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O PROCESSAMENTO ANAFÓRICO: UM EXPERIMENTO SOBRE A RESOLUÇÃO DE AMBIGÜIDADES EM ANÁFORAS PRONOMINAIS

THE ANAPHORIC PROCESSING: AN EXPERIMENT ON THE SOLVING OF AMBIGUITIES IN PRONOMINAL ANAPHORA

LE PROCESSUS ANAPHORIQUE: UN ESSAI SUR LA RÉSOLUTION DES AMBIGUÏTÉS DANS LES ANAPHORES PRONOMINALES

EL PROCESAMIENTO ANAFÓRICO: UN EXPERIMENTO SOBRE LA RESOLUCIÓN DE AMBIGUIDAD EN ANÁFORAS PRONOMINALES

Resumo

Na busca pela construção de sentidos do texto, vários fatores entram em jogo (desde conhecimentos lingüísticos estritos a conhecimentos de mundo do interlocutor). Um fator coesivo que auxilia o interlocutor na compreensão do texto diz respeito à ligação ou “mostração” entre a informação nova e a dada. Esse processo é o da anáfora. Neste artigo, iremos estudar o processamento da anáfora pronominal e tentar entender como se dá esse processamento na mente humana. Através de um teste aplicado a trinta falantes nativos do português, verificamos se nossa tendência é realizar o processamento anafórico imediatamente, ligando o termo anafórico ao seu antecedente mais próximo, ou se ligamos o termo anafórico ao tópico da sentença. Como demonstramos na parte final do artigo, há ainda outros fatores que entram em jogo na escolha da ligação entre termo anafórico e seu antecedente.

Palavras-chave:
anáfora; lingüística textual; correferência

Abstract

There are many factors that are important in the process of constructing the meaning in a text. A very important cohesive factor is the anaphoric process, that is responsible for pointing, linking and retrieving information in a text. An anaphora links old information to new information in a text. In this article, we will study the anaphoric process of pronominal anaphora cases, trying to understand how this process works in the human mind. Based on a test applied to thirty Portuguese native speakers, we were able to verify whether the anaphoric process is processed on- line, linking the anaphoric term to its nearest possible antecedent, or whether it is processed linking the anaphoric term to the topic of the sentence. In the final part of the article, we show that there are other factors that are important when we connect the anaphoric term to its antecedent in an anaphoric relation.

Key words:
anaphora; text linguistics; co-reference

Resume

Dans la recherche de la construction des sens du texte, plusieurs facteurs entrent dans le jeu (dès les connaissances linguistiques jusqu’aux connaissances de l’interlocuteur). Un facteur cohésif qui aide l’interlocuteur dans la compréhension du texte concerne la liaison ou de la “démonstration” entre l’information nouvelle et celle qui fut donnée. Ce procès est celui de l’anaphore. Dans cet article, nous allons étudier le procès de l’anaphore pronominale et essayer de comprendre comment se passe ce processus dans l’esprit humain. À partir d’un test appliqué à trente personnes innées parlant le portugais, nous avons pu vérifier si notre tendance est celle de réaliser le processus anaphorique immédiatement, liant le terme anaphorique à son antécédent plus proche, ou si nous relions le terme anaphorique au topique de la phrase. Selon ce que nous avons démontré à la fin de l’article, il y a encore d’autres facteurs qui entrent dans le jeu dans le choix de la liaison entre terme anaphorique et son antécédent.

Mots-clés:
anaphore; linguistique textuelle; co-référence

Resumen

En la búsqueda por la construcción de sentidos del texto, varios factores forman parte (desde conocimientos lingüísticos estrictos hasta conocimientos del mundo del interlocutor). Un factor cohesivo que auxilia el interlocutor en la comprensión del texto se refiere a la unión “mostración ” entre la información nueva y la anáfora. En este estudio, vamos a estudiar el procesamiento de anáfora pronominal y intentar entender como ocurre ese procesamiento en la mente humana. A través de un teste aplicado a treinta hablantes nativos de portugués, verificamos si nuestra tendencia es realizar el procesamiento anafórica imediatamente, juntando el término anafórica a su antecedente más próximo, o si juntarnos, el término anafórico al tópico de la sentencia. Como enseñamos al final del trabajo hay todavía otros factores que influyen en la escoja de la unión entre término anafórico y su antecedente.

Palabras-clave:
anáfora; lingüística textual; correlación

1 INTRODUÇÃO

Neste artigo relatamos e discutimos os resultados de um teste simples que teve como tema “a resolução de ambigüidades em anáforas pronominais”. O experimento foi realizado com 30 sujeitos, e envolvia a complementação de frases ambíguas do ponto de vista anafórico.

Nas 3 seções que se seguem, apresentamos: 1) a literatura a respeito do assunto; 2) o delineamento do experimento e os resultados obtidos; e 3) algumas considerações quanto a esses resultados.

2 A ANÁFORA

A informação semântica em um texto pode ser dividida basicamente entre o dado e o novo. A informação dada tem como função construir “pontos de ancoragem” para que a informação nova seja introduzida no contexto discursivo. Ou seja, para que o texto tenha continuidade temática e seja coerente, a partir de informações conhecidas do interlocutor, o locutor (ou emissor) do texto vai inserindo novas informações semânticas de maneira gradual. Um texto com um grau muito elevado de informações pode ser incoerente para um interlocutor que não consiga estabelecer pontes entre as informações novas com aquelas que já lhe são conhecidas. Daí que a coerência não é uma propriedade imanente ao texto, mas construída a partir de uma leitura dele pelo leitor/ouvinte. Um texto não é coerente ou incoerente em si mesmo. Ele pode ser coerente ou incoerente, de acordo com o contexto discursivo em que está inserido e com o nível de interação entre ele seu leitor/ouvinte.

Na busca pela construção de sentidos do texto, vários fatores entram em jogo (desde conhecimentos lingüísticos estritos a conhecimentos de mundo do interlocutor). Um fator coesivo que auxilia o interlocutor na compreensão do texto diz respeito à ligação, “mostração” ou “sinalização” entre a informação nova e a dada. Esse processo é o da anáfora - aqui, entendida segundo uma perspectiva semântico-discursiva e não sintático-gerativa.1 1 Em uma visao sintatico-gerativa, no portugues as anaforas sao o pronome se reflexivo (e seu equivalente tonico si) e expressoes um P outro, onde P equivale a uma preposicao. Cf.

O termo anáfora vem do grego e significa literalmente carregar para trás. A anáfora é um fenômeno textual de referenciação e correferenciação, de ativação e reativação de referentes ao longo do texto. Ela se define tradicionalmente como toda retomada de um elemento anterior em um texto. Segundo Rocha (2000ROCHA, Marco. Anáfora, colocações e marcadores discursivos em diálogos em português. In: CONGRESSO NACIONAL DA ABRALIN, 2., 1999, Florianópolis. Anais, em cd-rom... Florianópolis: ABRALIN, 2000.), a anáfora é

o nome dado a uma relação ou processo no qual um termo anafórico em uma instância de discurso se vincula a um elemento identificável - chamado de antecedente - para que a interpretação semântica seja realizada com êxito.

Dentro da área da semântica dinâmica, encontramos a seguinte definição de anáfora, em Moura (2000MOURA, Heronides M. M.. Significação e contexto: uma introdução a questões de semântica e pragmática. Florianópolis: Insular, 2000., p. 67):

A anáfora se situa, para a semântica dinâmica, no campo da informação discursiva.2 2 Para o autor, a informacao discursiva "envolve dados sobre o pr6prio fluxo do discurso e da conversacao. Por exemplo, e preciso delimitar, numa conversacao, os objetos e individuos sobre os quais se esta falando, e a referencia das variaveis discursivas (os pronomes, por exemplo). Somente a partir da informacao discursiva e que se pode passar a informacao sobre o mundo" (p. 67). A anáfora faz parte dos mecanismos que propiciam aos falantes manter o controle sobre o que já foi enunciado, num dado discurso, acerca dos itens de conversação (objetos e indivíduos).

2.1 O Processo Anafórico

O processo anafórico exige ao menos dois termos: o termo anafórico e seu antecedente (ou sua âncora textual, em sentido mais amplo). O termo anafórico pode retomar seu antecedente em um processo de correferenciação:

(1) O João i é sempre lembrado pelos lingüistas. Ele i sempre é citado emdiversos artigos, principalmente nos exemplos.

Assim, no exemplo (1), o termo anafórico ele retoma o SN o João, que é seu antecedente no texto. Ambos estão marcados com o índice referencial subscrito para indicar que os dois termos se referem à mesma entidade no discurso.

O fenômeno da anáfora é muito freqüente em nossa produção discursiva. Afinal, esse fenômeno é crucial para a coesão de um texto, logo, sendo essencial também para seu entendimento global, ou seja, para sua coerência. Como confirma Ilari (2001ILARI, Rodolfo. Introdução à semântica: brincando com a gramática. São Paulo: Contexto, 2001.),

na opinião de muitos estudiosos, a anáfora não é apenas um fenômeno entre outros que acontecem nos textos: é o fenômeno que constitui os textos, garantindo sua coesão. Todo texto seria, nesse sentido, uma espécie de grande “tecido anafórico”. (Grifos do autor)

Conforme proposta em Othero (2003OTHERO, Gabriel de Ávila. A anáfora e a tessitura do texto. Prelo, 2003.), o fenômeno de anáfora pode ser classificado em seis grandes tipos: anáfora lexical (ou nominal), anáfora pronominal, anáfora verbal, anáfora adverbial, anáfora numeral e anáfora elíptica. Neste artigo, iremos estudar o processamento da anáfora pronominal e tentar entender como se dá seu processamento na mente humana, através da identificação de termos correferentes que permitem fazer com que o processo anafórico funcione de fato.

2.1.1 A Anáfora Pronominal

Esse é o tipo mais comum de anáfora encontrado. Ela acontece quando um pronome (pessoal ou demonstrativo) retoma um sintagma nominal, como aconteceu neste parágrafo mesmo que você acaba de ler. Ao invés de começarmos a segunda frase deste parágrafo com A anáfora pronominal acontece..., preferimos utilizar um pronome pessoal (ela) para retomar a mesma entidade já referida por a anáfora pronominal, tornando-os assim termos correferentes e formando um caso de anáfora pronominal. Nesse tipo de anáfora, o termo anafórico é retomado por uma pro-forma pronominal. Ambos remetem à mesma entidade discursiva.

Outros exemplos:

(2) Maria i comprou três novos livros ontem. Ela i simplesmente adora ler.

(3) Paulo participou de dez congressos i neste ano. Eles i aconteceram em Florianópolis, Porto Alegre e São Paulo.

Palavras como ela e eles nos dois exemplos acima são praticamente vazias de significado: elas indicam apenas “procure a informação em outro lugar”, como diz Fávero (1997FÁVERO, Leonor Lopes. (1997). Coesão e coerência textuais. São Paulo: Ática.). No entanto, essas palavras não são totalmente vazias semanticamente: elas dão, na verdade, pistas de como procurar o antecedente, já que ela só pode ser correferente de um substantivo feminino e singular; assim como eles indica que seu antecedente deve ser um nome masculino e plural.3 3 Ha, no entanto, casos em que o pronome eles pode retomar um nome no singular que semanticamente da uma ideia de coletividade, em que subentende-se mais de um elemento,

2.2 Resolução do Processamento Anafórico

Em relação à identificação dos antecedentes na resolução de um processo anafórico, encontramos na literatura alguns problemas. Veja as seguintes sentenças:

  • A) Minha colegai fez uma prova esta manhã. Ela estava bem nervosa.

  • B) Minha colega fez uma prova i esta manhã. Ela i englobava toda a matéria.

  • C) *Minha colega fez uma provai esta manhã. Ela i estava bem nervosa.

  • D) *Minha colega i fez uma prova esta manhã. Ela i englobava toda a matéria.

Como associamos o termo anafórico ela aos seus devidos antecedentes (minha colega na sentença A e uma prova na sentença B), sabendo que as relações anafóricas nas frases C e D as tornam agramaticais? Ou seja, assim que lemos ou ouvimos o pronome ela, como sabemos a que termo associá-lo, já que ele depende de um antecedente para poder ter significado? Será que processamos a anáfora automaticamente associando o pronome ao antecedente mais próximo? Ou será que deixamos o processo em aberto até termos mais informações semânticas e podermos efetuar o processamento anafórico sem erros?

Em casos como esses apresentados, provavelmente aguardamos mais informações para que possamos atribuir o antecedente correto à anáfora, guardando a informação em nossa memória de trabalho. Porém, é muito difícil de se afirmar com certeza como essa tarefa de “ligação” entre termo anafórico e antecedente funciona, especialmente quando temos dois candidatos possíveis para servir de antecedente. Curiosamente, solucionamos inúmeros processos anafóricos intuitivamente em nosso cérebro, durante o processo de comunicação, a cada instante, sem sequer nos darmos conta.

Para Coulson (1996COULSON, Mark. Anaphoric reference. In: GREENE, Judith; COULSON, Mark (Eds.). Language understanding: current issues. Buckingham: Open University Press, 1996.), há duas opiniões a respeito da resolução de anáforas. Segundo ele, a anáfora pode ser:

  • a) imediatamente resolvida em um processo que ele chama de immediate on-line process, em que escolhemos aquele candidato que consideramos ser o melhor antecedente imediatamente;

  • b) resolvida a posteriori; o nosso processador lingüístico (“o mecanismo cognitivo que se ocupa do processamento da linguagem”) pode esperar que mais informações se tornem disponíveis antes de tomar uma decisão na identificação do antecedente de um processo anafórico.

Se por um lado o processo imediato de resolução de anáfora libera nosso sistema de compreensão da linguagem de ter de manter uma anáfora “em aberto” na memória de trabalho, ao mesmo tempo ele corre o risco de cometer erros na atribuição dos antecedentes. Já o processo que aguarda a resolução da anáfora não comete tais erros, porém exige um enorme - e talvez desnecessário - esforço da memória de trabalho. Baseado nessas duas visões de resolução de anáforas, Coulson propõe a figura 1.

Figura 1
O processo de resolução de anáforas (Coulson, 1996COULSON, Mark. Anaphoric reference. In: GREENE, Judith; COULSON, Mark (Eds.). Language understanding: current issues. Buckingham: Open University Press, 1996.).

3 O EXPERIMENTO

Estudando, então, como se processa essa relação termo anafórico x antecedente, resolvemos fazer um teste que nos pudesse mostrar qual a tendência na associação do termo anafórico em um processo de anáfora nominal, quando há dois possíveis antecedentes. Partimos, primeiramente, de duas possibilidades: ou o termo anafórico (em nosso caso, um pronome pessoal) retoma o candidato mais próximo a antecedente, ou retoma o candidato a antecedente que ocupa a posição de tópico da sentença. Por exemplo, antes de continuar com a leitura deste artigo, como você completaria a seguinte frase?

  • E) Os políticos adoram os carros importados, porque eles ______. E então, seria como em F, ou como em G?

  • F) Os políticosi adoram os carros importados, porque elesi gostam de ter luxo.

  • G) Os políticos adoram os carros importadosi , porque elesi dão um status maior para seus donos.

As duas possibilidades são possíveis, como vimos acima. Em F, o pronome anafórico eles retoma o SN tópico da sentença, os políticos. Já em G, o termo anafórico estabelece a relação de anáfora com o antecedente mais próximo, os carros importados.

Resolvemos fazer o seguinte teste: 30 pessoas completaram vinte frases ao estilo da frase E, em que um pronome poderia se referir tanto ao tópico da sentença quanto a um antecedente que estivesse mais próximo. Nosso objetivo, como vimos, é o de verificar qual a tendência da relação anafórica, se imediata (termo anafórico x antecedente mais próximo) ou se não-imediata (termo anafórico x tópico da sentença).

Abaixo, estão as frases, tais como as passamos às pessoas pesquisadas.4 4 E importante ressaltar que ninguem, ao responder a pesquisa, sabia sobre o que ela tratava. As pessoas pesquisadas receberam apenas a orientacao de completar as frases de maneira clara e coerente.

  • 1 Os políticos adoram os carros importados, porque eles .

  • 2 A minha amiga acha que foi bem na prova, especialmente porque ela _____.

  • 3 O gato é o único animal de que meu pai não gosta, afinal ele _____.

  • 4 Meu tio tem alergia ao meu cachorro. Acho que é porque ele _____.

  • 5 Aquela tarefa estava muito difícil, e minha irmã quase não conseguiu completá-la. No entanto, ela _____ .

  • 6 Um ovni foi visto por um famoso cantor ontem à noite em Brasília. Ele _____.

  • 7 Meu amigo fez um teste, mas ele .

  • 8 As moradoras da casa ao lado estão sempre fazendo fofocas e elas _____.

  • 9 Os presentes já estavam embaixo da árvore de Natal antes mesmo de meus pais chegarem, por isso acho que eles _____ .

  • 10 A prova estava difícil, mas minha colega foi muito bem. Ela _____.

  • 11 Dizem que a caneta azul é menos traumática que a caneta vermelha, mas eu acho que ela _____.

  • 12 Meu cachorro odeia o gato do vizinho. Também pudera, ele _____.

  • 13 A Márcia falou que a Luísa colou na prova. No entanto, ela _____.

  • 14 O Grêmio contratou um novo atacante para o ano que vem. Ele _____.

  • 15 A seleção feminina de basquete vai entregar um troféu à Paula. Ela _____.

  • 16 No filme, a cobra gigante corre atrás da mocinha, mas ela .

  • 17 Um carro passou por cima de um cachorro, quando ele .

  • 18 Um leopardo é mais rápido do que um carro popular, porque ele _____.

  • 19 A equipe de boliche ganhou uma nova sala. A partir de agora, ela _____.

  • 20 O Internacional diz que vai ganhar o próximo campeonato brasileiro, mesmo que ele _____.

Para mostrar que ambas as relações anafóricas são possíveis, completamos as frases primeiramente estabelecendo a relação anafórica imediata (termo anafórico x antecedente mais próximo) e, em seguida, com a relação não- imediata (termo anafórico x tópico da sentença).

a) relação anafórica imediata:

  • 1) Os políticos adoram os carros importadosi, porque elesi dão um status maior para seus donos.

  • 2) A minha amiga acha que foi bem na provai, especialmente porque elai não estava difícil.

  • 3) O gato é o único animal de que meu paii não gosta, afinal elei tem alergia a pelos de gato.

  • 4) Meu tio tem alergia ao meu cachorroi . Acho que é porque elei uma vez mordeu a perna do meu tio.

  • 5) Aquela tarefa estava muito difícil, e minha irmãi quase não conseguiu completá-la. No entanto, elai me pediu ajuda, e, juntos, conseguimos finalizá-la.

  • 6) Um ovni foi visto por um famoso cantori ontem à noite em Brasília. Elei jura de pés juntos que viu perfeitamente o disco voador.

  • 7) Meu amigo fez um testei , mas elei estava muito difícil.

  • 8) As moradoras da casa ao lado estão sempre fazendo fofocasi e elasi são sempre sobre a minha vida pessoal!

  • 9) Os presentes já estavam embaixo da árvore de Natal antes mesmo de meus paisi chegarem, por isso acho que eles não arrumaram os presentes neste Natal.

  • 10) A prova estava difícil, mas minha colegai foi muito bem. Elai havia estudado bastante para essa prova.

  • 11) Dizem que a caneta azul é menos traumática que a caneta vermelhai , mas eu acho que elai nem é traumática, só é mais colorida do que a azul!

  • 12) Meu cachorro odeia o gato do vizinhoi . Também pudera, elei vive pulando o muro e passeando pelo meu pátio.

  • 13) A Márcia falou que a Luísai colou na prova. No entanto, elai disse que, como a Márcia é invejosa, vive inventando histórias e fazendo intrigas.

  • 14) O Grêmio contratou um novo atacantei para o ano que vem. Elei vem do interior do estado e já prometeu muitas alegrias à torcida tricolor.

  • 15) A seleção feminina de basquete vai entregar um troféu à Paulai . Elai foi uma das grandes jogadoras da história do basquete nacional.

  • 16) No filme, a cobra gigante corre atrás da mocinhai , mas elai consegue escapar de uma maneira incrível.

  • 17) Um carro passou por cima de um cachorroi , quando elei estava atravessando calmamente a rua.

  • 18) Um leopardo é mais rápido do que um carro populari , porque elei é um carro que não tem tanta potência e velocidade.

  • 19) A equipe de boliche ganhou uma nova salai . A partir de agora, elai servirá de sede à equipe.

  • 20) O Internacional diz que vai ganhar o próximo campeonato brasileiroi , mesmo que elei seja o mais disputado campeonato dos últimos dez anos.

b) relação anafórica não-imediata:

  • 1) Os políticosi adoram os carros importados, porque elesi gostam de ter luxo.

  • 2) A minha amigai acha que foi bem na prova, especialmente porque elai passou a noite estudando.

  • 3) O gatoi é o único animal de que meu pai não gosta, afinal elei é arisco, mia demais e não é companheiro como outros animais domésticos.

  • 4) Meu tioi tem alergia ao meu cachorro. Acho que é porque elei sofre de bronquite e asma.

  • 5) Aquela tarefai estava muito difícil, e minha irmã quase não conseguiu completá-la. No entanto, elai não era muito extensa, e minha irmã conseguiu, ao menos, resolver uma boa parte.

  • 6) Um ovnii foi visto por um famoso cantor ontem à noite em Brasília. Elei passou voando pelo céu da cidade por volta da meia-noite.

  • 7) Meu amigoi fez um teste, mas elei não acha que não foi muito bem.

  • 8) As moradorasi da casa ao lado estão sempre fazendo fofocas e elasi ficam bisbilhotando a vida alheia constantemente.

  • 9) Os presentesi já estavam embaixo da árvore de Natal antes mesmo de meus pais chegarem, por isso acho que elesi foram deixados pelo Papai Noel!

  • 10) A provai estava difícil, mas minha colega foi muito bem. Elai tinha 10 questões de Química e 15 de Matemática.

  • 11) Dizem que a caneta azuli é menos traumática que a caneta vermelha, mas eu acho que elai pode vir a ser tão traumática quanto esta última, dependendo de como os professores a usam nas correções.

  • 12) Meu cachorroi odeia o gato do vizinho. Também pudera, elei é um furioso pit-bull.

  • 13) A Márciai falou que a Luísa colou na prova. No entanto, elai está com inveja porque Luísa foi melhor do que ela.

  • 14) O Grêmioi contratou um novo atacante para o ano que vem. Elei irá trazer outros cinco grandes jogadores para a próxima temporada.

  • 15) A seleção feminina de basquetei vai entregar um troféu à Paula. Elai vai organizar uma cerimônia de premiação em sua sede, no Rio de Janeiro.

  • 16) No filme, a cobra gigantei corre atrás da mocinha, mas elai não consegue alcançá-la, afinal, filme é filme!

  • 17) Um carroi passou por cima de um cachorro, quando elei fazia a curva na esquina da minha casa.

  • 18) Um leopardoi é mais rápido do que um carro popular, porque elei é geneticamente desenhado para correr pelas savanas africanas, sendo o mais rápido dos mamíferos.

  • 19) A equipe de bolichei ganhou uma nova sala. A partir de agora, elai poderá fazer suas reuniões semanalmente.

  • 20) O Internacionali diz que vai ganhar o próximo campeonato brasileiro, mesmo que elei tenha de contratar 11 novos jogadores!

Acreditamos ainda que há outros fatores que influenciam na escolha do antecedente, além da distância entre termo anafórico e antecedente. Acreditamos, por exemplo, que, entre dois candidatos a antecedentes, aquele que tiver o traço +humano será escolhido, independentemente da posição que ocupe na sentença e da distância que estiver do termo anafórico. Por isso, resolvemos classificar os candidatos a antecedentes com alguns traços semânticos, a saber: +humano; +animal; -animado; +coletivo. O último traço (+coletivo) é uma classificação à parte das demais. Ele marca nomes que dão a idéia de coletividade, e aparece nas frases 14, 15, 19 e 20.

Em relação à organização dos candidatos a antecedentes, quanto à maneira como estão dispostos entre as frases, de acordo com seus traços semânticos, elaboramos dois quadros que facilitam a visualização (quadros 1 e 2).

Após 30 pessoas completarem as frases, obtivemos os resultados que aparecem na tabela 1.

Em relação aos traços semânticos dos antecedentes escolhidos, obtivemos os resultados que aparecem na tabela 2.4 Análise e Conclusão

Quadro 1
Traços semânticos dos candidatos a antecedente.

Tabela 2
Total versus combinações envolvendo os traços semânticos:

Tabela 1
Resultados do experimento:

Tabela 2
Total versus combinações envolvendo os traços semânticos:

Com base nos dados obtidos em nossa pesquisa, pudemos observar que, de maneira geral, a maioria das pessoas faz a concordância do termo anafórico com o tópico da frase (53,1%), enquanto pouco menos da metade dos entrevistados relaciona o termo anafórico ao candidato a antecedente que estiver mais próximo (46,9%).

No entanto, os traços semânticos parecem ser mais relevantes para o processamento anafórico do que a distância ou posição do termo anafórico e seu antecedente. Tópicos que apresentam o traço +HUMANO aparecem em seis diferentes frases (1, 2, 4, 7, 8 e 13). Em todas elas, a tendência foi ligar o termo anafórico ao elemento +HUMANO que estava no tópico da sentença (como nos mostram as tabelas 1 e 2). Da mesma forma, aqueles candidatos a antecedente que estão mais próximos do termo anafórico e que apresentam o traço +HUMANO aparecem em nove diferentes frases (3, 5, 6, 9, 10, 13, 14, 15 e 16) e, dessas suas nove aparições, concordam com a anáfora em sete frases, perdendo unicamente para as frases 3 (que tem o tópico com o traço +ANIMAL) e 13 (que tem o tópico também com o traço +HUMANO). Na frase 3, porém, a margem de diferença é bastante pequena: 53,3% para o tópico +ANIMAL e 46,6% para o antecedente mais próximo, com o traço +HUMANO.

Da mesma forma, aqueles candidatos a antecedente que têm o traço +ANIMAL sempre foram os preferidos em relação aos candidatos a antecedente com o traço -ANIMADO, independentemente de sua posição na frase. Na frase 17, o candidato mais próximo tem o traço +ANIMAL, enquanto o tópico apresenta o traço -ANIMADO, e a preferência pela escolha da relação anafórica é de 93,3% com o antecedente mais próximo (de traço +ANIMAL); já na frase 18, o tópico é que tem o traço +ANIMAL e garante uma vitória esmagadora sobre o seu oponente -ANIMADO (96,6% a 3,3 %).

Dessa forma, podemos concluir que, em geral, a tendência de resolução do processamento anafórico é a posteriori, ligando o termo anafórico ao tópico da sentença. Porém, como vimos, essa pode ser uma conclusão muito inocente, já que o que realmente define a resolução anafórica não é a posição do antecedente na frase, mas sim o tipo de antecedente com que o termo anafórico pode se relacionar. Assim, dentre os três tipos semânticos que apresentamos aqui, a preferência se mostrou pelos antecedentes com o traço +HUMANO, seguido pelos de traço semântico +ANIMAL e, por fim, os com o traço -ANIMADO.

Quando levamos em consideração o traço +COLETIVO, pudemos concluir com base nas tabelas 2, 3 e 4 que a preferência de escolha dos antecedentes é efetuada na seguinte ordem: +HUMANO, +COLETIVO e +INANIMADO.

Referências

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  • 1
    Em uma visao sintatico-gerativa, no portugues as anaforas sao o pronome se reflexivo (e seu equivalente tonico si) e expressoes um P outro, onde P equivale a uma preposicao. Cf.
  • 2
    Para o autor, a informacao discursiva "envolve dados sobre o pr6prio fluxo do discurso e da conversacao. Por exemplo, e preciso delimitar, numa conversacao, os objetos e individuos sobre os quais se esta falando, e a referencia das variaveis discursivas (os pronomes, por exemplo). Somente a partir da informacao discursiva e que se pode passar a informacao sobre o mundo" (p. 67).
  • 3
    Ha, no entanto, casos em que o pronome eles pode retomar um nome no singular que semanticamente da uma ideia de coletividade, em que subentende-se mais de um elemento,
  • 4
    E importante ressaltar que ninguem, ao responder a pesquisa, sabia sobre o que ela tratava. As pessoas pesquisadas receberam apenas a orientacao de completar as frases de maneira clara e coerente.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Jul-Dec 2003

Histórico

  • Recebido
    14 Mar 2003
  • Aceito
    15 Ago 2003
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