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PAULIUKONIS, MARIA APARECIDA; GAVAZZI, SIGRID (ORS.). DA LÍNGUA AO DISCURSO: REFLEXÕES PARA O ENSINO. RIO DE JANEIRO: LUCERNA, 2005. 192 P.

PAULIUKONIS, Maria Aparecida; GAVAZZI, Sigrid. Da língua ao discurso: reflexões para o ensinoRio de JaneiroLucerna2005. 192 p

Associar teoria e prática: desafio constante a pesquisadores que pretendem relacionar pesquisa acadêmica e realidade escolar. Resolver esta equação tem sido muito mais que atender à avidez dos docentes que, em cursos de aperfeiçoamento e especialização, clamam por respostas às questões que propõem, fruto das experiências de ensino quase sempre calcadas em uma abordagem metalingüística do ensinar a língua portuguesa.

Da língua ao discurso: reflexões para o ensino sugere uma abordagem amplificadora do universo a ser explorado no processo de ensino no âmbito da escola sintonizada com a modernidade. Essa sintonia fica sugerida tanto pela foto de capa - a tela de computador - quanto pelas próprias palavras do professor Bechara na apresentação.

A obra apresenta de modo objetivo, claro e didático, uma visão panorâmica do processo de ensino que não ignora a relevância do domínio da estrutura da língua para a percepção da utilização dessas estruturas em nível discursivo, destacando enfaticamente a importância do domínio dos gêneros textuais, conforme preconizam os documentos que estabelecem diretrizes para o ensino de Português como língua materna - Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs (BRASIL, 1997, volume 2) - e como língua estrangeira - o manual do candidato do Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros - CELPEBras (BRASIL, 2002, p. 3)1 1 Exame elaborado por equipe do MEC a que se submetem estrangeiros que desejem certificação oficial do governo brasileiro quanto a sua proficiência na língua portuguesa falada no Brasil. (Cf. http://portal.mec.gov.br/sesu/ arquivos/pdf/manual2003.pdf) .

Tanto no texto de apresentação do professor Bechara quanto no das organizadoras é enfatizada a imprescindibilidade da associação dos papéis de pesquisador e de professor, estabelecendo como objetivo prioritário desenvolver a competência reflexiva do idioma, preparar o aluno da “forma mais adequada e consciente para ler, compreender, interpretar e produzir em diferentes gêneros textuais” (p. 10) e exercitar seus direitos previstos na Declaração Universal dos Direitos Lingüísticos (OLIVEIRA, 2003OLIVEIRA, Gilvan Muller de (Org.). Declaração Universal dos Direitos Lingüísticos: novas perspectivas em política lingüística. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2003., p. 13-45), assegurandolhes uma melhoria de qualidade de vida.2 2 No dizer de Travaglia (2005).

Ampliando o conceito de texto e definindo explicitamente o de discurso, a obra procura resgatar, de modo bastante equilibrado e coerente, a importância de um consistente aporte teórico como pilar de qualquer prática educativa que objetive o ensino da língua portuguesa. Ainda segundo as organizadoras, os artigos “reunidos propõem-se a focalizar itens gramaticais a partir de uma visão discursiva, permitindo integrar as esferas lingüísticas e situacionais, consoante perspectivas contratuais comunicativas vigentes para os diversos tipos de textos” (p. 9).

Em todos os textos, os autores inserem propostas de atividades com base no aportes teóricos apresentados. No primeiro artigo - inicialmente publicado na Revista Langages, em março de 1995 - Charaudeau apresenta a teoria da Semiolingüística Discursiva aplicada para análise do discurso, segundo a qual as instâncias subjetivas (enunciadora e destinatária), na “estruturação sócio-linguageira”, de modo consciente, firmam contratos de comunicação, de acordo com a diversidade de situações comunicativas em que se dão as trocas linguageiras. O autor enfatiza a importância da compreensão do “espaço de restrições” e do “espaço de estratégias” na mis-en-scene do ato linguageiro, na qual não há certeza absoluta de uma relação de transparência entre as instâncias subjetivas no processo de interação. É importante que o livro seja iniciado por este artigo, pois deixa explícita a corrente da Análise do Discurso que dá sustentação teórica à obra como um todo.

Azeredo sistematiza idéias apresentadas em Azeredo (2000aAzeredo, José Carlos de. Fundamentos de Gramática do Português. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000a., 2000b e 2001) e rebate a dissociação entre os papéis de pesquisador e de professor regente; preconiza a assunção de uma política lingüística “democrática e inclusiva”; aponta a “importância assumida pela lingüística na formação do professor de língua e na elaboração do material e das estratégias de ensino” (p. 34) e ressalta a total ineficácia de políticas públicas de reestruturação do ensino que não busquem “engajar os professores no projeto de requalificação” (p. 35). Além disso, analisa os efeitos de sentido que a (re)leitura dos constructos teóricos da Lingüística e da Lingüística Aplicada tem suscitado, bem como os mecanismos de implementação desses avanços nos cursos de Letras e, conseqüentemente, na formação de professores de LP. Finalmente, enfatiza a imprescindibilidade do olhar discursivo como pilar do ensino da LP, do trabalho com os “encarados como gêneros integrados em diferentes práticas sociais” (p. 41) e reforça a necessidade de consistente base lingüística tanto de alunos quanto de professores.

A parte teórica da obra é encerrada com o texto de Mello, que resgata a importância do estudo do texto literário em uma dimensão discursiva, através da qual o componente histórico-social não pode jamais ser desprezado. O texto analisa a importância do estabelecimento da cena genérica e conclui que, na abordagem discursiva, a nova linguagem cênica (que alia inclusive pintura e teatro) visa “provocar a emoção do espectador”. A leitura desse artigo implicitamente denuncia o despropósito de se conceber o desenvolvimento do ensino de língua portuguesa dissociado do da literatura, como pode ser testemunhado hoje em nosso país. Fato que se deve lamentar profundamente.

Na segunda “parte” da obra os artigos apresentam a aplicabilidade de uma visão discursiva de ensino de LP e seguem o padrão - exposição teórica e exemplificação. No primeiro texto, Carneiro destaca os processos de representação e de expressão, enfatiza a importância do conhecimento dos modos de organização discursiva e dos tipos textuais, sugere o estudo do texto em três níveis - vocabulário, frase e texto - e procura demonstrar a aplicabilidade de sua proposta.

A seguir, Pauliukonis discute os conceitos de correção/incorreção e inadequação/adequação vocabular, detalha a importância do léxico nos mecanismos de processamento textual e na avaliação dos referentes e analisa a má estruturação textual em decorrência de problemas de coerência e coesão textuais. Destaque-se a consistente exemplificação, através da qual fica explícita a aplicabilidade das propostas apresentadas. A opção feita pela autora segue a tendência de sua obra anterior (PAULIUKONIS e GAVAZZI, 2003PAULIUKONIS, Maria Aparecida Lino; GAVAZZI, Sigrid (Orgs.). Texto e discurso: mídia, literatura e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003.) e atende à demanda de professores regentes, que se ressentem de propostas que lhes permita visualizarem a aplicabilidade das propostas em suas aulas. Finalmente é destacada a importância “da aquisição e melhoria do vocabulário do aluno. Não só do passivo, [...] mas do ativo” e ressaltada a necessidade de implementação de propostas que possam “ir além das tradicionais análises morfossintáticas, desvinculadas do contexto e da função comunicativa”. (p. 127). Citando Bechara (1987BECHARA, Evanildo. Ensino da gramática: Opressão? Liberdade? São Paulo: Ática, 1987., p. 55), para quem o aluno deve ser “poliglota em sua própria língua”, a autora ressalta os aspectos de discursivização da língua que os exemplos apresentados exaustivamente esclarecem.

A produtividade lexical e força discursiva dos neologismos vocabulares e semânticos, a neologia de forma e a de sentido são analisadas por Valente, que considera como causa desse processo de evolução lexical o desenvolvimento da tecnologia e da cultura do século XXI. O autor considera a criação de neologismos como um exercício do “direito lingüístico do usuário” (p. 133) e, através de vasto exemplário de língua viva, deixa claro que textos jornalísticos e não-literários são riquíssima fonte para a constituição de um corpus lingüístico de apoio à elaboração de atividades escolares de ensino da LP.

Os artigos de Gavazzi e Eduardo, Oliveira e Monnerat, Corrêa e Cunha procuram reforçar a importância do ensino calcado em uma perspectiva discursiva, tomando como referência os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Discutindo, respectivamente, o ensino do emprego de conjunções nos processos de construção da argumentação e os de coesão e coerência textuais, os artigos reforçam a imprescindibilidade de implementação de um tom discursivo à análise dos mecanismos de estruturação textual, desafiando o leitor a lançar-se à proposição de propostas em que esse processo seja implementado.

Angelim e Silva, citando os PCNS, analisam os conceitos de variação, gênero textual e ensino e ressaltam também o fato de que um ensino consistente e efetivo deva estar pautado em leitura análise e produção de “textos de variados gêneros de freqüente circulação social” (p. 162). No último artigo da obra, Santos ratifica este ponto de vista e nega o “ensino descontextualizado de metalinguagem” (p. 174) e as atividades que objetivam a homogeneização. Resgatando os PCNs, analisa o tripé sobre o qual deve ser estruturada a prática de ensino da LP - “ prática de escuta de textos orais, a prática de produção de textos orais/escritos e a prática de análise lingüística, ou seja a equação USO ’! REFLEXÃO ’!USO” (p. 175).

Um ponto forte da obra é a atualidade da bibliografia, o que abre espaço para o professor-pesquisador aprofundar a leitura dos conceitos teóricos apresentados. Propondo-se a privilegiar as situações de ensino da língua materna, é inegável que o objetivo persistentemente perseguido pelas organizadoras foi atingido. O lançamento dessa obra denota a consolidação de publicações voltadas para as questões do ensino, uma opção editorial da Lucerna. Louve-se e incentive-se a iniciativa.

REFERÊNCIAS

  • Azeredo, José Carlos de. Fundamentos de Gramática do Português. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000a.
  • ______. (Org.). Língua Portuguesa em debate. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000b.
  • ______. (Org.). Letras e comunicação: uma parceria no ensino de língua portuguesa. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.
  • BECHARA, Evanildo. Ensino da gramática: Opressão? Liberdade? São Paulo: Ática, 1987.
  • BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília, DF: MEC, 1997.
  • ______. Ministério da Educação. Certificado de proficiência em Língua Portuguesa para estrangeiros: manual do exame. Brasília, DF: MEC; SESU, 2002.
  • OLIVEIRA, Gilvan Muller de (Org.). Declaração Universal dos Direitos Lingüísticos: novas perspectivas em política lingüística. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2003.
  • PAULIUKONIS, Maria Aparecida Lino; GAVAZZI, Sigrid (Orgs.). Texto e discurso: mídia, literatura e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003.
  • 1
    Exame elaborado por equipe do MEC a que se submetem estrangeiros que desejem certificação oficial do governo brasileiro quanto a sua proficiência na língua portuguesa falada no Brasil. (Cf. http://portal.mec.gov.br/sesu/ arquivos/pdf/manual2003.pdf)
  • 2
    No dizer de Travaglia (2005).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2006

Histórico

  • Recebido
    15 Jul 2005
  • Aceito
    10 Out 2005
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