Resumos
O processo de recanalização das veias dos membros inferiores, após um episódio de trombose venosa profunda aguda em pacientes anticoagulados com heparina e inibidores da vitamina K, faz parte da evolução natural da remodelagem do trombo venoso. Esse complexo processo de remodelagem envolve a adesão do trombo à parede da veia, à resposta inflamatória da parede do vaso, levando à organização e subsequente contração do trombo, à neovascularização e à lise espontânea de áreas no interior do trombo. A presença de fluxo arterial espontâneo em veias com trombose recanalizada tem sido descrita como secundária à neovascularização e se caracteriza pelo desenvolvimento de fluxo com padrão de fístulas arteriovenosas, identificadas por meio de mapeamento dúplex colorido. Nesta revisão, são discutidos alguns aspectos controversos da história natural da trombose venosa profunda, para uma melhor compreensão da sua evolução e do seu impacto sobre a doença venosa.
trombose venosa; ultrassonografia Doppler em cores; literatura de revisão como assunto
The process of recanalization of the veins of the lower limbs after an episode of acute deep venous thrombosis is part of the natural evolution of the remodeling of the venous thrombus in patients on anticoagulation with heparin and vitamin K inhibitors. This remodeling involves the complex process of adhesion of thrombus to the wall of the vein, the inflammatory response of the vessel wall leading to organization and subsequent contraction of the thrombus, neovascularization and spontaneous lysis of areas within the thrombus. The occurrence of spontaneous arterial flow in recanalized thrombosed veins has been described as secondary to neovascularization and is characterized by the development of flow patterns characteristic of arteriovenous fistulae that can be identified by color duplex scanning. In this review, we discuss some controversial aspects of the natural history of deep vein thrombosis to provide a better understanding of its course and its impact on venous disease.
venous thrombosis; ultrasonography Doppler color; review literature as topic
INTRODUÇÃO
A trombose venosa profunda (TVP) dos membros inferiores (MMII) é uma doença grave e potencialmente fatal. Caracteriza-se pela formação aguda de um trombo em veias profundas dos MMII, podendo levar à obstrução parcial ou total do lúmen venoso. Atualmente, a TVP pode ser compreendida dentro da entidade nosológica denominada tromboembolismo venoso (TEV). O TEV é um termo mais amplo, que engloba a TVP e a embolia pulmonar (EP).
O processo fisiopatológico de formação do trombo foi descrito pelo patologista alemão Rudolf Virchow (1821-1902), em 1856. Esse processo é conhecido como trombogênese, que se caracteriza pela perda da homeostasia normal por um desequilíbrio entre os fatores pró-coagulantes e os anticoagulantes naturais. Esses fatores podem atuar de formas independentes ou interdependentes, exercendo diferentes graus de influência sobre o processo de trombogênese. Assim, nos casos de trauma venoso, por exemplo, o fator preponderante para a trombose é a lesão do endotélio, ao passo que, nas tromboses espontâneas, a hipercoagulabilidade e a estase venosa são os fatores trombogênicos mais importantes.
LOCALIZAÇÃO
O local mais frequente da origem do trombo são as veias musculares ou tronculares
da perna, de acordo com estudos realizados com auxílio de flebografia e teste do
fibrinogênio marcado(11. Maffei FHA, Rollo HA. Trombose venosa profunda dos membros
inferiores: incidência, patogenia, patologia, fisiopatologia e diagnóstico. In:
Maffei FHA, Lastória S, Yoshida WB, Rollo HA, Gianini M, Moura R, editors.
Doenças Vasculares Periféricas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2008. p.
1557-78.). Esses trombos podem propagar-se
proximalmente para as veias poplítea, femoral e ilíaca, dando origem aos
múltiplos tipos de trombose encontrados na clínica médica ou em
necropsias(
11. Maffei FHA, Rollo HA. Trombose venosa profunda dos membros
inferiores: incidência, patogenia, patologia, fisiopatologia e diagnóstico. In:
Maffei FHA, Lastória S, Yoshida WB, Rollo HA, Gianini M, Moura R, editors.
Doenças Vasculares Periféricas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2008. p.
1557-78.). Assim, as veias
profundas mais acometidas nos membros inferiores são: ilíaca externa, femoral
comum, femoral profunda, femoral, poplítea, gastrocnêmias, soleares, tibiais
posteriores e fibulares(22. Caggiati A, Bergan JJ, Gloviczki P, Jantet G, Wendell-Smith CP,
Partsch H. Nomenclature of the veins of the lower limbs: an international
interdisciplinary consensus statement. J Vasc Surg. 2002;36(2):416-22.
PMid:12170230. http://dx.doi.org/10.1067/mva.2002.125847
12170230...
),(33. Caggiati A, Bergan JJ, Gloviczki P, Eklof B, Allegra C, Partsch
H. Nomenclature of the veins of the lower limb: extensions, refinements, and
clinical application. J Vasc Surg. 2005;41(4):719 24. PMid:15874941.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jvs.2005.01.018
http://dx.doi.org/10.1016/j.jvs.2005.01....
). Embora as veias safena magna
e safena parva também possam ser acometidas pela trombose, são veias do sistema
superficial e essa condição é conhecida como trombose venosa superficial
(TVS)(44. Lastoria S, Sobreira M L. Tromboflebite superficial. In: Maffei
F, Lastória S, Yoshida W, Rollo H, Gianini M, Moura R, editors. Doenças
Vasculares Periféricas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2008. p.
1547-56.). As veias
safenas apresentam continuidade com o sistema venoso profundo e podem, nos casos
de TVS, evoluir para a EP(55. Sobreira ML, Maffei FH, Yoshida WB, et al. Prevalence of deep
vein thrombosis and pulmonary embolism in superficial thrombophlebitis of the
lower limbs: prospective study of 60 cases. Int Angiol. 2009;28(5):400-8.
PMid:19935595.). Portanto, não devem ser ignoradas nas
avaliações do sistema venoso profundo. Na prática clínica, a TVP dos MMII
costuma ser dividida em proximal e distal(11. Maffei FHA, Rollo HA. Trombose venosa profunda dos membros
inferiores: incidência, patogenia, patologia, fisiopatologia e diagnóstico. In:
Maffei FHA, Lastória S, Yoshida WB, Rollo HA, Gianini M, Moura R, editors.
Doenças Vasculares Periféricas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2008. p.
1557-78.
). É considerada proximal quando atinge as veias ilíacas, femorais ou
poplítea, com ou sem acometimento das veias da perna, e considerada distal
quando atinge somente as veias da perna. A importância dessa diferenciação está
no fato de que cerca de 46% dos casos de TVP proximal podem evoluir para EP,
sendo 4% fatais se não tratados(11. Maffei FHA, Rollo HA. Trombose venosa profunda dos membros
inferiores: incidência, patogenia, patologia, fisiopatologia e diagnóstico. In:
Maffei FHA, Lastória S, Yoshida WB, Rollo HA, Gianini M, Moura R, editors.
Doenças Vasculares Periféricas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2008. p.
1557-78.
) e, segundo Susan e Kahn, até 50% podem desenvolver síndrome
pós-trombótica(66. Susan R, Kahn SR. The post-thrombotic syndrome: the forgotten
morbidity of deep venous thrombosis. J Thromb Thrombolysis. 2006;21(1):41-8.
PMid:16475040. http://dx.doi.org/10.1007/s11239-006-5574-9
http://dx.doi.org/10.1007/s11239-006-557...
).
FATORES DE RISCO
Os fatores de risco mais frequentes para a TVP são: imobilizações prolongadas, traumas, pós-operatório, idade avançada, gravidez, puerpério, obesidade, neoplasias malignas, uso de hormônios femininos à base de estrógenos, trombofilias hereditárias (deficiências dos anticoagulantes naturais, fator V Leiden e mutação G20210A da protrombina) e as trombofilias adquiridas (hiperhomocisteinemia e a síndrome do anticorpo antifosfolípide (SAF)) (77. Tófano VAC. Avaliação clínica e ultrassonográfica tardia de pacientes com trombose venosa prounda, portadores de trombofilia. [Tese]. Botucatu: Universidade Estadual Paulista; 2008. p. 169.).
EPIDEMIOLOGIA
Embora possa acometer indivíduos jovens e saudáveis, a TVP é pouco frequente
abaixo dos 20 anos de idade(88. Matida CK. Trombose venosa profunda dos membros inferiores em
crianças e adolecentes tratados em um único centro no Brasil: epidemiologia e
evolução. [Tese]. Botucatu: Universidade Estadual Paulista; 2008. p.
91.
) e sua incidência aumenta com a idade. Em artigo de revisão, Fowkes
et al. referem as seguintes taxas de incidência anual: 2-3 por 10.000 (idade
entre 30 e 49 anos), cinco por 10.000 (idade entre 50 e 59 anos), dez por 10.000
(idade entre 60 e 69 anos) e 20 por 10.000 (idade entre 70 e 79 anos)
(99. Fowkes FJ, Price JF, Fowkes FG. Incidence of diagnosed deep vein
thrombosis in the general population: systematic review. Eur J Vasc Endovasc
Surg. 2003; 25(1):1-5. http://dx.doi.org/10.1053/ejvs.2002.1778). Da mesma forma,
Naess et al. (10) encontraram uma taxa de incidência três vezes maior
em indivíduos com 70 anos de idade em comparação com os indivíduos com idade
entre 20 e 44 anos. Em relação ao sexo, a taxa de incidência de TVP no sexo
feminino foi de 1,58 por 1.000 por ano, contra 1,28 por 1.000 por ano do sexo
masculino(1010. Naess IA, Christiansen SC, Romundstad P, Cannegieter SC,
Rosendaal FR, Hammerstrom J. Incidence and mortality of venous thrombosis: a
population-based study. J Thromb Haemost. 2007;5(4):692-9. PMid:17367492.
http://dx.doi.org/10.1111/j.1538-7836.2007.02450.x
http://dx.doi.org/10.1111/j.1538-7836.20...
). Nos Estados Unidos da América (EUA), foi estimada uma mortalidade
anual por EP de 50.000 pessoas, ocorrendo entre 300.000 e 600.000 internações
por TVP e EP a cada ano(11. Maffei FHA, Rollo HA. Trombose venosa profunda dos membros
inferiores: incidência, patogenia, patologia, fisiopatologia e diagnóstico. In:
Maffei FHA, Lastória S, Yoshida WB, Rollo HA, Gianini M, Moura R, editors.
Doenças Vasculares Periféricas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2008. p.
1557-78.
). Em estudo populacional realizado com 94.194 indivíduos (acima de
20 anos de idade), na cidade norueguesa de Nord-Trøndelag, a taxa de mortalidade
por TVP após 30 dias do evento inicial foi de 6,4% e, após um ano, foi de 21,6%,
sendo que essa taxa de mortalidade após 30 dias foi duas vezes mais alta em
pacientes com EP do que em pacientes só com TVP(1010. Naess IA, Christiansen SC, Romundstad P, Cannegieter SC,
Rosendaal FR, Hammerstrom J. Incidence and mortality of venous thrombosis: a
population-based study. J Thromb Haemost. 2007;5(4):692-9. PMid:17367492.
http://dx.doi.org/10.1111/j.1538-7836.2007.02450.x
http://dx.doi.org/10.1111/j.1538-7836.20...
). A partir de dados de internações hospitalares, estimou-se, no
Brasil, uma frequência de TVP diagnosticada clinicamente e confirmada pelo
mapeamento dúplex ou flebografia em seis casos por 10.000
habitantes/ano(11. Maffei FHA, Rollo HA. Trombose venosa profunda dos membros
inferiores: incidência, patogenia, patologia, fisiopatologia e diagnóstico. In:
Maffei FHA, Lastória S, Yoshida WB, Rollo HA, Gianini M, Moura R, editors.
Doenças Vasculares Periféricas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2008. p.
1557-78.
). Estimativa esta bastante próxima à verificada por Fowkes et al.,
cuja incidência de TVP na população geral foi de cinco casos por 10.000
habitantes por ano(99. Fowkes FJ, Price JF, Fowkes FG. Incidence of diagnosed deep vein
thrombosis in the general population: systematic review. Eur J Vasc Endovasc
Surg. 2003; 25(1):1-5. http://dx.doi.org/10.1053/ejvs.2002.1778
). Vários outros autores, em estudos prévios, encontram taxas de
incidências similares ou com pequenas variações. Hasson et al.(1111. Hasson PO, Welin L, Tibblin G, Eriksson H. Deep vein thrombosis
and pulmonary embolism in the general population. The study of men born in 1913.
Arch Int Med. 1997;157:1665-70.
http://dx.doi.org/10.1001/archinte.1997.00440360079008) encontraram incidência
ajustada de 5,8 casos de TVP por 10.000 habitantes por ano. White et
al.(1212. White RH, Zhou H, Romano PS. Incidence of idiopathic deep venous
thrombosis and secundary thromboembolism among ethnic groups in California. Ann
Int Med. 1998;128:737-40.
http://dx.doi.org/10.7326/0003-4819-128-9-199805010-00006
http://dx.doi.org/10.7326/0003-4819-128-...
), em um grande
estudo populacional, com cerca de 18.000 casos de TVP, encontraram uma
incidência de 4,9 casos por 10.000 habitantes por ano. Em outro estudo realizado
em 1992, na cidade sueca de Malmö, Nordström et al.(1313. Nordström M, Lindblad B, Bergqvist D, Kjellström T. A
prospective study of the incidence of deep vein thrombosis within a defined
urban population. J Int Med. 1992;232:155-260.
http://dx.doi.org/10.1111/j.1365-2796.1992.tb00565.x) encontraram uma incidência de 9,5 casos de
TVP por 10.000 habitantes. Oger(1414. Oger E for the EPI-GETBO Study Group. Incidence of venous
thromboembolism: A community-based in Western France. Thromb Haemost.
2000;83:657-60. PMid:10823257.) encontraram uma incidência de 8,7
casos de TVP por 10.000 habitantes por ano.
DIAGNÓSTICO
Pacientes com TVP podem não apresentar sintomas e sinais específicos e/ou
patognomônicos para essa doença. O quadro clínico é bastante variado, podendo
manifestar-se como um simples desconforto local no membro acometido, até mesmo
como a temida EP. Embora a presença de dor, edema e empastamento muscular tenha
sido identificada em 86,7% dos pacientes com TVP, esses sintomas e sinais também
podem ocorrer em outras afecções, como: linfangites, celulites, ruptura de cisto
de Baker roto, insuficiência cardíaca congestiva, síndrome nefrótica, traumas,
hematomas musculares, miosites e ruptura muscular(11. Maffei FHA, Rollo HA. Trombose venosa profunda dos membros
inferiores: incidência, patogenia, patologia, fisiopatologia e diagnóstico. In:
Maffei FHA, Lastória S, Yoshida WB, Rollo HA, Gianini M, Moura R, editors.
Doenças Vasculares Periféricas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2008. p.
1557-78.
). Portanto, somente o diagnóstico clínico para os casos suspeitos de
TVP não é suficiente para a confirmação do diagnóstico(1515. Hull R, Hirsh J, Sackett DL, et al. Clinical validity of a
negative venogram in patients with clinically suspected venous thrombosis.
Circulation. 1981;64(3):622-5. PMid:7261292.
http://dx.doi.org/10.1161/01.CIR.64.3.622
http://dx.doi.org/10.1161/01.CIR.64.3.62...
),(1616. Strandness DE Jr. History of ultrasonic duplex scanning.
Cardiovasc Surg. 1996;4(3):273-80.
http://dx.doi.org/10.1016/0967-2109(96)00001-4
http://dx.doi.org/10.1016/0967-2109(96)0...
). Pacientes não diagnosticados e não adequadamente
tratados podem resultar em insuficiência venosa crônica (IVC) e até morte por
EP. Desse modo, diante de um paciente com suspeita clínica de TVP e da
necessidade de avaliação da evolução de uma veia trombosada para tratamento de
suas complicações, devem ser feitos exames específicos ou métodos auxiliares de
diagnóstico, os quais demonstrem direta ou indiretamente a presença e a extensão
do trombo. Assim, modelos de predição clínica, como o proposto por Wells et
al.(1717. Wells PS, Anderson DR, Rodger M, et al. Evaluation of D dimer in
the diagnosis of suspected deep-vein thrombosis. N Engl J Med. 2003;349:1227-35.
PMid:14507948. http://dx.doi.org/10.1056/NEJMoa023153
http://dx.doi.org/10.1056/NEJMoa023153...
), associados ao
exame laboratorial do dímero-D e aos exames de imagem por meio do mapeamento
dúplex colorido (MDC), têm facilitado o diagnóstico da TVP com
confiabilidade(1818. Goodacre S, Sutton AJ, Sampson FC. Meta-analysis: The value of
clinical assessment in the diagnosis of deep venous thrombosis. Ann Intern Med.
2005;143(2):129-39. PMid:16027455.
http://dx.doi.org/10.7326/0003-4819-143-2-200507190-00012
http://dx.doi.org/10.7326/0003-4819-143-...
),(1919. Bernardi E, Prandoni P, Lensing AW, et al. D-dimer testing as an
adjunct to ultrasonography in patients with clinically suspected deep vein
thrombosis: prospective cohort study. The Multicentre Italian D-dimer Ultrasound
Study Investigators Group. BMJ. 1998;317(7165):1037-40. PMid:9774286
PMCid:PMC28685. http://dx.doi.org/10.1136/bmj.317.7165.1037
http://dx.doi.org/10.1136/bmj.317.7165.1...
).
TRATAMENTO
O tratamento preconizado atualmente para TVP é o mesmo para o TEV e baseia-se na terapia anticoagulante, de acordo com as diretrizes da 9.ª edição do American College of Chest Physicians Evidence-Based Clinical Practice Guideline (ACCP) (2020. Guyatt GH, Akl EA, Crowther M, Gutterman DD, therapy and prevention of thrombosis, 9th ed: American College of Chest Physicians Evidence-Based Clinical Practice Guidelines. Chest. 2012; 141 (2)(Suppl): 7S-47S.). O tratamento inicial consiste na administração parenteral de cinco a sete dias de heparina não fracionada (HNF), ou administração subcutânea de heparina de baixo peso molecular (HBPM) e o uso por via oral de antagonista da vitamina K (AVK), ajustando-se a dose de acordo com o tempo de protrombina o mais próximo possível da tromboplastina padrão internacional, expresso em RNI (razão normatizada internacional) e deverá permanecer entre 2 e 3. Em adição à terapia anticoagulante convencional, o ACCP tem recomendado o uso de meias de compressão elástica gradual em todos os pacientes com TVP aguda sintomática, em razão do potencial de redução da frequência do desenvolvimento da síndrome pós-trombótica (SPT) pela metade(2020. Guyatt GH, Akl EA, Crowther M, Gutterman DD, therapy and prevention of thrombosis, 9th ed: American College of Chest Physicians Evidence-Based Clinical Practice Guidelines. Chest. 2012; 141 (2)(Suppl): 7S-47S. ). Além do tratamento anticoagulante, alguns estudos em andamento têm sugerido que a remoção farmacológica do trombo agudo usando terapia fibrinolítica pode preservar a função das valvas venosas(2121. Watson LI, Armon MP. Thrombolysis for acute deep vein thrombosis. Cochrane Database Syst Rev. 2004;(4):CD002783. PMid:15495034. ). O estudo ATTRACT, por meio da avaliação prospectiva de 692 pacientes com trombose sintomática proximal das veias ilíaca, femoral comum e femoral, pretende responder se essa nova terapia previne o desenvolvimento das graves complicações tardias da TVP(2222. Vedantham S. The Attract Study (Acute Venous Thrombosis: Thrombus removal with adjunctive catheter-directed thrombolysis). St. Louis: Washington University, School of Medicine; 2010.).
EVOLUÇÃO
Um dos aspectos controversos na história natural da TVP é a sua evolução. Após um
episódio de TVP, uma resposta inflamatória aguda ocorre na parede da veia e no
trombo, levando a um processo dinâmico de regressão do trombo por meio da
recanalização. Define-se como recanalização a presença de fluxo sanguíneo em um
segmento venoso previamente ocluído. A recanalização é um processo complexo que,
inicialmente, envolve a adesão do trombo à parede da veia e a resposta
inflamatória da parede do vaso, levando à organização e subsequente contração do
trombo, à neovascularização e à lise espontânea de áreas no interior do
trombo(2323. Van Ramshorst B, Van Bemmelen PS, Hoeneveld H, Faber JA,
Eikelboom BC. Thrombus regression in deep venous thrombosis.Quantification of
spontaneous thrombolysis with duplex scanning. Circulation. 1992;86 (2):414-9.
PMid:1638710. http://dx.doi.org/10.1161/01.CIR.86.2.414
http://dx.doi.org/10.1161/01.CIR.86.2.41...
). Não somente a recanalização é reportada durante o curso natural da
TVP, pois a propagação do trombo foi identificada em 20% a 40% dos pacientes
acompanhados pelo MDC, apesar de uma terapia anticoagulante
adequada(2424. Krupski WC, Bass A, Dilley RB, Bernstein EF, Otis SM.
Propagation of deep venous thrombosis identified by duplex ultrasonography. J
Vasc Surg. 1990;12(4):467-74. PMid:2214041.
). Assim, entender esses mecanismos fisiopatológicos é muito
importante, uma vez que o atraso na regressão ou a propagação do trombo podem
estar relacionados com o desenvolvimento e o agravamento dos sintomas e sinais
de IVC.
SÍNDROME PÓS-TROMBÓTICA
A SPT é uma causa comum de IVC, com consideráveis consequências socioeconômicas
para os pacientes e para os serviços de saúde. O custo total adicional para
tratamento da SPT, após 15 anos, foi de aproximadamente US $3, 000 nos EUA. Além
disso, a SPT contribuiu com 74 a 81% do total do custo para tratamento da
TVP(2525. Ashrani AA, Heit JA. Incidence and cost burden of
post-thrombotic syndrome. J Thromb Thrombolysis. 2009;
28(4):465-76.
). Em estudo baseado em dados de pacientes com diagnóstico de EP ou
TVP, a média estimada de gastos dos serviços de saúde nos EUA com a SPT foi de
US$7, 000 por paciente/ano(2525. Ashrani AA, Heit JA. Incidence and cost burden of
post-thrombotic syndrome. J Thromb Thrombolysis. 2009;
28(4):465-76.
). No Brasil, Ramacciotti et al. encontraram um custo anual médio de
US$ 400 para os casos com gravidade moderada e de US$ 1, 200 para os casos
graves de SPT(2626. Ramacciotti E, Gomes M, De Aguiar ET, et al. A cost analysis of
the treatment of patients with post-thrombotic syndrome in Brazil. Thromb Res.
2006; 118(6):699-704. PMid:16417913.
http://dx.doi.org/10.1016/j.thromres.2005.12.005
http://dx.doi.org/10.1016/j.thromres.200...
). Segundo Susan e Khan, cerca de 20 a 50% dos pacientes com TVP
idiopática irão desenvolver SPT(66. Susan R, Kahn SR. The post-thrombotic syndrome: the forgotten
morbidity of deep venous thrombosis. J Thromb Thrombolysis. 2006;21(1):41-8.
PMid:16475040. http://dx.doi.org/10.1007/s11239-006-5574-9
http://dx.doi.org/10.1007/s11239-006-557...
).
SÍNDROME PÓS-TROMBÓTICA E RECANALIZAÇÃO VENOSA
A fisiopatologia da SPT não é totalmente conhecida. Entretanto, é provável que a
presença do trombo libere mediadores da inflamação que, juntamente com o
processo de recanalização, que acontece após um episódio de TVP, induza ao dano
das válvulas venosas, levando à incompetência valvular. A incompetência valvular
ou a obstrução persistente da veia pelo trombo residual, ou ambos, causam
hipertensão venosa crônica, que levam ao edema, à hipoxia tecidual e até a
ulcerações de pele. Diferentes autores têm definido a SPT baseados nas
associações de sintomas e sinais clínicos, evidências de obstruções venosas,
aumento da pressão venosa ou refluxo valvular, por análise ultrassonográfica
e/ou pletismográfica. Embora o diagnóstico de SPT não possa ser feito na
ausência desses sinais clínicos, a maioria dos pacientes sintomáticos apresenta
incompetência valvular, apesar de muitos com essa incompetência não manifestarem
a SPT clinicamente(66. Susan R, Kahn SR. The post-thrombotic syndrome: the forgotten
morbidity of deep venous thrombosis. J Thromb Thrombolysis. 2006;21(1):41-8.
PMid:16475040. http://dx.doi.org/10.1007/s11239-006-5574-9
http://dx.doi.org/10.1007/s11239-006-557...
),(2727. Kahn SR, Ginsberg JS. Relationship between deep venous
thrombosis and the postthrombotic syndrome. Arch Intern Med. 2004;164(1):17-26.
PMid:14718318. http://dx.doi.org/10.1001/archinte.164.1.17). Assim, o atraso no processo
de recanalização após um episódio trombótico parece ser um importante preditor
do desenvolvimento da SPT. No entanto, o tempo e as taxas favoráveis à
restauração da luz dos diferentes segmentos venosos trombosados permanecem
pobremente definidos. Sevitt(2828. Sevitt S. The vascularisation of deep-vein thrombi and their
fibrous residue: a post mortem angio-graphic study. J Pathol. 1973;111(1):1-11.
PMid:4757506. http://dx.doi.org/10.1002/path.1711110102
http://dx.doi.org/10.1002/path.171111010...
),(2929. Sevitt S. The mechanisms of canalisation in deep vein
thrombosis. J Pathol. 1973;110(2):153-65. PMid:4125876.
http://dx.doi.org/10.1002/path.1711100207
http://dx.doi.org/10.1002/path.171110020...
) propõem
que a recanalização é parte do processo de organização fibrocelular do trombo.
Nesse processo, estariam envolvidas a contração do trombo, a formação de fendas
múltiplas entre o trombo e a camada íntima, a fibrinólise local e a fragmentação
do trombo após a invasão celular por vasos neoformados(2828. Sevitt S. The vascularisation of deep-vein thrombi and their
fibrous residue: a post mortem angio-graphic study. J Pathol. 1973;111(1):1-11.
PMid:4757506. http://dx.doi.org/10.1002/path.1711110102
http://dx.doi.org/10.1002/path.171111010...
),(2929. Sevitt S. The mechanisms of canalisation in deep vein
thrombosis. J Pathol. 1973;110(2):153-65. PMid:4125876.
http://dx.doi.org/10.1002/path.1711100207
http://dx.doi.org/10.1002/path.171110020...
).
RECANALIZAÇÃO E NEOANGIOGÊNESE
Alguns autores, como Wakefield et al., em estudo experimental, também sugeriram
que, durante a organização de um trombo, ocorre uma neoangiogênese, que
resultará na recanalização de um vaso ocluído(3030. Wakefield TW, Linn MJ, Henke PK, et al. Neovascularization
during venous thrombosis organization: a preliminary study. J Vasc Surg.
1999;30(5):885-92.
http://dx.doi.org/10.1016/S0741-5214(99)70013-3
http://dx.doi.org/10.1016/S0741-5214(99)...
). Da mesma forma, outros autores advogam que a recanalização é parte
do processo fisiológico de remodelagem do trombo. Labropoulos et al., estudando
o processo de remodelagem em veias da panturrilha, descrevem o comprimento, o
padrão de lise e a localização do trombo como fatores envolvidos nesse
processo(3131. Labropoulos N, Kang SS, Mansour MA, Giannoukas AD, Moutzouros V,
Baker WH. Early thrombus remodelling of isolated calf deep vein thrombosis. Eur
J Vasc Endovasc Surg. 2002;23(4):344-8. PMid:11991697.
http://dx.doi.org/10.1053/ejvs.2002.1608
http://dx.doi.org/10.1053/ejvs.2002.1608...
). Além disso, Labropoulos et al., e Barros et al. observaram a
formação de fluxo com padrão fístulas arteriovenosas (FAV) no interior do
trombo, como parte da neovascularização após episódio de TVP aguda(3232. Labropoulos N, Bhatti AF, Amaral S, et al. Neovascularization in
acute venous thrombosis. J Vasc Surg. 2005;42(3):515-8. PMid:16171599.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jvs.2005.05.036
http://dx.doi.org/10.1016/j.jvs.2005.05....
),(3333. Barros F, Pontes S, Silva W, Prezzote B, Sandri J. Identificação
pelo eco-doppler de fístula arteriovenosa na trombose venosa profunda. J Vasc
Bras. 2006;5(3):224-8.
http://dx.doi.org/10.1590/S1677-54492006000300012
http://dx.doi.org/10.1590/S1677-54492006...
). A presença de fluxo arterial espontâneo -
identificado por meio do mapeamento dúplex colorido - em veias trombosadas
durante as primeiras semanas após um evento agudo parece ser secundária à
inflamação e à neovascularização que ocorrem após a formação e a remodelagem de
um trombo(3232. Labropoulos N, Bhatti AF, Amaral S, et al. Neovascularization in
acute venous thrombosis. J Vasc Surg. 2005;42(3):515-8. PMid:16171599.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jvs.2005.05.036
http://dx.doi.org/10.1016/j.jvs.2005.05....
). O fluxo pulsátil, identificado no interior e adjacente a um trombo
por uma mistura de cores (aliasing), caracteriza-se por uma
curva espectral com uma alta velocidade diastólica final e um baixo índice de
resistência (IR), típico do padrão de FAV, conforme demonstrado a seguir, nas
Figuras 1 e 2.
Mapeamento dúplex colorido (corte transversal) da veia femoral comum esquerda agudamente trombosada. Essa veia apresenta fluxo pulsátil, aumento da velocidade diastólica final, baixo índice de resistência e ausência de fluxo fisiológico normal. As características desses fluxos são consistentes com uma FAV.
Mapeamento dúplex colorido (corte transversal) da veia ilíaca externa direita agudamente trombosada. Essa veia apresenta fluxo pulsátil, aumento da velocidade diastólica final, baixo índice de resistência e ausência de fluxo fisiológico normal. As características desses fluxos são consistentes com uma FAV.
CONCLUSÃO
Os estudos prévios utilizando exames flebográficos repetidos consideravam a
recanalização como uma reação tardia, ocorrendo em períodos que variavam de seis
meses até anos após o evento agudo(3434. Bergvall U, Hjelmstedt A. Recanalisation of deep venous
thrombosis of the lower leg and thigh. A phlebographic study of fracture cases.
Acta Chir Scand. 1968;134(3):219-28. PMid:5730893.
). Entretanto, os relatos atuais de diversos autores(2525. Ashrani AA, Heit JA. Incidence and cost burden of
post-thrombotic syndrome. J Thromb Thrombolysis. 2009;
28(4):465-76.),(3434. Bergvall U, Hjelmstedt A. Recanalisation of deep venous
thrombosis of the lower leg and thigh. A phlebographic study of fracture cases.
Acta Chir Scand. 1968;134(3):219-28. PMid:5730893.) que utilizam o MDC mostraram que a recanalização de um
trombo nos membros inferiores com TVP não é um processo lento, como sugerido no
passado. Killewich et al. reportaram evidências de lise do trombo e
recanalização de segmentos venosos, observados pelo MDC, já na primeira semana
após o diagnóstico incial(3535. Killewich LA, Macko RF, Cox K, et al. Regression of proximal
deep venous thrombosis is associated with fibrinolytic enhancement. J Vasc Surg.
1997; 26(5):861-8.
http://dx.doi.org/10.1016/S0741-5214(97)70101-0
http://dx.doi.org/10.1016/S0741-5214(97)...
). Os estudos que utilizavam flebografia para acompanhamento do curso
da TVP, hoje, são menos frequentes em razão do grau de invasibilidade. Assim, o
MDC tem expandido a possibilidade de estudar a história natural da TVP, porque
permite a realização de um ilimitado número de exames sequenciais, revelando
diferentes padrões de eventos na história natural da TVP tratada em relação ao
que havia sido previamente sugerido. O mapeamento dúplex colorido também permite
aplicar métodos que quantifiquem o processo de recanalização, como o escore
trombótico, descrito por Porter et al.(3636. Porter JM, Moneta GL; International Consensus Committee on
Chronic Disease. Reporting standards in venous disease: An update. J Vasc Surg.
1995;21:635-45. http://dx.doi.org/10.1016/S0741-5214(95)70195-8
http://dx.doi.org/10.1016/S0741-5214(95)...
), e o teste da compressibilidade venosa com o
transdutor ultrassonográfico, descrito por Prandoni et al.(3737. Prandoni P, CogoA, Bernardi E, et al. A simple ultrasound
approach for detection of recurrent proximal-vein thrombosis. Circulation.
1993;88:1730-5. PMid:8403319.
http://dx.doi.org/10.1161/01.CIR.88.4.1730
http://dx.doi.org/10.1161/01.CIR.88.4.17...
). Portanto, o mapeamento
dúplex colorido pode ser atualmente considerado um novo método padrão ouro na
flebologia.
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» http://dx.doi.org/10.1161/01.CIR.88.4.1730
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*Todos os autores devem ter lido e aprovado a versão final submetida ao J Vasc Bras.
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O estudo foi realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu, Botucatu, SP, Brasil.
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Informações sobre os autoresGMSB é Mestre e Doutorando pelo Departamento de Cirurgia e Ortopedia, é Cirurgião Vascular e Ultrassonografista Vascular; Colaborador da Disciplina de Cirurgia Vascular e Endovascular da Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” – UNESP.MLS é professor assistente e Doutor da Disciplina de Cirurgia Vascular e Endovascular, é Chefe do Serviço de Cirurgia Vascular e Endovascular do Departamento de Cirurgia e Ortopedia, é Chefe do Laboratório Vascular da Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” – UNESP.HAR é professor adjunto Livre-Docente da Disciplina de Cirurgia Vascular e Endovascular do Departamento de Cirurgia e Ortopedia da Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” – UNESP.
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Contribuições dos autoresConcepção e desenho do estudo: GMSBAnálise e interpretação de dados: Não se aplicaColeta de dados: Não se aplicaRedação do artigo: GMSBRevisão Crítica do texto: MLS, HARAprovação final do artigo*: GMSB, MLS, HARAnálise estatística: Não houve análise estatística neste estudoResponsabilidade geral do estudo: HARInformações sobre financiamento: Não se aplica
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Fonte de financiamento: Nenhuma.
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Conflito de interesse: Os autores declararam não haver conflitos de interesse que precisam ser informados.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
21 Out 2013 -
Data do Fascículo
Oct-Dec 2013
Histórico
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Recebido
24 Abr 2012 -
Aceito
05 Ago 2013