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LACOSTE, YVES (ORG.). A GEOPOLÍTICA DO INGLÊS. SÃO PAULO: PARÁBOLA, 2005. 159P.

LACOSTE, Yves. A Geopolítica do Inglês. São PauloParábola2005159p

Um dos problemas que tem sido constantemente discutido na área da lingüística refere-se ao preconceito lingüístico. Muitas vezes, esse tema é analisado pelos teóricos, considerando apenas o aspecto da língua. O livro “A Geopolítica do Inglês” vem contribuir para o debate do preconceito lingüístico. Porém, o livro proporciona ao leitor uma análise mais ampla que vai além do domínio lingüístico. Neste livro, pode-se inferir que o preconceito lingüístico é conseqüência de uma globalização de um idioma imposto por um determinado país. No caso, focaliza-se como o inglês tem se destacado ao redor do mundo, isto é, se temos este idioma como língua de prestígio, isso se deve à expansão e ao predomínio político, econômico e cultural do Reino Unido e, mais recentemente, dos Estados Unidos.

O livro é composto de doze artigos que atêm à investida da língua inglesa em diversas partes do mundo. Também é interessante observar a interdisciplinaridade nos artigos. O avanço da língua inglesa e seus vários lugares sociais são tratados por pesquisadores de diversas áreas como a lingüística, a geografia, as relações internacionais, a sociologia e as ciências políticas. Desta feita, o leitor toma conhecimento da temática “geopolítica do inglês” através de olhares diferenciados.

O primeiro artigo, Por uma abordagem geopolítica da difusão do inglês, por Yves LacosteLACOSTE, Yves (Org.). A Geopolítica do Inglês. São Paulo: Parábola, 2005. 159p., discorre sobre o conceito desta geopolítica, que no seu entendimento diz respeito ao alcance, sobretudo político, econômico e ideológico do inglês e dos Estados Unidos. Para Lacoste, esse conceito extrapola a definição geográfica de uma língua sobre os territórios quando particulariza a discussão ao tratar de sua difusão como um fenômeno global, significando para diversas comunidades a língua de ascensão e de prestígio. Todos os lugares sociais onde o inglês toma assento contribuem para a manutenção, na ordem do dia, de tudo o que seja essencialmente americano. As conseqüências se traduzem no papel predominante dos E.U.A. na cena mundial e ditam as diretrizes para a condução das geopolíticas e das rivalidades entre este país e o resto do mundo.

Na seqüência, Jean-Marie Le Breton escreve Reflexões anglófilas sobre a geopolítica do inglês, que traz uma reflexão sobre as peculiaridades desta geopolítica, que, segundo ele, não tem precedentes na nossa história. A língua inglesa foi se moldando por questões atitudinais da Inglaterra e dos Estados Unidos como, por exemplo, suas conquistas e sua posição dominante em vários âmbitos e nas suas relações de poder com outros países. Deriva-se disto o fato de o inglês ter uma difusão bastante significativa e de carregar um teor de universalidade e de atração que se impõe sobre as populações, posto que se traduz numa língua de sucesso e dos povos invictos. Um outro traço relaciona-se a uma certa fluidez do idioma, que se caracteriza por uma ausência de pressões lingüísticas, facilitadora deste aprendizado. Por fim, Breton reflete sobre o futuro desta geopolítica quando diz que tudo depende da capacidade do idioma “de manter a atração que lhe confere toda a sua extensão geográfica e seu lugar na vida moderna” (p. 25).

O terceiro artigo é uma entrevista feita pela revista Hérodote com Hélene Gadriot-Renard, denominada O inglês: língua franca das instituições internacionais. Nele, a entrevistada avalia as relações sociais presentes na Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE), permeadas pela dominança do inglês. A maioria dos debates é conduzida neste idioma, expressando as relações de poder dentro deste organismo. Gadriot-Renard acredita ser este fato espelho da realidade lingüística atualmente vigente nas diversas instâncias internacionais que conferem um status de língua franca ao inglês.

O texto seguinte, de FrédéricK Douzet, denominado O pesadelo hispânico de Samuel Huntinton, analisa a tese criada por Huntington de que o estatuto da língua inglesa e a identidade americana estão sob forte ameaça da crescente imigração hispânica, sobretudo aquela ilegal e intermitente. Conforme Huntington, o grande afluxo de imigrantes, sobretudo mexicanos, não está sendo acompanhado de uma assimilação e uma integração lingüística e cultural americana. As condições atuais apontam para uma ausência de vontade de se integrarem, uma vez que estão sendo criadas “ilhas lingüísticas” dentro do país. Uma das causas reside na forte ligação desses imigrantes com seu país de origem, o que os leva a uma valoração identitária e cultural e à preservação de sua língua materna.

Douzet (p. 38) refuta estas afirmativas, ao dizer que o poder político e econômico do inglês não se apresenta sob ameaça e o que “determina a sobrevivência de uma língua é o interesse que ela pode representar como fator de ascensão social e econômica”, fato notadamente constante nas dinâmicas sociais nos E.U.A. Outro ponto importante na discussão refere-se à segregação social e étnica presente no país, o que leva naturalmente ao separatismo. Segundo Douzet, os entraves étnicolingüístico-sociais constantes na sociedade americana são, na verdade, reflexos de sua fragmentação e conduzem a várias conseqüências geopolíticas.

O próximo artigo, de David Lopez e Vanessa Estrada, intitula-se A ameaça hispânica: o espanhol ameaça o inglês dos Estados Unidos e contribui para o debate uma vez que discute o assunto quantificando os dados que refutam a tese de Huntington. Em oposição ao seu pensamento, os dados mostram o crescente número de gerações de hispânicos que se tornaram bilíngües e que dominam o inglês, fato negligenciado por aqueles que acreditam no surgimento de uma “outra América”, nos entraves étnicolingüísticos e numa ameaça hispânica. O que se percebe é um desejo de integração à sociedade americana sem, contudo prescindir dos valores e cultura hispânicos. Lopez e Estrada vêem a nova onda de imigração como uma revitalização de alguns idiomas e como um direcionamento salutar para uma nação multilingüe.

No tocante à presença e à influência do inglês na Índia, Annie Montaut escreve o artigo O inglês na Índia e o lugar da elite no projeto nacional, e o inicia relatando que esse idioma foi introduzido na Índia para que fosse utilizado por uma elite indiana que expressasse o pensamento do colonizador. A intenção também foi a de que fizesse uma intermediação entre as várias línguas e dialetos. Contudo, atualmente, a Índia apresenta um baixo índice da população que utiliza o inglês e continua apontando para uma tendência a um pluralismo lingüístico. A Índia é pontuada por contradições em diversos níveis, por uma grande diversidade e por uma extrema fluidez lingüística entre seus dialetos e línguas. Neste ambiente de contradições e diversidades, o inglês é a língua dos dominantes e da elite, da negligência para com os vernáculos e do desrespeito em relação aos falares locais. O inglês funcionou como a língua do cisma quando da descolonização e mostrou-se e mostra-se dominador, alienante e ideologizante.

O artigo de Philippe Sébille-Lopez, intitulado Os britânicos e a língua inglesa na África em geral e na Nigéria em particular, trata do desenvolvimento do inglês no continente africano, mais especificamente na Nigéria. O autor destaca a Nigéria por este país ter sido o primeiro de onde os britânicos fizeram sua incursão para o interior do continente africano. O artigo aponta três fases da língua inglesa na Nigéria. A primeira fase refere-se à colonização. Esta fase teve como característica o proselitismo religioso das igrejas cristãs (católica e protestantes), feito por meio da conversão religiosa e da instalação de escolas para o ensino da religião cristã. Nesta fase, os missionários aprendiam as línguas dos nativos, pois esse aprendizado era uma forma de atrair os nativos para o cristianismo. Como resultado dessa fase, o período de 1851 a 1864 foi marcado pela publicação do Novo Testamento na língua Ioruba e das gramáticas das línguas Efik, Kanuri, Ioruba e Hauçá.

A segunda fase é conhecida pela imposição do ensino da língua inglesa. Em 1880, o governo britânico decreta, como obrigatório, o ensino do inglês nas escolas organizadas pelos missionários. Esse decreto é conseqüência do comércio de exportação de produtos agrícolas da Nigéria para a Inglaterra, o que torna necessário uma língua franca na comunicação entre os comerciantes ingleses e os nativos do país. Essa língua franca foi o inglês. Desde então, o inglês tornou-se a língua oficial do país.

A terceira fase tem início no ano de 1960, quando a Nigéria declarou sua independência da Inglaterra. A partir dessa época, introduziu-se, no sistema educacional nigeriano, o ensino das línguas autóctones majoritárias (o Efik, o Hauça, o Ibo e o Ioruba) e do inglês como segunda língua. Observando as três fases, é importante salientar que o inglês, desde a segunda fase, tem sido a língua de prestígio na Nigéria. O autor do artigo cita um exemplo atual, a saber: a etnia Ibo. Essa etnia estigmatiza os falantes da língua materna. Nela, a língua oficial é o inglês. Segundo os Ibo, falar inglês significa obter a mesma inteligência dos brancos.

O oitavo artigo é uma entrevista com o geógrafo Philippe Gervais-Lambony. O assunto da entrevista é o cenário lingüístico da África do Sul. Atualmente há um multilingüismo onde são reconhecidas onze línguas nacionais e duas línguas estrangeiras, o inglês e o africânder (língua dos descendentes dos colonos holandeses). Apesar da existência do multilingüismo, verifica-se que a juventude dos centros urbanos tende a utilizar cada vez mais o inglês, enquanto a juventude das zonas rurais preserva o uso das línguas das etnias que compõem o país. Isso se deve ao acesso que a juventude dos centros urbanos tem à cultura anglófona.

No artigo, O inglês e as minorias étnicas no Reino Unido, a autora Delphine Papin destaca que, embora o Reino Unido sempre tenha prezado por uma política multilingüe, atualmente existe uma discussão para impor o inglês aos falantes estrangeiros. Tal mudança política deve-se aos protestos provocados por paquistaneses no verão de 2001 e ao atentado de 11 de setembro nos Estados Unidos.

No artigo O inglês por meio da música, Remi Giblin analisa o Rock’n Roll como um gênero musical propagador da língua inglesa. Esse gênero surge depois da Segunda Guerra Mundial, conquistando, principalmente, a juventude. A aceitação do Rock’n Roll deve-se ao fato de ser (i) uma música de ruptura com os padrões sociais estabelecidos na Segunda Guerra; (ii) uma música de protesto, principalmente na época da Guerra do Vietnã; e (iii) atualmente, uma música de consumo, conforme afirma a autora: “Hoje, o rock’n roll é praticamente apenas ‘pop music’, produto de consumo divertido” (p. 131).

O artigo O esperanto dos negócios é uma crônica elaborada por Pierre Biplan. O autor faz uma crítica à imposição do inglês como língua oficial na área do comércio internacional.

No último artigo, A geopolítica da língua inglesa e seus reflexos no Brasil, Kanavillil Rajagopalan critica algumas propostas de enfrentamento da hegemonia do inglês como a francofonia, o pan-hispanismo, o multiculturalismo e o esperanto. Para o autor, uma possível solução para o enfrentamento mais eficaz ao inglês está na adoção da noção de World English que representa a língua inglesa adaptada aos vários contextos lingüísticos.

Como se pode notar, essa obra representa uma leitura indispensável para os profissionais que trabalham com o ensino de línguas, pois contribui para uma reflexão sobre a atual situação lingüística do inglês ao redor do mundo. A importância de conhecermos este cenário mundial está, principalmente, no fato de se buscar uma leitura mais crítica em relação à imposição deste idioma sobre outras culturas e, ao mesmo tempo, propormos soluções que viabilizem um ensino que valorize e respeite as etnias que adotam essa língua como língua estrangeira ou como segunda língua.

  • LACOSTE, Yves (Org.). A Geopolítica do Inglês. São Paulo: Parábola, 2005. 159p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Set 2024
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2006

Histórico

  • Recebido
    03 Dez 2005
  • Aceito
    31 Jan 2006
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