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RELAÇÕES EPISTÊMICAS E IMPOLIDEZ LINGUÍSTICA EM COMENTÁRIOS DO TWITTER/X SOBRE UM DEBATE PRESIDENCIAL

EPISTEMIC RELATIONS AND LINGUISTIC IMPOLITENESS IN TWITTER/X COMMENTS ON A PRESIDENTIAL DEBATE

RELACIONES EPISTÉMICAS E IMPOLIDEZ LINGÜÍSTICA EN COMENTARIOS DE TWITTER/X SOBRE UN DEBATE PRESIDENCIAL

Resumo

Este artigo apresenta uma análise das reações de usuários do Twitter/X ao debate eleitoral presidencial transmitido pela TV Globo em 28 de outubro de 2022. Ao combinar o Princípio da Reciprocidade Epistêmica (PRE) com os estudos sobre dimensão epistêmica na Análise da Conversa, o artigo examina até que ponto o exercício da impolidez linguística está articulado à negociação da agência epistêmica na interação digital. Os dados provêm de um corpus com 2.522 tweets únicos, contendo hashtags. Os resultados revelaram que as perguntas desafiadoras assumiram o papel de reorientar o tópico da interação, além de manifestarem postura avaliativa. Quanto à expressão de discordância, os usuários se mostraram ciosos de seu território epistêmico, cuja defesa estava associada ao exercício da impolidez. Foi verificado também que os recursos próprios da plataforma Twitter/X, tais como as hashtags, cumpriram o papel de sancionar a natureza transacional do debate.

Palavras-chave:
Twitter/X; Impolidez linguística; Relações epistêmicas

Abstract

This paper presents an analysis of Twitter/X users’ reactions to the Brazilian presidential debate broadcast by Globo T.V. on 28th October 2022. By combining the Principle of Epistemic Reciprocity (PER) with studies on the epistemic dimension in Conversation Analysis, the paper examines to what extent linguistic impoliteness is associated with the negotiation of epistemic agency in digital interaction. The data was extracted from a corpus of 2,522 unique tweets containing hashtags, featured as trending topics. The results revealed the role of challenging questions in reorienting the interactional topic and expressing stance. As for the manifestation of disagreement, users were cautious in protecting their epistemic territory, which they did by enacting impoliteness. The affordances of Twitter/X, such as hashtags, also played a key role in how the users sanctioned the transactional nature of the debate.

Keywords:
Twitter/X; Linguistic impoliteness; Epistemic relations

Resumen

Este artículo presenta un análisis de las reacciones de los usuarios de Twitter/X al debate electoral presidencial transmitido por TV Globo el 28 de octubre de 2022. Al combinar el Principio de Reciprocidad Epistémica (PRE) con los estudios sobre la dimensión epistémica en el Análisis de la Conversación, el artículo examina hasta qué punto el ejercicio de la impolidez lingüística está articulado con la negociación de la agencia epistémica en la interacción digital. Los datos provienen de un corpus con 2.522 tweets únicos, que contienen hashtags. Los resultados revelaron que las preguntas desafiantes asumieron el papel de reorientar el tema de la interacción, además de manifestar una postura evaluativa. En cuanto a la expresión de desacuerdo, los usuarios mostraron ser celosos de su territorio epistémico, cuya defensa estaba asociada al ejercicio de la impolidez. También se verificó que los recursos propios de la plataforma Twitter/X, como los hashtags, cumplieron con la función de sancionar la naturaleza transaccional del debate.

Palabras clave:
Twitter/X; Impolidez lingüística; Relaciones epistémicas

1 UMA VISÃO GERAL DO ESTUDO

Este artigo apresenta uma análise das reações de usuários do Twitter/X ao debate eleitoral presidencial transmitido pela TV Globo em 28 de outubro de 2022. Ao combinar o Princípio da Reciprocidade Epistêmica (PRE) (Tantucci; Wang; Culpeper, 2022TANTUCCI, V.; WANG, A.; CULPEPER, J. Reciprocity and Epistemicity: On the (Proto) Social and Cross-Cultural ‘Value’ of Information Transmission. Journal of Pragmatics, v. 194, n. 1, p. 54-70, 2022. DOI: https://doi.org/10.1016/j.pragma.2022.04.012.
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) com os estudos sobre dimensão epistêmica na Análise da Conversa (Heritage, 2012aHERITAGE, J. Epistemics in Action: Action Formation and Territories of Knowledge. Research on Language and Social Interaction, v. 45, n. 1, p. 1-29, 2012a., 2012b, 2013a, 2013b, 2018a), este artigo examina em que medida o exercício da impolidez linguística está articulado à negociação da agência epistêmica na interação digital, especificamente no Twitter/X. Partimos do pressuposto de que as interações baseadas em tela exigem novas formas de descrever e analisar o trabalho interacional e a própria troca de conhecimento (Knowledge exchange, ou simplesmente Ke, daqui para a frente), e tendo em vista os recursos (affordances) inerentes à esfera cibernética, tais como hashtags, links multimedia, emojis e memes.

Embora possa haver maior tendência à impolidez verbal no mundo digital, motivada principalmente pela sensação de anonimato e impunidade, há também uma expectativa de maior dependência do contexto imediato (Zapagigna, 2018), que, conforme nossa hipótese, incide sobre a reinvindicação da agência epistêmica, ou seja, sobre o modo como os usuários buscam ativamente legitimar seus saberes ou crenças em determinada interação. É necessário, portanto, compreender como esses mesmos usuários se envolvem na troca comunicativa virtual, como avaliam e retribuem a informação recebida, bem como de que forma ratificam ou refutam o conhecimento coletivamente construído (Taguchi, 2015TAGUCHI, N. Contextually Speaking: A Survey of Pragmatic Learning Abroad, in Class, and Online. System, v. 48, p. 3-20, 2015. DOI: https://doi.org/10.1016/j.system.2014.09.001
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). Também nos apoiamos na noção de que, nos atos de fala envolvendo Ke, o conhecimento é visto simbolicamente como um “bem” ou um “atributo”, a ser legitimado entre os interactantes.

Trabalhamos com duas hipóteses interligadas. Primeiro, os usuários compartilham de um objetivo comum (reagir ao debate eleitoral), que só é alcançável por meio da Ke. Segundo, é também admissível esperar que as interações entre esses usuários apresentem alguns padrões interacionais específicos de (im)polidez influenciados pelo PRE e associados à negociação de autoridade epistêmica.

Dito isto, questionamos como a autoridade epistêmica é negociada pelos usuários do Twitter em seus comentários acerca do debate eleitoral brasileiro de 28 de outubro de 2022; e até que ponto o PRE é exercitado nesses comentários e em que medida esse exercício afeta a reivindicação da agência epistêmica. Embora esse tema já tenha sido tratado por outros pesquisadores sob diferentes ângulos (Yus, 2021YUS, F. Cyberpragmatics in the Age of Locative Media. In: XIE, C.; YUS, F.; HABERLAND, H. (eds.). Approaches to Internet Pragmatics: Theory and Practice. Amsterdam: John Benjamins, 2021. p. 75-105.; Cunha; Oliveira, 2020OLIVEIRA, A. L. A. M.; CARNEIRO, M.M. # elesim,# elenão,# elasim,# elanão: o Twitter e as hashtags de amor e de ódio na campanha presidencial brasileira de 2018. Linguagem em (Dis) curso, v. 20, n. 1, p. 33-49, 2020.; Oliveira; Marques, 2023), acreditamos que nossa perspectiva seja inovadora em razão de englobar conhecimentos acerca da reciprocidade epistêmica, do exercício da (im)polidez e das teorias sobre dimensão epistêmica, que vão ancorar a análise, baseada em corpus extraído do ambiente digital.

Em suma, como o PRE se baseia nas normas coletivas da comunidade na qual ele é exercitado, é nosso interesse investigar como os usuários do Twitter/X reagem aos metacomentários uns dos outros sobre o debate eleitoral presidencial brasileiro de 2022. Mediante esse panorama inicial, discutimos na próxima seção a reciprocidade epistêmica e sua relação com o exercício da impolidez linguística.

2 RECIPROCIDADE EPISTÊMICA E IMPOLIDEZ LINGUÍSTICA

Na perspectiva de Culpeper e Tantucci (2021CULPEPER, J.; TANTUCCI, V. The Principle of (Im)Politeness Reciprocity. Journal of Pragmatics, v. 175, n. 3/4, p. 146-164, 2021. DOI: https://doi.org/10.1016/j.pragma.2021.01.008.
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, p. 150), reciprocidade define-se como “uma restrição na interação humana tal que há pressão para corresponder à (im)polidez percebida ou antecipada de outros participantes, mantendo assim uma balança de pagamentos”. Como tal, se pedidos formulados de forma polida tendem a gerar um tipo de crédito a ser retribuído de forma igualmente polida, um insulto, por sua vez, “pode ser retribuído com um contra-insulto, elaborado de modo igualmente impolido” (Culpeper; Tantucci, 2021, p. 150).

Tal perspectiva encontra pontos em comum na análise dos ganhos obtidos quando os atos de fala envolvendo Ke são desempenhados, como também propõem Tantucci, Wang e Culpeper (2022TANTUCCI, V.; WANG, A.; CULPEPER, J. Reciprocity and Epistemicity: On the (Proto) Social and Cross-Cultural ‘Value’ of Information Transmission. Journal of Pragmatics, v. 194, n. 1, p. 54-70, 2022. DOI: https://doi.org/10.1016/j.pragma.2022.04.012.
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) no PRE. Desse princípio geral derivam duas máximas epistêmicas: (a) a Máxima do Engajamento (esteja interessado - Máxima E); (b) a Máxima da Troca de Conhecimento (retribua o conhecimento recebido - M áxima Ke). A (in)observância das máximas enunciadas no PRE é, portanto, percebida como uma ferramenta útil para esclarecer como a (im)polidez e a Ke se relacionam. Além disso, ao abordar o fluxo imediato de comunicação (o “aqui e agora”) ou levando-se em conta o registo de interações anteriores (“a longo prazo”), a autoridade epistêmica também é vista como um fenômeno intrinsecamente associado à Ke.

Quanto aos tipos de atos de fala que envolvem Ke, eles podem ser especificados mediante a definição de alguns papéis interacionais - por exemplo, o ofertante da informação (OI) e o receptor da informação (RI), como sugerem Tantucci, Wang e Culpeper (2022TANTUCCI, V.; WANG, A.; CULPEPER, J. Reciprocity and Epistemicity: On the (Proto) Social and Cross-Cultural ‘Value’ of Information Transmission. Journal of Pragmatics, v. 194, n. 1, p. 54-70, 2022. DOI: https://doi.org/10.1016/j.pragma.2022.04.012.
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) no PRE. Além desses papéis, a influência de terceiras partes também é emergente em interações do tipo de Ke, tornando a questão da reciprocidade epistêmica bastante complexa. Esse é o caso, por exemplo, de falantes não diretamente abordados na troca comunicativa face a face, mas que são nela citados ou evocados. Ainda mais interessante é o caso das interações digitais, em que não é incomum que os comentários publicados pelos usuários sejam dirigidos à comunidade como um todo e não apenas a indivíduos específicos.

Do ponto de vista do OI, os atos de fala que envolvem Ke podem contribuir para a manutenção da autoridade epistêmica dos usuários que os realizam, principalmente quando estes se impõem como fontes confiáveis de conhecimento. O inverso também pode ser identificado, com os direitos epistêmicos dos OI sendo postos em dúvida ou refutados porque a informação por eles fornecida é percebida como imprecisa, inadequada ou irrelevante. Os RIs, por outro lado, tendem a se preocupar em projetar uma postura colaborativa quando se envolvem em Ke. Isso pode ser feito, por exemplo, pela demonstração de interesse e pelas contribuições de outros usuários, bem como pelo reconhecimento de que as informações recebidas, ou as avaliações feitas, são genuínas, válidas ou úteis.

Em termos do material linguístico empregado nos atos de fala de Ke, as formas mais convencionalizadas de promulgar o PRE comumente abrangem expressões de confirmação (backchanneling), marcadores pragmáticos de concordância e outras estratégias de alinhamento interacional (Tantucci; Wang; Culpeper, 2022TANTUCCI, V.; WANG, A.; CULPEPER, J. Reciprocity and Epistemicity: On the (Proto) Social and Cross-Cultural ‘Value’ of Information Transmission. Journal of Pragmatics, v. 194, n. 1, p. 54-70, 2022. DOI: https://doi.org/10.1016/j.pragma.2022.04.012.
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, p. 54). O emprego desses recursos reflete as duas máximas que regem o PRE (anteriormente mencionadas), bem como algumas de suas correspondentes submáximas, a saber (Tantucci; Culpeper; Wang, 2022, p. 55):

Máxima de engajamento - E - Seja interessado:

i. Envolva-se abertamente com P de modo a comunicar que P é relevante.

ii. Evite responder a P com informações que não sejam relevantes para P.

Máxima da troca de conhecimento - Ke - Seja interessante em troca:

i. Produza novo conhecimento proposicional Q em retorno a P.

ii. Evite a ausência de qualquer conhecimento proposicional (seja P ou Q) em retorno a P.

Podemos, portanto, assumir que um dos resultados derivados da propriedade transacional do PRE é que a reciprocidade epistêmica se entrelaça com a autoridade epistêmica (Heritage, 2002HERITAGE, J. The Limits of Questioning: Negative Interrogatives and Hostile Question Content. Journal of pragmatics v. 34, p. 1427-1446, 2002. DOI: https://doi.org/10.1016/S0378-2166(02)00072-3 .
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; Raymond; Clift; Heritage, 2021RAYMOND, C. W.; CLIFT, R.; HERITAGE, J. 2021. Reference without Anaphora: On Agency through Grammar. Linguistics, v. 59, n. 3, 2021. DOI: https://doi.org/10.1515/ling-2021-0058.
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). Desse ponto de vista, embora a balança de pagamentos comportamentais que envolve a reciprocidade seja uma tendência universal, acredita-se também que o processo seja afetado por idiossincrasias culturais e pelo contexto imediato, ou seja, pelas relações de poder, hierarquia social e outros fatores contextuais (Culpeper; Oliver; Tantucci, 2021CULPEPER, J.; TANTUCCI, V. The Principle of (Im)Politeness Reciprocity. Journal of Pragmatics, v. 175, n. 3/4, p. 146-164, 2021. DOI: https://doi.org/10.1016/j.pragma.2021.01.008.
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). Dessa constatação resulta a noção de que, ao ratificar o PRE, a quantidade de material linguístico produzido possa sugerir que foi feito um esforço extra, especialmente quando os interlocutores pretendem demonstrar que contraíram um “débito” proveniente da Ke. Nessas ocasiões, eles são influenciados pela Máxima Ke e tendem a produzir novos conteúdos proposicionais para retribuírem o conhecimento recebido “na mesma moeda”. Por outro lado, quando o RI não reutiliza ou reformula o conteúdo enunciado pelo OI, seu comportamento comumente gera implicaturas de dissociação ou de desinteresse (Culpeper; Oliver; Tantucci, 2021).

Em outras palavras, a inobservância do PRE pode refletir uma falta de envolvimento social, enquanto seu cumprimento tende a implicar filiação social. Independentemente das circunstâncias, no entanto, parece ser benéfico analisar o papel da autoridade epistêmica nas interações do ponto de vista do PRE, como pretendemos fazer neste texto. Tendo discutido a noção de (im)polidez, reciprocidade e autoridade epistêmica nos atos de fala de Ke, faremos na próxima seção uma breve apresentação do modo como a noção de episteme tem sido abordada no âmbito da Análise da Conversa. Em seguida, discutiremos a relação entre engajamento social online e epistemicidade.

3 DIMENSÃO EPISTÊMICA E INTERAÇÃO

No âmbito da Análise da Conversa (AC), a pesquisa sobre episteme (ou sobre a dimensão epistêmica da interação) trata do modo como os conhecimentos são assertados, contestados, defendidos, etc. pelos interlocutores em turnos de fala e em sequências de interação (Heritage, 2012aHERITAGE, J. Epistemics in Action: Action Formation and Territories of Knowledge. Research on Language and Social Interaction, v. 45, n. 1, p. 1-29, 2012a., 2012b, 2013a, 2018a, Drew, 2018DREW, P. Epistemics in Social Interaction. Discourse studies, v. 20, n. 1, p. 163-187, 2018.). Na perspectiva de Heritage (2012a, 2012b, 2013a, 2018a)1 1 Em Cunha (2023), encontra-se uma apresentação complementar a esta sobre a dimensão epistêmica, tal como desenvolvida no âmbito da AC. , essa pesquisa resulta da convergência de duas correntes de estudo. A primeira, oriunda da AC, considera que os interactantes, a cada passo da interação, estão fortemente atentos ao modo como expressam e veiculam informação (Terasaki, 2004TERASAKI, A. Pre-Announcement Sequences in Conversation. In: LERNER, G. H. (ed.). Conversation Analysis: Studies from the First Generation. Amsterdam: John Benjamins, 2004 [1976]. p. 171-223.[1976]; Goodwin 1979GOODWIN, C The interactive Construction of a Sentence in Natural Conversation. In: PSATHAS, G (ed.) Everyday Language: Studies in Ethnomethodology. New York: Irvington, 1979. p. 97-121.; Heritage 1984), o que significa que a produção de cada turno e o desenvolvimento da sequência dependem da maneira como o locutor avalia o background de conhecimentos do(s) interlocutor(es) (Heritage, 2013a). Assim, se após o locutor anunciar que vai dar uma notícia o interlocutor informa que já a conhece, o locutor será levado a rever o modo de desenvolvimento da sequência, adotando outro comportamento (Terasaki, 2004[1976]; Heritage, 2013a).

A segunda corrente de estudos da pesquisa sobre episteme tem origem em autores que pertencem a horizontes teóricos distintos, como a sociolinguística (Labov; Fanshel, 1977LABOV, W.; FANSHEL, D. Therapeutic Discourse: Psychotherapy as conversation. New York: Academic Press. 1977.), a pragmática (Kamio, 1997KAMIO, A. Territory of Information. Amsterdam: John Benjamins, 1997.), a AC (Pomerantz, 1980POMERANTZ, A. M. Telling my Side: ‘Limited Access’ as a ‘Fishing Device’. Sociological Inquiry, v. 50, p. 186-198, 1980.) e o funcionalismo (Chafe; Nichols, 1986CHAFE, W.; NICHOLS, J. Evidentiality: The Linguistic Coding of Epistemology. Norwood: Ablex, 1986.), mas que se aproximam ao considerarem que o background epistêmico dos enunciados tem impacto sobre como eles serão interpretados. Assim, para autores como Labov e Fanshel (1977) e Pomerantz (1980), esse background (ou o tipo de conhecimento (Pomerantz, 1980)) terá precedência sobre a construção (declarativa ou interrogativa) do enunciado, auxiliando na definição da ação realizada por meio dele.

Por exemplo, numa interação médico e paciente, a sentença declarativa produzida pelo médico “Você é casado” será entendida pelo paciente não como uma asserção, mas como um pedido de informação (Heritage, 2013aHERITAGE, J. Epistemics in Conversation. In: SIDNELL, J.; STIVERS, T. (eds.). The Handbook of Conversation Analysis. Chichester: Blackwell, 2013a. p. 370-394.), tendo em vista que, nos termos de Labov e Fanshel (1977LABOV, W.; FANSHEL, D. Therapeutic Discourse: Psychotherapy as conversation. New York: Academic Press. 1977.), a sentença expressa um B-evento - evento conhecido de B (paciente), mas não de A (médico) (Heritage, 2013a). Do ponto de vista linguístico, recursos como os evidenciais e os modalizadores epistêmicos podem ser usados pelos falantes para expressar diferentes graus de compromisso com o conteúdo de suas asserções e, consequentemente, o grau de pertencimento desse conteúdo a seu território de informação (Kamio, 1997KAMIO, A. Territory of Information. Amsterdam: John Benjamins, 1997.; Heritage, 2013a).

Propondo a convergência de contribuições dessas duas correntes de estudo, Heritage (2012aHERITAGE, J. Epistemics in Action: Action Formation and Territories of Knowledge. Research on Language and Social Interaction, v. 45, n. 1, p. 1-29, 2012a., 2013a) advoga estudar a dimensão epistêmica de uma sequência com base nestes conceitos centrais:

  • a) Domínios epistêmicos: conjuntos de informações a que um indivíduo pode ter acesso (política externa, aquecimento global, sua vida pessoal, física quântica, música popular brasileira, etc.).

  • b) Território epistêmico: reservas de informações que o indivíduo possui e cujo acesso ele tenta controlar/preservar. Cada locutor, A e B, se define pela posse de um território epistêmico (Goffman, 1971GOFFMAN, E. The Territories of the Self. In: GOFFMAN, E. Relations in Public: Microstudies of the Public Order. New York: Basic Books, 1971. p. 28-61. ​, Kamio, 1997KAMIO, A. Territory of Information. Amsterdam: John Benjamins, 1997.).

  • c) Status epistêmico: acesso relativo (maior ou menor, mais ou menos direto) dos interlocutores a domínios de conhecimento, bem como seus direitos e responsabilidades sobre esses domínios (Kamio, 1997KAMIO, A. Territory of Information. Amsterdam: John Benjamins, 1997.).

  • d) Postura (stance) epistêmica: modo como, ao longo da interação, os interlocutores efetivamente expressam seu status epistêmico por meio das linguagens verbal e não-verbal.

Desses conceitos, os de status e postura epistêmicos são os mais relevantes na proposta e receberão aqui mais atenção. No que se refere ao status, um domínio de informações pode exibir diferentes graus de pertencimento aos territórios dos interactantes. Por isso, cada interactante será mais ou menos conhecedor das informações desse domínio (Kamio, 1997KAMIO, A. Territory of Information. Amsterdam: John Benjamins, 1997., Heritage, 2013). O status epistêmico refere-se a esse posicionamento (K+ ou K-, tal que a letra K representa a inicial de knowledge) de cada interactante um em relação ao outro. Trata-se de um posicionamento que corresponde à compreensão de que dispõem os interactantes sobre seu acesso ao domínio epistêmico, bem como de seu direito a abordá-lo (Heritage, 2012a, 2012b, 2013a, 2013b, 2018a).

Por exemplo, se o locutor visitou uma cidade que o interlocutor desconhece, o locutor será K+ em relação ao interlocutor. Porém, se o mesmo locutor conversa com alguém que nela morou por dois anos, ele será K- em relação ao interlocutor, o que evidencia a natureza inerentemente relacional e relativa do status (Heritage, 2013, 2018a). O status abarca ainda como dado referente tornou-se conhecido (por meio de qual método, com qual grau de certeza, de novidade, etc.) (Heritage, 2012a, 2012b, 2013a, 2018a).

Já a postura (stance) epistêmica diz respeito ao modo como, ao longo da interação, os interlocutores efetivamente expressam seu status epistêmico por meio das linguagens verbal e não-verbal. Conforme Heritage (2012aHERITAGE, J. Epistemics in Action: Action Formation and Territories of Knowledge. Research on Language and Social Interaction, v. 45, n. 1, p. 1-29, 2012a., p. 6),

Se o status epistêmico quanto a um domínio epistêmico é concebido como uma característica um tanto duradoura de relações sociais, a postura epistêmica, ao contrário, corresponde à expressão a cada momento dessas relações, como gerida por meio do design dos turnos de fala.

Segundo o autor, cada locutor, de modo geral, costuma preservar a consistência entre a postura epistêmica materializada no turno de fala e o status epistêmico que o define em relação ao interlocutor. Da mesma forma, cada locutor costuma preservar a congruência entre sua postura e o status epistêmico do interlocutor. Heritage (2012aHERITAGE, J. Epistemics in Action: Action Formation and Territories of Knowledge. Research on Language and Social Interaction, v. 45, n. 1, p. 1-29, 2012a., p. 7) expressa essa tendência, observada em análises de sequências, por meio de um princípio de congruência epistêmica: “a postura epistêmica codificada em um turno de fala normalmente convergirá com o status epistêmico do falante em relação ao tópico e ao recipiente”. Porém, como observa o autor (2012a, p. 7),

o status epistêmico pode ser disfarçado por pessoas que usam a postura epistêmica para parecer mais ou menos conhecedoras do que realmente são. Exigências interacionais podem obrigar a (ou simplesmente resultar em) divergências entre status e postura.

Nesses casos, verifica-se a produção de enunciados não congruentes, ou seja, enunciados em que há uma discrepância ou divergência entre status e postura. É o que exemplificam, por exemplo, as chamadas perguntas retóricas, em que o locutor conhece a resposta da pergunta que faz (Heritage, 2013aHERITAGE, J. Epistemics in Conversation. In: SIDNELL, J.; STIVERS, T. (eds.). The Handbook of Conversation Analysis. Chichester: Blackwell, 2013a. p. 370-394., 2013b).

Por meio das noções aqui brevemente definidas, pode-se acompanhar o modo como, ao longo de uma sequência, os interlocutores fazem a gestão de fronteiras de domínios epistêmicos. Essa gestão se realiza ao longo dos turnos por meio do estabelecimento de (in)congruências epistêmicas e da negociação de prioridade e subordinação epistêmicas (Heritage, 2012aHERITAGE, J. Epistemics in Action: Action Formation and Territories of Knowledge. Research on Language and Social Interaction, v. 45, n. 1, p. 1-29, 2012a., 2012b, 2013a). Além disso, trata-se de fenômeno complexo, na medida em que resulta da interseção entre os direitos dos interlocutores para fazer avaliações, o modo de construção do turno (ou seu design) e a posição sequencial do turno (Heritage; Raymond, 2005).

Conforme Heritage e Raymond (2005HERITAGE, J.; RAYMOND, G. The terms of Agreement: Indexing Epistemic Authority and Subordination in Talk-in-Interaction. Social Psychology Quarterly, v. 68, n. 1, p. 15-38, 2005.) e Raymond e Heritage (2006), em sequências de avaliação (iniciadas por uma avaliação), a ação de ser o primeiro a avaliar algum tópico traz uma reivindicação implícita de prioridade (ou primazia) epistêmica, ao passo que a ação de ser o segundo traz uma implícita reivindicação de subordinação epistêmica. Assim, ao realizar uma primeira avaliação, o locutor pode tentar eliminar a implicação de que reivindica direitos primários para avaliar esse tópico. Por sua vez, o locutor que produz uma segunda avaliação (ou “avaliações responsivas” (Raymond; Heritage, 2006) pode tentar eliminar a implicação de que seus direitos para avaliar são secundários em relação ao primeiro locutor (Heritage; Raymond, 2005; Raymond; Heritage, 2006).

Heritage e Raymond (2005HERITAGE, J.; RAYMOND, G. The terms of Agreement: Indexing Epistemic Authority and Subordination in Talk-in-Interaction. Social Psychology Quarterly, v. 68, n. 1, p. 15-38, 2005.) identificam uma variedade de recursos que permitem aos interlocutores modificar sua postura epistêmica, rebaixando (downgrading) ou elevando (upgrading) sua reivindicação de prioridade epistêmica. Assim, as primeiras avaliações podem ser rebaixadas com o uso de evidenciais, modalizadores epistêmicos e tag questions, recursos com os quais o locutor revela um acesso secundário ao referente, em relação ao interlocutor. Já as segundas avaliações podem ser melhoradas com o uso de confirmação (repetição parcial do turno anterior) mais token de concordância (como sim, isso mesmo) (Heritage; Raymond, 2005; Stivers, 2005STIVERS, T. Modified Repeats: One Method for Asserting Primary Rights from Second Position. Research on Language and Social Interaction, v. 38, n. 2, p. 131-158, 2005.), com o uso de marcadores conversacionais, como o “oh” do inglês, prefaciando as avaliações (Heritage, 2018b), bem como com o uso tag questions ou de interrogações negativas. De acordo com Heritage e Raymond (2005), o falante, por meio desses dois últimos recursos, atenua o status de sua avaliação como sendo de “segunda posição”, porque fornece uma “nova” primeira parte do par adjacente a ser respondida pelo primeiro locutor.

Neste trabalho, entendemos ser necessária a articulação entre a pesquisa sobre dimensão epistêmica e os estudos sobre impolidez, tendo em vista a natureza do objeto que investigamos (as reações de usuários do Twitter/X a um debate eleitoral presidencial). Assim, a abordagem, aqui brevemente apresentada, pode auxiliar na análise da gestão de fronteiras de domínios epistêmicos. Partindo do princípio de que a AC constitui arcabouço metodológico adequado para o estudo de interações online (Meredith; Potter, 2014MEREDITH, J.; POTTER, J. Conversation Analysis and Electronic Interactions: Methodological, Analytic and Technological Considerations. In: LIM, H. L.; SUDWEEKS, F. (eds.). Innovative Methods and Technologies for Electronic Discourse Analysis. Pensilvânia: IGI Global, 2014. p. 370-393.), entendemos que a elaboração de um tweet lida essencialmente com a gestão de domínios epistêmicos (quem tem mais ou menos direitos para expressar conhecimentos) e permite a um usuário do Twitter reivindicar ou ceder autoridade epistêmica relativa a determinado tópico. Além disso, porque as identidades se constituem na própria gestão da dimensão epistêmica (Raymond; Heritage, 2006RAYMOND, G.; HERITAGE, J. The Epistemics of Social Relations: Owning Grandchildren. Language in Society, v. 35, p. 677-705, 2006.), a realização de comportamentos impolidos, por meio dos quais os usuários do Twitter reivindicam o pertencimento a determinados grupos (ou comunidades), é parte inerente do modo como esses usuários controlam o acesso a domínios epistêmicos e assumem determinadas posturas de maior ou menor conhecimento.

4 A EPISTEMICIDADE NAS INTERAÇÕES DIGITAIS

Na esfera digital, os indicadores gestuais, proxêmicos, paralinguísticos e prosódicos que comumente acompanham a fala estão ausentes e parcialmente substituídos por elementos não verbais, como hashtags, emojis, adesivos, imagens e outras affordances do meio digital (Gibson, 1977GIBSON, J. The Theory of Affordances. Hilldale, USA, v. 1. n. 2, p. 67-82, 1977.; Unger, 2016UNGER, J. W. The Interdisciplinarity of Critical Discourse Studies Research. Palgrave Communications, v. 2, n 1, p. 1-4, 2016.; Cunha; Oliveira, 2020OLIVEIRA, A. L. A. M.; CARNEIRO, M.M. # elesim,# elenão,# elasim,# elanão: o Twitter e as hashtags de amor e de ódio na campanha presidencial brasileira de 2018. Linguagem em (Dis) curso, v. 20, n. 1, p. 33-49, 2020.; Yus, 2021YUS, F. Cyberpragmatics in the Age of Locative Media. In: XIE, C.; YUS, F.; HABERLAND, H. (eds.). Approaches to Internet Pragmatics: Theory and Practice. Amsterdam: John Benjamins, 2021. p. 75-105.; Scott 2022SCOTT, K. Pragmatics Online. London: Routledge, 2022.). Como salienta Scott (2022, p. 84), “com relativa facilidade podemos alterar o tamanho, a cor e o tipo de letra do texto online”, o que ajuda os usuários a realizarem os atos de fala pretendidos (Austin, 1975AUSTIN, J. L. How to Do Things with Words. Oxford: Oxford University, 1975.).

Nessa direção, considerando que as práticas sociais são governadas por regras linguísticas de conduta que orientam como os interactantes devem agir uns em relação aos outros, a reciprocidade da polidez pode ser vista como “um curso normal de ações” (Garfinkel, 1967GARFINKEL, H. Studies in Ethnomethodology. Englewood Cliffs: Prentice Hall, 1967., p. 225). Como tal, ela envolve “trocas rotineiras e saudações recíprocas, despedidas, favores e agradecimentos, pedidos e conformidades, afirmações e reconhecimentos” (Culpeper; Tantucci, 2021CULPEPER, J.; TANTUCCI, V. The Principle of (Im)Politeness Reciprocity. Journal of Pragmatics, v. 175, n. 3/4, p. 146-164, 2021. DOI: https://doi.org/10.1016/j.pragma.2021.01.008.
https://doi.org/10.1016/j.pragma.2021.01...
, p. 151-152), utilizadas para demonstrar afiliações e colaboração. Em contrapartida, insultos, sarcasmo e afirmações negativas também podem assumir um papel importante, particularmente no caso da esfera digital (Tagg; Seargeant; Brown, 2017TAGG, C., SEARGEANT, P.; BROWN, A. A. Taking Offence on Social Media: Conviviality and Communication on Facebook. Cham: Palgrave Macmillan, 2017.).

Outro componente importante que se correlaciona com a reciprocidade é a convencionalização, uma vez que os interactantes tendem a agir conforme o esperado em uma determinada comunidade (Terkourafi, 2005TERKOURAFI, M. Beyond the Micro-Level of Politeness Research. Journal of Politeness Research, v. 1, n. 2, p. 237-262, 2005. DOI: https://doi.org/10.1515/jplr.2005.1.2.23.
https://doi.org/10.1515/jplr.2005.1.2.23...
; Culpeper, 2011CULPEPER, J. Impoliteness: Using Language to Cause Offence. Cambridge: Cambridge University Press, 2011. DOI:https://doi.org/10.1075/jlac.1.2.06silxxxx.
https://doi.org/10.1075/jlac.1.2.06silxx...
), ainda que um certo nível de criatividade linguística também possa emergir do comportamento (im)polido (Culpeper; Oliver; Tantucci, 2021). É o que acontece quando os usuários recorrem à (im)polidez para reforçar os laços e para ajudar a disseminar ideias e sentimentos (Gibson, 1977GIBSON, J. The Theory of Affordances. Hilldale, USA, v. 1. n. 2, p. 67-82, 1977.; Scott, 2022SCOTT, K. Pragmatics Online. London: Routledge, 2022.). Além disso, também do ponto de vista das interações virtuais, novos conteúdos proposicionais, particularmente quando/se relacionados com o tema em discussão, também podem ser creditados como inovadores e, portanto, servem para reivindicar direitos epistêmicos sobre a informação que está sendo transmitida.

No caso do Twitter/X, trata-se de uma plataforma social digital caracterizada pela limitação no tamanho das mensagens gratuitas (280 caracteres por publicação, na inscrição gratuita) e pelo fato de não exigir que respostas diretas sejam oferecidas a mensagens anteriores, embora, algumas vezes, possam ocorrer interações baseadas na organização sequencial e na troca efetiva de turnos (Zappavigna, 2018ZAPPAVIGNA, M. Searchable Talk: Hashtags and Social Media Metadiscourse. London: Bloomsbury, 2018.). O fluxo de mensagens no Twitter/X também permite a ocorrência de conversas com múltiplos usuários, o que o classifica dentro do formato “destinatário e grande grupo” (Dynel, 2023DYNEL, M. Hashtag swearing: Pragmatic polysemy and polyfunctionality of# FuckPutin as solidary flaming. Journal of Pragmatics, v. 209, p. 108-122, 2023.). Essa propriedade da plataforma foi o ângulo principal com base no qual coletamos os dados deste artigo, produzidos por e destinados a usuários não identificados (ou a grupos não identificados de usuários), congregados por meio da #DebatenaGlobo, como se verá a seguir.

5 METODOLOGIA

Nossos dados foram extraídos do Twitter/X e provêm dos comentários dos usuários sobre o debate presidencial de 28/09/22, transmitido pela Rede Globo. Nas quarenta e oito horas que seguiram ao evento, a #DebatenaGlobo figurou como um trending topic (tópico mais comentado do Twitter/X) e provocou reações nos usuários da plataforma, que utilizaram essa e outras hashtags para responderem à pergunta: “Quem venceu o debate na Globo ontem?”. O corpus foi incialmente coletado para um estudo maior, desenvolvido por Olivera e Miranda2 2 O corpus integra o Projeto O discurso digitalmente mediado da extrema direita no Brasil e seus efeitos nos direitos de mulheres e da comunidade LGBT - CNPq 404672/2023-0 - e foi compilado por Ana Larissa Adorno Marciotto Oliveira e Monique Vieira Miranda para um estudo anterior (no prelo). (no prelo) e contém 2.522 tweets únicos. Neste estudo examinamos, especificamente, os comentários contendo duas tags: #BolsonaroMentiroso e #ForaBolsonaroMentiroso, identificadas como as mais utilizadas no corpus, conforme é possível observar na Tabela 1.

Tabela 1
Hashtags mais utilizadas para comentar o debate no Twitter

Na etapa de análise dos dados, examinamos manualmente um subcorpus composto de 300 tweets únicos, coletados aleatoriamente na ordem em que apareceram no thread (fio). A análise desses comentários, feita com base no PRE e no modo como ocorre a gestão epistêmica, será apresentada nas seções subsequentes.

Com respeito às questões éticas que envolvem a pesquisa, dada a natureza não invasiva dos dados coletados e seguindo Dynel (2023DYNEL, M. Hashtag swearing: Pragmatic polysemy and polyfunctionality of# FuckPutin as solidary flaming. Journal of Pragmatics, v. 209, p. 108-122, 2023.), entende-se que ninguém será prejudicado ou constrangido por este estudo. Os tweets analisados foram publicados em contas abertas, com acesso público e sem necessidade de senha. Além disso, foram observadas as orientações da AoIR (Association of Internet Researchers) para pesquisa com dados advindos do ambiente digital. Ainda assim, todas as marcas de autoria foram removidas das postagens para garantir o anonimato, uma vez que a pesquisa se centrou no conteúdo das mensagens e não em seus autores. A seguir, apresentamos a análise de alguns comentários selecionados.

6 ANÁLISE

Os tweets selecionados chamam a atenção para dois fenômenos de especial importância identificados em nossos dados: o uso de perguntas desafiadoras e a expressão da discordância. A análise desses fenômenos, apresentada nas subseções a seguir, é particularmente adequada para o alcance do objetivo deste estudo: examinar em que medida o exercício da impolidez linguística está articulado à negociação da agência epistêmica na interação digital, especificamente no Twitter/X. Nos tweets, os usuários do Twitter/X reagem à #DebatenaGlobo” e às tags a ela relacionadas, particularmente: #BolsonaroMentiroso e #ForaBolsonaroMentiroso, utilizadas para agregar mensagens associadas ao seguinte tópico: “Quem venceu o debate na Globo ontem?”.

6.1 O PAPEL DAS PERGUNTAS DESAFIADORAS

Nas postagens (1-3), a seguir, as perguntas do tipo desafiador/desagradável, identificadas por Culpeper (2010CULPEPER, J. Conventionalised Impoliteness Formulae. Journal of pragmatics, v. 42, n. 12, p. 3232-3245, 2010. DOI: https://doi.org/10.1016/j.pragma.2010.05.007.
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) como uma expressão de impolidez linguística, também cumprem, na perspectiva que adotamos, o papel de reivindicar a autoridade epistêmica. Por um lado, ao refutarem (ou questionarem) os argumentos de outros usuários ou de terceiras partes (candidatos e seus associados), tais perguntas produzem um efeito impolido implicado. Ao mesmo tempo, elas funcionam como dispositivos de elicitação, pelos quais determinadas avaliações (ou crenças) podem ser questionadas.

Como tais perguntas não são produzidas com o objetivo genuíno de obter informações, seu emprego sugere assimetria de poder e de conhecimento, demarcando uma hierarquia potencial entre os usuários, que autoriza seus autores, por exemplo, a reorientarem o próprio tópico do thread (fio). Em razão dessa característica, as perguntas desafiadoras podem ser descritas como uma forma de legitimação do papel epistêmico dos falantes (Raymond; Clift; Heritage, 2021RAYMOND, C. W.; CLIFT, R.; HERITAGE, J. 2021. Reference without Anaphora: On Agency through Grammar. Linguistics, v. 59, n. 3, 2021. DOI: https://doi.org/10.1515/ling-2021-0058.
https://doi.org/10.1515/ling-2021-0058...
; Tantucci; Culpeper; Wang, 2022TANTUCCI, V.; WANG, A.; CULPEPER, J. Reciprocity and Epistemicity: On the (Proto) Social and Cross-Cultural ‘Value’ of Information Transmission. Journal of Pragmatics, v. 194, n. 1, p. 54-70, 2022. DOI: https://doi.org/10.1016/j.pragma.2022.04.012.
https://doi.org/10.1016/j.pragma.2022.04...
), que reivindicam ou pretendem reivindicar um status superior em relação aos demais participantes do evento interacional.

Algumas das propriedades das perguntas desafiadoras podem ser observadas em (1), em que OI reclama um status epistêmico mais elevado para si por meio de um movimento interacional onde a pergunta desafiadora é respondida por seu próprio autor.

(1)

Quem venceu o debate ontem? A pfazer que produz o Viagra que o Bolsonaro superfaturou para as forças armadas e a vacina que o Bolsonaro demorou a comprar com aquela ladainha do jacaré.

#DebateNaGlobo #bozoMentiroso

#BolsonaroMentiroso

Produzida em um tom provocativo e sarcástico, a indagação sinaliza uma instância de impolidez, que colabora para classificar a conduta de um dos candidatos como transgressiva: “A pfazer que produz o Viagra que o Bolsonaro superfaturou para as forças armadas e a vacina que o Bolsonaro demorou a comprar com aquela ladainha do jacaré”. A postagem também apresenta um conteúdo proposicional novo, ao evocar ao menos três temas do cenário político brasileiro abordados no debate: a alegada compra superfaturada de determinados medicamentos pelas forças armadas (“o Viagra que o Bolsonaro superfaturou”), a questão da demora na compra de vacinas durante a epidemia de COVID19 (“a vacina que o Bolsonaro demorou a comprar”) e a campanha antivacina, simbolizada, ironicamente, pela figura de um jacaré, no qual a população vacinada se transformaria (“ladainha de jacaré”). A inserção desses conteúdos novos legitima o autor do comentário como um OI válido, cuja proposição pode ser vista como “interessante e inovadora”, atendendo ao PRE (Máximas Ke), ao mesmo tempo que sanciona a participação no metadiscurso de impolidez sobre o debate eleitoral. Caracterizado como um tipo de discurso “construído contra o pano de fundo de contextos específicos que evocam certa expressão convencionalizada empregada para julgar um comportamento impolido” (Culpeper, 2011CULPEPER, J. Impoliteness: Using Language to Cause Offence. Cambridge: Cambridge University Press, 2011. DOI:https://doi.org/10.1075/jlac.1.2.06silxxxx.
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, p. 24), o metadiscurso de impolidez exprime, como se pode também observar nos exemplos (2-3), a seguir, um tipo de julgamento moral, nesse caso destinado a avaliar a conduta dos candidatos ou de seus associados.

Em (2), registra-se um movimento interacional semelhante ao do Exemplo 1, marcado pelo emprego de uma pergunta desafiadora e pela introdução de um novo tópico, não diretamente relacionado ao debate eleitoral em si (a deputada Cristiane Brasil, aliada de Bolsonaro, é evocada):

(2)

O que a Cristiane Brasil tem a dizer sobre isso?

BOLSONARO MENTIU

#DebateNaGlobo #BolsonaroMentiroso

Como mencionado anteriormente, o PRE prevê a existência de um débito resultante do fato de os IRs se reconhecerem como destinatários de um “bem”, ou seja, de uma informação válida e útil fornecida a eles pelo OI. Nessa perspectiva, o emprego de uma pergunta desafiadora pode afetar a legitimidade da informação recebida. Ao mesmo tempo, pode atuar como uma forma de provocação interpessoal (Bushman; Huesmann, 2010BUSHMAN, B. J.; HUESMANN, L. R. Short-Term and Long-Term Effects of Violent Media on Aggression in Children and Adults. Archives of Pediatrics & Adolescent Medicine, v. 160, n. 4, p. 348-352, 2010.), ao produzir um efeito de impolidez incidente no alvo da provocação, seja ele o interlocutor imediato (usuário do Twitter) ou uma terceira parte (os candidatos e seus associados). Um movimento similar pode ser identificado em (3), centrado na deslegitimação das informações oferecidas pelo candidato Bolsonaro no debate eleitoral.

(3)

Vocês sabiam que o Bozo tem um primo irmão do Louro José? #Lula #LulaPresidente1⃣3️⃣ #ForaBolsonaroMentiroso #DebateNaGlobo

Em (3), a pergunta desafiadora “Vocês sabiam que o Bozo tem um primo irmão do Louro José?” funciona como um recurso para provocar uma terceira parte, o empresário Luciano Hung, um dos apoiadores de Bolsonaro, que tipicamente se trajava de verde em eventos políticos. Ao mesmo tempo, a pergunta confere um status epistêmico superior a seu autor, em razão de reorientar o tópico da interação que, embora esteja associado a um apoiador de Bolsonaro, não se relaciona ao debate em si. A introdução do novo tópico opera, nesse caso, como modo de ampliar a discussão e, ao mesmo tempo, de projetar o OI como um participante legítimo, ao qual certos direitos epistêmicos devem ser conferidos (Heritage, 2002HERITAGE, J. The Limits of Questioning: Negative Interrogatives and Hostile Question Content. Journal of pragmatics v. 34, p. 1427-1446, 2002. DOI: https://doi.org/10.1016/S0378-2166(02)00072-3 .
https://doi.org/10.1016/S0378-2166(02)00...
; Raymond; Clift; Heritage, 2021RAYMOND, C. W.; CLIFT, R.; HERITAGE, J. 2021. Reference without Anaphora: On Agency through Grammar. Linguistics, v. 59, n. 3, 2021. DOI: https://doi.org/10.1515/ling-2021-0058.
https://doi.org/10.1515/ling-2021-0058...
) na interação. Nota-se ainda que o comportamento inquisitivo não constituiu uma demanda genuína por informação nos exemplos (1-3), representando, portanto, um recurso para colocar o outro (ou uma terceira parte) em uma situação desconfortável.

Além de introduzirem perguntas desafiadoras, os exemplos 1-3 têm em comum a presença de elementos que evidenciam acumulação simbólica de recursos típicos do meio digital (affordances), tais como outras hashtags, símbolos e imagens. Esses recursos são empregados para manifestar avaliação axiológica (Oliveira; Miranda, 2022OLIVEIRA, A. L. A. M.; MARCIANO, L. W. O. # Edaí: um estudo sobre impolidez e tomada de postura no Twitter brasileiro. Confluência, v. 63, p. 199-221, 2022.), associada à manutenção do status epistêmico dos usuários, a quem é conferido o papel de escrutinar objetos do discurso. Particularmente quanto ao uso de hashtags, pesquisas anteriores (Oliveira; Carneiro, 2020; Oliveira; Marciano, 2022) atestam seu emprego como forma de manifestar postura avaliativa, que é coletivamente construída “na” e “pela” interação virtual, especificamente quando fórmulas impolidas (Culpeper, 2010CULPEPER, J. Conventionalised Impoliteness Formulae. Journal of pragmatics, v. 42, n. 12, p. 3232-3245, 2010. DOI: https://doi.org/10.1016/j.pragma.2010.05.007.
https://doi.org/10.1016/j.pragma.2010.05...
, 2011) são empregadas, como é o caso dos termos “mentiroso/mentiu”, presentes nas tags analisadas (#BolsonaroMentiroso; #LulaMentiu).

6.2 DISCORDÂNCIA E REFORÇO DA PRIMAZIA [AGÊNCIA] EPISTÊMICA DO USUÁRIO

Ao produzir uma avaliação em que expressa discordância, o usuário costuma dissentir ou de outro usuário ou de um dos adversários políticos. Em (4), o usuário que produziu o segundo tweet discorda do usuário que produziu o primeiro.

(4)

Pegou mal Lula dizer que MEI não é trabalhador. Essa frase eles não repetem, nem se retratam, apenas tentam afinar que é “Mentira” mesmo ele próprio dizendo em Rede nacional.

#DebateNaGlobo

#LulaVergonhaNacional

Até você xxxx. Pelo amor de Deus. Quando Lula fala em que MEI não é emprego, ele se refere para medir o índice de pessoas desempregadas só é por carteira assinada. Eu sempre soube disso.

#DebateNaGlobo #LulaNaGlobo #BolsonaroMentiroso #Eleicao2022

Nessa sequência, o domínio epistêmico abordado é a crítica de Lula, feita no 4º bloco do debate, de que, no então governo de Bolsonaro, MEI [microempreendedores individuais] eram considerados como empregados.

A crítica de Lula é motivada por esta fala de Bolsonaro3 3 O debate presidencial de 2022, promovido pela Rede Globo, compõe o corpus de pesquisa que Gustavo Ximenes Cunha vem realizando e que se intitula “O papel das relações de discurso nas dimensões dramatúrgica, epistêmica e deôntica da interação” (CNPq 304805/2022-0). Utilizamos uma revisão da transcrição disponibilizada no site UOL (https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2022/10/28/integra-debate-na-globo-primeiro-bloco.htm). Essa revisão foi realizada sob nossa supervisão por Isabel Peixoto dos Santos, bolsista de iniciação científica do Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (IEAT) da UFMG, no período de residência de Gustavo Ximenes Cunha no referido instituto. Com objetivos distintos do presente trabalho, esse debate foi analisado em Cunha (no prelo). Nos trechos aqui apresentados, utilizamos as seguintes convenções de transcrição: entonação descendente = \; aumento do volume da fala = +segmento+; diminuição do volume da fala = osegmentoo; alongamento silábico = :; pausas de duração variável = . .. ...; ((comentário)) = comentário do transcritor relativos a deslocamentos corporais, condutas gestuais ou ações não-verbais (Filliettaz, 2020, p. 49). :

o nosso governo em dois mil e vinte e vinte e um. +criou+ empregos\ mesmo com a pandemia\ +este+ ano a média mensal está em torno de duzentos e cinquenta +mil+ empregos por mês\

Reagindo a essa fala, Lula critica:

a primeira coisa que o povo brasileiro tem que compreender é que eles +mudaram+ a lógica da medição de emprego\ eles colocaram o +mei+ como se fosse emprego\ colocaram o emprego informal como se fosse emprego\ no meu tempo a medição de emprego era carteira profissional +assinada+\

Na sequência de tweets em análise, ambos os usuários tiveram acesso imediato ao domínio epistêmico abordado (ambos assistiram ao debate). Portanto, o tópico pertence a seus territórios epistêmicos. Porém, o segundo usuário reivindica primazia epistêmica em relação ao tópico [modo de medição do índice de emprego]. Enquanto o primeiro usuário afirma que Lula disse que MEI não é trabalhador e não se refere à medição de índice de emprego, o segundo reivindica primazia epistêmica ao esclarecer a fala de Lula, informando que, para este, o índice de pessoas empregadas deve ser medido pelo número de carteiras assinadas, o que exclui os MEI. Nesse sentido, o segundo usuário se apresenta como K+ em relação ao primeiro.

Na segunda avaliação, alguns recursos são usados pelo usuário para reivindicar primazia epistêmica em relação ao interlocutor, ou seja, para evidenciar ter mais conhecimentos do que o interlocutor (ser K+). A avaliação, que se inicia em “Quando Lula fala em que MEI”, é precedida da expressão “Até você XXX. Pelo amor de Deus.”, evidenciando discordância e primazia epistêmica. A avaliação, em que o usuário explica a fala de Lula, sugere que o interlocutor não entendeu corretamente essa fala ou desconhece que o índice de empregados se mede pelo número de carteiras assinadas. Essa avaliação é seguida do comentário “Eu sempre soube disso”, revelando grau máximo de certeza em relação ao tópico abordado, e desacreditando o interlocutor.

O que torna o segundo tweet impolido não é apenas o fato de ele expressar a discordância de seu produtor em relação ao primeiro usuário. Como vimos, em sequências em que há concordância, ser o primeiro a avaliar carrega uma implícita reivindicação de prioridade (ou primazia) epistêmica, ao passo que ser o segundo carrega uma implícita reivindicação de subordinação epistêmica (Heritage; Raymond, 2005HERITAGE, J.; RAYMOND, G. The terms of Agreement: Indexing Epistemic Authority and Subordination in Talk-in-Interaction. Social Psychology Quarterly, v. 68, n. 1, p. 15-38, 2005.; Heritage, 2013a). Na sequência, o segundo usuário, mesmo discordando do primeiro, poderia manter ou mesmo reforçar a subordinação epistêmica característica da segunda posição, utilizando modalizadores ou evidenciais que diminuíssem seu grau de comprometimento em relação à informação expressa. Por exemplo:

Será isso mesmo? Quando Lula fala que MEI não é emprego, talvez ele se refira que para medir o índice de pessoas desempregadas só é por carteira assinada. Já ouvi algo sobre isso, mas não estou bem certo.

Num tweet como esse, o segundo usuário, ainda que discordando do primeiro, concede primazia epistêmica a este ou evidencia um status K- em relação ao primeiro. Porém, tal como efetivamente produzido, o segundo usuário constrói o turno de modo a rejeitar a implícita reivindicação de subordinação epistêmica da segunda posição e a mostrar que possui mais direitos do que o primeiro usuário para avaliar o tópico no tweet. Afinal, o segundo usuário “sempre soube disso”, o que torna seu comportamento impolido. Além desses elementos, na perspectiva do PRE o tweet não manifesta interesse sobre a proposição expressa pelo usuário e a contesta, gerando uma implicatura de falta de engajamento, que viola a Submáxima i (“Envolva-se abertamente com P de modo a comunicar que P é relevante”).

Em (5), o usuário discorda de um dos candidatos, dirigindo-se a ele.

(5)

@jairbolsonaro Você sempre insiste em contar muitas MENTIRAS, depois diz que isso é uma tática de seu adversário, mas ao longo do #DebateNaGlobo podemos usar a internet e dar um #Google e descobrir por exemplo, QUE NÃO FOI VOCÊ QUEM CRIOU O PIX, foi o Banco Central MENTIROSO! 🤥 #BolsonaroMentiroso e #ForaBolsonaroMentiroso

Esse tweet reage às declarações feitas pelo então candidato Bolsonaro sobre PIX durante o debate. O candidato se referiu ao PIX nestas duas passagens (destaque nosso):

[3º bloco] lula tô aqui com um documento\ dá um google aí\ ((apontando para a câmera enquanto diz “dá um google aí”)) contribuições para um governo democrático e progressista\ ou seja do +seu+ vice\ al:ckmin\ a contribuição dele para o seu projeto de governo lula\ reduzir o auxílio brasil\ página vinte e um\ +taxação do pix+\ página vinte e um\

[4º bloco] você aí tem pix/ que maravilha\ <hein>/ foi o nos:so governo\ +não+ tem +taxação+\ do pix\ quantos de vocês viraram +mei+ com o pix/

O tweet parece constituir uma reação sobretudo à segunda passagem, na qual o trecho “foi o nosso governo” sugere, ainda que de modo lacunar, que o PIX teria sido proposto ou criado pelo governo do candidato. O usuário acusa o candidato de “contar muitas MENTIRAS” ou, em outros termos, de produzir enunciados em que se verifica discrepância entre o status epistêmico (acesso relativo dos interlocutores a domínios de conhecimento) e a postura epistêmica (modo como, ao longo da interação, os interlocutores efetivamente expressam seu status epistêmico). Nesse caso, Bolsonaro faria afirmações, assumindo uma postura de maior conhecimento, sobre o que desconhece ou sobre o que sabe não ser verdade, o que configura uma estratégia oposta à da pergunta retórica, em que o locutor pergunta sobre o que sabe (Heritage, 2012aHERITAGE, J. Epistemics in Action: Action Formation and Territories of Knowledge. Research on Language and Social Interaction, v. 45, n. 1, p. 1-29, 2012a., 2013a, 2013b).

Como a acusação de mentiroso tem implicações morais severas em nossa sociedade, o usuário entende ser necessário, primeiro, explicitar em seu tweet a fonte em que se baseia para afirmar que Bolsonaro mente (“podemos usar a internet e dar um #Google”). Vale lembrar que, para Kamio (1997KAMIO, A. Territory of Information. Amsterdam: John Benjamins, 1997.), uma das condições gerais que determinam o grau de proximidade de uma informação em relação ao falante é essa informação ter sido expressa a ele por outros considerados confiáveis. Nesse tweet, a internet corresponde a esse outro confiável. Somente após evidenciar a fonte de sua informação é que o usuário produz a asserção: “NÃO FOI VOCÊ QUEM CRIOU O PIX, foi o Banco Central MENTIROSO!”. Agindo dessa forma, o usuário busca reivindicar primazia epistêmica sobre a informação relativa ao responsável pela criação do PIX.

Como no tweet anterior, a discordância permite ao usuário tentar aumentar sua primazia epistêmica em relação ao interlocutor. Isso ocorre não apenas porque há discordância, mas porque essa discordância é reforçada. Esse reforço ocorre pela acusação de que as afirmações de Bolsonaro sobre o PIX são não congruentes, ou seja, manifestam uma discrepância entre status e postura, o que se traduz na afirmação impolida do usuário de que o candidato é mentiroso, além de contribuir para o caráter conflituoso da interação, que é forjado por meio de uma disputa por autoridade epistêmica.

Os tweets agrupados neste item interessam-nos porque seus produtores se apresentam como analistas da dimensão epistêmica do debate ou do modo como os adversários geriram domínios epistêmicos ao longo do evento. Nesse sentido, os tweets evidenciam que a gestão das informações é um aspecto central do debate e da disputa política de modo geral: não só os adversários, mas também os espectadores de um debate, estão constantemente atentos. Note-se, ainda, que os espectadores se apoiam na Ke para produzir o metadiscurso sobre o debate eleitoral, pelo qual a atuação dos candidatos é sancionada. Ademais, esses espectadores analisam não só quais informações foram expressas, mas como elas foram expressas, quem tem direito a dizer o quê, se as informações são verdadeiras ou falsas, se as asserções e refutações foram pertinentes, quem reivindicou primazia epistêmica, etc. É o que o exemplo (6) demonstra:

(6)

Algo que quero registrar aqui... A campanhas Lula não preparou o candidato pra refutar as mentiras do Bolsonaro. Aí que está o problema, não adianta dizer que a pessoa é mentirosa... você precisa provar que ele é mentiroso. As mentiras davam pra ser desmentidas. #DebateNaGlobo

Nesse exemplo, vale também observar que a reivindicação da agência epistêmica do usuário é contingente à produção de conteúdo proposicional novo - algo novo - (“algo que quero registrar aqui”) em cumprimento ao PRE, especificamente com respeito à Máxima Ke (“Seja interessante em troca”). O novo conteúdo proposicional é também apresentado simbolicamente como um “bem”, ofertado por seu titular, durante a interação.

A avaliação dos atos fala de Ke transacionados no debate pelo usuário parece atrelada à conduta verbal esperada para uma situação de confronto verbal, na qual a reivindicação da autoridade epistêmica dos interactantes deve desempenhar um papel de primeira importância (“não adianta dizer que a pessoa é mentirosa... você precisa provar que ele é mentiroso”). Dessa avaliação, depreende-se que a conduta verbal de Lula é percebida pelo usuário como faltante, em razão de não ter evidenciado, como desejável ou esperado, a discrepância das informações veiculadas por seu adversário (“As mentiras davam pra ser desmentidas” - mas não foram).

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo, investigamos a negociação da agência epistêmica em uma situação de interação virtual, na qual os usuários do Twitter/X estavam congregados por meio da #DebatenaGlobo e demais hashtags, empregadas para avaliar o debate presidencial de 2022 na TV Globo. Algumas perguntas de pesquisa orientaram o estudo, a relembrar: como a autoridade epistêmica é negociada pelos usuários do Twitter em seus comentários sobre o debate eleitoral brasileiro de 28 de outubro de 2022; e até que ponto o PRE é exercitado nesses comentários e em que medida esse exercício afeta a reivindicação da agência epistêmica.

Com relação à primeira questão, chama a atenção o papel que as perguntas desafiadoras assumiram nas interações. Elas atuaram como uma forma de reorientar o tópico da interação, além de expressarem postura avaliativa quanto ao desempenho dos candidatos ou à conduta de figuras públicas a eles associadas. Ao contribuírem para fortalecer a autoridade epistêmica do OI, as perguntas desafiadoras também reforçaram a imagem de seus autores como interlocutores válidos, detentores de um status de participação tal que lhes permitiu refutar, questionar ou contestar as informações oferecidas por outros usuários. Destaca-se também o modo como os usuários manifestaram discordância, seja em relação a outros usuários, seja em relação à conduta verbal dos candidatos. Em ambos os casos, verificamos que os usuários se mostraram ciosos de seu território epistêmico e que a defesa desse mesmo território teve como efeito o uso de recursos linguísticos para expressar impolidez.

Com respeito à segunda questão registrou-se a presença de conteúdo proposicional inovador e interessante, associado às Máximas E e Ke. Além disso, a impolidez atuou como uma forma de sanção do conteúdo transacionado no debate, cuja validade e utilidade foi examinada pelos usuários no metadiscurso. Na interação virtual, o efeito impolido das mensagens foi ainda intensificado pelo uso dos recursos da plataforma Twitter/X, especificamente as #BolsonaroMentiu e #BolsonaroMentiroso, que operaram como formas de provocação interpessoal não mitigada.

AGRADECIMENTOS

Ana Larissa Adorno Marciotto Oliveira agradece ao CNPq pela concessão da Bolsa de produtividade em pesquisa (processo no 307538/2023-0). Agradece também o apoio do CNPq por meio do Edital Universal Faixa B (processo: 404672/2023-0). Gustavo Ximenes Cunha agradece ao CNPq a concessão da Bolsa de produtividade em pesquisa (processo no 304805/2022-0).

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  • 1
    Em Cunha (2023), encontra-se uma apresentação complementar a esta sobre a dimensão epistêmica, tal como desenvolvida no âmbito da AC.
  • 2
    O corpus integra o Projeto O discurso digitalmente mediado da extrema direita no Brasil e seus efeitos nos direitos de mulheres e da comunidade LGBT - CNPq 404672/2023-0 - e foi compilado por Ana Larissa Adorno Marciotto Oliveira e Monique Vieira Miranda para um estudo anterior (no prelo).
  • 3
    O debate presidencial de 2022, promovido pela Rede Globo, compõe o corpus de pesquisa que Gustavo Ximenes Cunha vem realizando e que se intitula “O papel das relações de discurso nas dimensões dramatúrgica, epistêmica e deôntica da interação” (CNPq 304805/2022-0). Utilizamos uma revisão da transcrição disponibilizada no site UOL (https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2022/10/28/integra-debate-na-globo-primeiro-bloco.htm). Essa revisão foi realizada sob nossa supervisão por Isabel Peixoto dos Santos, bolsista de iniciação científica do Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (IEAT) da UFMG, no período de residência de Gustavo Ximenes Cunha no referido instituto. Com objetivos distintos do presente trabalho, esse debate foi analisado em Cunha (no prelo). Nos trechos aqui apresentados, utilizamos as seguintes convenções de transcrição: entonação descendente = \; aumento do volume da fala = +segmento+; diminuição do volume da fala = osegmentoo; alongamento silábico = :; pausas de duração variável = . .. ...; ((comentário)) = comentário do transcritor relativos a deslocamentos corporais, condutas gestuais ou ações não-verbais (Filliettaz, 2020, p. 49).

Editor de Seção:

Fábio José Rauen

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    06 Maio 2024
  • Aceito
    01 Jul 2024
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