Resumo
Este artigo analisa discursos sobre os animais materializados em projetos de lei direcionados à causa animal e em sites de indústrias alimentícias, a fim de melhor compreender dizeres desse exitoso comércio de carnes em uma sociedade paradoxalmente mais sensível ao sofrimento dos bichos. Antes de proceder à análise, o artigo indica uma possível gênese retomada, reformulada ou apagada em discursos contemporâneos sobre as relações entre humanos e animais. O material analisado compreende os projetos de lei 27/2018 e 470/2018, e enunciados dos sites da Sadia e da Friboi. Com base na Análise do discurso derivada de Pêcheux e de Foucault, este estudo estabelece relações entre os enunciados do material e entre eles e outros já-ditos do interdiscurso, focalizando os recursos linguísticos empregados em sua formulação. A análise mostra uma relativa sensibilidade aos animais no legislativo, e o apagamento de fenômenos e atributos no discurso do agronegócio.
Palavras-chave:
Análise do discurso; Especismo; Sensibilidade; Animais
Abstract
This article intends to analyze discourses about the animals materialized in bills of law aimed at the animal cause and in food industry websites, to better understand the sayings of this successful trade in meat in a society paradoxically more sensitive to the suffering of animals. Before proceeding with the analysis, the article indicates a possible genesis that is resumed, reformulated or erased in contemporary discourses on the relations between humans and animals. The material comprises the bills 27/2018 and 470/2018, and statements from Sadia and Seara websites. Based on the Discourse Analysis derived from Pêcheux and Foucault, this study establishes relationships between the statements of the material and between them and other already said of the interdiscourse, focusing on the linguistic resources used in its formulation. The results show a relative sensitivity to the animals in the legislative, and the erasure of phenomena and properties in the agribusiness.
Keywords:
Discourse analysis; Speciesism; Sensibility; Animals
Resumen
Este artículo tiene como objetivo analizar discursos sobre los animales manifestados en proyectos de ley dirigidos a la causa animal y en sitios web de industrias alimentarias, con el fin de comprender mejor las expresiones de este próspero comercio de carnes en una sociedad paradójicamente más sensible al sufrimiento de los animales. Antes de proceder al análisis, el artículo señala una posible génesis retomada, reformulada o borrada en los discursos contemporáneos sobre las relaciones entre humanos y animales. El material analizado incluye los proyectos de ley 27/2018 y 470/2018, así como los enunciados de los sitios web de Sadia y Friboi. Basándose en el Análisis del Discurso derivado de Pêcheux y Foucault, este estudio establece relaciones entre los enunciados del material y entre ellos y otros ya dichos en el interdiscurso, centrándose en los recursos lingüísticos utilizados en su formulación. Los análisis revelan una sensibilidad relativa hacia los animales en el ámbito legislativo y la eliminación de fenómenos y propiedades en el discurso agropecuario.
Palabras clave:
Análisis del Discurso; Especismo; Sensibilidad; Animales
1 INTRODUÇÃO
A história está repleta de discursos a respeito das relações heterogêneas e ambíguas entre animais e humanos. Discursos que constroem nosso carinho por essas criaturas, mas também nossa ignorância e indiferença; que lhes conferem propriedades positivas ou negativas; que lhes concedem o direito de conviver conosco ou os condenam a compor nossas refeições diárias, entre outros. Para melhor compreender suas manifestações e seus efeitos em nossos dias, procuramos, em um primeiro momento, identificar alguns desses discursos a respeito das relações entre a nossa e outras espécies produzidos em diversos contextos de nossa história. De modo mais preciso, nosso interesse incidiu nas passagens em que humanos outorgaram aos animais atributos como sensibilidade, emoção, consciência e linguagem ou mesmo insensibilidade, apatia e ignorância, com o intuito de determinar seu estatuto e seu direito ou não à vida. Partimos de categorias discursivas conhecidas, como certos campos do saber, épocas, autores e obras, com vistas a identificar enunciados e discursos mais fundamentais, cujas forças e alcances fazem com que ultrapassem esses domínios de saber, passem de um a outro autor, se expandam e transponham as fronteiras do tempo e do espaço, das eras e dos lugares. Algumas dessas unidades discursivas fundamentais serão identificadas e discutidas adiante.
No percurso histórico que empreendemos, analisamos mitos e ritos de sociedades ditas primordiais, bem como textos de mitólogos, como Campbell (1992CAMPBELL, J. As máscaras de Deus. V. 1: mitologia primitiva. Tradução: Carmen Fischer. São Paulo: Palas Athena, 1992.), que comparam e assemelham essas narrativas com resquícios arqueológicos fabricados pelos homens da Pré-história. Por meio desta análise, observamos a existência de pelo menos duas posições distintas. A primeira considera certos animais como seres divinos, dotados de qualidades como consciência e linguagem, e com quem os homens constituíram um contrato baseado nos seguintes termos: estes últimos apenas poderiam matar os primeiros e se alimentarem de seus corpos, se cumprissem certos rituais que garantiriam o retorno da alma animal para a natureza. A segunda, por sua vez, não mais concebe os animais como descrito acima, mas de forma distinta: esses seres perdem seu status divino, suas habilidades cognitivas e linguísticas, e são mortos sem as mesmas reverência e cerimônia praticadas pelos partidários da posição precedente.
Na Antiguidade greco-latina também se constituíram dizeres e ambivalências a esse respeito. Ao analisarmos textos de e sobre filósofos antigos, encontramos pelo menos duas posições contrastantes. De acordo com estudiosos como Kahn (2007KAHN, C. H. Pitágoras e os pitagóricos: uma breve história. São Paulo: Edições Loyola, 2007.), a primeira delas, encarnada na figura de Pitágoras de Samos, entende os animais como seres dotados de alma, cuja deglutição pelos homens está interditada. Essa posição deriva da doutrina da transmigração das almas, que prega sua oscilação entre este e outros mundos, adotando diferentes formas materiais. Também preconiza o vegetarianismo e o cuidado com os animais, cujas almas podem ter sido de seres humanos. A segunda, representada por Aristóteles (2007), destitui essas criaturas de alma e de outras propriedades, opondo-as ao animal racional, político e linguístico que é o homem. Como se sabe, não qualquer homem, mas o legítimo cidadão ateniense.
A percepção personificada em Aristóteles perdurará pelo universo douto da Idade Média e, como aponta Singer (2010SINGER, P. Libertação animal. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.), a maioria dos teólogos católicos aliará ensinamentos bíblicos e aqueles dos gregos para manter rebaixado o estatuto dos animais e despojá-los de qualidades eufóricas. Mas ainda aqui essa posição, embora hegemônica, não é total e definitiva. Eclesiásticos como São Francisco de Assis pregaram o amor aos animais, e mesmo outros, como Gregório de Nissa, reconheceu neles certas características, como a capacidade de sentir. Segundo Ginzburg (2012GINZBURG, C. História noturna: decifrando o Sabá. São Paulo: Cia das Letras, 2012.), a população camponesa também parecia nutrir ambivalências em relação aos animais, ora os considerando criaturas brutas, ora invocando suas antigas qualidades. Essa ambiguidade foi identificada em documentos inquisitoriais acerca do Sabá: o depoimento de alguns camponeses assinala sua crença no poder mágico de certos animais, lembrando elementos dos mitos e ritos a que aludimos e da filosofia derivada de Pitágoras de Samos.
A modernidade também assistiu a refluxos e recrudescimentos na sensibilidade aos animais. Descartes (2001DESCARTES, R. Discurso do método. São Paulo: Martins Fontes, 2001.) leva às últimas consequências a concepção religiosa dos bichos, aliando a ela um conhecimento científico nascente para descrevê-los como meros autômatos despojados de qualquer característica positiva e digna de um tratamento melhor. Não sentiriam dor, não teriam emoção, não teriam inteligência: seriam máquinas de carne e osso a serviço do homem. Porém, o desenvolvimento de pesquisas na área natural, especialmente as de Darwin (2000DARWIN, C. A expressão das emoções no homem e nos animais. São Paulo: Cia das Letras, 2000.), devolve aos animais características como sensibilidade, emoção e inteligência. A filosofia e as humanidades também originaram exemplos nessa direção: antes de Darwin, Rousseau (2017ROUSSEAU, J-J. A origem da desigualdade entre os homens. São Paulo: Penguin; Cia das Letras, 2017.) reconhecera sensibilidade nos animais, além de defender que os homens lhes devem algum respeito por compartilharem da condição semelhante de seres sensíveis.
Na contemporaneidade, podemos identificar a materialização de discursos sobre a sensibilidade humana aos animais em muitos lugares e de modo constante e intenso: na ciência, na legislação, no terceiro setor etc. A filosofia ética, por exemplo, dedicou todo um campo ao que chama de especismo e a quem chama de seres não humanos, atribuindo aos animais características diversas como motivos suficientes para que não os matemos e comamos. Essa sensibilidade, contudo, é contraposta pela existência, entre outras, da indústria agropecuária, cujo discurso materializa sentidos que concebem carnes e outros artigos de origem animal como mercadorias e alimentos, ao passo que apaga outros dizeres que assinalam a condição animal desses produtos comercializados e o processo de matança da cadeia industrial. Essa ambiguidade entre nossa sensibilidade e o processo de abate de bilhões de animais anualmente talvez seja a mais dramática e jamais vista nas relações que estabelecemos com os bichos.
Por essa razão, este trabalho analisa discursos sobre os animais materializados em projetos de lei direcionados à causa animal e em sites de indústrias alimentícias, a fim de melhor compreender dizeres desse exitoso comércio de carnes em uma sociedade paradoxalmente mais sensível ao sofrimento dos bichos. Antes de proceder à análise, o artigo indica uma possível gênese retomada, reformulada ou apagada em discursos contemporâneos sobre as relações entre humanos e animais. Com base na Análise do discurso de linha francesa derivada de Pêcheux e de Foucault, procuramos identificar o que se diz sobre os animais e o modo como são formulados os enunciados a seu respeito em dois domínios: o legislativo e o agropecuário. Mais precisamente, nosso intuito é o de analisar a produção de sentidos nesses discursos materializados em projetos de lei favoráveis à causa animal e em anúncios do setor agro ligados ao comércio de artigos alimentícios. O material de análise compreende os projetos de lei 27/2013, de autoria do deputado federal Ricardo Izar, e 470/2018, de autoria do senador Randolfe Rodrigues, e enunciados dos sites da Sadia e da Seara. Analisaremos o material mediante a constituição de relações entre os enunciados de cada material, entre os de todos os materiais e entre eles e outros já-ditos do interdiscurso, focalizando os recursos linguísticos utilizados em sua formulação.
2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E PROCEDIMENTOS ANALÍTICOS
Numerosos e dispersos textos e enunciados não são satisfatoriamente triados e inscritos em unidades, séries ou conjuntos que os reúnam com base na ideia de que tratariam de um suposto objeto comum. Tampouco são pertinentes e produtivos os grupos formados a partir do que foi dito acerca desse “mesmo” objeto em campos de saber previamente constituídos nos quais se lhe dispensou atenção ou ainda do que foi formulado pela diversidade dos indivíduos que o tematizou em seus enunciados. Ora, é o exame da “ordem do discurso” que nos permite apreender as relações de identidade e diferença na variedade e dispersão do dizer em sociedade, uma vez que, por seu intermédio, constatamos as filiações e rupturas dos sujeitos em relação ao já dito, sob a forma de retomadas, reformulações e apagamentos. Deparamo-nos então com as seguintes questões: o que é o discurso; e como se pode proceder a sua análise. O conceito de discurso e os procedimentos operatórios para a execução de uma fértil análise encontram-se de modo privilegiado, a nosso ver, no interior do que se convencionou chamar de Análise do discurso de linha francesa (AD). Eis aqui algumas sumárias considerações sobre esse campo de saber.
Gestado no interior do materialismo histórico, a cujos princípios articularam-se saberes oriundos da Linguística e da Psicanálise, o conceito de discurso no pensamento de Michel Pêcheux (1990PÊCHEUX, M. Análise automática do Discurso. In: GADET, F.; HAK, T. (Org.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. 3. ed. Campinas: Ed. da Unicamp, 1990. p. 61-161.) não corresponde ao caráter universal da língua para todos os falantes de uma comunidade linguística nem tampouco à condição individual da fala para cada um deles; caracteriza-se, antes, pela normatividade de uma prática, determinada pela luta de classes. Assim, entre a universalidade da língua e a singularidade individual da fala estaria situado um nível intermediário, “[...] o nível da particularidade, que define ‘contratos’ linguísticos de tal ou tal região do sistema” (Pêcheux, 1990, p. 74, grifo do autor). Envolvendo relações de força e de sentido, uma vez que compreende os conflitos ideológicos e as remissões a outros dizeres, o discurso é concebido na Análise do discurso proposta por Pêcheux e membros do seu grupo não como transmissão de informação, mas como efeitos de sentido entre interlocutores.
Com efeito, as relações de força materializam-se também e privilegiadamente nas relações entre os dizeres de sujeitos de diversas classes e grupos sociais, por meio das ideologias. As ideologias dessas classes e grupos também são concebidas em sua condição de nível intermediário, uma vez que:
[...] cada formação ideológica constitui assim um conjunto complexo que comporta atitudes e representações que não são nem ‘individuais’ nem ‘universais’, mas que se referem mais ou menos diretamente a ‘posições de classe’ em conflito umas com as outras (Pêcheux, 2011PÊCHEUX, M. Língua, Linguagens, Discurso. In: PIOVEZANI, C.; SARGENTINI, V. (Org.). Legados de Michel Pêcheux. São Paulo: Contexto, 2011. p. 63-75., p. 73, grifos do autor).
O discurso é entendido como uma forma privilegiada de materialização das ideologias, considerando que:
[...] as formações ideológicas assim definidas comportam necessariamente, como um de seus componentes, uma ou várias ‘formações discursivas’ interligadas, que determinam ‘o que pode e deve ser dito’ [...] a partir de uma dada posição numa dada conjuntura (Pêcheux, 2011PÊCHEUX, M. Língua, Linguagens, Discurso. In: PIOVEZANI, C.; SARGENTINI, V. (Org.). Legados de Michel Pêcheux. São Paulo: Contexto, 2011. p. 63-75., p. 73, grifos do autor).
Em outro texto, Pêcheux (1997PÊCHEUX, M. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas: Ed. da Unicamp, 1997.) falará do caráter material do sentido na abordagem discursiva oposto à transparência da linguagem, que faz crer nas evidências da significação. O autor afirma que:
O ‘sentido’ de uma palavra, de uma expressão, de uma proposição, etc., não existe ‘em si mesmo’ (isto é, em sua relação transparente com a literalidade do significante), mas, ao contrário, é determinado pelas posições ideológicas que estão em jogo no processo sócio-histórico no qual as palavras, expressões e proposições são produzidas (isto é, reproduzidas). Elas [...] recebem seu sentido da formação discursiva na qual são produzidas (Pêcheux, 1997PÊCHEUX, M. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas: Ed. da Unicamp, 1997., p. 160-161, grifos do autor).
Em termos simples e diretos, o discurso é aquilo que dizemos sobre os seres, as coisas e os fenômenos. Ele pode ser assim definido, desde que entendamos que esse “dizemos” corresponde às posições ideológicas com as quais nos identificamos e às quais nos filiamos, que fazem com que, ao falarmos de algo ou de alguém, digamos isto ou aquilo, deste ou de outro modo. Podemos dizer a “mesma” coisa e produzir sentidos distintos. Leiamos o enunciado “A sociedade é injusta”. Ele pode equivaler a “Porque como todos nós temos as mesmas oportunidades, não é justo que alguns recebam ajuda do governo” ou a “Porque alguns nascem ricos, cheios de oportunidades, enquanto a maioria das pessoas nasce pobre e é explorada”.
Para a Análise do discurso, as formulações de linguagem são polissêmicas, uma vez que não têm um sentido em si mesmas. Seus sentidos derivarão das relações de equivalência e de encadeamento que as palavras, as expressões e os enunciados estabelecerão uns com os outros no interior de um mesmo discurso e em oposição a discursos antagônicos. Dito de outro modo, podemos dizer que a polissemia da linguagem se revolve nas paráfrases produzidas a partir de uma determinada posição discursiva, que materializará, desse modo, os diferentes sentidos.
Embora haja algumas dissensões entre os pensamentos de Pêcheux e de Foucault na concepção de uma ordem do discurso, há também, sem dúvida, uma série de consonâncias, como evidencia Gregolin (2014GREGOLIN, M. R. V. Foucault e Pêcheux na análise do discurso: diálogos & duelos. São Carlos: Claraluz, 2014.). Nosso propósito aqui, contudo, não é o de conciliar as duas perspectivas, mas o de nos fundamentarmos na Análise do discurso derivada de Pêcheux e seu grupo, incorporando contribuições do pensamento de Foucault sobre a discursividade. Sem considerar que a dimensão socioeconômica seja a determinante em última instância das práticas sociais, mas também sem refutar sua existência e atuação nas relações dos sujeitos de uma determinada sociedade, Michel Foucault (2010) concebe o discurso como a diferença entre o que poderíamos dizer em uma determinada época segundo as regras da gramática e da lógica, e o que é efetivamente dito. Na produção do dizer há dispersão, por um lado, mas há também a regularidade de uma prática que controla o que pode ser dito:
[...] o que se chama ‘prática discursiva’ [...] é um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que definiram, em uma dada época e para uma determinada área social, econômica, geográfica ou linguística, as condições de exercício da função enunciativa (Foucault, 1997FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense, 1997., p. 135-136, grifos do autor).
Ademais, ao postular a existência de uma ordem do discurso, o filósofo supõe que em toda sociedade a produção do discurso:
[...] é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade (Foucault, 2000FOUCAULT, M. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. São Paulo: Edições Loyola, 2000., p. 8-9).
Por essa razão, sabemos que “[...] não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa” (Foucault, 2000FOUCAULT, M. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. São Paulo: Edições Loyola, 2000., p. 8-9). O discurso é marcado pela raridade, pois é “[...] o conjunto sempre finito e efetivamente limitado das únicas sequências linguísticas que tenham sido formuladas” (Foucault, 1997, p. 31). Ante essa condição rara do discurso, cabe responder à questão de como surgem certos enunciados e não outros em seus lugares. Para responder a esse problema é importante lembrar que “[...] o que faz a diferença e caracteriza a batalha dos discursos é a posição que é ocupada por cada um dos adversários.” (Foucault, 2001, p. 123-124).
Ora, as posições dos sujeitos do dizer são instituídas nos laços sociais, que consistem no cerne da história e da política em cujo funcionamento os discursos desempenham papel fundamental. A partir da inversão da célebre fórmula de Clausewitz, Michel Foucault (1985FOUCAULT, M. Genealogia e poder. In: Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1985. p. 167-177.) propõe uma concepção de política que corresponde ao prolongamento da guerra por outros meios: “[...] as relações de poder nas sociedades atuais têm essencialmente por base uma relação de força estabelecida, em um momento historicamente determinável, na guerra e pela guerra” (Foucault, 1985, p. 176).
Trata-se de uma guerra mais ou menos silenciosa, cujas relações de força reinscrevem-se “[...] nas instituições e nas desigualdades econômicas, na linguagem e até no corpo dos indivíduos” (Foucault, 1985FOUCAULT, M. Genealogia e poder. In: Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1985. p. 167-177., p. 176). Por essa razão, a paz civil e a sociedade igualitária e democrática devem ser compreendidas com distanciamento e desconfiança, uma vez que, sendo e comportando continuações da guerra, compreendem manifestações das lutas políticas, os conflitos e confrontos do poder e pelo poder de agir sobre as ações dos outros. As decisões e os rumos provisórios ou duráveis de uma sociedade são resultado das batalhas, em que o capital e a linguagem são decisivos, e não produtos de consensos pacíficos.
Pêcheux e Foucault, cada um a seu modo, ensinam-nos que diante de dizeres frequentemente muito semelhantes entre si é preciso identificar a posição da qual cada um deles provém. Mediante uma análise discursiva que identifica as posições a partir das quais certos enunciados são produzidos, é possível demonstrar que eles constroem efeitos distintos, quando não opostos. Em consonância com as posições, outro aspecto relevante a ser observado no discurso refere-se a sua maior ou menor conservação e duração. Ao encontro do descompasso entre a generosa potência da lógica e da língua e os atos rarefeitos do discurso, existe a separação, em tudo o que foi dito, entre os textos e enunciados que serão mais ou menos conservados e aqueles que serão mais rapidamente esquecidos. A reflexão sobre o controle do dizer e de sua maior ou menor conservação está sintetizada na definição que Foucault (2010) consagra à noção de arquivo, que consiste num conjunto de regras que, em uma época dada e por uma sociedade determinada, definem o que segue:
- os limites e as formas da ‘dizibilidade’: de que é possível falar? O que foi constituído como domínio do discurso? [...]
- os limites e as formas da conservação: quais são os enunciados destinados a passar sem vestígio? Quais são os que são destinados, ao contrário, a entrar na memória dos homens)? [...]
- os limites e as formas da ‘memória’ tal qual ela aparece nas diferentes formações discursivas: quais são os enunciados que cada uma reconhece válidos ou discutíveis, ou definitivamente invalidados? [...]
- os limites e formas de ‘reativação’: entre os discursos das épocas anteriores ou das culturas estrangeiras, quais são os que retemos, que valorizamos, que importamos, que tentamos reconstituir? [...]
- os limites e as formas de ‘apropriação’: quais indivíduos, quais grupos, quais classes têm acesso a tal tipo de discurso? [...] (Foucault, 2010FOUCAULT, M. Resposta a uma questão. In: FOUCAULT, M. Ditos & Escritos. V. VI. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 1-24., p. 10, grifos do autor).
O material de análise compreende os projetos de lei 27/2013, de autoria do deputado federal R. Izar, e 470/2018, de autoria do senador R. Rodrigues, e enunciados dos sites da Sadia e da Seara. Uma vez constituído o material, passaremos efetivamente à análise, valendo-nos de um procedimento já bastante conhecido no interior da Análise do Discurso, a saber: o estabelecimento de relações entre os enunciados de cada audiovisual, entre os dos dois audiovisuais e entre eles e outros já ditos do interdiscurso. Essas relações são feitas mediante a identificação e a montagem de cadeias parafrásticas, que se situam no interior das formações discursivas e que nos permitem depreendê-las. Serão ainda observadas as relações entre as distintas formações discursivas identificadas, que, por seu turno, estão articuladas a diferentes condições de produção do discurso e às posições de seus enunciadores. Pelo fato de as FDs serem instâncias que determinam o que se diz e os modos de dizer, caracterizando-se como matrizes da produção do sentido, assim procedendo será possível detectar, na dispersão dos textos que compreendem nosso material de análise, as regularidades discursivas em que se materializam as relações de força e de sentido de nossa sociedade. Em suma, a polissemia constitutiva da linguagem pode ser interpretada a partir da detecção das paráfrases construídas pelo discurso em suas diversas condições de produção; trata-se, pois, de tomar os textos como unidades que possibilitam ao analista ter acesso ao próprio discurso, percorrendo, como ensina Eni Orlandi (1998ORLANDI, E. Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. Petrópolis: Vozes, 1998., p. 60), “[...] a via pela qual a ordem do discurso se materializa na estruturação do texto”.
Buscaremos ainda, em consonância com a metodologia das cadeias parafrásticas, analisar os recursos linguísticos utilizados na formulação dos textos, como as preferências lexicais e os encadeamentos sintáticos, as modalidades enunciativas e as formas remissivas que constituem o referente textual. O encontro entre a retomada de já-ditos do interdiscurso e a aplicação desses recursos na formulação discursiva dos enunciados dos textos avaliados incide na produção de determinados efeitos de sentido e na construção das imagens e relações entre interlocutores1 1 Para saber mais sobre a Análise do discurso, ver: Orlandi (2012), Possenti (2011), Gregolin (2014) e Piovezani e Alves (2024). .
3 OUVIR E CALAR A VOZ DOS ANIMAIS: DOS MITOS À HISTÓRIA
Normalmente, ao propor uma história do que chamam de especismo, filósofos do campo da ética animal iniciam suas investigações analisando documentos escritos por outros filósofos da Grécia e da Roma antigas. Porém, os resquícios arqueológicos deixados pelos homens pré-históricos representam, quase sempre, animais, indicando ricas relações interespécies. Esse legado do paleolítico não passou despercebido de arqueólogos, antropólogos e mitólogos. Muitos deles compararam esses vestígios da era pré-histórica com narrativas e práticas realizadas por sociedades ditas primordiais, e observaram diversas semelhanças entre eles.
Nesta seção, alaisamos discursos mitológicos e ritualísticos sobre as relações entre animais e humanos que sociedades ditas primordiais de tempos e espaços distintos nos legaram através de narrativas orais ou de textos escritos, assim como reflexões e comparações a seu respeito produzidas por pesquisadores contemporâneos, a fim de identificar e descrever uma mudança de discursividade que pode ser resumida do seguinte modo: de um lado, uma posição que enxerga os animais como divinos, dotados de características como consciência e linguagem, e com quem os homens estabeleceram um contrato: que apenas os matariam e comeriam se realizassem ritos que garantiriam o retorno de suas almas à natureza para repetir o ciclo da vida e da morte; de outro, uma posição que não mais discerne os animais como descrito, mas na direção oposta, os destituindo de sua condição divina, de suas habilidades cognitivas e linguísticas, e estimulando sua morte sem a mesma reverência praticada pelos partidários da posição anterior. Defendemos a tese de que a análise desses dados nos oferece pistas de discursos e práticas levadas a cabo por nossos próprios ancestrais da longínqua e longa era pré-histórica, e de que eles parecem materializar uma espécie de gênese a partir da qual discursos contemporâneos retomam, reformulam ou apagam memórias sobre as relações dos seres humanos com os animais.
O primeiro mito deriva da sociedade tribal Pés-negros, nativa do estado norte-americano de Montana. Seus membros foram grandes caçadores de búfalos, como se supõe que foram os caçadores pré-históricos. Uma das estratégias que os nativos punham em prática para eliminar uma grande quantidade desses animais consistia em atraí-los para um rochedo e abatê-los depois que saltassem. Para realizar a empreitada, os caçadores se vestiam com peles de búfalos e se mascaravam com crânios desses animais, chamando sua atenção. O mito que originou o rito aqui descrito brevemente começa com uma situação atípica para os Pés-negros. Os caçadores da tribo não conseguiam induzir os animais à queda e pereciam de fome. Então, uma jovem nativa gritou para os búfalos que estavam pastando no penhasco acima dela que, se eles pulassem, como de costume, ela se casaria com um deles. Para surpresa da menina, os animais começaram a pular, e um dos sobreviventes, um grande touro, lhe disse que ela agora teria de se casar com ele e a raptou. Depois que a tribo finalmente se alimentou dos búfalos que haviam morrido na queda o pai da garota sentiu sua falta e partiu a sua procura. Depois de peregrinar pelos prados, o genitor encontra a menina em um lamaçal com os búfalos. O grande touro, entretanto, sente seu cheiro, o descobre e o mata. Enquanto a menina pranteia a morte de seu genitor, o poderoso animal se apieda da situação e profere à aborígene o seguinte:
‘Ah-ah’, Exclamou o touro. ‘Você está chorando por seu pai. Assim, talvez, agora você possa entender como é conosco. Temos visto nossas mães, pais e muitos de nossos familiares rolando rochas abaixo e sendo massacrados pelo seu povo. Mas terei compaixão de você; dar-lhe-ei apenas uma chance. Se você conseguir trazer seu pai de volta à vida, você e ele poderão retornar para junto dos seus’. Ela o descobriu, seu pai respirava, e então ergueu-se. Os búfalos ficaram surpresos. [...] ‘Agora’, disse, ‘antes que você e seu pai vão embora, nós vamos ensinar-lhes nossa dança e nosso canto. Vocês não devem esquecê-los’. Pois esses eram os meios mágicos pelos quais os búfalos, mortos pelas pessoas para se tornarem alimento delas, seriam restituídos à vida, exatamente como o homem morto pelos búfalos. [...] ‘Agora, vão para sua casa e não se esqueçam do que viram. Ensinem essa dança e esse canto a seu povo. Os objetos sagrados desse rito devem ser a cabeça de um touro e a pele de um búfalo. (Campbell, 1992CAMPBELL, J. As máscaras de Deus. V. 1: mitologia primitiva. Tradução: Carmen Fischer. São Paulo: Palas Athena, 1992., p. 233).
Podemos identificar duas posições discursivas no mito dos nativos do estado de Montana. Uma manifesta os interesses humanos, enquanto a outra os interesses e o ponto de vista animal. Estes últimos não são considerados objetos, mas criaturas dotadas de linguagem, de consciência, de sensibilidade e relações de parentesco, de cultura, de religião e alma. O mitólogo estadunidense Joseph Campbell (1992CAMPBELL, J. As máscaras de Deus. V. 1: mitologia primitiva. Tradução: Carmen Fischer. São Paulo: Palas Athena, 1992.) não deixou de notar que a tribo Aranda da Austrália Central tem um mito semelhante relativo a essa relação contratual entre seres humanos e animais, materializado, desta vez, com a presença de cangurus, animais daquele ambiente, e que uma pintura rupestre no interior de Les Trois-Frères retrata uma cena em que um caçador trajando cabeça e manto de búfalo parece dançar em torno de alguns animais.
A análise de outros mitos indica que, conforme o homem foi se desenvolvendo e alicerçando seu domínio sobre a natureza, o animal foi perdendo seu status divino e suas antigas características, especialmente a linguagem. Consequentemente, o homem perdeu a tradição de cultuá-los e suas mortes se tornaram uma prática banal. Podemos perceber essa lenta mutação em cosmogonias cujas deidades sofreram hibridismo; elas não são mais totalmente animalescas. Enfim, nas religiões abraâmicas, os animais perdem drasticamente seu papel divino, sujeitando-se aos seres humanos e a um deus cuja antropomorfização havia se tornado completa. O Popol Vuh (2019), códice dos Maias-Quiché de Quauhtlemallan, contém algumas passagens sobre o estatuto dos animais, a ausência de linguagem e a banalização de suas vidas. Após criarem os animais, os deuses ordenaram que falassem e os louvassem. Impossibilitados de exercer a linguagem, os bichos são transformados em alimentos:
Como não nos adoraram, como não nos invocaram - e tem de haver quem nos adore e invoque - teremos de criá-lo. E vocês, só acatem seu serviço, só deixem sua carne ser comida. É isso. Essa será sua serventia (Popol Vuh, 2019, p. 124-25).
Finalmente, o rápido e ilustrativo percurso que realizamos por mitos e ritos de sociedades ancestrais de lugares e tempos distintos se encerra com uma passagem de um texto clássico da Antiguidade. Nas Metamorfoses de Ovídio (2017), os humanos são constantemente transformados em animais pelos deuses para que se calem, para que não revelem o que viram e o que sabem. Em uma dessas histórias, o jovem caçador Acteão é convertido em cervo pela deusa Diana para que não diga aos outros que a viu se banhando nua em um lago. Sem poder se expressar linguisticamente, o homem é morto por seus próprios cães, que o auxiliavam na caçada:
Ao ver na água a sua figura e os chifres, ia para dizer: ‘Triste de mim!’ Não teve palavras. Bramiu. Foi essa a sua voz [...] Gostaria de gritar: ‘Sou Acteão! Reconhecei vosso dono!’ Faltam palavras ao seu pensamento. O ar ressoa com o latido (Ovídio, 2017, p. 173-181).
Esses mitos de tempos e lugares distintos, mas que, segundo mitólogos como Campbell (1992CAMPBELL, J. As máscaras de Deus. V. 1: mitologia primitiva. Tradução: Carmen Fischer. São Paulo: Palas Athena, 1992.), derivam de um mesmo tronco pré-histórico, ilustram, como dissemos no início desta seção, uma mudança discursiva: a passagem de uma concepção de animal divino, dotado de consciência e de linguagem, a quem o homem devia reverenciar a oferecer tributos, a uma de animal mortal, embrutecido e mudo, a quem o homem não devia a mesma reverência. Nesta última posição, os animais não mais falam, não mais impõem condições às suas mortes, já não são capazes de articular seus interesses na dinâmica da existência. Um diagnóstico de nosso presente, em que se instala uma sociedade ao mesmo tempo sensível à causa animal e predadora em escala industrial jamais vista, não pode descurar de refletir sobre essa mudança que, embora tão antiga, se metamorfoseia e se faz presente em nossos dias2 2 Para uma leitura detalhada dessa mudança discursiva em mitos e ritos de sociedades ancestrais, ver: Piovezani e Alves Filho (2021). .
4 DISCURSOS SOBRE OS ANIMAIS NA SOCIEDADE BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA
Com vistas a ilustrar dizeres sobre a sensibilidade humana aos animais na sociedade brasileira contemporânea, efetuamos uma análise a partir do art. 2 do projeto de lei da câmara 27/2018, de autoria de Ricardo Izar. O texto dispõe acerca da natureza jurídica dos animais. Eis um excerto:
Art. 2º Constituem objetivos fundamentais desta Lei: I - afirmação dos direitos dos animais não humanos e sua proteção; II - construção de uma sociedade mais consciente e solidária; III - reconhecimento de que os animais não humanos possuem natureza biológica e emocional e são seres sencientes, passíveis de sofrimento (Izar, 2018, p. 2).
Ao associarmos o polissêmico inciso “reconhecimento de que os animais não humanos possuem natureza biológica e emocional e são seres sencientes, passíveis de sofrimento” aos demais enunciados dessa sequência discursiva, a suas condições de existência e à posição de seu enunciador, averiguamos sua condição de “forma-material” proveniente de um discurso no qual o reconhecimento de certas características dos animais e a afirmação de seus direitos se contrapõem à afirmação de sua inexistência ou de sua existência parcial e insuficiente em nossa sociedade. O projeto se relaciona e tem seu sentido influenciado por discursos que lhe são contrários, que negam que os animais possuem essas características, o que dá ensejo a diversas práticas de violência contra eles. Essa ambivalência atravessa todo o corpo social: os casos de crueldade contra os animais são abundantes, embora estejam acompanhados de denúncias e de uma midiatização cada vez mais crescente e constante. Há alguns anos, o assassinato do cachorro Manchinha por um segurança da rede de supermercados Carrefour produziu ampla repercussão na mídia nacional e a indignação de diversos sujeitos.
As unidades lexicais “reconhecimento” e “afirmação”, esta última seguida da nominalização definida “dos direitos”, ainda concorrem para a produção de um efeito de que as qualidades referidas são inerentes aos bichos, cabendo ao homem apenas identificá-las e garanti-las. Esse reconhecimento deriva, sobretudo, da ciência, de seus métodos e técnicas, que produzem esses dizeres. As ciências naturais têm sido categóricas na afirmação de que os animais são seres sensíveis. Ela está ligada a propriedades de natureza ética e legal que também devem ser afirmadas. Ambos os incisos indicam uma constatação e uma necessidade: é preciso enxergar o que já está lá. Já o pré-construído “dos animais” produz, por sua vez, um efeito de evidência, de generalização e, assim, o apagamento de diferenças que fazem com que sejamos mais sensíveis diante de algumas dessas criaturas e menos em relação a outras. Não expressamos a mesma sensibilidade nem dispomos do mesmo esforço na proteção de animais domésticos e selvagens, de animais ameaçados ou não de extinção. Também não somos invariáveis quando se trata de comê-los, de utilizá-los na execução de trabalhos fatigantes, de assistir-lhes em espetáculos circenses, de vê-los sofrer ou morrer em vaquejadas e touradas etc. Finalmente, as instituições sociais não expressam a mesma sensibilidade nem se dedicam à proteção dos animais da mesma maneira, como comprovam as diferentes atitudes do terceiro setor e da indústria agropecuária.
Os dois incisos analisados acima estão relacionados à “construção de uma sociedade mais consciente e solidária”. Esse enunciado materializa uma posição que alia justiça social e direitos dos animais, sugerindo que os processos de conscientização e solidariedade coletiva ainda não atingiram resultados suficientes. O advérbio de intensidade “mais” assinala uma obrigação de incluir ali os bichos. A polissemia dos adjetivos “consciente” e “solidário” também admite que identifiquemos outros sentidos. Há aqueles que são filiados a uma posição em que a justiça social é exclusiva aos seres humanos, em especial aos desfavorecidos, desprovidos de capital econômico. Entre eles, uns são favoráveis ao auxílio irrestrito dos que não têm como se manter, e outros somente de alguns; uns acham que isso deve ser feito via políticas públicas de governo, e outros da iniciativa privada; uns acham que isso deve ser feito independentemente da ocasião, e outros apenas sob certas condições.
Ao voltarmos nossa atenção novamente ao inciso de número três, constatamos que o reconhecimento de que os animais possuem certas qualidades também exclui outras. Eles são dotados de emoção, sensibilidade e senciência, mas não de linguagem. Mesmo o uso de termos que se pretendem favoráveis produz esse efeito. Senciente é aquele que sente, que percebe pelos sentidos, que recebe impressões naturais, propriedade que está abaixo da consciência, do raciocínio, da razão. Isso pode significar, a depender da formação discursiva a que um sujeito está filiado, mais um motivo de reconhecimento da fragilidade dos animais em relação aos homens e de um senso maior de cuidado com essas criaturas, ou a confirmação de sua inferioridade e menor importância no corpo da sociedade.
Os sentidos produzidos nesse excerto se alinham bastante bem àqueles construídos em outros textos do domínio jurídico que visam a proteger os animais, porque derivam do mesmo discurso. O senador Randolfe Rodrigues, em seu próprio projeto de lei a favor da ampliação da pena de maus-tratos a animais, também se refere a seu caráter sensível. Na conclusão de sua justificativa, ele diz:
Pretendemos aprimorar a proteção ao meio ambiente e aos animais contra as práticas abusivas que infligem dor e sofrimento absolutamente desnecessário a vida de seres indefesos que, quando bem-cuidados, só nos rendem afeto, carinho e alegrias (Rodrigues, 2018, p. 3).
Ao relacionarmos os excertos entre si, encontramos semelhanças que evidenciam sua vinculação. Por exemplo, o sintagma “que infligem dor e sofrimento” indica que os animais são seres sensíveis, como o faz o terceiro inciso do art. 2 do projeto de lei de R. Izar, quando declara que eles “possuem natureza biológica e emocional e são seres sencientes, passíveis de sofrimento”. Porém, a despeito dessa correspondência, também identificamos diferenças entre eles. Enquanto o primeiro procura reconhecer e afirmar qualidades dos animais que são pouco ou de nenhuma forma reconhecidas e afirmadas, o segundo pretende “aprimorar” sua proteção, o que sugere que já existem políticas a esse respeito na sociedade. Este último ainda inclui e dá evidência à natureza, preferência manifesta através da disposição sintática da formulação: ela antecede animais, como um todo de onde derivam as partes. Finalmente, o cuidado com estes últimos ainda remete a certo antropocentrismo e está associado à produção de emoções humanas, uma vez que quando os animais são bem cuidados, eles “só nos rendem afeto, carinho e alegrias”. A menção a essa contrapartida parece demonstrar, além de bondade dos animais, uma relação de precedência e de desigualdade entre eles e os humanos, pois aqueles parecem ter de agradar a estes para serem protegidos.
O discurso sobre a sensibilidade humana aos animais materializado nesses dois projetos de lei também estabelece relações com outros dizeres que o antecederam e que concernem a esses contatos interespécies. Pêcheux (1997PÊCHEUX, M. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas: Ed. da Unicamp, 1997.) chamou essas relações de interdiscursivas, e postulou que algo fala sempre antes, em outro lugar e de maneira independente. Courtine (2009COURTINE, J-J. Análise do discurso político: o discurso comunista endereçado aos cristãos. São Carlos: EDUFSCar, 2009.), por sua vez, aliando a análise de discurso pêcheuxtiana à análise arqueológica foucaultiana, reelaborou o conceito de interdiscurso e o chamou de memória discursiva. A principal mudança adveio da noção de arquivo de Foucault, que estabelece que os dizeres têm diferentes durações históricas, e que são susceptíveis de serem retomados, reformulados, apagados. Alguns são mais facilmente conservados, ao passo que outros têm uma duração efêmera. Alguns são considerados mais pertinentes, e outros discutíveis ou mesmo nulos. É com base nesses conceitos e na análise de nosso material que podemos identificar e descrever em discursos sobre as relações entre animais e humanos em nossa sociedade retomadas, reformulações ou apagamentos de traços dessa que parece ser uma gênese do discurso especista.
Ao atribuir características como sensibilidade, emoção e senciência aos bichos, os projetos de lei parecem atualizar a seu modo e em condições de produção distintas uma memória que encontramos em mitos e ritos de sociedades ditas ancestrais. A consciência plena, semelhante ou mesmo superior à dos homens, não está, contudo, presente. Também não estão a capacidade linguageira e o status divino. Estas últimas qualidades passaram por reformulações e apagamentos em nossa história, aqui ilustrada em algumas seções deste trabalho. Outra reformulação importante é a de que alguns sujeitos favoráveis aos animais em nossa sociedade, como veganos e vegetarianos, atribuem qualidades positivas aos bichos como uma justificativa para não matá-los e comê-los. Entre alguns povos ditos primordiais, cujos mitos e ritos analisamos, os caçadores conferem atributos eufóricos a esses seres, mas, ainda assim, para matá-los e degluti-los de modo condicionado: através de práticas reverenciais e respeitosas.
A sensibilidade humana aos animais em nossa sociedade, apesar de constante e intensa, ainda é bastante insuficiente e desigual, especialmente em relação aos animais usados na agropecuária para alimentação. O discurso que desqualifica e/ou silencia os animais é muito mais eficaz do que sua contraparte, além de circular de modo massivo entre camadas da população mundial. O agronegócio é um dos principais produtores desse discurso, que circula com muita frequência em publicidades na televisão, em embalagens nos supermercados etc. Sua principal estratégia é apagar os animais e produzir sentidos culinários e econômicos aos artigos que comercializa. Para ilustrar o funcionamento dessa outra discursividade, analisaremos um enunciado da marca Sadia, presente na aba de apresentação do site da empresa. Ela diz:
Desde a nossa fundação, cultivamos nossas relações do campo até a mesa dos consumidores, garantindo produtos com valor nutricional e qualidade. [...] Assim das nossas cozinhas saem produtos saborosos de verdade para você (A Sadia, 2021, on-line).
Apresentado o excerto, iniciamos a análise. O emprego do verbo “cultivar” na primeira pessoa do plural do presente do indicativo produz pelo menos dois sentidos. O primeiro, que podemos chamar didaticamente de figurado, é sinônimo de dedicação, de empenho da empresa na execução de seu trabalho. O segundo é sinônimo de tratar, lavrar a terra, exercer a agricultura, sentido que associa a indústria agro ao campo, à imagem eufórica do plantio de alimentos. Essa imagem é frequente em publicidades do setor nos principais meios de comunicação do país e do mundo. A série de comerciais intitulada “Agro é pop, agro é tech, agro é tudo” ilustra bem a concepção de terra fértil, próspera, e o seu uso produtivo pelo agronegócio. Apesar de sua hegemonia em nossa sociedade, ela não deixa de ser contraposta por outros dizeres, enunciadores e instituições que relacionam a agropecuária com o desmatamento de nossas florestas e a destruição da fauna selvagem para a criação de pastos e a inserção de animais de consumo. É o caso da circulação de paráfrases como “Agro é fogo”, “agro é morte”, além de reportagens em jornais que associam queimadas no Brasil com o setor (Sobrinho, 2019SOBRINHO, W. P. 90% das queimadas em áreas de agronegócio na Amazônia são para criar gado. UOL, 2019. Seção Meio Ambiente. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/meio-ambiente/ultimas-noticias/redacao/2019/08/30/queimadas-na-amazonia-sao-9-vezes-maiores-em-pastagens-que-em-area-agricola.htm. Acesso em: 10 fev. 2021.
https://noticias.uol.com.br/meio-ambient...
).
O emprego da palavra “campo” reforça o efeito pretendido pela indústria agropecuária, pois enfatiza e se relaciona com a autopromoção que o setor realiza, na sociedade de consumo, de sua relação produtiva e abundante com a terra, com o meio ambiente, com a plantação de alimentos, e mesmo com a etapa euforizante da criação e engorda dos animais, que a indústria mostra algumas vezes, mas que jamais relaciona com a etapa de abate dentro de suas fábricas. O uso da palavra “mesa”, um objeto de consumo de alimentos, de manutenção das relações sociais entre seres humanos, de situações prazerosas, produz um efeito que, aliado aos outros que já analisamos, desemboca no campo gastronômico. O mesmo se dá com outros como “cozinha”, ambiente onde se produz os alimentos, e com “sabor”, sensação sobre o paladar. Expressões como “consumidores”, “produtos” e “valor nutricional”, por sua vez, produzem efeitos econômicos, concebendo os materiais da empresa como mercadorias, objetos destinados à sociedade de consumo.
Os artigos comercializados pela empresa são, assim, alimentos e produtos, grupos hiperonímicos que tornam indistintas as especificidades da produção de objetos de origem vegetal e animal, e que amainam e apagam outros sentidos que concebem esses artigos como os corpos de seres outrora vivos, sujeitos a um processo de engorda e abate, em ambientes como currais e abatedouros industriais. Ao empregar a palavra “cozinha”, por exemplo, a marca apaga outras como “indústria”, “fábrica” e “frigorífico”, que deixam mais marcada a relação com a morte animal.
Esse apagamento pode ser encontrado no léxico, como observamos, mas também na sintaxe. O emprego da preposição “até”, por exemplo, não apenas serve de conector que articula o início e o fim da relação entre campo e mesa, mas serve também para apagar as etapas intermediárias, sobretudo aquelas fundamentalmente disfóricas que submetem animais à morte, e seus corpos ao corte. Enfatiza-se o campo, ambiente discursivizado positivamente pela indústria, e a mesa, objeto e símbolo ligado à nutrição. O “até”, no enunciado, produz um efeito de “direto para”. Assim, podemos formular “do campo direto para a mesa dos consumidores”. Fica na ordem do impensável o que em outras FDs antagônicas à indústria agropecuária e favoráveis aos animais poderíamos parafrasear do seguinte modo: “do campo, passando pelo abate cruel, sangrento de um ser individual outrora existente, até a mesa do consumidor”.
Os sentidos produzidos nesse excerto também se alinham bastante bem àqueles construídos em outros textos do campo agropecuário sobre a comercialização de seus artigos. A Seara, em seu site, diz o seguinte:
A gente sabe que na sua cozinha você quer sempre o que tem de mais delicioso e prático para o seu dia a dia. Por isso, há mais de 60 anos a Seara trabalha para oferecer produtos que levam praticidade, confiança e inovação para a sua mesa, sempre com o sabor e a qualidade que vão surpreender a toda a família (A Seara, 2021, on-line).
É possível observar que esta empresa materializa o mesmo discurso de sua adversária. No componente enunciativo, o uso da locução pronominal “a gente” e do pronome de tratamento “você” produz um efeito de proximidade entre a marca, que opta por falar de si de modo menos formal, institucional, mas como um coletivo de pessoas, e seus destinatários, clientes em potencial.
No lexical, ao usar substantivos como “cozinha”, “produtos”, “sabor” e “qualidade”, ela produz os mesmos sentidos que relacionam seus artigos aos campos econômico e culinário. Já no sintagma “para oferecer produtos que levam praticidade, confiança e inovação para a sua mesa”, a marca produz um apagamento semelhante ao que fez a Sadia. A Seara oferece “produtos”, um objeto, uma coisa destinada ao consumo humano. Eles levam qualidades ligadas à agilidade de preparo, à higiene e segurança, à tecnologia, todas importantes para a sociedade de consumo. Essas qualidades apagam outras possibilidades sintagmáticas, como “levam o corpo, o cadáver de um animal, ser vivo dotado de características como sensibilidade, emoção, consciência, submetido a um regime de engorda e matança em fábricas etc”.
Essa concepção do animal como um objeto, como uma mercadoria, parece guardar traços da metamorfose discursiva que também identificamos e analisamos na seção anterior. Lá e aqui os animais são desprovidos de qualidades positivas, objetificados e fadados a ser consumidos pelos homens sem nenhuma contrapartida. O agronegócio ainda desindividualiza essas criaturas e silencia sua condição de matéria-prima de seus produtos. Impossibilitada de deixar transparente sua posição especista, em razão do crescimento da sensibilidade humana aos animais, o setor trabalha eficazmente numa política de apagamento desses seres e do processo de abate, destacando e euforizando a produção de sentidos culinários e econômicos.
Essa política não circula, contudo, sem controvérsias e resistências. É crescente o número de instituições sociais, como organizações não governamentais, que trabalham em prol dos animais e com vistas a mostrar a vida que levam no interior de criadouros e de abatedouros financiados pelas grandes indústrias de alimentos. Essa resistência, apesar de ainda ser profundamente desigual, não é improdutiva. Pressionado pela sensibilidade aos animais, o setor agropecuário, nas raras ocasiões em que os menciona, reconhece nessas criaturas certas propriedades, como sensibilidade, e anuncia adotar certas práticas de cuidado durante o processo industrial3 3 O funcionamento discursivo do agronegócio, incluindo análises publicitárias, foi abordado em outro trabalho (Alves Filho, 2020). Outros estudos relacionados aos discursos sobre os animais no campo jurídico podem ser encontrados em Alves Filho (2021, 2022). .
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho, analisamos discursos sobre os animais materializados em projetos de lei direcionados à causa animal e em sites de duas indústrias alimentícias, a fim de melhor compreender dizeres desse exitoso comércio de carnes e seus derivados em uma sociedade paradoxalmente mais sensível ao sofrimento infligido aos bichos em distintas circunstâncias. Observamos, não sem ambivalências, duas concepções distintas: uma que enxerga os animais como seres dotados de propriedades como sensibilidade, emoção e senciência, e que defende que os seres humanos devem protegê-los e impedir que sofram maus-tratos; e outra que, apesar de concessões e de algum reconhecimento, os consideram objetos cuja finalidade é o consumo humano.
Esses dizeres não são exclusivos de nossa época, mas fazem parte de uma rede de outros dizeres, que retomam, reformulam ou apagam memórias a respeito de nossa relação com os animais. Elas parecem derivar de um mesmo ponto de proeminência, cujas características nós identificamos e descrevemos ao analisar alguns mitos e ritos de sociedades ditas ancestrais. Essas narrativas também nos revelaram uma importante descontinuidade: a passagem de uma relação sensível, respeitosa e não disjuntiva entre o universo humano e o que passamos a entender como natureza e a vida animal, para uma relação fundamentada em um especismo, a partir do qual nos outorgamos o direito exclusivo de explorar e degradar nosso próprio planeta e de dominar e matar animais de outras espécies sem considerar seus interesses.
No campo legislativo contemporâneo, analisamos projetos de lei em prol dos animais que lhes concedem certos atributos positivos, como senciência e a capacidade de sofrer com práticas caracterizadas como violentas. Esses projetos, porém, não estão livres de ambivalência e da materialização de um discurso especista, ao não atribuírem outras propriedades aos animais, como consciência plena e comunicação, e ao subordiná-los aos seres humanos, que permanecem superiores.
Por outro lado, os dizeres produzidos pelo agronegócio objetificam e mesmo apagam os animais, produzindo sentidos gastronômicos e econômicos aos artigos de origem animal que comercializam. Mas mesmo os discursos deste campo, embora sejam hegemônicos, não são definitivos. É possível encontrar, ainda que raramente, dizeres em que a indústria de alimentos concede certas qualidades e pratica alguns cuidados com os animais que abate. A relação de desigualdade e subordinação entre o discurso da sensibilidade humana aos animais e o do comércio de alimentos, a estratégia discursiva de comercialização dos artigos da indústria agropecuária e a circulação de seus dizeres fazem, porém, com que a maioria dos seres humanos, abrigados em uma sociedade de consumo sob o regime capitalista, esqueçam a origem e o processo de produção dos produtos que consomem, não reflitam sobre a origem animal desses artigos e só enxerguem o saldo econômico e culinário4 4 Para saber mais a respeito de instituições, sujeitos e discursos ligados à causa animal, ver: Felipe (2014, 2018) e Kerbrat-Orecchioni (2021) e Baratay (2024). .
REFERÊNCIAS
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» https://noticias.uol.com.br/meio-ambiente/ultimas-noticias/redacao/2019/08/30/queimadas-na-amazonia-sao-9-vezes-maiores-em-pastagens-que-em-area-agricola.htm
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1
Para saber mais sobre a Análise do discurso, ver: Orlandi (2012), Possenti (2011), Gregolin (2014GREGOLIN, M. R. V. Foucault e Pêcheux na análise do discurso: diálogos & duelos. São Carlos: Claraluz, 2014.) e Piovezani e Alves (2024PIOVEZANI, C.; ALVES, M. Discurso. In: AZEVEDO, T. M.; FLORES, V. N. (Org.). Estudos do discurso: conceitos fundamentais. Petrópolis: Vozes, 2024.).
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2
Para uma leitura detalhada dessa mudança discursiva em mitos e ritos de sociedades ancestrais, ver: Piovezani e Alves Filho (2021PIOVEZANI, C.; ALVES FILHO, M. S. As relações entre animais e humanos: uma breve arqueologia de discursos. Revista Moara, v. 2, n. 57, 2021.).
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O funcionamento discursivo do agronegócio, incluindo análises publicitárias, foi abordado em outro trabalho (Alves Filho, 2020). Outros estudos relacionados aos discursos sobre os animais no campo jurídico podem ser encontrados em Alves Filho (2021, 2022).
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4
Para saber mais a respeito de instituições, sujeitos e discursos ligados à causa animal, ver: Felipe (2014FELIPE, S. Acertos abolicionistas: a vez dos animais: crítica à moralidade especista. São José: Ecoânima, 2014., 2018) e Kerbrat-Orecchioni (2021) e Baratay (2024BARATAY, É. O sofrimento animal e a sensibilidade humana: práticas e discursos da proteção. In: PIOVEZANI, C.; CURCINO, L.; SARGENTINI, V. (Org.). Os discursos e as emoções: medo, ódio, vergonha e outros afetos. São Paulo: Parábola, 2024.).
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
19 Fev 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
20 Fev 2023 -
Aceito
19 Dez 2023