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CASAMENTO E INTERNAÇÃO DA LIBIDO EM AGOSTINHO POR FOUCAULT*

MARRIAGE AND INTERNMENT OF LIBIDO IN AUGUSTINE BY FOUCAULT

RESUMO

Neste artigo, examinarei “As confissões da carne”, de Foucault, como propósito de compreender primeiramente por que encontramos no cristianismo e especialmente na obra de Agostinho a mais avançada tecnologia matrimonial como uma instituição de internação do desejo e fundamental da sociedade. Em seguida, a partir da tese de que “As confissões da carne” podem ser apreciadas como um outro O Anti-Édipo, proporei que elas não são somente uma obra antipsicanalítica, mas também antiestruturalista, com o reconhecimento de que as sociedades judaico-cristãs não são reguladas pela parentalidade deduzida da proibição do incesto e sim por uma conjugalidade anterior à parentalidade e metafisicamente pré-incestuosa. Por fim, ensaiarei um experimento interpretativo de “As confissões da carne” para reconsiderar fundações teológicas do homem, em cotejo com o pseudo O Anti-Narciso, de Viveiros de Castro.

Palavras-chave
Subjetivação; Internação; Sexualidade; Libido; Sociedade

ABSTRACT

In this paper, I will examine Foucault’s “The Confessions of the Flesh”, with the purpose of understanding firstly why we find in Christianity and especially in Augustine’s work the most advanced matrimonial technology as an institution of internment of desire and fundamental of society. Then, starting from the thesis that “The Confessions of the Flesh” can be appreciated as another Anti-Oedipus, I will propose that they are not only an anti-psychoanalytic work, but also an anti-structuralist one, with the recognition that Judeo-Christian societies are not regulated by parenting deduced from the prohibition of incest, but by a conjugality prior to parenthood and metaphysically pre-incestuous. Finally, I will rehearse an interpretive experiment of “The Confessions of the Flesh” to reconsider theological foundations of man, in comparison with The Pseudo Anti-Narcissus, by Viveiros de Castro.

Keywords
Subjectivation; Internment; Sexuality; Libido; Society

Introdução

Em um artigo anterior1, propus que “As confissões da carne” ou o volume IV da História da sexualidade podem ser estimadas como um outro O AntiÉdipo, na medida em que Foucault reconstrói genealogicamente as fundações do “familismo” a partir de documentos dos pères de l’eglise dos primeiros cinco séculos do cristianismo em que no lugar de investimentos eróticos edipianos reprimidos ou denegados, o que se passa é algo muito diferente, é a lenta, gradual e profunda interiorização do deserto como condição para que o heremita pudesse despir-se de seu hábito e retornar para a cidade portando dentro de si uma complexa encenação épica e trágica de pulsões, inimigos e sacrifícios, com a possibilidade adicional de conquistar uma auxiliar para dividir a cela monástica, isto é, com a possibilidade da conjugalidade.

A grande surpresa é o esclarecimento de que a base da santa família é não familiar e sim monástica, de que o modelo da profissão “ser casado” é a profissão ou modo de vida “ser virgem”. Porém, nem sempre no cristianismo as coisas funcionaram assim, nem sempre virgindade e conjugalidade guardaram afinidades eletivas. Na verdade, o que mais prevaleceu ao longo dos primeiros quatro séculos de cristianismo foi um “grande dimorfismo” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 450; 2018, p. 3602) entre as duas profissões cristãs, a vida do asceta e a dos leigos, em síntese uma vida fora das comunidades urbanas com abstinência de relações sexuais e outra na cidade com a prática de relações sexuais (cf. Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 308; 2018, pp. 243-244), em geral antagônicas até o século V d.C..

A grande novidade e até subversão teórica e pastoral nas obras de João Crisóstomo e principalmente de Agostinho, ou seja, do nascente ao poente do “cristianismo primitivo”, é a justificação do leito conjugal como cela partilhada por irmãos casados que se ajudam mútua e caritativamente para tratar da libido ou das contradições interiores de cada um. Para tanto, foi preciso o desenvolvimento de uma tecnologia da vida matrimonial ordenada pelo mesmo elemento central da vida monástica, qual seja, “a epithumia, o desejo, a concupiscência, que constitui a ‘matéria-prima’ de que devem tratar as artes da vida monástica e as da vida matrimonial” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 352; 2018, p. 281). Mais precisamente, ambas as tecnologias deixaram de ser contrárias e conquistaram afinidades fundamentais, quando não sobreposição, ao serem ordenadas em torno da mesma “rocha-mãe” do combate do cristão: “como gerir, combater, vencer, numa luta que é indissociável da própria vida, a concupiscência?” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 352; 2018, p. 281). Eis que o fundamento do patriarcado, do familismo ou da santa família parece enraizarse materialmente em nossa cultura por vias muito estranhas à parentalidade e a Édipo.

Desse modo, a principal condição para a emergência de uma technê da vida conjugal foi tornar a concupiscência de cada um dos esposos a forma essencial da relação conjugal. A concupiscência comum reconfigura as relações entre sexo, verdade, direito, subjetividade e sociabilidade, pois institui uma forma de matrimônio com o estabelecimento de responsabilidades e dívidas mútuas (diga-se, de um pacto ou contrato) que imprimem nessa nova forma conjugal de decifração, pesquisa e elucidação indefinida de si “muito mais a forma de uma jurisdição do que de uma veridicção” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 353; 2018, p. 282). Mas o problema fundamental da vida matrimonial é ainda aquele mesmo da vida monástica e do asceta no deserto, qual seja: saber o “que é preciso fazer com sua própria concupiscência”, porém agora com a novidade de que “o direito interno do sexo conjugal foi a princípio organizado como uma maneira de gerir, por meio do outro, esta relação fundamental de si a si” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 354; 2018, p. 282) que em geral o monge ou o heremita cultiva indefinida e neuroticamente em solitude e que agora os esposos passam a cultivar numa relação especular de si a outro, mas num e noutro caso sem horizonte de fim de análise.

É nesse contexto geral que Foucault eleva no capítulo “2 - O bem e os bens do casamento”, no interior da grande Parte III intitulada “Ser casado” de “As confissões da carne”, o tratado agostiniano sobre o casamento, o De bono conjugali, ao estatuto de documento fundante da teologia moral do casamento (cf. Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 381; 403; 2018, p. 305; 322). Embora o casamento para Agostinho guarde alguns bens e fins, saber, a procriação, a fidelidade e o sacramento, nele mesmo o casamento é um instrumento e não um fim em si mesmo. Assim, o matrimônio é um bem mediano que se reporta a outro bem desejável por si mesmo, qual seja, a “amizade [amicitia], que, como a saúde [salus] e a sabedoria [sapientia], é desejável por si mesma” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 383; 2018, p. 306. Os colchetes são meus). A amicitia ou philía em questão é indissociável da societas e de uma concepção do ser humano como um ser social por natureza. Desse modo, “o casamento é desejável, na medida em que permite formar, multiplicar e estabelecer solidamente estes laços da amizade.” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 383; 2018, p. 307). Portanto, é a partir dessa noção de amicitia como liame fundamental da societas que

Agostinho elabora sua teoria do casamento e das relações conjugais, e nela introduz um certo número de elementos decisivos. Essencialmente no que tange a três pontos: [1] o papel do casamento na economia geral da salvação; [2] a natureza do laço conjugal; e [3] o princípio de regulação das relações sexuais entre esposos. (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 384; 2018, p. 307. Os colchetes são meus).

No artigo mencionado, observei que os três itens dispostos acima entre colchetes são desenvolvidos nas três subseções divididas por números arábicos que constituem a seção III final e mais desenvolvida do capítulo “2 - O bem e os bens do casamento”3. Lá, tratei especialmente da subseção III.1 para esclarecer que Agostinho, no tratado Do bem conjugal, realiza fundamentação metafísica e requalificação meta-histórica do sexo, do casamento e da societas, em ruptura com intepretações tradicionais (Orígenes, Gregório de Nissa, Basílio, Crisóstomo...) que conferiam tanto à conjugalidade como à sociedade uma função episódica, um estatuto provisório relativo ao estado de queda ou expulsão do paraíso e sublimavam o Paraíso como dimensão espiritual em que o sexo ou o coito como condição da procriação não guardavam lugar.

Já em Agostinho, o casamento, o sexo e a societas são naturalizados, fundamentados metafisicamente e concebidos não como um momento preparatório a uma idade da virgindade final e sim como invariantes e constantes a-históricas que teriam, não obstante, mudado de forma com a queda e os diferentes regimes de peregrinação. A virgindade, por óbvio, ainda guarda lugar de proeminência em Agostinho, porém sem mais ocupar o lugar até então recorrente de bem absoluto e de referência do casamento, inclusive porque para Agostinho chegará um momento em que a proliferação dos seres humanos terá atingido uma abundância tal que as relações conjugais não mais precisarão guardar a progenitura como um de seus fins e constituir-se-ão exclusivamente por parentescos espirituais, ou seja, em perfeita associação com a virgindade, “segundo o princípio de que o conjunto no qual elas [virgindade e matrimonialidade] se compõem é mais belo ainda que a mais bela das duas” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 386; 2018, p. 309).

A partir disso, o desenvolvimento que pretendo realizar neste artigo é a análise dos pontos [2] e [3] da citação acima, correspondentes às duas subseções restantes (III.2 e III.3) da seção III do capítulo “2 - O bem e os bens do casamento”, com o propósito de compreender primeiro e mais vagarosamente por que encontramos no cristianismo e especialmente na obra de Agostinho a mais avançada tecnologia matrimonial como uma instituição de internação do desejo e fundamental da sociedade. Em seguida, a partir da tese de que “As confissões da carne” podem ser apreciadas como um outro O Anti-Édipo, proporei que elas não são somente uma obra antipsicanalítica, mas também antiestruturalista, com o reconhecimento de que as sociedades judaico-cristãs não são reguladas pela parentalidade deduzida transcendentalmente da proibição do incesto e sim por uma conjugalidade anterior à parentalidade e metafisicamente préincestuosa. Por fim, ensaiarei um experimento interpretativo de “As confissões da carne” para reconsiderar fundações teológicas do homem, em cotejo com O Anti-Narciso, de Viveiros de Castro4, com a sugestão de que o alcance maior da genealogia em relação à arqueologia, para a qual a certidão do homem era Moderna, talvez impulsione menos um programa de desconstrução que de reconstrução da subjetividade humana como imagem da subjetividade divina.

Subseção III.2 - A natureza do laço conjugal

A partir da positividade meta-histórica do casamento como elemento de base da sociedade, Foucault investiga na subseção 2 em que consiste o laço da conjugalidade retomando os três bens do matrimônio: a procriação, a fidelidade e o sacramento. Inicialmente, o valor da procriação é questionado como condição do casamento. Por ora, a averiguação é que ela não é condição suficiente do casamento, nem necessária. Assim, se o laço conjugal não extrai seu valor da procriação, como em geral ocorria em ambiências greco-romanas pagãs, é porque seu princípio regulador instala-se metafísica e interiormente dentro dos cônjuges. A boa pergunta então seria: o fundamento do laço matrimonial reside “só” numa relação de parentesco ou numa relação de parentesco regulada por uma estrutura jurídica metafísica, social e interiorizada que compromete os cônjuges reciprocamente? Ou ainda, “é o laço matrimonial a condição de um parentesco ou o efeito de um ‘pactum’? A análise do De bono conjugali é mais complexa do que a simples escolha entre estes dois termos” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 388; 2018, p. 310).

Vale a análise do encaminhamento mais complexo do problema segundo a leitura foucaultiana. Sobre o papel da procriação e da descendência, por certo elas guardam para Agostinho lugar de um dos bens do casamento, inclusive porque o gênero humano não estaria associado ao modo de uma connexio societatis na ausência de progenitura e sucessão de gerações. “Ao divisar o gênero humano inteiro e sua destinação, a necessidade do casamento não pode ser pensada sem a progenitura” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 388; 2018, p. 310). Porém, o laço matrimonial em si mesmo não pode guardar como condição a progenitura e a procriação, porquanto, antes mesmo de qualquer procriação, o casamento é em si mesmo um bem, não um bem somente social, e sim um bem social metafísico e a-histórico. Ora, o casamento é “o primeiro elo da sociedade, e este elo é não menos forte do que o do nascimento, como o mostrou o Criador, ‘extraindo a mulher do homem’ e ‘marcando inclusive a força de sua união pela costela que extraiu de um para formar o outro’” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., pp. 388-389; 2018, p. 311). Portanto, ainda que a procriação prolongue o laço conjugal, ela não é condição dele e sua ausência não o compromete.

Desse modo, o nome mais preciso que Agostinho oferece a esse laço matrimonial heteronormativo em De bono conjugali é o de pactum ou de foedus, com conotações jurídicas evidentes (cf. Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 389; 2018, p. 311). A partir daqui, a análise foucaultiana dará considerável ênfase a dimensões jurídicas do pactum do casamento, tanto em relação ao direito civil romano, como em relação às leis religiosas. Certamente há dimensões jurídicas no tratado agostiniano sobre o casamento, porém guardo a suspeita de que em primeiro plano encontra-se uma dimensão moral e de que muitas problematizações jurídicas que Foucault realiza não decorrem imediatamente da letra e do espírito da obra agostiniana. De toda forma, o expediente jurídico cumpre papel explicativo do segundo bem do casamento, a saber, a fides (fé/ fidelidade), como um elemento frequente no direito, mas que em contexto religioso cristão adquire características que manifestam “a não coincidência da fides com o que seria um laço puramente jurídico” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 392; 2018, p. 314).

Melhor dizendo, Foucault esclarece que o pacto conjugal para Agostinho sustenta-se juridicamente, mas extravasa o direito. Sustenta-se no direito romano ao guardar acordo com a lei civil que proíbe o marido de ter uma segunda esposa enquanto a primeira estiver viva. Sustenta-se nas leis religiosas ao guardar observância do interdito aos esposos de casarem-se novamente se a mulher tiver cometido adultério, o que não era proibido pela lei civil. Porém, Agostinho também mobiliza a partir da Primeira Epístola aos Coríntios, 7, 45 (doravante, I Cor.), de Paulo, uma fundamentação do pactum que é da ordem da fides e não jurídica. Trata-se do pacto das relações entre as almas e entre os corpos dos esposos instituído por um ordo caritatis (“ordem de caridade”), segundo o qual há “a afirmação do direito de cada um dos esposos de ter relações físicas com o outro” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 390; 2018, p. 312).

Sobre a ordem da fides, Agostinho apresenta três exemplos relacionados ao adultério. À primeira vista, seria possível pensar que a partir do exame de casos de adultério, “que é ao mesmo tempo uma categoria do direito e um atentado à fides” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 391; 2018, p. 313), descobriríamos uma “adequação entre o laço jurídico e o apego da fidelidade”, não obstante “cada um dos exemplos citados por Agostinho mostra sua defasagem” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 391; 2018, p. 313). Não examinarei cada caso de adultério (cf. Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., pp. 391-392; 2018, pp. 313-314; De bono conjugali, IV-V), mas é notável que em cada um deles constatam-se formas de fidelidade, por assim dizer, extrajudiciais, como no concubinato em que há uma fides estabelecida ou na ligação transitória entre um homem e uma mulher não casados em que ela, uma vez abandonada, guarda a continência e permanece fiel ao seu amante.

Dessa fides, todavia, “Agostinho não faz um traço próprio ao casamento cristão”, porquanto “ela pode constituir um bem do casamento em ‘todos os povos’ e ‘entre todos os homens’” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 393; 2018, p. 314; De bono conjugali, XXIV, 32). Portanto, o que é singular à união dos cristãos não é nem o primeiro bem do casamento (a procriação), nem o segundo (a fidelidade), mas o terceiro: o sacramentum. No contexto da obra Do bem conjugal, não se trata tanto do sacramento como rito religioso e mais de um estado sagrado a que os esposos adentram semelhante ao que sucede a um clérigo ao ser ordenado (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 393; 2018, p. 314; De bono conjugali, XXIV, 32). Além da analogia entre o sacramento do casamento e o sacramento da ordenação, que novamente reitera a transposição das regras monásticas ao leito conjugal, Agostinho mobiliza I Cor. 7, 10-116 para explicar o sacramento em distinção à fidelidade. Ou melhor, “a fidelidade supõe a reciprocidade (daí a palavra pactum que se lhe aplica, embora outorgando-lhe um valor que não é jurídico)” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 393; 2018, p. 314), já o sacramento não a supõe e é uma marca pessoal metafisicamente fundada que impede um segundo casamento mesmo que um dos cônjuges incorra em adultério ou seja repudiado (cf. Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 394; 2018, p. 315).

Por conseguinte, o laço do casamento se distingue de um laço puramente jurídico tanto pela fidelidade, como pelo sacramento. Trata-se de dois bens do casamento sem os quais os esposos não podem entrar numa societas, o que é revelador de que a fundamentação da interioridade, do casamento e da sociedade ocorre num mesmo e idêntico plano. “Uma sociedade na qual alma e corpo estão ligados um ao outro pelo elo da fidelidade. Uma sociedade da qual Deus os faz participar individualmente e definitivamente pela marca indelével do casamento que lhes impõe” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 395; 2018, pp. 315-316).

Subseção III.3 - O princípio de regulação das relações sexuais entre esposos

Na subseção III.3, Foucault retorna à questão da progenitura para esclarecer melhor seu estatuto como um dos bens do casamento, a despeito de não constitutivo como a fidelidade e o sacramento. A elucidação será de seu estatuto como objetivo do matrimônio, de todo problemático porque simultaneamente dispensável e indissociável das relações sexuais, as quais, por consequência, guardam como princípio regulador “a determinação da progenitura como objetivo” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 397; 2018, p. 317). Assim, a discussão sobre a fides e o sacramentum como “caracteres próprios ao laço matrimonial”, pois, diferentemente da proles, “dele fazem parte intrinsecamente” com o fim de instituir “a amizade ou o laço que liga naturalmente os humanos uns aos outros como partes de um mesmo gênero humano” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 396; 2018, p. 317), manifestam um regime de internação e que será objeto de fina jurisdição da libido, das pulsões, do gozo e dos gestos sexuais, sem os quais, não obstante, a procriação no plano histórico da queda seria impossível. Desse modo, o estatuto da progenitura é complexo e até mesmo ambíguo no tocante ao seu papel, por um lado, dispensável do matrimônio e, por outro, indispensável “para que se pudesse desenvolver uma sociedade à escala do gênero humano”, porquanto sem a procriação “o primeiro casal teria permanecido sozinho no mundo” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 397; 2018, p. 317).

A partir disso e com a universalização da procriação de filhos como objetivo do casamento “em todas as nações” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 396; 2018, p. 316; cf. De bono conjugali, XVIII, 22), ou seja, com a admissão por parte de Agostinho do que hoje é chamado muito problematicamente de uma invariante antropológica, ele elaborará um conjunto de interdições das relações sexuais assumindo como princípio regulador exclusivamente a estreita forma de sexualidade que gera “‘filhos, único fruto honesto, não da união (conjunctio) do marido e da mulher, mas de seu comércio carnal (concubitus)’” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 397; 2018, pp. 317-318; De bono conjugali, I, 1). Essa passagem guarda obviamente implicações enormes. É uma das poucas ocasiões em que Agostinho distingue claramente “união conjugal” (conjunctio) e “coito” (concubitus), aquela contendo raiz em comum com o termo para “casamento”, “matrimônio” ou “conjugal” (conjungalis); esta (concubitus) sendo a mesma palavra com o significado de “concubinato”, carregada de uma carga moral relacionada ao adultério, também podendo significar relação ou o coito entre animais e etimologicamente significando “deitar-se ou assentar-se com” (cum + cubo). Além do mais, na assunção de que a única forma metafísica e moralmente legítima de sexualidade seja a geradora de filhos encontra-se pressuposta também a enormidade de que a única modalidade legítima, natural e sagrada de casamento e sexualidade admitida é entre alguém heterossexual do sexo e do gênero masculinos e alguém heterossexual do sexo e do gênero femininos7.

Porém, como é comum em Agostinho, o quadro de regulação das relações sexuais também é mais complexo e sofisticado, o que quer dizer muito mais profundamente enraizado em nossa cultura e, a ver, na subjetividade do homem ocidental, sem obedecer simplesmente “à possibilidade e à obrigação de fazer filhos”, como “era o caso em certos moralistas da época helenística e romana, ou em Clemente de Alexandria” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 398; 2018, p. 318). Em vez de “nele encontrar um bloco unitário constituído pelo casamento, a relação sexual e a procriação”, “podemos constatar um certo número de dissociações e de defasagens” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 398; 2018, p. 318), em primeiro lugar, em relação à transformação que o De bono conjugali imprime ao problema da impureza das relações sexuais. Em segundo lugar, em relação à temperança tanto do excesso de gestos e prazeres do ato sexual, como dos atos supostamente antinaturais, reiterando a moral antiga e complementando-a. Em terceiro, em relação à legitimidade de atos sexuais entre esposos que não tenham o fim da procriação, com várias modalidades de deveres conjugais orientados pela responsabilidade recíproca com a fraqueza da concupiscência do outro. Por fim, em quarto lugar, no tocante “à maneira pela qual o casamento transmuta qualitativamente as relações sexuais e o prazer ao qual dão lugar” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 403; 2018, p. 322).

A partir do esquema dos quatro pontos de dissociação e defasagem entre o casamento, a relação sexual e a procriação, sobre o primeiro (a respeito da releitura da impureza das relações sexuais), Agostinho procede com dois argumentos que reconsideram prescrições do Levítico. Um geral, que dissocia impureza de pecado e oferece como exemplos o período menstrual das mulheres e os cadáveres, e outro argumento específico ao ato sexual, que diz que não é o ato sexual propriamente que designa uma impureza, mas só o sêmen quando não atinge sua finalidade. Assim, Agostinho “evita dar ao próprio ato sexual uma valorização negativa. Ele o mantém no estatuto natural que lhe dá sua utilidade para o desenvolvimento do gênero humano” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., pp. 398-399; 2018, pp. 318-319). Sobre o segundo ponto de dissociação e defasagem entre o casamento, a relação sexual e a procriação, a respeito da temperança, ela incide sobre duas formas de excessos, uma do “‘uso natural’” do ato sexual (aquele que permite a procriação) e outra dos “atos contra a natureza” (como o “uso de uma parte do corpo da mulher que não é destinada a isto”) (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 399; 2018, p. 319; De bono conjugali, XVI, 18). Entre as duas, “Agostinho não traça uma divisão muito nítida, apesar de entre elas assinalar uma grande diferença moral” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 399; 2018, p. 319) e, sempre, metafísica, observação importante para reconhecermos as bases imaginárias da instituição do casamento cristão.

Em relação aos dois primeiros, o terceiro ponto indica maior dissociação e defasagem entre o casamento, a relação sexual e a procriação, porquanto se refere à legitimidade de atos sexuais entre esposos que não tenham o fim da procriação e que decorrem do serviço mútuo à fraqueza da concupiscência do outro como “ajuda que é preciso fornecer-lhe para a sua salvação” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 400; 2018, p. 320). Nesse momento, Foucault retoma a passagem de 1 Cor. 7, 4, de Paulo - “concernente ao corpo da mulher que está em poder do marido, e ao do marido, que está em poder da mulher” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 400; 2018, p. 320) -, para indicar mais uma vez que Agostinho não a comenta a partir de um direito de propriedade dos esposos sobre o corpo do outro, que tornaria cada um dono soberano do corpo do cônjuge. Diferentemente dessa exegese, de que Crisóstomo é representante (cf. Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 345; 2018, pp. 275276), Agostinho ampara esse governo conjugal dos corpos não na dominação e sim numa falha ou “fraqueza” da relação de si a si que reclama a relação de si a outro, mais precisamente ele sustenta que “cada um deve este serviço, esta servidão, não em função do domínio do outro sobre o corpo do cônjuge, mas de sua fraqueza quanto a seu próprio corpo” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., pp. 400-401; 2018, p. 320). Disso, Agostinho sistematiza prescrições bastante comuns na época sobre quando e como os atos sexuais são absoluta ou relativamente culpáveis, instituindo um catálogo jurídico de regulação das expressividades sexuais (cf. Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 401; 2018, p. 320).

Porém, na mesma linha das análises anteriores, logo Foucault anuncia que “Agostinho vai muito mais longe na codificação das relações entre esposos” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 401; 2018, p. 320). O desafio que Agostinho se propõe a investigar é a imputabilidade do “pecado venial” (que, diferentemente do “mortal”, não compromete a salvação), pois não é evidente se incorre em “pecado venial” só o cônjuge que reclama o corpo e o cuidado do outro para satisfazer sua libido e não incorrer em faltas mais graves, ou se também incorre em “pecado venial” o cônjuge que atende à demanda do outro sem estar sob o jugo da concupiscência. “É preciso, pois, introduzir uma distinção entre aquele que demanda o cumprimento do dever conjugal e aquele que o cumpre” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 401; 2018, p. 321). Bem entendida essa regulação jurídica do uso do sexo, quem cumpre o “dever conjugal” não comete pecado algum, nem mesmo venial, já quem o demanda é objeto de um juízo ambíguo de Agostinho: por um lado, incorreria em falta venial simplesmente por demandar o dever sexual do outro por motivo que não a procriação, por outro, é evocada “a tolerância que o Apóstolo concede àqueles que manifestam uma insistência abusiva em exigir o dever: seriam estes, consequentemente, que cometeriam um pecado venial” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 402; 2018, p. 321). Por conseguinte, aquele que demanda só para evitar pecados mortais seria tão inocente quanto aquele que cumpre ou atende à demanda sexual do outro.

Entretanto, mais complicada é a análise do caso em que ambos os esposos consentem em usar o casamento para satisfazer suas concupiscências ou pulsões sexuais. Agora, com breve antecipação das noções agostinianas de “consentimento” e “uso” sobre as quais Foucault tratará com mais profundidade no próximo e último capítulo de “As confissões da carne”, porém sem elucidálas já ao leitor, tanto pode haver o caso em que os cônjuges incorrem apenas em pecado venial, como pode haver o caso em que ambos incorrem até em pecado mais grave. Melhor dizendo e com cada vez maior legislação e internação do corpo e da libido, se a relação conjugal é estabelecida não pelos seus bens constitutivos do casamento e sim “por causa da concupiscência de cada um dos dois, sai das regras estritas do casamento e, consequentemente, pode se tornar uma coisa grave” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 402; 2018, p. 322), todavia se os esposos atendem à demanda concupiscente recíproca com observância do “que é honesto (isto é, aos gestos delimitados pela vontade de procriação, embora esta vontade não esteja presente)” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 403; 2018, p. 322), incorrem no máximo em falta venial.

A seguir, no final desta última subseção do capítulo “2 - O bem e os bens do casamento”, Foucault seleciona algumas das proposições de De bono conjugali que ganharão melhor acabamento e até revisão em obras posteriores de Agostinho, o que já prepara o problema maior do próximo capítulo “[3. A libidinização do sexo]”. Dessa maneira, conforme o esquema proposto, as proposições de De bono conjugali dizem respeito ao quarto e mais importante ponto de dissociação e defasagem entre o casamento, a relação sexual e a procriação. Com efeito, Foucault discernirá duas séries de passagens do De bono conjugali que tratam, primeiro, da moderação e do controverso apagamento da libido, e, depois, do casamento dos Patriarcas que era inteiramente um sacramento, isto é, um parentesco plenamente espiritual, com procriação sem concupiscência, como signo profético da salvação futura, antes mesmo da encarnação do verbo.

Na primeira série de passagens, Foucault investiga a transmutação que o casamento cristão opera sobre a libido, com a observação de que, “bem no início do tratado, é dito que ‘o laço conjugal transforma em bem o mal da concupiscência’” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 403; 2018, p. 322). A transformação interior seria operada pela moderação da própria forma do desejo ou da volúpia, termo sinônimo de concupiscência e libido, que sofreria uma conversão de forma depravada para uma forma ordenada ou orientada pela intenção de procriar (cf. Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., pp. 403-404; 2018, p. 322). Eis uma das primeiras reflexões sobre a “sublimação”, que dá o que pensar sobre se alguma vez houve expressão do desejo sem sublimação na história de uma cultura da Palavra e da interioridade. Aliás, é possível mesmo dizer que o programa de deslibidinização do homem (e fundação do “homem”?) é uma média entre os pères de l’eglise, em alguns com mais radicalidade, chegando à autoemasculação (caso de Orígenes), em outros com mais moderação, em alguns com mais refinamento teórico, em outros com mais empenho pastoral. Em De bono conjugali, Agostinho chega a dizer que se moderado o prazer no casamento pode deixar de ser libidinoso ou tornar-se deslibidinizado (delírio intelectualista de que Agostinho logo declinará), do mesmo modo que na alimentação o “prazer carnal” (delectatio carnalis) submetido à temperança não é concupiscente (cf. Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 404; 2018, p. 322-323).

Aqui é oportuna uma ressalva sobre a escolha de tradução de libido por “concupiscência”. Em geral, Foucault a aceita e endossa também aqui a tradução de algumas obras de Agostinho para o francês por Gustave Combès, embora com frequência tenha o cuidado de inserir após “concupiscência” o termo em latim entre parênteses. Não obstante, vale observar duas coisas, (i) que nem sempre as classes de concupiscências coincidem com as classes de libido8 e (ii) que se a forma do desejo sexual depravada ou ordenada coincide para Agostinho com a forma de outras modalidades de desejo, não é evidente a assunção daquela como primordial e condicionante desta.

Porém, há ainda um texto em especial que Foucault adiciona à primeira série de passagens de dissociação e defasagem entre o casamento, a relação sexual e a procriação. Trata-se de uma passagem das Retractationes, em que Agostinho faz uma distinção entre “libido” e “uso da libido”, ausente em De bono conjugali e muito presente em obras posteriores, para esclarecer em registro de revisão que em De bono ele “não falara de um apagamento da libido pelo casamento, mas tinha querido dizer que o uso da libido, se for bom e correto, não é propriamente libido” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 404; 2018, p. 323). Com isso, Foucault averigua que não se encontra em Do bem conjugal “o princípio segundo o qual não há relação sexual sem concupiscência depois da queda, e que somente o uso estabelece a diferença moral” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 404; 2018, p. 323). A notável conclusão de Foucault é que a tekhnê agostiniana do casamento ainda carece de uma teoria da libido com maior acabamento e radicalidade de sua autonomia.

Finalmente, é hora de tratar da segunda série de passagens que indicam uma transmutação qualitativa de outra ordem das relações sexuais e do prazer ao qual dão lugar. Elas concernem aos Patriarcas, cujas práticas sexuais e poligâmicas apresentaram enormes desafios exegéticos aos primeiros “pais da igreja”. Para Agostinho, os Patriarcas não eram assaltados pela libido, nem por qualquer movimento interior involuntário. Desse modo, quando precisaram procriar com mais de uma mulher, como Abraão, não incorreram em adultério porque não as tocaram com volúpia, guardaram um parentesco e uma forma de desejo exclusivamente espiritual, amical e racional, para semear uma descendência profética. Portanto, o prazer do ato sexual dos Profetas ou dos Patriarcas (indistinção por conta do próprio Foucault) era comparável ao prazer natural do ato de comer um pão dos santos na nova aliança, num e noutro caso sem qualquer vestígio de libido (cf. Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., pp. 404-405; 2018, p. 323), ou seja, era uma espécie de prazer sem gozo, do que depreendemos que na sociedade dos santos, ou na cidade celeste a-histórica, ou no Paraíso restaurado por um verbo monárquico partilhado interiormente não há gozo, nem mais-gozar, muito menos mais-valor.

Para explicar a forma desse desejo domesticado e puramente espiritual presente nas relações de parentesco ideais, Agostinho oferece um nome que permite resgatar o bem primordial do casamento, qual seja: “sacramento”9. Anteriormente em De bono, Agostinho desenvolveu uma fina exegese para propor que os “‘sacramentos proféticos’ são as marcas visíveis sob as quais a salvação futura estava escondida antes da vinda do Salvador” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 405; 2018, p. 323). Os profetas, assim, eram portadores desses signos, não só do casamento espiritual deslibidinizado, mas de toda excelência humana perdida com a queda. Todos os afetos, pensamentos, gestos e atos dos profetas eram proféticos, “sua própria conduta mostrava o selo da vontade de Deus” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 405; 2018, p. 324).

A partir disso, é possível entender melhor o sacramentum como bem primordial da conjugalidade a partir de um cotejo entre como ela era nos patriarcas e como é posteriormente na economia da salvação, o que, por sua vez, esclarece melhor o expediente agostiniano de fundamentar metafísica e especularmente a interioridade, o casamento e a sociedade. “O casamento dos Patriarcas, e é esta sua superioridade em relação aos de hoje, era inteiramente um ‘sacramentum’: o signo, em cada um, de um parentesco espiritual presente e porvir” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 405; 2018, p. 324). No caso deles, o casamento era um sacramento em plenitude precisamente porque apagava quaisquer traços de contradição, de contravontade, de concupiscência, bem diferentemente do que se passa segundo Agostinho “no casamento dos cristãos de hoje”, em que a libido é só “atenuada, diminuída e modificada” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 405; 2018, p. 324).

Por isso, o segundo bem do casamento, a fides, adquire nos casamentos cristãos uma dimensão completamente nova em relação à “fidelidade” que também poderia haver entre pagãos. Ora, a fides conforme é apresentada por Agostinho como bem do casamento cristão não é só “fidelidade” ou “lealdade” conjugal e instituidora da monogamia que passa a ser uma necessidade em função da emergência da libido, mas também e principalmente “fé” religiosa num passado profético e num futuro salvífico em que o parentesco conjugal originário da sociedade (não exatamente do “social”) será “inteiramente um ‘sacramentum’”. Por conseguinte, a constatação de uma fides como elemento conjugal presente em todos os povos indica não uma fides homônima à fé cristã e sim uma figura de fé em geral, que pode ser bem ou mal orientada e de que a cristã é a forma excelente, mas seja como for se trata de traço constitutivo de qualquer sociedade por ser para Agostinho a condição natural, metafísica e a-histórica dos laços de parentescos (cf. Agostinho, 2017______. “A fé nas coisas invisíveis”. Trad. F. Gerardi. In: Santo Agostinho. O Sermão da Montanha e Escritos sobre a fé. Col. Patrística, Vol. 36. São Paulo: Paulus, 2017., p. 300 [De fide, 2, 4]).

Contudo, o que permanece enigmático, para não dizer inconsistente, em De bono conjugali a partir de sua codificação do casamento e das relações sexuais lícitas e legítimas é “a possibilidade e a forma desta modificação [da concupiscência]” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 405; 2018, p. 324), tanto no presente, sendo temperada e convertida em inculpável, como no passado, quando surgiu como efeito do pecado e tornou-se atávica, quanto no futuro salvífico, quando será eliminada. Afinal, a transposição do quadro de interdições interiorizado no modo de vida monástico, virginal e continente, para um modo de vida casado depara com enormes limites diante da necessidade de fundamentação da profissão de “Ser casado”, em que não só a emergência da libido e do orgasmo, mas primordialmente seu uso é inelutável e até demandado pelo outro como um dever social, moral e religioso (cf. Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., pp. 405-406; 2018, p. 324).

“As confissões da carne” como um outro O Anti-Narciso

Em suma, a instrumentalização de Agostinho no projeto genealógico de Foucault oferece expediente privilegiado de esclarecimento - naquele sentido de transformar o inconsciente de nossa sociedade em uma consciência - das profundas raízes em nossa cultura de uma avançada tecnologia do casamento, cuja elaboração coincide com a fundamentação de uma interioridade da sociedade. Assim, Agostinho funda o casamento em seu valor próprio e não mais como uma profissão subalterna à profissão do monge ou asceta. Para tanto, as relações de parentesco precisaram ser requalificadas e espiritualizadas para que os modos de vida “ser virgem” e “ser casado” fossem inseridos num quadro geral em que “o conjunto é ainda mais belo do que o mais belo de seus elementos” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 361; 2018, p. 289), o que de certa forma liberta a conjugalidade dos limites da parentalidade, embora obviamente sempre em registro “humano”.

Além disso, a empresa agostiniana para ultrapassar o “grande dimorfismo” tradicional das duas profissões cristãs foi fundamentá-las, ordená-las e compatibilizá-las como tecnologias ou terapias de tratamento neurótico da mesma pulsão: a libido ou a concupiscência. Por fim, Agostinho fundamentou metafisicamente a conjugalidade e a sociedade a partir do liame comum da “amizade”, de forma que as modificações simétricas e qualitativas que ambas sofrem conforme a situação humana no cosmo e na história (antes, durante ou após a queda) concedem a compreensão de que elas mesmas são constantes meta-históricas, mas não a dissociação e defasagem entre o casamento, a relação sexual e a procriação. Assim, o casamento desempenha fundamentalmente o papel de uma complexa instituição jurídica e moral de regulação da libido, do gozo, de suas expressões, gestos e atos sexuais, assim como dos direitos e deveres mútuos dos cônjuges com as suas expressões concupiscentes - nem sempre recíprocas - que não têm o fim da procriação. Ademais, o casamento, mais precisamente o sexo nele internado, também desempenha uma magia de transmutação ou sublimação do prazer libidinoso em prazer deslibidinizado quando ordena perfeitamente a relação sexual à procriação, otimismo logo revisto por Agostinho no desenvolvimento de sua teoria da libido em obras posteriores.

Entretanto, chama a atenção Foucault examinar estruturas complexas de parentesco sem em nenhum momento problematizar a regulação do incesto ou referenciar estruturas elementares. O motivo dessa estratégia provavelmente é a famigerada recusa da “hipótese repressiva”, a orientação geral antipsicanalítica, antiestruturalista e anti-humanista da História da sexualidade de “historicizar” invariantes e princípios reguladores transcendentais da sociedade10. Embora Foucault não ofereça ao seu leitor facilitações sobre a enormidade de coisas que está acontecendo em “As confissões da carne”, não obstante seu alcance genealógico e de desconstrução (ou antes de reconstrução?) do sujeito pode ser melhor divisado pela explicitação do desconcerto da “concepção lévistraussiana do parentesco, fundada na dedução transcendental da proibição do incesto enquanto condição da socialidade” e - conforme Deleuze e Guattari entendiam e especulo que assim também Foucault - “generalização antropológica do Édipo” (Viveiros de Castro, 2018VIVEIROS DE CASTRO. “Metafísicas canibais: Elementos para uma antropologia pós-estrutural”. São Paulo: Ubu Editora, n-1 edições, 2018., p. 135).

Assim, o silêncio foucaultiano neste último volume da História da sexualidade em relação à proibição do incesto e às estruturas elementares de parentesco - mesmo quando examina acuradamente relações complexas, espirituais e reflexivas de parentesco (horizontais entre humanos e verticais com Deus), mesmo em contextos de aparente ocorrência de relações incestuosas generalizadas no álbum de família dos primeiros Patriarcas - é um silêncio ruidoso que pode ser esclarecido pelo mesmo motivo por que a análise crítica das fundações da sociedade é do casamento e não da família, qual seja: reconhecer a anterioridade e em algumas idades da economia da salvação a independência - embora não pura - da conjugalidade em relação à parentalidade. Com essa contrateoria do Édipo, Foucault descobre que ao menos nos primeiros cinco séculos de cristianismo (mas tudo indica que em toda história anterior de judaísmo) o matrimônio nunca foi transmissor do triângulo edipiano e o interdito do incesto inexistia em sua universalidade ou existia não como princípio regulador da parentalidade. Assim, por outras vias do que Deleuze e Guattari em O anti-Édipo, Foucault também descortina as alianças extensivas da sociedade judaico-cristã, talvez com maior amplidão de trabalho de arquivo, com a revelação que cai como um raio no coração de Freud e de Lévi-Strauss de que a invariante cultural da Lei do incesto é uma ficção, assim como no mesmo bojo “o princípio de uma análise ideal” (LéviStrauss, 1976LÉVI-STRAUS, C. “As estruturas elementares do parentesco”. São Paulo: Vozes, 1976. [1949], p. 47) - inapreensível na experiência, nos documentos ou em ruínas arqueológicas -, isto é, o princípio de que a travessia da Natureza para a Cultura possa ser magicamente estruturada pela confrontação de “fatos” universais de natureza instintuais e “fatos” culturais de coerção e regulação sexual.

Se tudo isso procede, façamos breve ensaio imaginário do que poderia ser em “As confissões da carne” ostentação e facilitação ao seu leitor de suas dimensões antipsicanalítica e principalmente antiestruturalista. Uma ocasião oportuna para o experimento é a sexualidade sem libido com que os primeiros Patriarcas cumpriram o preceito da multiplicação e extensão da sociedade, não obstante com a procriação frequente nos limites de relações endogâmicas, poligâmicas e aparentemente incestuosas. Os Patriarcas, todavia, encontravamse num plano de inimputabilidade incestuosa segundo a exegese agostiniana, porquanto mais do que nunca nesses tempos primevos da mais alta cultura as sociedades não eram reguladas pela parentalidade e não havia interdição do incesto. Por consequência, as sociedades primevas do povo eleito eram préincestuosas e não há nenhum relato de assassinato do pai da horda primitiva como o antecedente imediato do interdito do incesto. Eis um grande exemplo de sociedades fundadas em relações de conjugalidade e não de parentalidade, razão por que poderia haver, como certamente houve de fato, casamentos poligâmicos entre pais e filhas, mães e filhos, germanos, primos, tios, sobrinhos cruzados e não cruzados..., sem qualquer criminalidade.

Mas é preciso notar que, para postular que naqueles tempos ou no Paraíso havia um plano pré-incestuoso, a ideia louca de Agostinho é a de que os Patriarcas faziam sexo sem libido. A partir de sua teoria da sexualidade, lá, a rigor, não houve incesto porque só há incesto onde há libido, ao passo que não há incesto onde não há irrupção do involuntário. Dessa forma, semeando mulheres, ainda que consanguíneas diretas, a distância e sem penetração11, o laço conjugal é pré-incestuoso, pré-parental, puramente espiritual, fundado naquela amicitia ou philía que deveria atravessar extensivamente todas as relações sociais. Assim, as relações ideais (diga-se, espirituais) de conjugalidade são a base não exatamente familiar ou de parentesco e sim de alianças que harmonizam todas as relações. Melhor entendidas, as afinidades ideais préincestuosas absolutamente harmônicas são regidas por um verbo internado monárquico que comanda almas e corpos sem resistências, razão por que não havia Lei.

Estamos mesmo diante de uma complexa governamentalidade interior, de um regimem animarum como “a arte das artes” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020. [2018______. “Histoire de la sexualité 4: Les aveux de la chair”. Paris: Éditions Gallimard, 2018.], Anexo 2; cf. Senellart, 2006SENELLART, M. “As artes de governar: do regimen medieval ao conceito de governo”. Trad. Neves, P. São Paulo: Ed. 34, 2006., pp. 71-89), com muitas jurisdições de comandos e sujeições mediadas reflexiva e verticalmente do material ao imaterial, do exterior ao interior e do interior ao superior, realizando a finalidade cosmológica de uma totalidade totalizada de ordem e paz (cf. A cidade de Deus, XIX, xiii, 1), não tão distante até mesmo dos contratualismos modernos em que uma psicologia burguesa fundamenta tanto a internalização das normas, quanto a obediência voluntária, como o poder de polícia do Estado, a despeito das descontinuidades precisas que Senellart discrimina entre as artes de governar e as tecnologias governamentais, como bom foucaultiano que é estranhamente sem reconhecer que a autonomia destas é assimilação da metafísica daquelas em registro de biopolítica e sociedade disciplinar burguesa12.

De todo modo, é em função da regência sem resistência de uma interioridade governamental que a paz perpétua teria reinado no Paraíso se Adão e Eva não tivessem tudo perturbado com a falta original e a introdução de um narcisismo13 (ou pecado) atávico ou filogenético, para a nossa surpresa um narcisismo também constituído no registro de uma conjugalidade relativamente independente de parentalidade e com certidão de nascimento histórica precisada na queda da transcendência na imanência e não na passagem da imanência autoerótica para a transcendência do amor de objeto - lembrando que o caminho numa e noutra direção não é o mesmo, que a transcendência vertical lá, aqui é horizontal, que a constituição especular do ego com Deus lá, aqui é familiar, entre outras diferenças que proliferam numa análise comparatista entre as teorias da alma agostiniana e freudiana.

Finalizo então com a sugestão de que reler Agostinho em chave de ontologia histórica ou do presente é oportunidade para a renovação do esclarecimento nietzschiano de que a utopia de uma sociedade sem Ego, sem Narciso, sem Édipo, sem propriedade privada14, sem dominação e escravidão15, sem opressão e exploração, sem violência, sem impulsos mórbidos, inibições e resistências16 é surpreendentemente tão antiga quanto o sexto dia da criação e a teologia enquanto ainda pensar a socialidade como uma “sociedade humana”, enquanto “o solipsismo cósmico da condição humana” não for ultrapassado (Viveiros de Castro, 2018VIVEIROS DE CASTRO. “Metafísicas canibais: Elementos para uma antropologia pós-estrutural”. São Paulo: Ubu Editora, n-1 edições, 2018., p. 47).

Afinal, já estavam lá no Paraíso da mais alta Cultura da Palavra17 as “duas dicotomias fundacionais das ciências humanas: Indivíduo e Sociedade, de um lado - o problema da integração e totalização sociais -, e Natureza e Cultura, do outro - o problema do instinto e da instituição humanos” (Viveiros de Castro, 2018VIVEIROS DE CASTRO. “Metafísicas canibais: Elementos para uma antropologia pós-estrutural”. São Paulo: Ubu Editora, n-1 edições, 2018., p. 239). As fundações e impensados das ciências humanas remontam ao Gênesis e ao Prólogo de João, ao Princípio em que a subjetividade humana era Deus e estava com Deus, muitíssimo anterior, embora também sincrônico, à Modernidade das ciências positivas, formações discursivas e epistemes - e eis mais uma notável conquista da genealogia em relação à arqueologia para esclarecer fundações antigas, patrísticas, medievais e teológicas do Homem18. Todavia, a redescoberta de que “a teologia está em toda parte, de um extremo a outro da história e da pré-história do sujeito” (De Libera, 2013DE LIBERA, A. “Arqueologia do Sujeito: Nascimento do Sujeito”. Trad. Murad, F. C. São Paulo: Editora Fap-Unifesp, 2013., p. 97) e da metafísica dos costumes judaico-cristãos, talvez seja menos o anúncio de um “século deleuziano” e mais a renovação material do presságio de que “quando o homem acabou, então é que começa” (Eclo 18, 6).

  • 1
    Cf. Silva Filho, 2021b______. “A recepção de Agostinho em ‘As confissões da carne’, de Foucault”. Discurso, 51 (2), pp. 91-112, 2021b. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2318-8863.discurso.2021.193763 (Acessado em 23 de Fevereiro de 2022).
    https://doi.org/10.11606/issn.2318-8863....
    .
  • 2
    As referências de “As confissões da carne” serão sempre duplas, primeiro à edição brasileira de 2020, cuja tradução utilizo, segundo à edição francesa de 2018, que publicou a obra pela primeira vez.
  • 3
    Lá e aqui examino todas as seções e subseções do capítulo “2 - O bem e os bens do casamento”, que pode ser esquematizado topologicamente da seguinte maneira, conforme divisões propostas pelo próprio Foucault: Introdução: reconsideração agostiniana do dimorfismo e da hierarquia entre “ser virgem” e “ser casado” (2020, pp. 354-360; 2018, pp. 283-288);
    Seção I. Concepção da Igreja como corpo espiritual e rearticulação das relações de parentesco (2020, pp. 361-368; 2018, pp. 288-295);
    Seção II. 3 etapas de exegeses do mandamento divino “crescei e multiplicai-vos” antes da queda, ou seja, no paraíso (2020, pp. 369-381; 2018, pp. 295-305);
    1ª etapa: De genesi contra Manichaeos - procriação alegórica de virtudes (2020, pp. 370-73; 2018, pp. 296-98);
    2ª etapa: De bono conjugali - procriação literal, mas sem coito (2020, pp. 373-75; 2018, pp. 298-300);
    3ª etapa: De Genesi ad litteram e De ciuitate dei, XIV, procriação literal com coito e sem libido (2020, pp. 375-81; 2018, pp. 300-305);
    Seção III. Bens, fins e codificação do casamento e das relações sexuais (2020, pp. 381-406; 2018, pp. 305324);
    Introdução: De bono conjugali como documento fundante da teologia moral do casamento (2020, pp. 381-384; 2018, pp. 305-307);
    III. 1. “O papel do casamento na economia geral da salvação” (2020, pp. 384-388; 2018, pp. 307-310); III. 2. “A natureza do laço conjugal” (2020, pp. 388-395; 2018, pp. 310-316);
    III. 3. “O princípio de regulação das relações sexuais entre esposos” (2020, pp. 395-406; 2018, pp. 316-324).
  • 4
    “[...] passei alguns anos fantasiando que iria finalmente escrever O Anti-Narciso, a obra de que as Metafísicas canibais é apenas a ‘resenha’” (Viveiros de Castro, 2018VIVEIROS DE CASTRO. “Metafísicas canibais: Elementos para uma antropologia pós-estrutural”. São Paulo: Ubu Editora, n-1 edições, 2018., p. 12). “[...] Metafísicas canibais é então, menos ainda que uma resenha, uma sinopse, quase que como um press-release, desse outro livro, O Anti-Narciso, que, por ser tão insistentemente imaginado, acabou nunca existindo - a não ser, precisamente, nas páginas que seguem” (Viveiros de Castro, 2018VIVEIROS DE CASTRO. “Metafísicas canibais: Elementos para uma antropologia pós-estrutural”. São Paulo: Ubu Editora, n-1 edições, 2018., p. 19).
  • 5
    “[...]‘o corpo da mulher não está em seu poder, mas no de seu marido, e, do mesmo modo, o corpo do marido’ (7, 4)”. Segundo Fréderic Gros, “Michel Foucault não se atém jamais a uma única tradução: pode citar a tradução de Louis Segond, a da Bible de Jerusalem (Paris, Ed. du Cerf, 1977) ou ainda a dos tradutores de tratados patrísticos. [Ed. bras. Gorgulho, Gilberto da Silva; Storniolo, Ivo; Anderson, Ana Flora (org.). Bíblia de Jerusalém. Edição revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 2004.]” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 5051; 2018, p. 4071).
  • 6
    “[...] ‘a mulher não deve separar-se de seu marido e, se o faz, deve permanecer sem se casar novamente, ou deve se reconciliar com ele’ (I Cor., 7, 10-11)” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 393; 2018, p. 314).
  • 7
    Ademais: “Notemos, é claro, o fato de que a libido assim concebida se caracteriza essencialmente pelo sexo masculino, suas formas e suas propriedades. Ela é originariamente fálica” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 421; 2018, p. 337).
  • 8
    Cotejar, por exemplo, Confissões, X, xxx, 41 até xxxix, 64, com A cidade de Deus, XIV, xv, 2 até xvi.
  • 9
    “O desejo dos profetas ‘estava de acordo com o sacramento da época’” (Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., p. 405; 2018, p. 323; De bono conjugali, XVII, 19).
  • 10
    “Falar assim da sexualidade implicaria afastar-se de um esquema de pensamento que era então corrente: fazer da sexualidade um invariante e supor que, se ela assume, nas suas manifestações, formas historicamente singulares, é porque sofre o efeito dos mecanismos diversos de repressão a que ela se encontra exposta em toda sociedade; o que equivale a colocar fora do campo histórico o desejo e o sujeito do desejo, e a fazer com que a forma geral da interdição dê contas do que pode haver de histórico na sexualidade. Mas a recusa dessa hipótese, por si só, não era suficiente. Falar da ‘sexualidade’ como uma experiência historicamente singular suporia, também, que se pudesse dispor de instrumentos suscetíveis de analisar, em seu próprio caráter e suas correlações, os três eixos que a constituem: a formação dos saberes que a ela se referem, os sistemas de poder que regulam sua prática e as formas pelas quais os indivíduos podem e devem se reconhecer como sujeitos dessa sexualidade” (Foucault, 1998______. “História da sexualidade 2: O uso dos prazeres”. Rio de Janeiro: Graal, 1998., p. 10).
  • 11
    “[...] longe de nós pensar que não fora possível a geração de filhos sem a morbidez da libido [libidinis morbo]. Os órgãos da geração, como os demais membros do corpo, mover-se-iam sob o comando da vontade, assim como sem o estímulo do ardor da sensualidade, com tranquilidade de espírito e sem corrupção da integridade física [sem ruptura do hímen], o marido infundiria o sêmen na esposa [sem penetração]. E não é porque a experiência não possa comprovar [a posteriori] esse fato que não se deva crer na sua possibilidade, desde que aquelas partes do corpo não fossem movidas pelo conturbado ardor, mas utilizadas pelo poder espontâneo [spontanea potestas] da vontade, conforme a necessidade, de modo que então poderia o sêmen viril entrar [immitti] no útero da esposa sem violar a integridade do órgão genital feminino, assim como agora o fluxo do sangue menstrual pode sair [emitti] do útero de uma virgem sem violar a mesma integridade. O mesmo caminho teria sem dúvida servido tanto para lançar [inici] o sêmen, quanto para expelir [eici] o mênstruo. Assim como para dar à luz, não os gemidos de dor, mas o impulso da maturidade, teria dilatado as vísceras da mulher, do mesmo modo para conceber e gerar, não o apetite da libido, mas o uso da vontade teria unido as duas naturezas” (Augustinus. De ciuitate dei, XIV, xxvi. Tradução e colchetes meus. Cf. também XIV, xxiii, 2; Contra Julianum V, xiv e VI, xxii; Foucault, 2020______. “História da sexualidade 4: as confissões da carne”. Trad. Rodrigues, H. de B. C.; Portocarrero, V. São Paulo: Paz e Terra, 2020., pp. 413-415; 2018, pp. 278-279. (Sou grato às sugestões de um dos avaliadores do artigo que questionou se a nota realmente atestava a hipótese agostiniana da procriação sem penetração no Paraíso, razão pela qual inseri os colchetes).
  • 12
    “Assim é que com muita sabedoria todos os legisladores basearam na Religião a felicidade e a duração dos Estados.” Delamare. Traité de police, I, pp. 287-288 apudFoucault, 2007______. “História da loucura: na Idade clássica”. Trad. J. T. Coelho Neto. São Paulo: Perspectiva, 2007. [1972], p. 114. O documento é de 1729 e insere-se no contexto de fundamentação da “Grande Internação”, como se vê transplantando o poder teológico-pastoral de “governo das almas” ao poder policial do Estado, algo também patente no frontispício e no conjunto do Leviatã.
  • 13
    Cf. A cidade de Deus, XIV, ii-iv, em que há exegese dos modos de vida enunciados por Paulo como “vida segundo a carne” e “vida segundo o espírito” respectivamente como “vida segundo si mesmo” e “vida segundo Deus”, ou “vida segundo a vontade própria” e “vida segundo a vontade de Deus”, bem como “vida segundo a mentira” e “vida segundo a verdade”.
  • 14
    Vale a lembrança do verbete de Oswald de Andrade em seu Dicionário de bolso: “SANTO AGOSTINHO. Grande doutor da Igreja. Perdia-se na ideia de um mundo internacional que fosse a cidade espiritual de Deus. Autor desta afirmação vermelha: ‘Não por virtude do direito divino, mas só por virtude do direito de guerra, alguém pode dizer: esta casa é minha, este criado é meu!’” (Andrade, s/d,ANDRADE, O. Dicionário de bolso. São Paulo: Editora Globo, [s.d.]. p. 42). Cf. Augustinus. In evangelium Ioannis tractatus [Tratados sobre o evangelho de João], VI, 25. “[...] property rights do not have their foundation in rights established directly by God but in human rights conferred by temporal authorities” (Fortin, E. L. “Property - Introduction”. In: Augustine, 1994, p. 248).
  • 15
    Cf. Augustinus. De ciuitate dei, XIV, xxv; XIX, xiv-xvi; Senellart, 2006SENELLART, M. “As artes de governar: do regimen medieval ao conceito de governo”. Trad. Neves, P. São Paulo: Ed. 34, 2006., p. 72.
  • 16
    “Lá, para o nosso ser, não mais haverá morte, lá, para o nosso conhecer, não mais haverá erro, lá, para o nosso amor, não mais haverá resistência.” “Ibi esse nostrum non habebit mortem, ibi nosse nostrum non habebit errorem, ibi amare nostrum non habebit offensionem”. Augustinus. De ciuitate dei, XI, xxviii. Tradução minha.
  • 17
    “[...] o que uns chamam de ‘natureza’ pode bem ser a ‘cultura’ dos outros” (Viveiros de Castro, 2018VIVEIROS DE CASTRO. “Metafísicas canibais: Elementos para uma antropologia pós-estrutural”. São Paulo: Ubu Editora, n-1 edições, 2018., p. 53).
  • 18
    “Mas não nos devemos enganar: não se substituiu a alma, ilusão dos teólogos, por um homem real, objeto de saber, de reflexão filosófica ou de intervenção técnica. O homem de que nos falam e que nos convidam a libertar é já, em si mesmo, o efeito de uma sujeição muito mais profunda que ele. Uma ‘alma’ habita-o e leva-o à existência, que é em si mesma uma peça no domínio que o poder exerce sobre o corpo. A alma, efeito e instrumento de uma anatomia política; a alma, prisão do corpo” (Foucault, 1987FOUCAULT, M. “Vigiar e punir: nascimento da prisão”. Trad. R. Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 1987., p. 29).

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    07 Jun 2022
  • Aceito
    22 Jun 2023
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