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Bronquiectasia localizada e multissegmentar: perfil clínico-epidemiológico e resultado do tratamento cirúrgico em 67 casos

Localized and multisegmental bronchiectasis: clinical-epidemiological profile and surgical treatment results in 67 cases

Resumos

A bronquiectasia, doença rara no Primeiro Mundo, tem alta prevalência nos países em desenvolvimento. No Brasil, as principais causas são infecções respiratórias, virais ou bacterianas na infância e tuberculose. A antibioticoterapia diminui consideravelmente a morbidade, mas nos pacientes com sintomatologia persistente, a ressecção cirúrgica oferece maior possibilidade de cura ou melhor qualidade de vida. Objetivos: Avaliar prospectivamente o perfil clínico-epidemiológico de pacientes com bronquiectasia e o resultado do tratamento cirúrgico em dois hospitais da rede pública de saúde de Fortaleza (CE), na região Nordeste do Brasil. Casuística e método: Foram estudados dados demográficos, etiologia da doença e complicações e sucesso terapêutico da cirurgia de 67 portadores de bronquiectasia operados de agosto de 1989 a março de 1999. Resultados: Os pacientes, 39 mulheres e 28 homens, tinham idade média de 32,5 ± 14,1 anos e as causas mais freqüentes da bronquiectasia foram infecções bacterianas ou virais (44,8%) e tuberculose (31,3%). A doença era localizada em 46 pacientes e multissegmentar em 21, sendo bilateral em seis. Não houve óbito cirúrgico e as complicações pós-operatórias foram mais freqüentes nos pacientes com bronquiectasia multissegmentar (9/21 versus 6/46, p = 0,011). Dos 62 pacientes com seguimento, 49 foram curados, dez melhoraram e três não obtiveram benefícios. O resultado foi excelente em 39 pacientes com doença localizada e em dez com doença multissegmentar (p < 0,001). Conclusão: O resultado mostra dois grupos distintos de pacientes: os com bronquiectasia localizada, que apresentam menos complicações cirúrgicas e melhores resultados pós-operatórios, e os com bronquiectasia multissegmentar.

Bronquiectasia; Perfis epidemiológicos; Diagnóstico clínico; Resultado de tratamento; Procedimentos cirúrgicos operatórios


Bronchiectasis is a disease which is rarely found in developed countries and has a high incidence in developing countries. In Brazil, the most frequent causes are viral or bacterial respiratory infections in childhood, and tuberculosis. Antibiotic therapy considerably reduces morbidity. However, in patients with persistent symptoms, surgical resection offers greater chances of cure or better quality of life. Objectives: Prospectively evaluate the clinical-epidemiological profile of patients with bronchiectasis as well as the results of surgical treatment in patients from two public hospitals in Fortaleza (CE), northeastern Brazil. Patients and method: Sixty-seven patients with bronchiectasis submitted to surgery between August 1989 and March 1999 were evaluated, as well as demographic data, etiology of the disease, complications, and therapeutic success rate. Results: Mean age of patients (39 females e 28 males) was 32.5 ± 14.1 years. The most frequent causes of bronchiectasis were viral or bacterial infection (44.8%) and tuberculosis (31.3%). The disease was localized in 46 patients and multisegmental in 21. In six patients it was bilateral. No surgical death occurred and postoperative complications were more frequent in patients with multisegmental bronchiectasis (9/21 versus 6/46, p = 0.011). From the 62 patients who were followed up, 49 were cured, 10 showed improvement, and 3 did not obtain any benefit. Results were excellent in 39 patients with localized bronchiectasis and in 10 patients with the multisegmental form of the disease (p < 0.001). Conclusion: Results show two distinct groups of patients: those with bronchiectasis, who presented fewer surgical complications and better postoperative results, and those with multisegmental bronchiectasis.

Bronchiectasis; Epidemiological profiles; Clinical diagnosis; Treatment outcome; Surgical operative procedures


ARTIGO ORIGINAL

Bronquiectasia localizada e multissegmentar: perfil clínico-epidemiológico e resultado do tratamento cirúrgico em 67 casos* * Trabalho realizado no Hospital de Messejana, Fortaleza, CE.

ANTERO GOMES NETO1 * Trabalho realizado no Hospital de Messejana, Fortaleza, CE. , MARCOS LIMA DE MEDEIROS2 * Trabalho realizado no Hospital de Messejana, Fortaleza, CE. , JOSÉ MAURO MENDES GIFONI3 * Trabalho realizado no Hospital de Messejana, Fortaleza, CE.

A bronquiectasia, doença rara no Primeiro Mundo, tem alta prevalência nos países em desenvolvimento. No Brasil, as principais causas são infecções respiratórias, virais ou bacterianas na infância e tuberculose. A antibioticoterapia diminui consideravelmente a morbidade, mas nos pacientes com sintomatologia persistente, a ressecção cirúrgica oferece maior possibilidade de cura ou melhor qualidade de vida. Objetivos: Avaliar prospectivamente o perfil clínico-epidemiológico de pacientes com bronquiectasia e o resultado do tratamento cirúrgico em dois hospitais da rede pública de saúde de Fortaleza (CE), na região Nordeste do Brasil. Casuística e método: Foram estudados dados demográficos, etiologia da doença e complicações e sucesso terapêutico da cirurgia de 67 portadores de bronquiectasia operados de agosto de 1989 a março de 1999. Resultados: Os pacientes, 39 mulheres e 28 homens, tinham idade média de 32,5 ± 14,1 anos e as causas mais freqüentes da bronquiectasia foram infecções bacterianas ou virais (44,8%) e tuberculose (31,3%). A doença era localizada em 46 pacientes e multissegmentar em 21, sendo bilateral em seis. Não houve óbito cirúrgico e as complicações pós-operatórias foram mais freqüentes nos pacientes com bronquiectasia multissegmentar (9/21 versus 6/46, p = 0,011). Dos 62 pacientes com seguimento, 49 foram curados, dez melhoraram e três não obtiveram benefícios. O resultado foi excelente em 39 pacientes com doença localizada e em dez com doença multissegmentar (p < 0,001). Conclusão: O resultado mostra dois grupos distintos de pacientes: os com bronquiectasia localizada, que apresentam menos complicações cirúrgicas e melhores resultados pós-operatórios, e os com bronquiectasia multissegmentar. (J Pneumol 2000;27(1):1-6)

Localized and multisegmental bronchiectasis: clinical-epidemiological profile and surgical treatment results in 67 cases

Bronchiectasis is a disease which is rarely found in developed countries and has a high incidence in developing countries. In Brazil, the most frequent causes are viral or bacterial respiratory infections in childhood, and tuberculosis. Antibiotic therapy considerably reduces morbidity. However, in patients with persistent symptoms, surgical resection offers greater chances of cure or better quality of life. Objectives: Prospectively evaluate the clinical-epidemiological profile of patients with bronchiectasis as well as the results of surgical treatment in patients from two public hospitals in Fortaleza (CE), northeastern Brazil. Patients and method: Sixty-seven patients with bronchiectasis submitted to surgery between August 1989 and March 1999 were evaluated, as well as demographic data, etiology of the disease, complications, and therapeutic success rate. Results: Mean age of patients (39 females e 28 males) was 32.5 ± 14.1 years. The most frequent causes of bronchiectasis were viral or bacterial infection (44.8%) and tuberculosis (31.3%). The disease was localized in 46 patients and multisegmental in 21. In six patients it was bilateral. No surgical death occurred and postoperative complications were more frequent in patients with multisegmental bronchiectasis (9/21 versus 6/46, p = 0.011). From the 62 patients who were followed up, 49 were cured, 10 showed improvement, and 3 did not obtain any benefit. Results were excellent in 39 patients with localized bronchiectasis and in 10 patients with the multisegmental form of the disease (p < 0.001). Conclusion: Results show two distinct groups of patients: those with bronchiectasis, who presented fewer surgical complications and better postoperative results, and those with multisegmental bronchiectasis.

Descritores ¾ Bronquiectasia. Perfis epidemiológicos. Diagnóstico clínico. Resultado de tratamento. Procedimentos cirúrgicos operatórios.
Key words ¾ Bronchiectasis. Epidemiological profiles. Clinical diagnosis. Treatment outcome. Surgical operative procedures. Siglas e abreviaturas utilizadas neste trabalho
TCAR ¾ Tomografia computadorizada de alta resolução
Tb ¾ Tuberculose
UTI ¾ Unidade de terapia intensiva
BAAR ¾ Bacilo álcool-acidorresistente
LBA ¾ Lavado broncoalveolar
LS ¾ Lobo superior
LI ¾ Lobo inferior
LM ¾ Lobo médio
Piramidec ¾ Piramidectomia
Lingulec ¾ Lingulectomia
Culmenec ¾ Culmenectomia
Lobec ¾ Lobectomia
Seg ¾ Segmento
IRR ¾ Infecção respiratória de repetição

INTRODUÇÃO

A bronquiectasia que, no passado, foi uma enfermidade comum, é atualmente uma doença rara nos países do Primeiro Mundo(1). Embora possa ser encontrada em pacientes das mais diversas camadas socioeconômicas, a maioria dos acometidos por esta doença é formada pela população economicamente menos favorecida, com pouco acesso aos serviços de saúde e à aquisição de medicamentos. Na maioria das vezes este acesso a serviços especializados só ocorre quando a doença já atingiu seus estágios mais avançados. Atualmente, estes são, provavelmente, os principais fatores responsáveis pela incidência elevada de bronquiectasia nos países em desenvolvimento e do Terceiro Mundo.

Bronquiectasia é uma dilatação anormal e irreversível de um ou vários segmentos brônquicos(1), podendo ser localizada ou difusa. A agressão inicial à via aérea inferior causada por infecção microbiana e a obstrução brônquica, levando a diminuição do clearance mucociliar e a resposta inflamatória local, tem sido a razão proposta para explicar o dano à árvore brônquica e a origem da bronquiectasia(2). As causas de bronquiectasia são diversas e, em cerca de um a dois terços dos pacientes, não se consegue identificar a etiologia(3,4).

A apresentação clínica é variável e a tríade clássica de sintomas caracteriza-se por: tosse produtiva crônica com escarro purulento, infecção respiratória de repetição e hemoptise de pequena ou grande monta(3,5). A suspeita diagnóstica de bronquiectasia deve ser feita pelos achados clínicos, auxiliada pelo RX simples de tórax e confirmada por broncografia e/ou TCAR do pulmão. Até a década de 80, a broncografia era um exame indispensável aos cirurgiões(3,6-8) para o diagnóstico e estadiamento (localização anatômica) acurado da doença. Na última década, a broncografia tem sido substituída pela TCAR(4) na quase totalidade dos casos. Alguns estudos têm demonstrado boa correlação da TCAR com a broncografia e com a anatomopatologia(9,10). A indicação atual da broncografia limita-se àqueles casos de dúvidas quanto à extensão da doença, quando a cirurgia é contemplada.

O aprimoramento das técnicas de ressecção pulmonar ocorrido logo depois da II Guerra Mundial deu entusiástico impulso à terapia cirúrgica da bronquiectasia, tornando-a, já naquela época, o tratamento de escolha para essa doença(11,12). Em seguida, com o advento dos antibióticos e da imunização das crianças contra sarampo e coqueluche, a incidência da doença diminuiu significativamente(1).

Entretanto, a cirurgia continua sendo o tratamento de eleição para os pacientes com bronquiectasia localizada uni ou bilateral, quando a função pulmonar é compatível com a ressecção proposta, desde que persistam com tosse produtiva crônica, hemoptise significante ou repetida e pneumonia recorrente, a despeito de adequados tratamentos clínicos(13). Nestes casos, a cirurgia tem proporcionado resultados significativamente superiores aos do tratamento conservador(14,15). Nos pacientes com doença multissegmentar uni ou bilateral, apesar do percentual de cura com a cirurgia ser baixo, a melhora na qualidade de vida dos pacientes tratados cirurgicamente é também maior do que naqueles tratados clinicamente(3,6,16).

O presente estudo foi feito com o objetivo de avaliar prospectivamente o perfil clínico-epidemiológico e o resultado do tratamento cirúrgico dos pacientes portadores de bronquiectasia localizada e multissegmentar operados na última década.

MATERIAL E MÉTODO

No período de agosto de 1989 a março de 1999, 67 pacientes portadores de bronquiectasia foram submetidos a 71 operações para ressecção de segmentos, lobos ou do pulmão inteiro afetado pela doença. Os pacientes foram operados em dois hospitais da rede pública estadual (Hospital de Messejana e Hospital Geral Dr. César Cals) e um privado (Hospital São Mateus) de Fortaleza. O presente trabalho foi aprovado pelo comitê de ética dos três hospitais acima referidos. O diagnóstico de bronquiectasia foi feito exclusivamente por broncografia em 12, TCAR em 37, radiograma simples de tórax em três e por broncografia mais TCAR em 15 pacientes. Os pacientes com diagnóstico clínico-radiológico de pulmão ou lobo destruído, abscesso pulmonar ou outras lesões inflamatórias cujo diagnóstico de bronquiectasia se fez apenas pelo estudo anatomopatológico da peça cirúrgica foram excluídos desta série. Todos os pacientes eram sintomáticos no momento da indicação cirúrgica (Tabela 1), com duração média dos sintomas de 7,2 anos, variando de três meses a 35 anos.

Os critérios de operabilidade foram(5): 1) sintomas respiratórios não controlados com tratamento conservador, em grau suficiente para causar desconforto; 2) bronquiectasia irreversível diagnosticada por broncografia ou TCAR do pulmão; 3) reserva respiratória compatível com a cirurgia da ressecção pulmonar programada: quando o VEF1 pós-operatório previsto é maior que 0,8 a 1,0 litro(17) ou no mínimo dois lobos ou seis segmentos pulmonares são poupados(13). Os dados de idade, sexo, etiologia, sintomas, meios de diagnóstico e complicações cirúrgicas foram todos registrados prospectivamente. As bronquiectasias foram classificadas pelos conceitos de Sealy et al.(3) e os doentes divididos em dois grupos: I) bronquiectasia localizada ¾ a distribuição da doença estava confinada à porção distal de um brônquio fonte, lobar ou segmentar; II) bronquiectasia multissegmentar ¾ a doença se distribuía em mais de um lobo, ou em segmentos de lobos diferentes, podendo ser uni ou bilateral. No pré-operatório todos os pacientes foram avaliados com os seguintes exames: hemograma, glicemia, uréia, creatinina, coagulograma, sumário de urina, eletrocardiograma, além de broncoscopia com pesquisa de BAAR no lavado broncoalveolar (LBA) e provas de função pulmonar (gasometria arterial e espirometria). Os pacientes com sintomas de tosse e expectoração amarelada foram submetidos a antibioticoterapia e fisioterapia respiratória pelo menos por uma semana antes da cirurgia.

Os pacientes foram operados sob anestesia geral, tendo os adultos sido intubados seletivamente com tubo de duplo lume, tipo Carlens, e operados na posição de decúbito lateral, e a maioria das crianças (sete de dez), intubadas com tubo simples e operadas em decúbito ventral, na posição de Overholt(18). Dois adultos foram também operados nesta posição por não ter sido possível a intubação seletiva. As toracotomias foram todas póstero-laterais, com preservação do músculo serrátil anterior. Os doentes geralmente permaneciam na UTI nos dois primeiros dias do pós-operatório. A analgesia dos pacientes, nos primeiros cinco anos do estudo, foi feita com bloqueio intercostal com bupivacaína a 0,5% com adrenalina e, nos últimos cinco anos, com morfina (3 a 4mg) injetada por cateter no espaço epidural nos três primeiros dias seguintes ao da cirurgia. Nos dias subseqüentes a dor era controlada com um antiinflamatório não hormonal e um opióide por via oral. O resultado da cirurgia foi assim classificado: excelente (cura) ¾ completa ausência de sintomas; bom (melhorado) ¾ diminuição dos sintomas pré-operatórios; ruim ¾ nenhuma melhora, ou piora dos sintomas pré-operatórios. Os dois grupos de pacientes foram avaliados e comparados pelo teste do qui-quadrado de Pearson (c2) e teste exato de Fisher. As diferenças entre as variáveis foram consideradas estatisticamente significantes para valores de p < 0,05.

RESULTADOS

Dos 67 pacientes, 46 (68,7%) apresentaram doença localizada (Tabela 2) e 21 (31,3%) multissegmentar (Tabela 3), dos quais seis bilateral. Trinta e nove (58,2%) eram do sexo feminino e 28 (41,8) do masculino. A idade média da população estudada foi 32,5 ± 14,1 anos (variando de sete a 69 anos), tendo sido de 28,9 anos nos pacientes com bronquiectasia multissegmentar e 34,1 anos nos com bronquiectasia localizada. As causas foram: pneumonia em 30 (44,8%) pacientes (virais = 8 e bacterianas = 22); tb em 21 (31,3%); corpo estranho em dois (3,0%); leucemia linfóide aguda em dois (3%); e síndrome de Young em um (1,5%). Em 11 (16,4%) pacientes não foi possível determinar a causa da bronquiectasia. A etiologia tuberculosa foi a causa mais comum de bronquiectasia localizada, enquanto a pneumonia e a causa indeterminada foram mais encontradas no tipo multissegmentar, embora estas diferenças não tenham sido estatisticamente significantes. Os achados clínicos mais comuns foram tosse produtiva, pneumonia de repetição e hemoptise (Tabela 1).

Os sintomas de tosse produtiva e pneumonia de repetição foram significativamente (p < 0,01) mais comuns nos pacientes com bronquiectasias multissegmentares 18/21 (85,7%) do que naqueles com doença localizada 23/46 (50,0%). Os pacientes com bronquiectasia localizada tiveram mais hemoptise 33/46 (71,7%) do que os do outro grupo 10/21 (46,6%), mas a diferença não foi estatisticamente significante. Na análise dos sintomas em função da etiologia verificou-se que a hemoptise esteve mais relacionada com a tb, enquanto tosse produtiva e pneumonia de repetição se relacionaram mais com etiologia não tuberculosa. Em ambos os casos as diferenças foram estatisticamente significantes (Tabela 4).

Foram realizadas 71 ressecções pulmonares (53 isoladas e 18 combinadas) em 67 pacientes (Tabelas 5 e 6). Três pacientes com doença bilateral foram operados em tempos cirúrgicos diferentes; um paciente, que inicialmente foi submetido a ressecção do lobo inferior esquerdo e língula, evoluiu com bronquiectasia do cúlmen por tb e foi submetido, dois anos depois, a pneumonectomia de totalização. Nos outros três pacientes com doença bilateral fez-se a cirurgia unilateral e no momento estão sob acompanhamento clínico para definição de nova intervenção cirúrgica. Nos 18 pacientes restantes com doença multissegmentar operados, a ressecção foi completa.

Houve 22 complicações cirúrgicas em 15 pacientes (22,4%), sendo oito empiemas, quatro atelectasias, duas pneumonias, dois espaços pleurais residuais, duas fístulas broncopleurais e um caso apenas, respectivamente, de pneumotórax contralateral, síndrome do coágulo retido, depressão respiratória e vômitos incoercíveis. As duas últimas complicações foram decorrentes de efeitos colaterais da morfina. As complicações foram significativamente mais freqüentes (p = 0,011) nos pacientes com bronquiectasias multissegmentares 9/21 (42,9%), do que nos com doença localizada 6/46 (13,0%). Dos 67 pacientes, cinco (quatro com bronquiectasia localizada e um multissegmentar) não retornaram para o follow-up e os demais foram seguidos em média por dois anos e cinco meses (variando de três meses a oito anos e seis meses). Ao final do seguimento, de acordo com os critérios preestabelecidos, o resultado da ressecção pulmonar foi considerado excelente em 49 pacientes (79,0%); bom em dez pacientes (16,1%), três dos quais portadores de doença bilateral, submetidos até então a ressecção unilateral; e em três outros casos (4,8%) não houve qualquer benefício para os pacientes. Dos três pacientes que não melhoraram, todos tinham doença multissegmentar, sendo em dois bilateral e em um unilateral. Na análise dos resultados em função do tipo de bronquiectasia, constatou-se que 39/46 (84,8%) pacientes com doença localizada tiveram resultado excelente, contra somente 10/21 (47,6%) casos com doença multissegmentar, sendo esta diferença estatisticamente significativa (p < 0,01). Nenhum caso de óbito cirúrgico foi registrado no estudo.

DISCUSSÃO

A bronquiectasia geralmente acomete pessoas que estão na fase mais produtiva de suas vidas. A média de idade dos doentes no presente estudo foi de 32,5 anos e os relatos da literatura mostram variação em torno de 28,7 a 48,0 anos de idade(4,19,20).

Atualmente, nos países do Primeiro Mundo, as causas mais comuns de bronquiectasia são a fibrose cística e os distúrbios de natureza congênita(1). Entretanto, nos países em desenvolvimento, as causas mais freqüentes continuam sendo as infecções (viral e/ou bacteriana) na infância e a tuberculose(19-21). No nosso material, as pneumonias foram a causa em 44,8% dos casos e a tb em 31,3%.

Os sintomas mais freqüentes de bronquiectasia são tosse produtiva com ou sem pneumonia de repetição e hemoptise(4,5,8,15,20). No nosso estudo estes sintomas estiveram presentes, respectivamente, em 61,2 e 64,2% dos casos. Na análise dos sintomas em função da etiologia verificamos que a hemoptise esteve mais relacionada com a tb (p < 0,01), enquanto tosse produtiva e pneumonia de repetição foram mais encontradas na etiologia não tuberculosa (p < 0,01). Bogossian et al.(21) também já haviam demonstrado a correlação de hemoptise com a etiologia tuberculosa, e de tosse produtiva com a não-tuberculosa.

O tratamento da bronquiectasia nas décadas de 30 e 40 foi eminentemente cirúrgico(11,12), mas nos decênios de 50 e 60 cedeu espaço para a terapêutica conservadora em função dos bons resultados obtidos com o tratamento antimicrobiano e fisioterápico. Entretanto, algumas séries da literatura(5,14,15), comparando o resultado da ressecção cirúrgica com o tratamento conservador da bronquiectasia, demonstraram que os resultados foram significativamente melhores nos pacientes tratados cirurgicamente. Annest et al.(15) mostraram, ao final do seguimento de 40 pacientes, que 46% dos submetidos a ressecção pulmonar haviam sido curados, enquanto somente 12% dos pacientes tratados conservadoramente ficaram assintomáticos. Estes resultados, aliados à redução da mortalidade cirúrgica para cifras próximas de 1%, contribuíram definitivamente para a retomada do espaço da cirurgia no tratamento da bronquiectasia. O aprimoramento das técnicas cirúrgicas e anestésicas bem como o melhor manuseio dos pacientes no pré e pós-operatório foram também fatores importantes na redução da morbimortalidade cirúrgica.

Contudo, para que se obtenha sucesso com o tratamento cirúrgico, os critérios de operabilidade devem ser rigorosamente seguidos. Nos casos em que a ressecção completa de todos os segmentos dilatados é possível, os resultados cirúrgicos são excelentes. Nos pacientes com doença multissegmentar é de fundamental importância que se determine claramente no pré-operatório a extensão da ressecção a ser feita, porque é difícil fazer tal avaliação durante a cirurgia. O objetivo da cirurgia é remover todos os segmentos comprometidos ao mesmo tempo em que se preserva o máximo de função pulmonar. Os resultados da cirurgia na doença localizada serão sempre melhores do que na doença difusa ou multissegmentar(3,6), mesmo quando a ressecção cirúrgica inclua todos os segmentos do pulmão acometidos pela doença. Sealy et al.(3) obtiveram resultados bons em 80% (59/70) dos pacientes com bronquiectasia localizada e em somente 36% (22/62) dos com doença difusa. No presente estudo o resultado geral foi considerado excelente em 79% dos pacientes e bom em 16,1%. Na literatura o percentual de cura varia de 59% a 88%(4,8,15,19,20). A grande variação observada nos resultados destes autores deveu-se à falta de estratificação dos doentes, pois a maioria incluiu resultados de pacientes com doença localizada e difusa. Em nosso trabalho, quando feita a análise dos resultados em função do tipo de bronquiectasia, constatamos que 84,8% dos pacientes (39/46) com doença localizada tiveram resultado excelente, ao passo que somente 47,6% dos casos (10/21) com doença multissegmentar obtiveram este resultado, sendo esta diferença estatisticamente significativa (p < 0,01). Tais cifras estão próximas daquelas relatadas por Sealy et al.(3).

Observaram-se no presente trabalho 22 complicações cirúrgicas em 15 pacientes, tendo sido significativamente mais freqüentes (42,9%) nos com bronquiectasia multissegmentar do que naqueles com doença localizada (13,0%), p = 0,011. Na literatura não há relatos que confrontem estes dados. Entretanto, as complicações de todos os tipos de ressecções na bronquiectasia variam de 11,4 a 31,7% (Tabela 7).

CONCLUSÃO

Os pacientes com bronquiectasia de etiologia tuberculosa apresentam como principal sintoma a hemoptise e aqueles com bronquiectasia de etiologia não-tuberculosa cursam mais com tosse produtiva e pneumonia de repetição.

Os resultados observados nos dois tipos de bronquiectasia, localizada ou multissegmentar, mostram claramente que estamos diante de dois grupos distintos de pacientes. Os doentes com bronquiectasia localizada apresentam menos complicações cirúrgicas e melhores resultados clínicos do que aqueles com doença multissegmentar. Isso não descarta a possibilidade de tratamento cirúrgico para os pacientes com doença multissegmentar, muito embora eles devam ser bem selecionados para que se obtenham resultados satisfatórios. Esta população de doentes deve ser informada sobre a maior morbimortalidade da cirurgia, que tem como objetivo principal a melhora da qualidade de vida dos pacientes.

Os resultados obtidos permitem-nos sugerir que doravante se estratifiquem os pacientes nos dois tipos de bronquiectasia, para que se torne possível a comparação de resultados pela comunidade científica.

1. Título de Especialista em Cirurgia Torácica pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Torácica; Membro Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões; Chefe do Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital Geral Dr. César Cals e Cirurgião Torácico do Hospital de Messejana.

2. Cirurgião Geral e Membro da equipe de Cirurgia Torácica do Hospital de Messejana e Hospital São Mateus.

3. Título Superior de Anestesiologia (TSA) pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia; Mestre em Farmacologia-UFC; Professor-Assistente de Anestesiologia-UFC.

Endereço para correspondência ¾ Antero Gomes Neto, Rua Des. Leite Albuquerque, 1.060, apto. 1.100, Aldeota ¾ 60150-150 ¾ Fortaleza, CE. Tel. (85) 261-1578; Fax (85) 268-2125- E-mail: gomes@ secrel.com.br

Recebido para publicação em 12/11/99. Reapresentado em 31/5/00. Aprovado, após revisão, em 19/10/00.

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  • *
    Trabalho realizado no Hospital de Messejana, Fortaleza, CE.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Out 2002
    • Data do Fascículo
      Jan 2001

    Histórico

    • Aceito
      19 Out 2000
    • Revisado
      31 Maio 2000
    • Recebido
      12 Nov 1999
    Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Departamento de Patologia, Laboratório de Poluição Atmosférica, Av. Dr. Arnaldo, 455, 01246-903 São Paulo SP Brazil, Tel: +55 11 3060-9281 - São Paulo - SP - Brazil
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