Resumos
Homem de 78 anos de idade, portador de múltiplas morbidades clínicas deu entrada na emergência com um aneurisma de aorta abdominal justa-renal em condições hemodinâmicas estáveis. A tomografia computadorizada caracterizou aneurisma de 6 cm de diâmetro, e a distância do colo proximal do aneurisma era de 5 mm em relação à artéria renal direita e 28 mm à esquerda. Em virtude das condições clínicas do paciente, optou-se pelo reparo endovascular, mas previamente fez-se uma derivação ilíaco-renal direita com enxerto de politetrafluoretileno, via retroperitoneal para se criar um colo proximal adequado. Após quatro dias, o aneurisma de aorta abdominal foi corrigido colocando-se uma endoprótese Excluder® sem intercorrências. O seguimento pós-operatório evidenciou boa perfusão do rim esquerdo e ausência de migração ou endoleak da endoprótese. Este caso ilustra a combinação de técnicas para tornar possível o reparo de aneurisma de aorta abdominal justa-renal em pacientes de alto risco cirúrgico e anatomia desfavorável.
Aneurisma da aorta abdominal; cirurgia; prótese vascular; endovascular; artéria renal
A 78-year-old man with a juxtarenal abdominal aortic aneurysm and several comorbid conditions was admitted at the emergency room in hemodynamically stable conditions. Computed tomography revealed an aneurysm measuring 6 cm in diameter beginning 28 mm below the left renal artery and 5 mm below the right renal artery. Because of the patient's clinical status, a bypass from the right iliac artery to the right renal artery was performed through a retroperitoneal approach using a polytetrafluoroethylene vascular graft. Four days later, an endovascular aneurysm repair was successfully performed using an Excluder® stent-graft. Postoperative follow-up showed good left renal perfusion and no migration or endoleak. This case illustrates the effectiveness of combining open and endovascular techniques to repair juxtarenal abdominal aortic aneurysm in high-risk patients with unfavorable anatomy.
Abdominal aortic aneurysm; surgery; vascular graft; endovascular; renal artery
RELATO DE CASO
Aneurisma de aorta abdominal justa-renal: correção endovascular combinada com derivação ilíaco-renal direita para criar colo proximal adequado
Matheus BredarioliI; Marcelo Bellini DalioI; Cleber Aparecido Pita BezerraII; Carlos Eli PiccinatoIII; Jesualdo CherriIV
ICirurgiões vasculares e pós-graduandos, Área Clínica Cirúrgica, Departamento de Cirurgia e Anatomia, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto Universidade de São Paulo (FMRP-USP), Ribeirão Preto, SP
IIMédico residente, Disciplina de Cirurgia Vascular, Departamento de Cirurgia e Anatomia, FMRP-USP, Ribeirão Preto, SP
IIIProfessor titular, Disciplina de Cirurgia Vascular, Departamento de Cirurgia e Anatomia, FMRP-USP, Ribeirão Preto, SP
IVProfessor associado, Disciplina de Cirurgia Vascular, Departamento de Cirurgia e Anatomia, FMRP-USP, Ribeirão Preto, SP
Correspondência Correspondência: Carlos Eli Piccinato Av. Bandeirantes, 3900 CEP 14049-990 - Ribeirão Preto, SP Fax:(16) 3633.0836 Email: cepiccin@fmrp.usp.br
RESUMO
Homem de 78 anos de idade, portador de múltiplas morbidades clínicas deu entrada na emergência com um aneurisma de aorta abdominal justa-renal em condições hemodinâmicas estáveis. A tomografia computadorizada caracterizou aneurisma de 6 cm de diâmetro, e a distância do colo proximal do aneurisma era de 5 mm em relação à artéria renal direita e 28 mm à esquerda. Em virtude das condições clínicas do paciente, optou-se pelo reparo endovascular, mas previamente fez-se uma derivação ilíaco-renal direita com enxerto de politetrafluoretileno, via retroperitoneal para se criar um colo proximal adequado. Após quatro dias, o aneurisma de aorta abdominal foi corrigido colocando-se uma endoprótese Excluder® sem intercorrências. O seguimento pós-operatório evidenciou boa perfusão do rim esquerdo e ausência de migração ou endoleak da endoprótese. Este caso ilustra a combinação de técnicas para tornar possível o reparo de aneurisma de aorta abdominal justa-renal em pacientes de alto risco cirúrgico e anatomia desfavorável.
Palavras-chave: Aneurisma da aorta abdominal, cirurgia, prótese vascular, endovascular, artéria renal.
Introdução
Atualmente, o padrão-ouro para o tratamento do aneurisma de aorta abdominal (AAA) é ainda a operação convencional. O advento do reparo endovascular (EVAR), entretanto, trouxe grande benefício aos pacientes com múltiplas co-morbidades clínicas e risco cirúrgico elevado, desde que apresentem anatomia compatível com as endopróteses disponíveis.
Para assegurar uma fixação proximal adequada da prótese, a maioria dos fabricantes preconiza um colo aórtico infra-renal de no mínimo 15 mm. Pacientes selecionados segundo estas recomendações evoluem com menores taxas de migração ou endoleak1. A implantação de endopróteses em AAA com colo infra-renal menor que 15 mm, apesar de descrita com sucesso por vários autores, não é uma conduta unânime2. Em pacientes selecionados, é possível criar um colo proximal favorável por meio da revascularização cirúrgica da artéria renal.
Este relato descreve um caso de AAA cujo procedimento endovascular foi realizado após a criação de condições anatômicas favoráveis pela ampliação do comprimento do colo proximal por meio da realocação cirúrgica da artéria renal direita.
Descrição do caso
Homem de 78 anos deu entrada na emergência queixando-se de lombalgia. A tomografia computadorizada (TC) diagnosticou fratura de vértebra lombar com o achado de um AAA justa-renal com 6 cm em seu maior diâmetro transverso, sem sinais de rotura ou dissecção. A reconstrução tridimensional da TC mostrou que a artéria renal esquerda se originava a 28 mm acima do saco aneurismático, e a artéria renal direita apenas a 5 mm (Figura 1). Aparentemente, os dois rins tinham dimensões normais e excretavam contraste simetricamente. A história clínica do paciente incluía diabetes melito, hipertensão arterial sistêmica, coronariopatia compensada, leucemia mielóide monocítica crônica (síndrome mielodisplásica), doença pulmonar obstrutiva crônica, insuficiência renal crônica não-dialítica (creatinina = 2,5 mg/dL) e obesidade (102 kg). O paciente foi encaminhado à disciplina de Cirurgia Vascular da FMRP-USP para planejamento de EVAR, já que ele não toleraria um clampeamento aórtico via aberta, devido a suas condições clínicas. Como ele apresentava um colo infra-renal curto do lado direito (5 mm), optou-se por proceder uma abordagem aberta sem clampeamento aórtico antes do EVAR, com o objetivo de criar um colo proximal adequado. Através de um acesso retro-peritoneal direito, foi realizada uma derivação com politetrafluoretileno (PTFE) de 6 mm, conectando a artéria ilíaca externa (anastomose látero-terminal) à artéria renal direita (anastomose término-terminal). O coto proximal da artéria renal direita foi ligado.
Após o procedimento, o paciente foi levado à unidade de terapia intensiva (UTI). Quatro dias depois, foi executado EVAR com uma endoprótese Excluder® (W.L. Gore, Inc, Flagstaff, Arizona, Estados Unidos), utilizando-se inguinotomia bilateral. A arteriografia final mostrou que a derivação ilíaco-renal estava patente e que a endoprótese estava bem posicionada e sem endoleak. Houve uma leve elevação na creatinina sérica, que retornou a valores inferiores aos do pré-operatório após alguns dias (Cr = 1,5 mg/dL). Em virtude de suas condições clínicas e da obesidade, a recuperação do paciente foi lenta e observaram-se complicações com a ferida operatória. Apesar disto, ele recebeu alta 12 dias após o segundo procedimento. A TC controle, um mês após, mostrou bom posicionamento da endoprótese e ausência de endoleak (Figura 2). A angiografia por ressonância magnética (A-IRM), utilizada no acompanhamento pós-operatório após 6 meses, revelou que a derivação ilíaco-renal direita estava patente e a perfusão renal estava normal. Não foi observado endoleak ou migração (Figura 3). No retorno do acompanhamento anual, o paciente estava totalmente recuperado do procedimento. Sua nova A-IRM não mostrou alterações, em comparação com a anterior.
Discussão
O conceito do reparo combinado aberto e endovascular não é novo. Na literatura, há relatos descrevendo EVAR associado à revascularização visceral no tratamento de AAA infra3 e supra-renais4,5. O princípio teórico em que esta técnica se embasa é a associação das vantagens das duas modalidades de reparo, permitindo assim o tratamento de pacientes de alto risco, como aqui apresentado.
O reparo aberto, que ainda é o padrão-ouro, requer clampeamento aórtico, o que poderia provocar complicações fatais em pacientes de alto risco. Parodi et al.6 introduziram a técnica EVAR nos anos 80, tendo como a principal vantagem evitar o clampeamento aórtico. No entanto, para que as endopróteses sejam liberadas com segurança e com o mínimo de complicações, certas condições anatômicas são preconizadas pelos fabricantes, incluindo a presença de um colo infra-renal de, no mínimo, 15 mm. Com o objetivo de tornar o EVAR seguro em pacientes com colo infra-renal curto, novas endopróteses vem sendo estudadas e testadas7. Entretanto, a presença de um colo infra-renal de no mínimo 15 mm ainda é pré-requisito para a maioria dos produtos. Colos curtos são associados a complicações como migração e endoleak tipo I8.
O paciente em questão tinha um AAA com 6 cm de diâmetro, o que justifica seu reparo. O clampeamento aórtico supra-renal não seria tolerado em virtude de suas múltiplas co-morbidades, motivo pelo qual o procedimento cirúrgico foi contra-indicado. O EVAR isolado não seria aconselhável em virtude do colo infra-renal inadequado. A solução foi criar um colo proximal adequado por meio da revascularização cirúrgica da artéria renal direita com uma derivação ilíaco-renal com PTFE. A oclusão da artéria renal direita não foi considerada, devido ao quadro de insuficiência renal com rins simétricos.
Escolheu-se o acesso retro-peritoneal direito para o procedimento de derivação por este proporcionar adequada exposição dos vasos renais e ilíacos e evitar manipulação de alças intestinais. Utilizou-se a artéria ilíaca externa direita como artéria doadora na derivação, para evitar o clampeamento aórtico e deixar as artérias ilíacas comuns livres para o ancoramento distal da endoprótese. O procedimento total foi realizado em duas intervenções separadas para evitar os efeitos adicionais do clampeamento renal direito e a infusão de contraste iodado num paciente com insuficiência renal crônica.
Observou-se, nos primeiros dias após os procedimentos, aumento dos níveis de creatinina sérica do paciente, que baixaram após hidratação adequada na UTI. Alguma dificuldade foi observada durante o EVAR pela presença da imagem de gás em alças intestinais à fluoroscopia, em virtude do íleo adinâmico. Apesar desta dificuldade, a endoprótese ficou bem posicionada sem imagem sugestiva de endoleak. No 30º dia pós-operatório, a TC revelou bom posicionamento da endoprótese e ausência de endoleak. Seis meses e um ano após o procedimento, optou-se pelo seguimento com A-IRM, com o objetivo de evitar contraste iodado.
Uma tecnologia emergente no tratamento dos AAA justa-renais é o uso de endopróteses com ramificações e fenestrações para as artérias viscerais9. Há vários relatos na literatura descrevendo experiências bem sucedidas de casos isolados com esta nova tecnologia10,11, mas estudos de seguimento a longo prazo são necessários para a sua consolidação.
Em resumo, este caso ilustra como se pode combinar as técnicas cirúrgica e endovascular para tornar possível o tratamento de AAA justa-renal em pacientes de alto risco operatório e com anatomia desfavorável. Para o sucesso desta combinação, o cirurgião vascular deve dominar ambas as técnicas.
Artigo submetido em 08.03.07, aceito em 21.05.07.
Trabalho desenvolvido na Disciplina de Cirurgia Vascular do Departamento de Cirurgia e Anatomia da FMRP-USP e apresentado como pôster no VII SOBRICE, ocorrido em São Paulo, de 3 a 5 de novembro de 2005.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
20 Set 2007 -
Data do Fascículo
Jun 2007
Histórico
-
Aceito
21 Maio 2007 -
Recebido
08 Mar 2007