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KARWOSKI, A. M.; GAYDECZKA, B.; BRITO, K. S (ORGS.). GÊNEROS TEXTUAIS: REFLEXÕES E ENSINO. UNIÃO DA VITÓRIA, PR: KAYGANGUE, 2005. 207P.

KARWOSKI, A. M.; GAYDECZKA, B.; BRITO, K. S. Gêneros textuais: reflexões e ensino. União da Vitória, PR: Kaygangue, 2005. 207p

A presente obra1 1 Este livro está sendo republicado por outra editora. A nova referência é: KARWOSKI, A. M.; GAYDECZKA, B.; BRITO, K. S. (Orgs.). Gêneros textuais: reflexões e ensino. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lucerna, 2006. compila trabalhos apresentados no II SIGET (Simpósio Nacional de Estudo dos Gêneros Textuais), realizado em 2004 na Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de União da Vitória, Paraná. O livro constitui-se em uma contribuição relevante para as discussões sobre gênero textual por mostrar o estado atual de reflexões dos estudiosos brasileiros sobre gênero e sua aplicabilidade no letramento. A obra se organiza em oito capítulos, dos quais quatro (capítulos 1, 3, 7 e 8 ) apresentam reflexões sobre gênero e quatro (capítulos 2, 4, 5 e 6) abrangem propostas pedagógicas de letramento.

O primeiro capítulo (Gêneros textuais: configuração, dinamicidade e circulação), cuja autoria é de Luiz Antônio Marcuschi, discute a importante questão de se compreender o gênero textual como algo dinâmico, fluido, incapaz de ser assimilado somente através de classificações e de descrições lingüísticas e como modelos estáticos para se confeccionar textos. Essa seria uma visão reducionista e extremamente formalista de gênero.

O autor concebe gênero como sendo fundamentalmente uma atividade social, colocando em segundo plano o elemento constitutivo da linguagem. No meu modo de ver, ambos, ação social e língua, constituem o gênero textual de modo dialético. No final do capítulo o autor timidamente propõe algumas sugestões para o ensino: 1) “o ensino com base em gêneros deveria orientar-se mais para aspectos da realidade do aluno do que para os gêneros mais poderosos, pelo menos como ponto de partida” (p. 32); 2) gêneros não devem ser imitados ou reproduzidos, mas recriados (p. 32). A primeira assertiva me parece discutível já que muitos dos gêneros da realidade do aluno são exatamente os poderosos: estatuto da criança e do adolescente, enunciados de avaliações escritas, por exemplo.

O capítulo dois intitula-se Gêneros textuais e ensino: contribuições do interacionismo sócio-discursivo de autoria de Vera Lúcia Lopes Cristovão e Elvira Lopes Nascimento. O tema central do texto refere-se à aplicação das teorias de gênero textual para a sala de aula de línguas estrangeiras. O texto divide-se em duas partes: a revisão da perspectiva teórica adotada e o relato de uma experiência pedagógica.

Os autores privilegiam a perspectiva do ISD (interacionismo sócio-discursivo), porém sem distingui-la de outras. Por exemplo, parece haver semelhanças entre o ISD e a escola australiana, pois ambas almejam desenvolver a reflexão crítica no uso da linguagem, como se verifica na p. 45 do capítulo. Os autores não esclarecem as razões de sua opção teórica e nem sumarizam claramente a perspectiva; o que seriam, por exemplo, capacidades de linguagem e perspectiva cognitiva? Isso dificulta o entendimento do texto para o leitor menos familiarizado com a perspectiva.

Capacidades de linguagem se referem à habilidade do usuário de usar gêneros adequadamente, ou de ser letrado, ou simplesmente de usar a língua que sabe seja em que nível for, estrutural, contextual? A perspectiva cognitiva adotada pelo ISD é a vygotskiana. Porém, devem-se corrigir algumas informações sobre a teoria sóciocultural: na p. 36 (Vygotsky não surgiu a partir de uma postura piagetiana, mas em clara oposição a ela) e na p. 38 (a linguagem não se transforma em pensamento; linguagem e pensamento são distintos e se fundem em certo momento do desenvolvimento cognitivo do indivíduo - por volta dos dois anos de idade).

A experiência relatada consiste na escolha dos gêneros, na produção textual e no auto-controle da aprendizagem (fichas de controle). Entretanto, não se esclarece quais os princípios que o ISD oferece para tal escolha. As autoras aqui ignoram o elemento cultural nos estudos sobre gêneros. A retórica americana, o modo de se fazer resumos na academia americana (retratada por SWALES e FEAK, 1994SWALES, J. M.; FEAK, C. B. Academic writing for graduate students. Ann Arbor: The University of Michigan Press, 1994.), seria equivalente à brasileira? Ou simplesmente se assumiu que são semelhantes?

O capítulo três (Os gêneros do jornal: questões de pesquisa e ensino) de autoria de Adair Bonini se insere no tema reflexões sobre o gênero textual.O capítulo aborda o pouco estudado tema da relação entre suporte e gênero nos gêneros de jornais. O suporte jornal faz com que os gêneros nele contido sejam classificados em centrais e secundários e simultaneamente dificulta a distinção do que seja gênero e seção. Na verdade, o suporte jornal faz com que “as fronteiras entre os gêneros [sejam] frouxas, do ponto de vista de como a enunciação se dá “ (p. 69). O autor opta por adotar a perspectiva de John Swales. Porém, como no capítulo anterior, não se justificou essa preferência.

O autor nos chama a atenção para a questão da categorização da linguagem que a encarcera como algo morto e estático. Pela linguagem não ser passível de categorizações (morfema, fonema, sintagma, texto), o gênero textual não deve se tornar mais uma categoria nos estudos lingüísticos. Seu caráter é provisório, fluido, não acabado. O autor recomenda também que se deve selecionar os gêneros de jornal a ser ensinados na escola considerando os fatores utilidade para o ensino do funcionamento da linguagem e do entendimento do jornal e contribuição dos estudos do gênero para a reflexão crítica da perspectiva teórica adotada. Por exemplo, há que se perguntar: que escola de gênero seria mais adequada para lidar com essa fluidez verificada? Como Maruschi, Bonini ressalta que não se deve pensar os gêneros de forma taxionômica.

O capítulo quatro - Gêneros discursivos no ensino de leitura e produção de textos - escrito por Maria Aparecida Garcia Lopes-Rossi, oferece uma proposta clara de letramento baseado em gêneros textuais: 1) fase de leitura crítica dos exemplares de gêneros escolhidos, em que se explora a relação contexto e gênero; 2) fase de escrita nesses gêneros, em que ocorre grande interação entre os alunos e o professor para a refacção dos textos e de sua correção; 3) divulgação ao público de um produto final.

Apesar da clareza da proposta pedagógica, há que se apontar alguns problemas. O primeiro, que ocorre também em outros capítulos da obra, refere-se à ausência de reconhecimento da escola australiana de gênero. Por exemplo, as perguntas que devem ser realizadas na fase um da proposta (ver p. 84) se assemelham muito com a fase de ‘modeling’ (modelagem) e de desconstrução dos modelos curriculares um e dois, respectivamente apresentados por Martin (1999______. Mentoring semogenesis: ‘genre-based’ literacy pedagogy. In: CHRISTIE, F. (Ed.). Pedagogy and the shaping of consciousness. London: Continuum, 1999. p. 123-155.). Na fase de confecção dos textos, há utilização de técnicas de escrita processual (produção de várias versões para um mesmo texto, revisão colaborativa de textos), porém sem se mencionar essa abordagem pedagógica do ensino da escrita.

Além disso, a autora não esclarece qual perspectiva de gênero textual adota. A única menção que o texto faz refere-se à Escola de Genebra (SCHNEUWLY e DOLZ, 2004SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Tradução e organização de Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas: Mercado de Letras, 2004.) e subentende-se que essa baseia teoricamente a proposta pedagógica exposta. Como há várias semelhanças da proposta da autora com a de Martin e da escrita processual, torna-se difícil para o leitor, principalmente leigo, detectar qual é realmente a contribuição da Escola de Genebra para os estudos em gêneros textuais. O texto não auxilia o leitor em uma necessidade reconhecida pela autora: “Os professores manifestam-se muito interessados no assunto [gêneros textuais], porém, carentes de fundamentação teórica” (p. 79).

O capítulo quinto, escrito por Anna Cristina Bentes e intitulado Gênero e ensino: algumas reflexões sobre a produção de materiais didáticos para a educação de jovens e adultos, consiste numa descrição da elaboração de um livro didático de língua portuguesa (sétima e oitava séries do ensino fundamental) para o programa de Educação de Jovens e Adultos, da ONG Ação Educativa, e das experiências da autora nesse processo. O texto exemplifica bem como o trabalho com gêneros textuais pode ser implementado em sala de aula de um modo contextualizado e integrado. Além disso, os temas que norteiam as unidades são relevantes para os alunos. O capítulo também apresenta algumas reflexões relevantes sobre gênero textual baseadas em Bakhtin: 1) concepção de gênero que contempla tanto a ação social como as estruturas lingüísticas e sua heterogeneidade, que impede uma postura meramente classificatória para com os gêneros; 2) a relação dialética entre estabilidade de regras e criatividade para com as mesmas no gênero textual.

O sexto capítulo se intitula Letramento digital: um trabalho a partir dos gêneros do discurso e adota uma perspectiva bakhtiniana (“gêneros como formas flexíveis de funcionamento da língua e da(s) linguagem (ns) em práticas sociais situadas” (p. 135)). Neste texto, as autoras Roxane Rojo, Jacqueline Barbosa e Heloísa Collins reportam um projeto pedagógico de formação continuada a distância de professores do ensino médio com o objetivo de aperfeiçoar o seu letramento digital. Este projeto constitui-se de três partes: 1) familiarização com a tecnologia digital e reflexão sobre “estratégias e procedimentos exigidos pela leitura e escrita em ambiente digital” (p. 130); 2) criação e aplicação de estratégias para o ensino de gêneros no ensino médio; 3) discussão e criação de estratégias para o ensino das diferentes linguagens (verbal, visual, musical) no ensino médio. As autoras fornecem exemplos dessas etapas, oferecendo uma proposta clara de ensino através de gêneros textuais.

O sétimo capítulo intitulado Gêneros multimodais e multiletramento enquadra-se na parte de reflexões sobre gêneros. Angela Paiva Dionísio ressalta que apesar do caráter multimodal (língua mais imagem) que o letramento assumiu devido ao surgimento de novas tecnologias, este aspecto da escrita ainda necessita de maiores investigações. O texto reporta uma pesquisa realizada pela autora (DIONÍSIO, 2004DIONÍSIO, A. P. Multimodal genres in the Brazilian popular scientific magazines: how do readers walk and feel through the texts? 2004. Mimeo.) com 10 leitores que objetivou investigar como crianças, adolescentes e adultos liam textos multimodais. A pesquisa identificou que tanto as crianças quanto os adolescentes atentaram primeiramente para o elemento visual do texto. Já os adultos leram primeiro o texto verbal e se mostraram menos receptivos a textos com novos layouts.

As reflexões da autora sobre os gêneros multimodais relacionam-se ao tratamento da palavra e seu relacionamento com a imagem no livro didático e a necessidade de o professor saber lidar com esses gêneros multimodais. Enfim, com o desenvolvimento de novas tecnologias, o conceito de letramento deve ser revisto. O texto trata de uma questão relevante e pouco estudada no campo de gêneros textuais: a multimodalidade e a investigação de sua manifestação em um veículo importantíssimo de educação - o livro didático.

O oitavo e último capítulo do livro cuja autoria é de Désirée Motta-Roth, se enquadra na parte de reflexões sobre gênero da coletânea. Este foi o único texto que mencionou um aspecto importantíssimo no campo de gêneros textuais e mais sistematicamente tratado pela escola australiana - o contexto de cultura. Estranhamente, a autora não menciona Martin e Eggins, criadores deste termo (cf. EGGINS, 1994EGGINS, S. An introduction to systemic functional linguistics. London: Pinter Publishers, 1994.; MARTIN, 1993MARTIN, J. Genre and literacy: modeling context in educational linguistics. Annual Review of Applied Linguistics, n. 13, p. 141-172, 1993.).

O capítulo apresenta os seguintes aspectos positivos: 1) concepção da linguagem como o estudo da interação humana (p. 187) e prática social (p. 189); 2) sugestões de procedimentos para análise de gêneros mais orientados para o texto ou para o contexto; 3) distinção dos termos gênero textual e discurso baseada em Fairclough (2003FAIRCLOUGH, N. Analysing discourse: textual analysis for social research. London; New York: Routledge, 2003.) (gêneros constituem formas de ação e discursos, formas de representação); 4) sugestões para o ensino de línguas (materna e estrangeira) que visam explicitar a relação existente entre forma e contexto (de situação e de cultura) e que possibilitam ao aluno dominar a linguagem para sua inserção social. Destaco aqui a definição da autora sobre ensino de línguas: “ensinar línguas é ensinar alguém a ser um analista do discurso” (p. 197). Cada vez mais o professor de línguas, seja materna ou estrangeira, deve se convencer de que a língua não se limita à estrutura gramatical e ao vocabulário, mas sim se constitui fundamentalmente nas relações entre eles e o contexto de uso dessa língua.

A presente obra constitui-se em uma importante contribuição para os estudos de gênero textual. Há propostas claras e interessantes sobre o ensino de gêneros e reflexões relevantes que abordam questões inexploradas pelos estudiosos da área. Os trabalhos se inserem em diferentes perspectivas de gênero textual (Swales, Nova Retórica, ISD, por exemplo), porém com notável ausência de referências à escola australiana. Além disso, os autores, de maneira geral, não justificaram suas opções por determinada escola de gênero. Este fato dificulta para o leitor, principalmente leigo, tomar decisões conscientes sobre qual escola adotar para seus estudos no assunto e para sua prática pedagógica. O livro se destina principalmente àqueles que já possuem uma boa noção das escolas de gênero.

REFERÊNCIAS

  • DIONÍSIO, A. P. Multimodal genres in the Brazilian popular scientific magazines: how do readers walk and feel through the texts? 2004. Mimeo.
  • EGGINS, S. An introduction to systemic functional linguistics. London: Pinter Publishers, 1994.
  • FAIRCLOUGH, N. Analysing discourse: textual analysis for social research. London; New York: Routledge, 2003.
  • MARTIN, J. Genre and literacy: modeling context in educational linguistics. Annual Review of Applied Linguistics, n. 13, p. 141-172, 1993.
  • ______. Mentoring semogenesis: ‘genre-based’ literacy pedagogy. In: CHRISTIE, F. (Ed.). Pedagogy and the shaping of consciousness. London: Continuum, 1999. p. 123-155.
  • SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Tradução e organização de Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas: Mercado de Letras, 2004.
  • SWALES, J. M.; FEAK, C. B. Academic writing for graduate students. Ann Arbor: The University of Michigan Press, 1994.
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    Este livro está sendo republicado por outra editora. A nova referência é: KARWOSKI, A. M.; GAYDECZKA, B.; BRITO, K. S. (Orgs.). Gêneros textuais: reflexões e ensino. 2. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lucerna, 2006.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Set 2024
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2006

Histórico

  • Recebido
    15 Out 2005
  • Aceito
    23 Nov 2005
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