jvb
Jornal Vascular Brasileiro
J. vasc. bras.
1677-5449
1677-7301
Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV)
Porto Alegre, RS, Brazil
The percutaneous placement of inferior vena cava filters is traditionally carried out in angiosuite or operating room using fluoroscopy and infusion of iodinated contrast for proper positioning of the device. However, for patients hospitalized in intensive care units under poor conditions for transportation, and for patients with impaired renal function, their displacement and the nephrotoxicity of the iodinated contrast agents are frequently matters of concern. Thus, the bedside placement of inferior vena cava filters guided by ultrasound may be a reasonably safe and attractive alternative for these patients.
RELATO DE CASO
Implante de filtro de veia cava inferior guiado por ultra-som: relato de dois casos*
Placement of inferior vena cava filter guided by ultrasound: report of two cases
Rogério Abdo NeserI; Mauro Capasso FilhoII; Cristina Mieko de Oliveira HomaII
ICirurgião vascular. Professor, Faculdade de Ciências Médicas, Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo, SP
IIRadiologistas, Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo, SP
Correspondência
RESUMO
A instalação percutânea dos filtros de veia cava inferior é realizada, tradicionalmente, em sala de angiografia ou em centro cirúrgico, utilizando-se fluoroscopia e infusão de contraste iodado para adequado posicionamento do dispositivo. Porém, para pacientes internados em unidades de tratamento intensivo com condição clínica ruim para o transporte ou com função renal deteriorada, o deslocamento e a nefrotoxicidade dos contrastes iodados são, freqüentemente, motivos de preocupação. Assim, a colocação, à beira do leito, de filtros de veia cava inferior guiada por ultra-som pode ser uma alternativa bastante atraente e segura para esses pacientes.
Palavras-chave: Veia cava inferior, filtros de veia cava, trombose venosa, ultra-sonografia de intervenção.
ABSTRACT
The percutaneous placement of inferior vena cava filters is traditionally carried out in angiosuite or operating room using fluoroscopy and infusion of iodinated contrast for proper positioning of the device. However, for patients hospitalized in intensive care units under poor conditions for transportation, and for patients with impaired renal function, their displacement and the nephrotoxicity of the iodinated contrast agents are frequently matters of concern. Thus, the bedside placement of inferior vena cava filters guided by ultrasound may be a reasonably safe and attractive alternative for these patients.
Key words: Inferior vena cava, vena cava filters, venous thrombosis, interventional ultrasonography.
Anticoagulação é o tratamento de escolha para a trombose venosa profunda (TVP) dos membros inferiores e embolia pulmonar (EP). Os filtros de veia cava têm sido utilizados para pacientes que apresentem TVP ou EP com contra-indicação à anticoagulação e/ou para pacientes que apresentem sangramentos ou outras complicações da terapia anticoagulante1.
Apesar de procedimento simples, a instalação percutânea dos filtros de veia cava, tradicionalmente, é realizada em sala de angiografia ou em centro cirúrgico, utilizando-se radioscopia e infusão de contraste iodado para adequado posicionamento do dispositivo, que habitualmente é deixado abaixo das veias renais. Porém, para pacientes internados em unidades de tratamento intensivo (UTI), principalmente os pacientes críticos, dependentes de ventilação mecânica, hemodinamicamente instáveis ou com função renal deteriorada, o transporte e a nefrotoxicidade dos contrastes iodados são, freqüentemente, motivos de preocupação. Assim, a colocação, à beira do leito, de filtros de veia cava inferior guiada por ultra-som é uma alternativa bastante atraente e segura para esses pacientes. O objetivo deste relato é descrever dois casos de implante de filtros de veia cava inferior em pacientes críticos, que não apresentavam condições clínicas de transporte, realizados à beira do leito na UTI da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
Paciente 1
Paciente do sexo feminino, 86 anos, que apresentava TVP aguda em membro inferior direito, no segmento fêmoro-poplíteo, e que estava internada há 1 semana, recebendo enoxaparina na dose de 2 mg/kg/d. No sétimo dia de internação, a paciente apresentou pico hipertensivo, com confusão mental e rebaixamento do nível de consciência. A paciente foi encaminhada à UTI para controle pressórico (conseguido apenas com nitroprussiato de sódio endovenoso) e monitorização neurológica. No mesmo dia da admissão na UTI, foi diagnosticado acidente vascular cerebral hemorrágico por tomografia de crânio, e a paciente foi, então encaminhada ao centro cirúrgico para drenagem do hematoma intracraniano. O exame anatomopatológico da área que apresentou sangramento revelou tratar-se de vasculopatia amilóide. A paciente, após o procedimento cirúrgico, foi reencaminhada à UTI e mantida em ventilação mecânica, sem melhora do quadro neurológico. Nos 2 dias subseqüentes à cirurgia, houve deterioração da função renal e hipotensão arterial, que foi controlada com drogas vasoativas. A instalação do filtro de veia cava inferior foi realizada no segundo dia pós-operatório e nono dia de internação. Após 3 meses de internação, a paciente faleceu, devido a insuficiência renal e infecção pulmonar.
Paciente 2
Paciente do sexo masculino, 61 anos de idade, que apresentava EP e TVP em membro inferior direito (fêmoro-poplíteo), relacionadas à neoplasia de pulmão e sendo tratadas ambulatorialmente. O paciente vinha fazendo o acompanhamento da TVP e da EP paralelamente ao estadiamento da neoplasia de pulmão, que apresentava-se em estado avançado, quando apresentou desconforto respiratório súbito, sendo atendido no pronto-socorro da instituição. Na admissão, o paciente apresentava-se com insuficiência respiratória moderada e derrame pleural à direita de grandes proporções. O paciente foi internado na UTI, sendo realizado esvaziamento do líquido pleural e monitorado do ponto de vista respiratório. Durante os dias subseqüentes, houve piora do quadro respiratório e necessidade de entubação orotraqueal e ventilação mecânica com altas frações de O2. Mesmo o paciente estando em uso de anticoagulante (enoxaparina 2 mg/kg/d), foi instalado filtro de veia cava preventivamente a novo episódio de EP. Após 17 dias de tratamento intensivo e realização de pleurodese, o paciente recuperou-se, recebendo alta hospitalar para acompanhamento ambulatorial. Foi mantido em uso de heparina subcutânea ambulatorialmente, em transição para anticoagulação oral.
Procedimentos
Ambos os procedimentos foram realizados na UTI do Hospital Santa Isabel, que faz parte do Complexo Hospitalar da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, em 28 de junho de 2005. Os filtros utilizados foram TrapEase (Cordis), escolhidos em virtude da eficiência e facilidade de manipulação e instalação. Os procedimentos foram realizados por punção das veias femorais comuns à direita, sob anestesia local. Nos dois casos, os pacientes encontravam-se sedados, devido à ventilação mecânica. A localização da veia cava inferior foi realizada por radiologista do serviço, sendo utilizado transdutor convexo 3,5 MHz e aparelho de ultra-som marca Philips, modelo SD 800.
A instalação dos filtros foi realizada por cirurgião vascular, com experiência em procedimentos percutâneos e cirurgia endovascular e com familiaridade no manuseio do filtro utilizado. Após a localização da veia cava inferior pelo ultra-som, foi identificada a veia renal direita em ambos os casos. Realizaram-se, então, a punção venosa pela técnica convencional - com os mesmos cuidados de anti-sepsia utilizados na sala de angiografia - e a colocação do introdutor do filtro. Procedeu-se à localização do introdutor abaixo da veia renal direita e à liberação dos filtros. Logo após os procedimentos, foram retirados os introdutores, e feita a compressão manual na região da punção. Cada procedimento teve duração de aproximadamente 30 minutos.
No primeiro caso, a visualização da veia cava e da veia renal direita foi difícil, provavelmente por interposição gasosa intestinal, o que levou à liberação do filtro abaixo do local programado. No segundo caso, a visualização da veia cava e da veia renal direita foi muito clara, o que tornou o procedimento de fácil execução.
Não houve nenhuma intercorrência na realização dos procedimentos.
Discussão
Após mais de 30 anos de uso, os filtros de veia cava inferior mostraram ser bastante úteis e seguros no tratamento de casos de contra-indicação da anticoagulação ou complicação desta nos pacientes portadores de TVP, com ou sem EP2.
Quanto às indicações da instalação dos filtros nos pacientes descritos, o paciente 1 apresentava recente cirurgia no sistema nervoso central, o que era uma contra-indicação formal à anticoagulação naquele momento. Já no paciente 2, optamos pela instalação do filtro de veia cava preventivamente a novo episódio de EP, pela baixa reserva pulmonar do paciente, que já havia apresentado EP e estava apresentando piora progressiva da função ventilatória, mesmo recebendo enoxaparina subcutânea.
Em ambos os casos, optou-se pela instalação do filtro à beira do leito, devido à dependência de ventilador, com altas frações de O2, função renal deteriorada e instabilidade hemodinâmica no paciente 1.
Quanto à via de acesso, nos dois pacientes, foi escolhida a via femoral direita, devido à facilidade técnica, visto que as veias femorais comuns e ilíacas não apresentavam sinais ultra-sonográficos de trombose venosa. Caso julgássemos necessário, a via de acesso poderia ser a femoral contralateral. Desconhecemos, até o momento, o implante de filtros guiado por ultra-som realizado via jugular.
Tradicionalmente, os filtros de veia cava inferior são colocados em salas de angiografia ou em centro cirúrgico com a utilização de fluoroscopia. A execução do procedimento em tais circunstâncias, apesar de muito eficientes, carregam dois inconvenientes: necessidade de transporte do paciente ao local onde se encontram os aparelhos de fluoroscopia e utilização de meios de contraste iodado para a adequada localização e liberação dos dispositivos. Para pacientes com função renal normal e àqueles com condições de serem levados à sala de procedimentos, esses fatos não parecem ser relevantes. Entretanto, pacientes com função renal deteriorada, principalmente aqueles no limite da necessidade de hemodiálise, a utilização de contraste iodado, mesmo em pequenas quantidades, pode ser o determinante da piora do prognóstico nefrológico. Por outro lado, pacientes críticos, instáveis do ponto de vista hemodinâmico, dependentes de ventilação mecânica e, sobretudo, aqueles com necessidade de altas frações de O2 muitas vezes apresentam risco alto e não são pacientes adequados para o transporte até ambientes com fluoroscopia para a instalação de filtros de veia cava inferior. Corroborando essas afirmações, dois autores relatam risco de 5,9 a 15,5% de complicações no transporte intra-hospitalar de pacientes críticos3,4.
Para pacientes em tais circunstâncias, parece adequado realizar procedimentos à beira do leito. Alguns autores descreveram a utilização de ultra-som para a instalação de filtros de veia cava inferior com sucesso de 97%5. Além disso, a instalação de filtros de veia cava guiada por ultra-som parece ser, além de efetiva, segura e economicamente vantajosa em relação ao método convencional2.
Fatores limitantes ao procedimento com ultra-sonografia relacionam-se principalmente à dificuldade de visualização da veia cava inferior e da veia renal direita, que é o marco anatômico para a liberação do filtro. Pacientes obesos e a presença de gases no trato gastrointestinal podem prejudicar o adequado posicionamento do cateter, o que aconteceu no paciente 1. Assim, antes de iniciar a punção venosa, consideramos adequado realizar um exame ultra-sonográfico do abdome e só proceder à instalação do filtro se houver adequada visualização das veias retroperitoneais. Caso contrário, podemos tentar o procedimento posteriormente ou proceder à instalação com auxílio de fluoroscopia.
Apesar de ser procedimento descrito já há alguns anos em outros países6, não há publicações nacionais a esse respeito, sendo o método uma alternativa bastante atraente para realização do procedimento em nosso meio, já que a logística necessária para a instalação de um filtro de veia cava inferior guiada por ultra-som é bem menor do que a necessária para a instalação por fluoroscopia.
Correspondência:
Dr. Rogério Abdo Neser
Rua Dr. Martinico Prado, 26/145, Higienópolis
CEP 01224-010 - São Paulo, SP
Tel./Fax: (11) 3331.9100
E-mail:
raneser@uol.com.br
Artigo submetido em 24.10.05, aceito em 20.03.06.
*
Este estudo foi realizado na Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e no Hospital Santa Isabel, São Paulo, SP.
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Authorship
Rogério Abdo Neser
Faculdade de Ciências Médicas, Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo , Cirurgião vascular, São Paulo, SPFaculdade de Ciências MédicasSão Paulo, SPFaculdade de Ciências Médicas, Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo , Cirurgião vascular, São Paulo, SP
Mauro Capasso Filho
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Cristina Mieko de Oliveira Homa
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How to cite
Neser, Rogério Abdo, Capasso Filho, Mauro and Homa, Cristina Mieko de Oliveira. Placement of inferior vena cava filter guided by ultrasound: report of two cases. Jornal Vascular Brasileiro [online]. 2006, v. 5, n. 1 [Accessed 17 April 2025], pp. 71-73. Available from: <https://doi.org/10.1590/S1677-54492006000100014>. Epub 17 Aug 2006. ISSN 1677-7301. https://doi.org/10.1590/S1677-54492006000100014.
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