 5 µg/kg/min parece aumentar o fluxo sangüíneo esplâncnico através de um efeito direto na microvasculatura, independentemente do aumento do débito cardíaco36. Queda significativa na pressão arterial, taquicardia inaceitável, elevação no consumo de oxigênio pelo miocárdio e disritmias atrial e ventricular constituem efeitos colaterais indesejáveis que podem ocorrer.
Milrinona
A milrinona é um inibidor da fosfodiesterase tipo III (FDE III) que produz efeitos hemodinâmicos ao inibir a degradação do AMP cíclico nas células do músculo liso e nos miócitos cardíacos. Portanto, os inibidores FDE III agem sinergicamente com as catecolaminas, cujos efeitos hemodinâmicos são produzidos através do aumento da produção do AMP cíclico. A milrinona é útil no tratamento de pacientes com contratilidade miocárdica e débito cardíaco reduzidos e elevada RVS, pois ela media o aumento da contratilidade e do débito e reduz a RVS37. Além disso, os efeitos da milrinona são mediados por mecanismos independentes dos receptores adrenérgicos, e ela não é afetada pela regulação descendente (down regulation) e pela dessensibilização desses receptores adrenérgicos.
Como vasodilatador, a milrinona pode causar redução na pressão arterial sistêmica, e pode ser necessário administrar infusão de volume a fim de corrigir ou prevenir a hipotensão. A milrinona tem uma meia-vida longa, de 2-6 horas; assim, pode levar horas até atingir concentrações séricas estáveis. Para a obtenção rápida de níveis séricos alguns clínicos administram um bolus inicial de 50 µg/kg por 10-30 minutos. Isso deve ser feito com cautela em pacientes com sepse e choque, pois pode causar hipotensão, exigindo infusão de volume e/ou de vasopressores. Alguns clínicos dividem a dose de ataque em várias "minidoses", que são administradas por um período mais longo a fim de minimizar a hipotensão e testar a tolerância do paciente à dose de ataque. A dose de infusão da milrinona é de 0,25-0,75 µg/kg/min. Devido à sua meia-vida longa, é aconselhável interromper a infusão de milrinona se ocorrerem efeitos colaterais sérios como disritmia, hipotensão ou vasodilatação excessiva. Ademais, como a milrinona é predominantemente eliminada na urina, talvez seja preciso ajustar a dosagem em resposta ao agravamento da função renal, a fim de prevenir a toxicidade.
Vasodilatadores
Os vasodilatadores são eventualmente necessários no tratamento de pacientes pediátricos com sepse que apresentam RVS muito elevada e débito cardíaco normal ou reduzido. Os vasodilatadores diminuem a RVS e melhoram o débito cardíaco através da redução da pós-carga ventricular. Alguns autores sugerem o uso do nitroprussiato como vasodilatador de primeira linha devido à sua meia-vida curta; assim, no caso de hipotensão, o quadro poderia ser rapidamente revertido após a interrupção da infusão. O nitroprussiato é infundido a uma taxa inicial de 0,5 µg/kg/min até a dose máxima de 10 µg/kg/min. É preciso ficar atento à toxicidade peculiar do nitroprussiato de sódio, que inclui o acúmulo de tiocianato de sódio no caso de insuficiência renal e a toxicidade do cianeto devido a infusões de altas doses por tempo prolongado. Outros clínicos utilizam a milrinona como vasodilatador em situações de: a) CS refratário com disfunção miocárdica grave ou RVS alta; e b) complicações pulmonares e suspeita de resistência vascular pulmonar elevada - SDRA ou hipoxemia refratária.
Outras drogas
A resolução do choque refratário tem sido descrita com o uso de dois medicamentos novos que compartilham atividade FDE. O levosimendan aumenta a sensibilidade do aparato contrátil ao cálcio e exerce atividade inibidora do tipo FDE III. A enoximona também é um tipo de inibidor FDE III com maior seletividade para a preservação do AMP cíclico produzido pela ativação do receptor β-1 nas células miocárdicas, e portanto melhora o desempenho cardíaco com menor risco de hipotensão indesejada.
O fenoldopam é um agonista da dopamina seletiva pós-sináptica (D1) utilizado para prevenir a insuficiência renal no choque. Ele reduz a RVS periférica através do aumento do fluxo sangüíneo renal e esplâncnico. É seis vezes mais potente que a dopamina na produção de vasodilatação renal. O fenoldopam é infundido na dose entre 0,1-1 µg/kg-/min38.
A disfunção da tireóide deve ser considerada em indivíduos com trissomia do cromossomo 21, doenças do sistema nervoso central e estados pan-hipopituitários. Se os hormônios séricos T4 e T3 estão baixos, deve-se administrar tiroxina oral (ou liotironina endovenosa). Alguns autores têm observado melhora na função miocárdica após suplementação com o hormônio tireóideo no CS.
Corticosteróides
Doses de estresse de corticosteróides podem ser indicadas para uma população selecionada. Crianças têm maior probabilidade de apresentar insuficiência adrenal absoluta, definida por um nível basal de cortisol < 7 µg/dL e/ou um incremento < 18 µg/dL após a estimulação do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH). Pacientes com risco de produção inadequada de cortisol incluem aqueles com púrpura fulminante, crianças que receberam esteróides em tratamento prévio para doença crônica e pacientes com disfunções hipofisárias ou adrenais39. Atualmente, recomenda-se aplicar o teste de estimulação do ACTH com 1 µg de corticotrofina endovenosa em vez da alta dose de 250 µg, que pode mascarar a insuficiência adrenal40.
A falta de resposta aos agentes vasoativos observada durante o CS resistente a catecolamina pode ser revertida, às vezes, com a administração de hidrocortisona41, que deve ser dosada com o intuito de tratar o choque: 2-30 mg/kg/dia a cada 6 h ou 1-2 mg/kg/h como infusão contínua. Os corticosteróides devem ser retirados após a resolução do CS, mas mantidos durante pelo menos 5 a 7 dias.
Uma síndrome de insuficiência (ou disfunção) adrenal relativa tem sido descrita (cortisol basal > 18 µg/dL, com incremento de cortisol após estimulação com ACTH < 9 µg/dL). A administração prolongada de hidrocortisona e fludrocortisona (6 mg/kg/dia equivalente ao cortisol por 7 dias) é indicada para adultos com insuficiência adrenal relativa. Essa prática é praxe em alguns centros pediátricos, mas não existem dados suficientes para recomendar o tratamento com esteróides em casos de disfunção adrenal nessa população42.
Controle glicêmico
Vários estudos têm associado a hiperglicemia com maior mortalidade entre crianças agudamente doentes. A hiperglicemia é atribuída à resistência periférica à insulina e à elevada gliconeogênese. A resistência periférica à insulina é proporcional à duração e à gravidade das doenças e está intimamente associada ao desfecho.
Um controle glicêmico rígido, entre 80-110 mg/dL, reduz a mortalidade e a morbidade em pacientes cirúrgicos adultos43. Estudos retrospectivos com crianças parecem demonstrar resultados semelhantes. Contudo, manter esse controle rígido em pacientes pediátricos sem eventos hipoglicêmicos é um desafio, e portanto, muitas vezes a abordagem é mais liberal. Os níveis de glicose e a duração da hiperglicemia estão independentemente associados com mortalidade44. Uma taxa de mortalidade mais alta foi associada a níveis de glicose acima de 178 mg/dL (odds ratio = 2,6) em um estudo pediátrico45.
Hipertensão pulmonar
Embora o tratamento com óxido nítrico inalatório seja o método de escolha contra a hipertensão pulmonar persistente do recém-nascido (HPPRN) sem complicações, a alcalinização metabólica continua sendo uma estratégia inicial importante de reanimação durante o choque em neonatos. A HPPRN no CS pode ser revertida mediante a correção da acidose. Para centros com acesso ao óxido nítrico inalatório, esse é o único vasodilatador pulmonar seletivo eficaz na resolução da HPPRN. A oxigenação da membrana extracorpórea (OMEC) permanece como o tratamento de escolha em pacientes com HPPRN refratária e sepse1.
A OMEC é um tratamento viável contra o choque refratário em neonatos e crianças. É importante lembrar que os neonatos podem ser extremamente sensíveis a hipocalcemia, hipoglicemia ou à falta do hormônio tireóideo1.
Conclusões
O desfecho da sepse e do CS depende, em parte, da implementação de tratamentos sensíveis ao tempo e guiados por objetivos. O reconhecimento precoce do CS é fundamental para o início rápido da reanimação agressiva com fluidos, acompanhada de um tratamento medicamentoso bem elaborado. Os objetivos da reanimação são a restauração da microcirculação e uma melhora na perfusão tecidual. Marcadores clínicos e laboratoriais são necessários para avaliar a adequação do tratamento. Respostas farmacocinéticas e farmacodinâmicas alteradas determinam a necessidade de se ajustar os agentes vasoativos para que os objetivos pré-estabelecidos sejam atingidos. A resposta hemodinâmica do CS é um processo variável que requer avaliação e ajustes freqüentes no tratamento. O tratamento concomitante com corticosteróides é indicado em casos selecionados. O tratamento nas horas iniciais afeta o desfecho semanas mais tarde.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
25 Jun 2007 -
Data do Fascículo
Maio 2007