Open-access Síndrome de Klippel-Trenaunay-Weber: associação do tratamento operatório à escleroterapia por espuma

Klippel-Trenaunay-Weber Syndrome: association of operative treatment with foam sclerotherapy

Resumos

A Síndrome de Klippel-Trenaunay-Weber representa a associação de hemangiomas planos, ectasias venosas e hipertrofia do segmento corpóreo afetado. Apresenta-se o caso de um paciente de 39 anos, sexo masculino, seguido desde 1993 no serviço da Disciplina de Cirurgia Vascular da Escola Paulista de Medicina (Unifesp), por quadro inicial da síndrome em membro inferior esquerdo. O paciente foi tratado apenas por elastocompressão e medidas gerais. Neste período, ele evoluiu com piora da estase venosa, da hipertrofia óssea e da hiperpigmentação de pele. Na ultrassonografia Doppler colorida venosa dos membros inferiores havia perviedade do sistema venoso profundo, hiperfluxo venoso, insuficiência segmentar de veia safena magna com sinais de tromboflebite e tributárias insuficientes. Indicou-se, para a melhora da estase venosa, ligadura da junção safeno-femoral esquerda e escleroterapia (polidocanol 3%) retrógrada da mesma, com exérese das ectasias venosas. O paciente recebeu alta hospitalar no primeiro dia pós-operatório e atualmente está em acompanhamento ambulatorial com melhora significativa dos sintomas.

Varizes; escleroterapia; Síndrome de Klippel-Trenaunay-Weber; soluções esclerosantes


The Klippel-Trenaunay-Weber Syndrome is the association of hemangioma, venous ectasia, and hypertrophy of the affected body segment. We report the case of a 39-year-old male followed-up since 1993 due to onset of symptoms in the left lower limb. He was treated only with the use of elastic stockings and general measures. Over the years, he had worsening of venous stasis, of bone hypertrophy, and of skin hyperpigmentation. Color-coded Doppler ultrasonography of the lower limbs showed patency of the deep venous system, venous overflow, segmentar insufficiency of the greater saphenous vein with signs of thrombophlebitis, and insufficient tributary veins. In order to improve venous stasis, ligation of the left sapheno-femoral junction and retrograde foam sclerotherapy (polidocanol 3%) with resection of tributary veins were performed. The patient was discharged in the first postoperative day and has been followed as an outpatient, presenting significant improvement of the symptoms.

Varicose veins; sclerotherapy; Klippel-Trenaunay-Weber Syndrome; sclerosing solutions


RELATO DE CASO

Síndrome de Klippel-Trenaunay-Weber: associação do tratamento operatório à escleroterapia por espuma

Klippel-Trenaunay-Weber Syndrome: association of operative treatment with foam sclerotherapy

Ronald Luiz Gomes FlumignanI; Daniel Guimarães CacioneII; Silvia Iglesias LopesIII; Caroline Nicacio Bessa ClezarIV; Carolina Dutra QueirozV; Aécio Rubens Dias Pereira-FilhoVI; Newton de Barros JrVII; Fausto Miranda JrVIII

IMédico Cirurgião Vascular, Doutorando da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) - São Paulo (SP), Brasil

IIMédico Cirurgião Vascular da Unifesp - São Paulo (SP), Brasil

IIIMédica Cirurgiã Vascular da Unifesp - São Paulo (SP), Brasil

IVMédica Cirurgiã Vascular, Mestranda da Unifesp - São Paulo (SP), Brasil

VMédica Cirurgiã Vascular, Doutoranda da Unifesp - São Paulo (SP), Brasil

VIMédico Cirurgião Vascular da Unifesp - São Paulo (SP), Brasil

VIIDocente da Disciplina de Cirurgia Vascular da Unifesp - São Paulo (SP), Brasil

VIIIProfessor Titular da Disciplina de Cirurgia Vascular da Unifesp - São Paulo (SP), Brasil

Correspondência Correspondência: Ronald Luiz Gomes Flumignan Rua Leandro Dupret, 377, Apto 111 - Vila Mariana CEP: 04025-011 - São Paulo (SP), Brasil E-mail: flumignan@gmail.com

RESUMO

A Síndrome de Klippel-Trenaunay-Weber representa a associação de hemangiomas planos, ectasias venosas e hipertrofia do segmento corpóreo afetado. Apresenta-se o caso de um paciente de 39 anos, sexo masculino, seguido desde 1993 no serviço da Disciplina de Cirurgia Vascular da Escola Paulista de Medicina (Unifesp), por quadro inicial da síndrome em membro inferior esquerdo. O paciente foi tratado apenas por elastocompressão e medidas gerais. Neste período, ele evoluiu com piora da estase venosa, da hipertrofia óssea e da hiperpigmentação de pele. Na ultrassonografia Doppler colorida venosa dos membros inferiores havia perviedade do sistema venoso profundo, hiperfluxo venoso, insuficiência segmentar de veia safena magna com sinais de tromboflebite e tributárias insuficientes. Indicou-se, para a melhora da estase venosa, ligadura da junção safeno-femoral esquerda e escleroterapia (polidocanol 3%) retrógrada da mesma, com exérese das ectasias venosas. O paciente recebeu alta hospitalar no primeiro dia pós-operatório e atualmente está em acompanhamento ambulatorial com melhora significativa dos sintomas.

Palavras-chave: Varizes; escleroterapia; Síndrome de Klippel-Trenaunay-Weber; soluções esclerosantes

ABSTRACT

The Klippel-Trenaunay-Weber Syndrome is the association of hemangioma, venous ectasia, and hypertrophy of the affected body segment. We report the case of a 39-year-old male followed-up since 1993 due to onset of symptoms in the left lower limb. He was treated only with the use of elastic stockings and general measures. Over the years, he had worsening of venous stasis, of bone hypertrophy, and of skin hyperpigmentation. Color-coded Doppler ultrasonography of the lower limbs showed patency of the deep venous system, venous overflow, segmentar insufficiency of the greater saphenous vein with signs of thrombophlebitis, and insufficient tributary veins. In order to improve venous stasis, ligation of the left sapheno-femoral junction and retrograde foam sclerotherapy (polidocanol 3%) with resection of tributary veins were performed. The patient was discharged in the first postoperative day and has been followed as an outpatient, presenting significant improvement of the symptoms.

Keywords: Varicose veins; sclerotherapy; Klippel-Trenaunay-Weber Syndrome; sclerosing solutions

Introdução

A Síndrome de Klippel-Trenaunay (SKT) foi descrita, em 1900, pelos médicos franceses Maurice Klippel e Paul Trenaunay e associa más-formações vasculares (hemangiomas planos e ectasias venosas) e hipertrofia do membro afetado1-3. Posteriormente, em 1907, Parkes Weber4 descreveu uma síndrome semelhante que incluía também fístulas arteriovenosas. Após ter sido identificado o aparecimento de fístulas arteriovenosas em pacientes com SKT, alguns autores tratam as duas entidades nosológicas como sendo partes de uma mesma doença, que foi ch amada de Síndrome de Klippel-Trenaunay-Weber (SKTW)2,5,6, sendo que outros preferem ainda tratar separadamente3,7,8.

A causa exata da SKT não é bem conhecida, porém, sugere-se que seja decorrente de alteração do mesoderma durante o desenvolvimento embrionário6,8. Especula-se que haja alteração ao nível do antagonista da angiopoetina-28, com manutenção de pequenas comunicações arteriovenosas nos membros que provocarão a sintomatologia associada2, embora alguns autores postulem que a hipertrofia de tecidos moles é alteração primária e não se relaciona às fístulas6.

A presença dos sintomas e sua intensidade podem variar desde a ocorrência de hemangiomas planos discretos até ectasias venosas de grande volume e grande deformidade dos membros9. Somente 63% dos pacientes diagnosticados com a SKTW apresentam os três sinais clássicos de malformações, hemangiomas planos e ectasias venosas com hipertrofia do segmento afetado2,8,10. Um total de 95% dos pacientes apresenta acometimento das extremidades, prevalecendo as inferiores. A grande maioria dos pacientes (98%) apresenta hemangiomas planos cutâneos2,7,9,10. Grandes dilatações venosas superficiais e profundas são comuns na SKTW e podem piorar com a idade e com a progressão da doença pelo refluxo venoso complexo, incompetência valvular, hipertensão venosa e prejuízo da função de bomba muscular9.

Aproximadamente 50% dos pacientes são tratados de maneira conservadora com auxílio de elastocompressão e não necessitam de tratamento cirúrgico7,9,10. Alguns pacientes com veias profundas pérvias e competentes se beneficiam da escleroterapia, ressecção escalonada de veias varicosas e exérese dos aneurismas venosos8,10.

As principais causas de dor no membro afetado estão relacionadas com as anormalidades da insuficiência venosa crônica, tais como: celulite, tromboflebite superficial, trombose venosa profunda, calcificação da malformação vascular e malformações vasculares intraósseas10.

Relato de caso

O presente trabalho está de acordo com a Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, de 10 de outubro de 1996.

Paciente de 39 anos, auxiliar de almoxarifado, natural de Alagoas, procedente de São Paulo, procurou o Serviço de Cirurgia Vascular da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo em 1993, com queixa de varizes na perna esquerda. Nesta ocasião, ele relatou a presença de veias varicosas que aumentaram de calibre desde a infância. Aos 17 anos, começou a apresentar manchas avermelhadas no membro, principalmente ao redor das veias varicosas. Não apresentava outros antecedentes pessoais ou familiares. Nessa ocasião, iniciou tratamento conservador com elastocompressão, hidratação de pele e controle das infecções cutâneas.

Em 2000, o paciente retornou ao ambulatório com piora das varizes, hiperpigmentação de face medial de perna esquerda (CEAP C 4a)11-15, hemangiomas planos e aumento do comprimento do membro inferior esquerdo (MIE) por hipertrofia óssea (escanograma com diferença de 2,5 cm no comprimento do fêmur). Os pulsos arteriais eram simétricos e normais. Foi mantido com tratamento clínico e, em 2006, houve aparecimento de grande ectasia venosa (5 cm) na região anterior do joelho esquerdo (Figura 1). Outros membros da família do paciente foram investigados e não foi encontrado um sinal ou sintoma clínico de síndrome semelhante em nenhum deles16,17.


Com a evolução da doença, surgiram novas ectasias venosas (Figura 2), de aproximadamente 5 cm, na região da coxa, joelho e perna esquerda. Foram relatados episódios de tromboflebites superficiais tratadas por analgesia e anti-inflamatórios não- esteroides. Em abril de 2009, a ultrassonografia Doppler colorida (UDC) revelou sistema venoso profundo pérvio, sem sinais de trombos recentes ou antigos. A UDC evidenciou ainda hiperfluxo nas veias femorais comum, superficial e profunda, sugerindo presença de microfístulas arteriovenosas. No sistema superficial havia insuficiência segmentar de veia safena magna desde 13 cm abaixo da prega inguinal até tornozelo, com sinais de tromboflebite prévia e tributária insuficientes.


Em razão da sintomatologia dolorosa, dos episódios de tromboflebite e da limitação das atividades físicas e laborais, indicou-se tratamento operatório para desconexão safenofemoral (SF) por ligadura da junção SF e realização de escleroterapia com microespuma de polidocanol a 3%, injetada em cateter introduzido retrogradamente pelo coto distal da safena magna alcançando até o nível do joelho18. Além disso, realizou-se a exérese das ectasias venosas na coxa, joelho e perna esquerdas e esclerose com polidocanol a 3% dos ramos remanescentes (Figura 3) por injeção direta. A microespuma foi obtida com a mistura do polidocanol a 3% com ar ambiente numa diluição de 1:4 mL, segundo a técnica de Tessari19, com volume total de 10 mL. O paciente apresentou boa recuperação, obteve alta hospitalar no primeiro dia pós-operatório, mantendo tratamento conservador com elastocompressão, antibioticoterapia profilática e cuidados de higiene e está em acompanhamento ambulatorial neste serviço como mostra a Figura 4.



O paciente manteve-se bem até dezembro de 2009, quando referiu reinício das dores na região do joelho esquerdo, em face lateral, na qual havia grande ectasia venosa com cerca de 4 cm de diâmetro (Figura 5). Optou-se por realização de nova sessão de escleroterapia com microespuma (polidocanol a 3%) ambulatorial, por punção direta e compressão local. No sétimo dia pós-escleroterapia, verificou-se redução importante do tamanho da ectasia venosa (Figura 5) e melhora dos sintomas. Atualmente, ele segue em acompanhamento ambulatorial com elastocompressão e cuidados locais.


Discussão

Alguns autores

16,17 verificaram a ocorrência de associação familiar do aparecimento da SKTW. Neste caso, como na maioria da literatura, não há relato de ocorrência desta síndrome na família, talvez por estar relacionada à mutação autossômica dominante de penetrância incompleta

8. O paciente em questão apresentou-se ao nosso serviço com quadro inicial de veias varicosas sem lesão cutânea (hemangioma plano), que só se manifestou posteriormente. Quadro esse pouco típico, uma vez que os pacientes costumam se apresentar com hemangiomas cutâneos de início, podendo progredir com ectasias venosas e, por fim, com a hipertrofia do membro afetado

1,2,7,9,10.

Os autores que consideram a SKT separadamente da SKTW defendem que a presença de fístulas arteriovenosas interfere diretamente na gravidade do quadro e em seu tratamento8. Aqueles que consideram que se trata apenas de uma entidade nosológica (SKTW) justificam que estas fístulas não interferem no quadro clínico, nem tampouco na relação com hipertrofia de tecidos6. Todos os autores concordam, no entanto, é que as medidas conservadoras continuam norteando o tratamento da SKTW. Isso não afasta a necessidade de intervenções pontuais durante a evolução da história natural da doença. Estas terapias adjuvantes podem variar desde a terapia a laser, escleroterapia com microespuma, ressecções escalonadas de veias ectasiadas e até exéreses mais amplas6-10,15. As indicações mais utilizadas para o tratamento operatório são: as hemorragias, as infecções locais, o tromboembolismo e a ocorrência de ulcerações de perna muito refratárias. Outras indicações são: dor local, limitação funcional e estética8. No caso descrito, o sistema venoso profundo era pérvio e competente (como na maioria dos casos), permitindo a indicação do tratamento operatório7-10. A limitação funcional associada à dor local das ectasias venosas foi determinante para essa indicação cirúrgica.

A SKTW é doença rara, com morbidade progressiva e grave, deve ser tratada com parcimônia e individualização na escolha do melhor tratamento e época de realizá-lo para cada paciente. Atualmente, a indicação de intervenções operatórias é restrita às complicações decorrentes do quadro inicial. No presente caso, a utilização de associação do tratamento operatório com o escleroterápico se mostrou eficiente e conseguiu permitir uma melhora no quadro clínico e de qualidade de vida do paciente, mostrando que pode ser uma alternativa válida para estes casos. Avanços maiores serão feitos quando for possível diagnosticar ainda mais precocemente a SKTW e impedir o desenvolvimento da hipertrofia de tecidos, angiodisplasias complexas e outras alterações fenotípicas, talvez corrigindo ou impedindo a mutação genética relacionada.

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Submetido em: 02.12.10.

Aceito em: 15.03.11

Contribuições dos autores:

Concepção e desenho do estudo: RLGF, NBJ, FMJ

Análise e interpretação dos dados: RLGF, DGC, SIL, CNBC, CDQ, ARDP, NBJ, FMJ

Coleta de dados: RLGF, DGC, SIL, CNBC, CDQ, ARDP, NBJ, FMJ

Redação do artigo: RLGF, NBJ, FMJ

Revisão crítica do texto: RLGF, DGC, SIL, CNBC, CDQ, ARDP, NBJ, FMJ

Aprovação final do artigo*: RLGF, DGC, SIL, CNBC, CDQ, ARDP, NBJ, FMJ

Análise estatística: RLGF, NBJ, FMJ

Responsabilidade geral pelo estudo: RLGF, DGC, SIL, CNBC, CDQ, ARDP, NBJ, FMJ

Informações sobre financiamento: RLGF, DGC, SIL, CNBC, CDQ, ARDP, NBJ, FMJ

* Todos os autores leram e aprovaram a versão final submetida ao J Vasc Bras.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Mar 2011

    Histórico

    • Aceito
      15 Mar 2011
    • Recebido
      02 Dez 2010
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