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DA DESTRUIÇÃO COMO PARADIGMA 1 1 Este ensaio é uma condensação de escritos esparsos que produzi, ao longo dos últimos cinco anos, a respeito do experimento de alta destrutividade que se abateu sobre o país, a partir de 2018. A referência completa consta da bibliografia, aposta ao final do ensaio. Agradeço pelas observações feitas por colegas pareceristas, todas pertinentes e aqui acolhidas.

DESTRUCTION AS A PARADIGM

Resumo:

Este artigo faz uma reflexão a respeito da experiência política brasileira, entre os anos 2019 e 2022, por meio da utilização da metáfora da destruição como possível recurso analítico. Parte de uma crítica à lógica conceitual e, como alternativa, propõe uma fenomenologia da destruição, voltada à detecção e à apresentação dos fatores de desfiguração impostos à sociedade brasileira, no período em questão. A hipótese de fundo é a de que o experimento em questão ultrapassou a lógica estrita dos regimes políticos e se impôs como potência de desfiguração da forma do social.

Palavras-chave:
Destruição; Palavra Podre; Metáforas; Desfiguração

Abstract:

This article reflects on the Brazilian political experience between 2019 and 2022, using the metaphor of destruction as a possible analytical resource. It starts from a critique of conceptual logic and, as an alternative, proposes a phenomenology of destruction, aimed at detecting and presenting the disfiguring factors imposed on Brazilian society during the period in question. The basic hypothesis is that the experiment in question went beyond the strict logic of political regimes and imposed itself as a power to disfigure the form of society.

Keyword:
Destruction; Rotten Word; Metaphors; Desfiguration

Figura 1.
(1) Imagem do bombardeio de Hamburgo, julho 1943. (2) Imagem do Cemitério de Manaus durante a pandemia de covid-19

Abertura

Deve ser dito à partida que o emprego da metáfora da destruição , em uma reflexão a respeito da experiência brasileira contemporânea, não carrega consigo pretensões proféticas. Trata-se, antes, da expressão de um alarme. Por certo, algo bem alimentado pelos assim chamados fatos e não decorrente de sensações abissais, mas sem adquirir foros de maldição para tanto. Se algo houver de pessoal no argumento, tratar-se-á de efeito de uma dificuldade honesta em afastar do universo dos possíveis o espectro da destruição como deformação da forma de vida e forma de domínio . Em outros termos, como a forma do disforme . Do mesmo modo, é importante destacar que seria imperdoável banir do mesmo universo dos possíveis, cenários de resistência e de reconstrução. Ainda que falíveis na determinação precisa do que ocorre no mundo, sem observação empenhada e imaginação tornar-nos-emos sujeitos passivos na transformação do alarme em profecia realizada. Mas, para tal, há que lidar com um quadro epistêmico de espanto originário.

Uma antiga proposição filosófica, da lavra de Aristóteles e retomada em momentos subsequentes na história da filosofia, sustentava que “a filosofia nasce do espanto”. Com efeito, nos atos inaugurais da longa duração filosófica afirmou-se de modo pleno o espanto e a admiração diante do vazio que se impunha a quem pretendia “dizer o mundo”, para além da observação direta e da replicação descritiva de seus fragmentos, ao alcance dos sentidos. Sem grandes intenções arqueológicas, parece cabível a referência arcaica e arquetípica ao pré-socrático Anaximandro de Mileto (610-546 AEC), que ao dar um nome a seu próprio espanto escolheu o termo ápeiron , o ilimitado originário que teria dado origem a todas as coisas dotadas de limites e que apesar de capturado por um nome seguiu a espantar seu doador.

No que diz respeito à filosofia política e a seus engenhos de invenção de mundos possíveis, pode-se dizer que ela também nasceu da experiência de um espanto particular. Algo derivado da perturbação sofrida pela visão ou intuição de coisas extremas e inauditas , não inscritas nas linguagens habituais e nos modos usuais de classificação das coisas. Não é por outra razão que os esforços de descrição do mundo dispostos ao longo da história da filosofia política se fizeram acompanhar por mutações no plano da linguagem e, vale dizer, da lógica dos nomes . Se tomarmos as diferentes formas filosóficas — ou teorias — como formas linguísticas e descrições de mundos possíveis, a variação terminológica que as caracteriza sugere a permanência de um esforço sempre reposto de ajuste entre visões do inaudito e formas de nomeação .

A polissemia que caracteriza a tradição da filosofia política pode ser tomada, nesse sentido, como medida de sucesso no esforço sempre renovado de dizer o mundo. Um sucesso movido, antes de mais nada, pela fertilidade da imaginação, tanto maior quanto for a sua capacidade de afastar a vigência de qualquer critério redutor de mensuração e fixação da verdade. Como cada uma delas traz o seu próprio “real” na algibeira, todas tomam a si mesmas como descrições verdadeiras da realidade e de seu porvir. Tal é o domínio do “conflito das filosofias”, para aqui inscrever a expressão seminal de Oswaldo Porchat Pereira ( 1993PORCHAT Pereira, O. (1993). Vida comum e ceticismo. São Paulo: Ed. Brasiliense. ). A proliferação dos atos de dizer o mundo não traz consigo qualquer critério de aferição do que seja o verdadeiro. A suposição que aqui registro é a de que tal variedade não decorre apenas dos jogos linguageiros, mas da irrupção de eventos inauditos. Há, portanto, que combinar a percepção da variedade intrínseca das filosofias, tomadas como eventos filosóficos , com as imposições representadas por eventos existenciais marcados pela irrupção do inaudito.

Em grande medida, a filosofia política caracteriza-se pelo esforço continuado de dizer o inaudito , a despeito do desencaixe entre a linguagem — como potência doadora de forma — e aquilo que se apresenta como não forma, como a irrupção desfazedora das formas existentes. De todo modo, é essa a natureza de seu espanto particular. Ao longo do tempo, parece desdenhar da regra de Wittgenstein — inscrita na proposição 7 de seu Tractatus Logico-Philosophicus — a asseverar que “sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar” (Wittgenstein, 2001WITTGENSTEIN, Ludwig. (2001). Tractatus Logico-Philosophicus. São Paulo: Edusp. , p. 281). Ainda que tenha parentesco com a ficção, a filosofia política não pode contar com os efeitos literários presentes tanto na expressão de espanto: “The horror! The horror!”, de Joseph Conrad, em The heart of darkness ; quanto na suspensão da descrição do apavorante, como na literatura fantástica de H. P. Lovecraft. É evidente que não se pode parar naquele ponto. Fazê-lo implicaria completa mudança de gênero.

Se pensarmos em exemplos capazes de ilustrar a perturbação diante de eventos extremos e inauditos, não parece impróprio lembrar Michel de Montaigne — no ensaio “Sobre a crueldade” — ou Pierre Bayle — nos textos a respeito da intolerância religiosa —, ambos diante do horror das Guerras de Religião dos séculos XVI e XVII (Montaigne, 1965MONTAIGNE, Michel de. (1965). Essais, Livre 2. Paris: Presses Universitaires de France. ; Bayle, 2014BAYLE, Pierre. (2014). De la tolérance: commentaire philosophique. Paris: Honoré Champion. ). Lembrar, ainda e sobretudo, de Thomas Hobbes — em seu magnífico Behemoth — diante do teatro da guerra civil inglesa do século XVII (Hobbes, 1990). Pode-se estender os exemplos, de modo a incluir gente como Bartolomeu de las Casas, não exatamente um filósofo político, diante da carnificina inaugural do Novo Mundo (Las Casas, 2005LAS CASAS, Bartolomé de. (2005). Brevíssima relación de la destrución de las Indias. Madrid: Catedra-Letras Hispánicas. ). Foi nesse exato sentido, de paroxismo do inaudito e do sentimento de inutilidade da linguagem comum, que o filósofo Jean-François Lyotard se referiu à Shoah como um terremoto que teria destruído todos os instrumentos de detecção e mensuração de terremotos (Lyotard, 1983LYOTARD, Jean-François. (1983). Le Différend. Paris: Les Éditions de Minuit ).

Com gravidade certamente menor, os anos recentes no Brasil têm abrigado reservas de espanto e fenômenos de perturbação nos instrumentos usuais de detecção de eventos extremos. A despeito disso, parte considerável da imaginação politológica parece crer na validade de seus instrumentos de aferição da vida política, enredada que está na crença na regularidade institucional e em um modelo de mundo no qual a complexidade da política traz a marca de uma interação sempre presente entre “incentivos” e “preferências”. Vou por caminhos distintos. Pretendo, com este ensaio e a partir do abalo sentido com o experimento imposto ao país entre 2019 e 2022 e suas sequelas, considerar os seguintes itens: (i) a destruição como metáfora existencial; (ii) a lógica do nome e a forma da destruição; (iii) modos da destruição; (iv) vozes da destruição: a palavra podre; (v) o operador da destruição: o homo bolsonarus .

Destruição como metáfora existencial

Na última semana de julho de 1943, o escritor alemão antinazista Hans Erich Nossack retornou ao que restara da cidade de Hamburgo, após curta vilegiatura pelos arredores. Sobre uma colina e à segura distância de alguns quilômetros, avistara poucos dias antes sinais de um desastre inaudito. Sua cidade havia sido varrida do mapa pela “Operação Gomorra”, premonitório nome adotado para a maciça operação de bombardeio executada pela aviação inglesa, durante cerca de uma semana. Do farto despejo de artefatos incendiários e de alto impacto resultaram mais de quarenta mil mortes imediatas, outros tantos feridos e a virtual destruição de toda a malha urbana (Middlebrook, 1981MIDDLEBROOK, M. (1981). The Battle of Hamburg: allied bomber forces against a German city in 1943. New York: Scribner. ).

Ao reentrar na cidade calcinada, Nossack não carregava consigo, como recurso disponível de esclarecimento e proteção, o conceito do que estava a ver. Andou atônito pelas ruínas marcadas pela dura indistinção entre matérias orgânicas e inorgânicas. Foi diretamente afetado pelo paroxismo dos “meios físicos”, para empregar expressão da lavra do filósofo alemão Hans Blumenberg, em obra póstuma publicada em 2006: a destruição quase instantânea de uma cidade inteira. A expressão de Blumenberg denota um espectro distópico pelo qual a forma de vida dos humanos desfaz-se pelo máximo de intensidade física na atrição direta com o mundo, sem que recursos simbólicos de autoproteção, tais como taxonomias e abrigo na linguagem, estejam disponíveis (Blumengerg, 2011BLUMENBERG, Hans. (2011). Descripción del ser humano. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica. ).

Nossack, desprovido de qualquer imagem mental prévia e aplicável ao que via, acabou capturado por uma vontade de descrição (Cometti, 2001COMETTI, Jean-Pierre. (2001). Philosopher avec Wittgenstein. Paris: Farrago. ), uma prática cognitiva alternativa à clássica prescrição aristotélica de conhecer pelas causas. No caso em questão, por maiores que fossem a acuidade e a extensão de uma possível busca de entendimento pelas causas, o que estava diante de si aparecia como irredutível a qualquer operação etiológica, em um caso mais do que evidente de excesso dos efeitos sobre suas supostas causas.

A curiosidade de saber por que houve acabou vencida pela necessidade de dizer o que há: “Sinto que recebi um mandato para dar testemunho. Que ninguém me pergunte por que ouso falar de um mandato: não posso responder a isso. Sinto que minha boca ficaria fechada para sempre se eu não o fizesse logo à partida” (Nossack, 2006NOSSACK, H. Max. (2004). The end: Hamburg 1943. Chicago: Chicago University Press. , p. 11). O imperativo descritivo de Nossack compôs o que viu por meio de uma reunião de fragmentos, coagulada na palavra “ untergang ”, atribuída ao título do livro que viria a escrever e publicar em 1948. Ao fazê-lo, optou por um não conceito , a abarcar em laço metafórico abissal o sentimento e o registo da destruição , do afundamento , do abismo , do fim (Nossack, 2006NOSSACK, H. Max. (2004). The end: Hamburg 1943. Chicago: Chicago University Press. ); um fundo sem fundo, mineralizado e constituído pela macabra associação entre escombros e restos humanos derretidos ou carbonizados 2 2 Com efeito, “ the end ” foi a opção adotada pela excelente tradução inglesa, ao título original Untergang , Nossack ( 2006 ). .

Figura 2.
Imagem do livro The End

Três meses após a carbonização de Hamburgo, Nossack, quando se pôs a escrever seu livro, optou por mostrar , para além do evidente sofrimento humano, coisas do seguinte naipe: “ratos ousados e gordos, que brincavam nas ruas, mas ainda mais repugnantes eram as moscas, enormes e verdes iridescentes, moscas como nunca se vira antes” (Nossack, 2006NOSSACK, H. Max. (2004). The end: Hamburg 1943. Chicago: Chicago University Press. , p. 44). Suas descrições hiper naturalistas cumpriram a função de “encontrar uma forma para o informe”, para utilizar engenhosa expressão cunhada por Marcel Cohen, sobrevivente da Shoah, em pungente livro de memórias (Cohen, 2021COHEN, Marcel. (2021). A cena interior: fatos. São Paulo: 34 Letras. ). O padrão descritivo adotado por Nossack foi considerado pelo crítico alemão W. G. Sebald como modelo de uma história natural da destruição (Sebald, 2003SEBALD, Winfried Georg. (2003). On the natural history of destruction. London: Penguin Books. ), movida pelo esforço de captar de modo direto e vívido a materialidade e o brutalismo extremos do que acabara de ocorrer.

No lugar de um conhecimento pelas causas — com frequência, doador de elementos de ancestralidade e de necessidade histórica ao inaudito —, a vontade de descrição, presente em relatos tais como o de Hans Nossack, põe em ação um modo de conhecimento pelos efeitos . Tal empenho acaba por impor a necessidade de uma orientação fenomenológica, marcada pela pregnância do observador com o imediato dos fenômenos.

O processo de ida aos fenômenos , por certo, não se interrompe naquele ponto: a atenção em prioridade a eles concedida exige passagem ulterior a um movimento de redução analítica e eidética, orientado para a figuração do que poderia ser a sua forma ( eidos ). Tal movimento — ou exercício fenomenológico — supõe a presença de um quadro metafórico — ou de uma metáfora básica 3 3 Metáfora que preside a definição de outras metáforas, através do estabelecimento de uma estrutura matricial, profundamente entranhada nos sistemas conceptuais (Turner, 1987 ). No mesmo sentido empregado por Max Black, em sua definição de strong metaphor (Black, 1979 ) e no das root metaphors , de Richard Brown (Brown, 1977 ). — a operar como abrigo significativo para a recolha dos fragmentos registrados e descritos. Foi esse, por exemplo, o sentido da interpretação dada por Jorge Luis Borges à metáfora da esfera , formalizada no século XII pelo pensador medieval Alain de Lille: “Deus é uma esfera inteligível, cujo centro está em todas as partes e sua circunferência em nenhuma” (Borges, 1968BORGES, Jorge Luis. (1968). La esfera de Pascal. In: BORGES, Jorge Luis. Nueva Antologia Personal. Buenos Aires: EMECÉ. pp. 209-214. , p. 210).

Não interessava a Borges tanto o conteúdo da metáfora, como definição do significado e dos atributos de Deus, quanto sua forma lógica , núcleo e modelo de uma imagem capaz de abrigar intuições de totalização a respeito de tudo o que existe. Na verdade, metáfora capaz de dizer o mundo e, ao fazê-lo, abrigar todas as experiências singulares possíveis. Tal como o próprio Borges o faria no ensaio fantástico “La biblioteca de Babel”, por meio da imagem da biblioteca babélica, constituída por galerias hexagonais que se estendem ao infinito, a conter os livros já escritos, suas refutações e os que ainda não o haviam sido ou sequer concebidos (Borges, 1956BORGES, Jorge Luis. (1956). Ficciones. Buenos Aires: EMECÉ. ).

Para considerar metáforas desse porte, Borges partiu da seguinte conjectura, com a qual abriu o célebre ensaio sobre “La esfera de Pascal”: “Talvez a história universal seja a história de algumas metáforas” (Borges, 1968BORGES, Jorge Luis. (1968). La esfera de Pascal. In: BORGES, Jorge Luis. Nueva Antologia Personal. Buenos Aires: EMECÉ. pp. 209-214. , p. 209). Antes de Borges, e em direção não muito divergente, Arthur Lovejoy, em obra clássica e seminal, analisara o emprego da metáfora da “grande cadeia do ser” nos antigos e nos modernos, como operadora de unidade e preâmbulo formal de descrições ordenadas do mundo: ela impõe à percepção fragmentária e imediata do mundo a remissão a cadeias causais, ordenamentos e hierarquias ontológicas que conferem o sentido único, comum e necessário da unidade de tudo que há (Lovejoy, 1936LOVEJOY, Arthur O. (1936). The great chain of being: a study of the history of na idea. Cambridge: Harvard University Press. ).

No quadro da filosofia contemporânea, coube a Hans Blumenberg destaque indiscutível na reflexão a respeito dos grandes regimes metafóricos. Seu projeto de “metaforologia” — mais do que de uma história conceitual contextualista — decorreu do reconhecimento do papel fundacional de grandes metáforas — vagas, imprecisas e férteis —, em seus desdobramentos na configuração do mundo humano (Blumenberg, 2006BLUMENBERG, Hans. (2006). Paradigmes pour une métaphorologie. Paris: Vrin. ).

A atenção habitual aos conceitos, tomados como índices mais relevantes do processo cognitivo, desconsidera, ainda segundo aquele filósofo, a vasta fertilidade de quadros metafóricos, dos quais múltiplos afinamentos de ordem conceitual podem, por certo, ser derivados. Em estudo exemplar, Blumenberg dedicou-se em particular à análise da metáfora do naufrágio , ela mesma decorrente de um quadro metafórico mais arcaico, o da experiência humana como navegação temerária (Blumenberg, 1996BLUMENBERG, Hans. (1996). Shipwreck with a spectator: paradigm of a metaphor for existence. Cambridge: MIT Press. ). Tais metáforas não apenas operam como grandes esboços de estados de mundo, como instauram inúmeros processos de atribuição de nomes. É o que sugere a seguinte passagem da obra Naufrágio com espectador , a propósito da metáfora da “navegação temerária”: “O repertório desta metáfora náutica da existência é rico. Há costas e ilhas, portos e alto mar, recifes e tempestades, abismos e calmaria, vela e leme, timoneiros e ancoradouros, bússola e navegação pelos astros, faróis e pilotos” (Blumenberg, [s.d.]BLUMENBERG, Hans. (s/d). Naufrágio com espectador. Lisboa: Vega. , p. 21).

Em virtude da captura linguística, pela doação de nomes, coisas e eventos singulares tornam-se matéria de relatos . Os diferentes regimes metafóricos, pela doação da forma , afirmam-se como regimes de instauração da experiência do mundo: os relatos são, na verdade, modos de descrição e hipóteses a respeito da forma dos fatos, que não mais subsistem fora desses nexos hipotéticos de sentido. A perenidade desses nexos — fixadores dos singulares à linguagem — define quadros naturais e permanentes de inteligibilidade.

Em termos diretos, a precipitação metafórica confere sentido ao mundo, pelo que encerra de potência positiva e construtivista . Opera por suplementação e acréscimo: poliniza o mundo, diz e atribui sentido e forma. O próprio sentimento de existência de ordem exige a navegação em metáfora básica capaz de exibir, pela linguagem, a forma e as implicações de tal ordem. Daí decorrem incontáveis processos de metaforização positiva , pelos quais as atribuições de sentido à experiência do mundo nele inscrevem modos possíveis de ordenamento, suplementação/transformação e, em uma palavra, de ação. Mudanças paradigmáticas, por maioria de razão, podem ser pensadas na mesma chave, cada uma delas a instaurar novas possibilidades e direções de atribuição de sentido, tanto quanto possibilidades de investigação. É o que parecem indicar tanto a filosofia da ciência desenvolvida por Thomas Kuhn (Kuhn, 1975KUHN, Thomas. (1975). A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva. ) quanto a ideia de “construção de mundos a partir de símbolos”, sustentada por linhagem filosófica que conecta obras de Ernst Cassirer e Nelson Goodman (Cassirer, 2001CASSIRER, Ernst. (2001). Filosofia das Formas Simbólicas. São Paulo: Martins Fontes. ; Goodman, 1995GOODMAN, Nelson. (1995). Modos de Fazer Mundos. Porto: Edições ASA. ). Em todas essas variantes, metaforização e/ou simbolização figuram como condição de possibilidade do ordenamento da experiência com o mundo. Tal é o sentido inscrito na imagem da metaforização positiva .

Mas, e quanto às possibilidades de metaforizações negativas ? Para já, a expressão denota a sombra de metáforas a indicar supressão dos sentidos usuais da experiência, no lugar de sua suplementação positiva. Essa modalidade metafórica pode ser encontrada no âmbito da literatura a respeito dos campos de extermínio, tal como indicam algumas das obras de Primo Levi e de Charlotte Delbo, ambos escritores sobreviventes de Auschwitz. Em ambos, narrativas do vivido nos campos nazistas reúnem fragmentos e impressões, sobre os quais metáforas de ordem mais geral exercem um efeito de síntese, ordenamento e de ostensão.

No caso de Levi, a operação fez-se por meio da imagem ir ao fundo , de cariz dantesco. Levi valeu-se abertamente do quadro imagético e metafórico do Inferno de Dante Alighieri, como protótipo de uma descrição de Auschwitz como catábase . Desabamento progressivo na direção do fundo , estado terminal no qual, além da morte, sucumbem todas as formas prévias da forma de vida dos humanos (Levi, 1988LEVI, Primo. (1988). É isto um homem?. São Paulo: Rocco. ). Na escritura de Charlotte Delbo, também sobrevivente de Auschwitz, a mesma indicação de terminalidade é cumprida pela imagem da “maior estação ferroviária do mundo”, na qual ninguém chega e ninguém parte, ou, ainda, pela ideia de um lugar “anterior a qualquer geografia”: “[…] existe uma estação em que os que chegam são justamente os que partem/uma estação em que os que chegam nunca chegaram, em que os que partiram nunca voltaram” (Delbo, 2021DELBO, Charlotte. (2021). Auschwitz e depois. São Paulo: Carambaia. , p. 15) Em ambos, os quadros metafóricos fundacionais relevam de um sentimento de desencaixe, supressão de qualquer traço de familiaridade e dissipação existencial. Tanto Levi como Delbo indicam uma virada metafórica de caráter negativo. Seu nec plus ultra pode ser expresso por meio da imagem da destruição , a mais negativa de todas as metáforas. Trata-se de um estranho empenho de sistematização de processos auto alimentados de desfazimento de partes do mundo, desprovidos em si mesmos de elementos de reconstrução e, por tal natureza, incapazes de se auto representar como partes de uma história inteligível. Com efeito, não há abstração nem autoconsciência em tal processo e em seus sujeitos. É curioso e perturbador que analistas críticos lhe tentem atribuir ambas as coisas.

A lógica do nome e a forma da destruição

Dar um nome

Diante do inaudito, o primeiro impulso cognitivo é o de confiar-lhe um nome . Modo demasiadamente humano de guardá-lo conosco por sua retenção na linguagem. Dito de outro modo, trata-se de fazer do inaudito algo familiar, já que os termos empregados no ato de nomeá-lo possuem uma história semântica e operam por meio de metáforas e analogias que antecedem lógica e existencialmente a experiência com o extremo. Ao nomear o inaudito, trata-se, ademais, de desfazê-lo enquanto fenômeno extremo e disruptivo: a familiaridade com termos alucina a familiaridade das coisas nomeadas . No limite, continuamos no mesmo mundo.

Vejamos o ignóbil termo “bolsonarismo”, omnipresente na linguagem política brasileira recente. Há pouco mais de cinco anos seria um significante sem significado tangível, um insignificante. Trata-se, na verdade, de um termo referido a uma circunstância ela mesma desprovida de conceito: um fenômeno sem conceito . A permanecer na linguagem, terá a sorte que cabe às tautologias em geral, sempre coladas às ocasiões particulares que as nomeiam.

A obsessão de atribuir ao fato do bolsonarismo um nome ou um conceito que o retire de sua singularidade e lhe atribua o abrigo de uma família já constituída de termos — fascismo, populismo, autoritarismo, necropolítica, o que seja — não decorre apenas de querelas e jogos epistêmicos circunstanciais. Mais do que a habitual disputa pelo prêmio de descoberta do verdadeiro nome das coisas, trata-se da perturbação sentida diante de eventos sem forma, dotados de concentração incomum de negatividade e expressões de um insuportável “absolutismo do real”, nos termos de Hans Blumenberg.

Tal é o caso de objetos e ocasiões não apreensíveis pelos repertórios habituais de nomeação e simbolização, marcados por uma imposição excessiva e perturbadora de presença , seja ela física ou emocional. Em tais circunstâncias, a propensão à suplementação simbólica e conceitual da experiência representa antes de tudo um recurso de autoproteção; um aspecto instintivo da atividade simbólica dos humanos, propiciador de um sentimento de familiaridade diante do inaudito.

Tal lógica segue o modelo do “preenchimento de uma expectativa” (Gil, 1988GIL, Fernando. (1988). Modos da evidência. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda. ): o conceito aplicado à coisa age como indutor de previsibilidade. Somos preenchidos, por meio de um salto alucinatório, por um sentimento de “saber do que se trata”. É mesmo o caso de reconhecer que o valor psicológico de um conceito por vezes excede seu suposto valor cognitivo: ao dizer o nome e o conceito, afirmo que sei o que a coisa é; reapresento-a sob a forma de um nome, faço-a familiar e integrada a um complexo já estabelecido de significados. Organizo, por fim, minhas expectativas.

O assim denominado “bolsonarismo” não possui uma história intelectual, nem sequer uma história política que o elucide. Deve, antes, ser mostrado por meio de uma história natural , ou de uma história de seus efeitos de destruição. Ou, ainda, por meio de uma história de suas passagens ao ato . O termo “destruição” não está aqui declinado como “conceito”. Vale, antes, como recurso semiótico e metáfora negativa, rótulo sobreposto a um recipiente no qual estão abrigadas coisas extremas. Em outros termos, trata-se de seguir uma máxima da antropóloga britânica Mary Douglas: “pôr a imundície sob foco” (Douglas, 2010DOUGLAS, Mary. (2010). Pureza e perigo. São Paulo: Perspectiva. ), algo que afeta profundamente nossos hábitos de cognição, por vezes atraídos por uma vontade de normalização e conceitualização.

Nomes como empenhos de familiarização: autoritarismo e fascismo

A aplicação do termo “autoritarismo” às agruras brasileiras recentes bem exemplifica a projeção de um termo familiar sobre algo inabitual. No Brasil da década de 1970, “autoritarismo” foi um eufemismo suave, empregado para dar nome ao brutal fato da ditadura implantada em 1964, com destaque para o importante livro organizado em 1973 pelo brasilianista Alfred Stepan, denominado Brasil Autoritário (Stepan, 1973STEPAN, Alfred. (1973). Authoritarian Brazil: origins, policies, and future. New Haven: Yale University Press. ). Na década seguinte o conceito ganhou sobrevida por meio de copiosa literatura a respeito das “transições do autoritarismo para a democracia”, a abarcar inúmeros “estudos de caso”, sobre países naquela altura ainda ocupados por ditaduras e sobre seus processos de superação.

Em medida não desprezível, o termo autoritarismo continha dois dos atributos presentes da lógica conceitual indicados por Blumenberg, o da doação do nome com base em uma expectativa e o da referência a ausentes disponíveis . Dito de outro modo, “autoritarismo”, a partir dos anos 1970, foi antes de tudo o nome da ausência de democracia . Sua simples declinação trazia consigo o imaginário da urgência da recuperação — ou construção — da democracia.

A retomada recente do termo, como recurso de elucidação, faz-nos supor que sabemos do que se trata e o que nos poderá aguardar. Em adição, e com gravidade maior, traz como efeito a diluição do experimento de destruição em algo assemelhado a uma tradição. O assim chamado “bolsonarismo” seria, na verdade, capítulo — ainda que o mais escaleno de todos — de uma “tradição autoritária”, o que lhe atribui semanticamente o lugar de uma reiteração, e não de uma novidade. Seria, portanto, um objeto elucidável , já que inscrito em uma “tradição autoritária brasileira”, tão familiar quanto renitente. Nessa toada, o fenômeno faria sentido por sua aderência de família a uma tradição, que lhe confere lastro e racionalidade, além de implicar todos seus supostos antecessores no que seria sua forma presente e futura.

O recurso ao termo “fascismo” como “ausente disponível”, e tal como a noção de “autoritarismo”, apresenta dupla valência: exprime abjeção e pretende dizer do que se trata. Segundo Primo Levi, o fascismo é polimorfo e não se limita a sua experiência enquanto regime político. É o que diz:

Cada época tem seu fascismo; seus sinais premonitórios são notados onde quer que a concentração do poder negue ao cidadão a possibilidade e a capacidade de expressar e realizar sua vontade. A isso se chega de muitos modos, não necessariamente com o terror da intimidação policial, mas também negando ou distorcendo informações, corrompendo a justiça, paralisando a educação, divulgando de muitas maneiras sutis a saudade de um mundo no qual a ordem reinava soberana e a segurança de poucos privilegiados se baseava no trabalho forçado e no silêncio forçado da maioria

(Levi, 2014LEVI, Primo. (2014). Um passado que acreditávamos não mais voltar. In: LEVI, Primo. A Assimetria e a Vida: artigos e ensaios. São Paulo: Editora Unesp. , p. 56).

A passagem é eloquente no que possui de advertência à sobrevida do fascismo por meio da desfiguração de aspectos inerentes a sociedades democráticas: justiça, educação e mundo da opinião. Mas, ou bem o fascismo é um regime ou é um conjunto polimorfo de práticas , inscritas em regimes não fascistas. Neste último caso, embora o termo “fascista” possa ser mobilizado como sinalizador de atos específicos — distorcer informações, paralisar a educação ou corromper a justiça — não terá o condão de designar o espaço mais amplo — o regime — no qual práticas fascistas estão presentes. O que mais se poderá dizer é “há ali fascismo e fascistas”, mas, a natureza do regime que sofre ou tolera suas práticas permanece indeterminada, à luz da definição polimorfa de fascismo.

Se optarmos pela ideia de fascismo como conceito de um regime , ou núcleo de um “projeto”, os problemas não são menores. O fascismo histórico foi marcado por clara e firme obsessão de incluir o conjunto da sociedade na órbita do Estado (Lessa, 2020aLESSA, Renato. (2020). Presidencialismo de Assombração: autocracia, estado de natureza, dissolução do social (notas sobre o experimento político-social-cultural brasileiro em curso). In: NOVAES, Adauto. Ainda sob a tempestade. São Paulo: Edições SESC. p. 187-209. ). Um dos primeiros a detectar essa característica maior do fascismo, para além da ação direta do esquadrismo, foi Giovanni Amendola, três anos antes de ser trucidado pelos fascistas, em 1926. Segundo Amendola, o fascismo consistia em um “sistema totalitário” — em um dos primeiros, senão o primeiro, empregos da expressão — devotado ao “domínio absoluto e incontrolável nos campos político e administrativo” ( apud Tarquini; Scirocco, 2023TARQUINI, Alessandra; SCIROCCO, Giovanni (eds.). (2023). Giovanni Gentili – Manifesto degli intelletuali fascisti -; Benedetto Croce – Manifesto degli intelletuali antifascisti. Milano: Media Group. , p. 15). O próprio Mussolini, em 1925, e à sua moda, reafirmou o juízo de Amendola: “Tudo no Estado, nada fora do Estado, ninguém contra o Estado” ( apud Tarquini; Scirocco, 2023TARQUINI, Alessandra; SCIROCCO, Giovanni (eds.). (2023). Giovanni Gentili – Manifesto degli intelletuali fascisti -; Benedetto Croce – Manifesto degli intelletuali antifascisti. Milano: Media Group. , p. 15).

Ademais, a execução do propósito totalitário deu-se, entre outros modos, por meio de um modelo de organização corporativa da sociedade, cujo elemento central foi constituído pelo trabalho e pelas profissões, e não mais pelo cidadão liberal-democrático, indivíduo-sujeito de direitos universais. O fascismo a isso se contrapôs à ideia de um direito concreto , coletivamente usufruído e calcado na divisão social do trabalho. Com efeito, o horizonte da arquitetura institucional corporativista visava incluir toda a dinâmica social no âmbito dos espaços estatais e eliminar qualquer energia cívica e política associada à espontaneidade liberal e democrática.

O quadro apresentado ao Brasil, nos tempos recentes, foi diverso: não se tratou de pôr a sociedade dentro do Estado, mas, ao contrário, de devolvê-la a algo apresentado como natural, anterior e tido por mais genuíno. Tratou-se, em outras palavras, da miragem da supressão dos elementos de normatividade e de artifício que regulam a vida social, para fazer com que essa se aproxime cada vez mais de um ideal de estado de natureza espontâneo.

Da destruição e de sua novidade

Tanto do ponto de vista da história brasileira, quanto da dos modelos fascistas originais, há novidade que diz respeito à perspectiva de expulsão do social da órbita estatal e pública. Ou seja, desconexão progressiva da sociedade com relação à malha normativa e regulatória e sua figuração como sede de uma sociabilidade espontânea, resumida na defesa do valor “liberdade”. Trata-se de cenário que evoca a engenhosa expressão “distribuição natural do poder”, da lavra de Raymundo Faoro, que com ela pretendia iluminar uma distinção entre o modo pelo qual os quadros legais e institucionais são definidos no país e a subjacente existência de uma distribuição natural do poder político real (Faoro, 1975FAORO, Raymundo. (1975). Os donos do poder: Formação do Patronato Político Brasileiro. São Paulo: Edusp. , p. 561).

A “distribuição natural do poder” resulta de longo processo denominado por José Murilo de Carvalho como uma “acumulação primitiva de poder” (Carvalho, 1981CARVALHO, José Murilo de. (1981). A Construção da ordem: a elite política imperial. Brasília, DF: Editora UnB. , p. 84), formadora de uma sociologia tectônica e de longa duração, a dar abrigo à generosa reserva de passivos e assimetrias sociais ao longo da história brasileira, na qual a estruturas mais arcaicas de desigualdade e violência são acrescidas modalidades sempre renovadas no curso do tempo.

O horizonte da novidade dos anos recentes sustenta, passo a passo, a desvinculação normativa entre Estado e sociedade: fazer do estado de natureza o ideal da sociabilidade; tomar a distribuição natural do poder como base e fundamento da configuração normativa da sociedade. Tal horizonte distópico de naturalização das interações sociais constitui um dos elementos a compor o pano de fundo da ideia de destruição, que está a indicar algo mais amplo do que a natureza eventual dos regimes políticos. A novidade destrutiva consiste em repor o arcaísmo da distribuição natural do poder como representação básica e ativa da comunidade política.

Um duplo deslocamento: da lógica dos regimes políticos para a forma do social

Penso que o emprego da metáfora da destruição, como preâmbulo para a análise do tão recente quanto inconcluso experimento brasileiro, produz um duplo efeito de deslocamento, a um só tempo ontológico e epistemológico. Trata-se do deslizamento imperativo da análise habituada à observação e detecção da lógica dos regimes políticos — ou das formas de governo, em chave clássica — para o confronto com experimentos de destruição, que incidem sobre a forma do social .

O deslocamento ontológico mencionado tem a ver com a inclusão, no âmbito dos fenômenos observáveis, de empenhos de destruição por definição irredutíveis à lógica dos regimes políticos . Nesse sentido, afastam-se dos fatores de “desfiguração”, indicados pela filósofa política Nadia Urbinati, em aguda análise dos processos de erosão da democracia. Em seu livro Democracy Disfigured , Urbinati ( 2014URBINATI, Nadia. (2014). Democracy Disfigured: opinion, truth and the people. Cambridge: Harvard University Press. ) indicou e analisou o que seriam três formas de desfiguração presentes nos regimes democráticos realmente existentes. Sua persuasiva análise sustentou o quanto fatores tais quais: epistemocracia , populismo e lógica plebiscitária erodem o universo da opinião, para a autora um elemento fulcral da democracia representativa, tanto quanto a regularidade e a competitividade das eleições. Por mais graves que sejam, tais processos resultam da própria dinâmica endógena dos sistemas democráticos representativos. Processos de destruição, em modo distinto, não resultam de dinâmicas inerentes ao modo democrático usual. Ainda que as oportunidades políticas de emergência conjuntural da cunha destruidora decorram de resultados eleitorais, não parece razoável inferir que o empenho da destruição dependa de elementos inerentes ao que pretende erradicar.

Efeitos de destruição, ademais, incidem sobre a forma do social , sem alteração necessária dos aspectos centrais do regime político. A distinção entre “regime” e “forma do social” resulta da oposição posta por Jean-Jacques Rousseau, no Livro I, capítulo 5, de seu Contrato Social , a partir da seguinte proposição: “Antes portanto de examinar o ato pelo qual um povo elege um rei, seria bom examinar o ato pelo qual um povo é um povo . Porque esse ato, sendo necessariamente anterior ao outro, é o verdadeiro fundamento da sociedade (e. a.)” (Rousseau, 2016ROUSSEAU, Jean-Jacques. (2016). Do contrato social. São Paulo: Companhia das Letras. , p. 64). Da tese de Rousseau, resultam de modo claro dois “programas” de investigação de natureza política, a saber: (i) o das formas de governo e seus modos de operação e (ii) o das representações originárias que configuram as formas do social. No caso em questão, o do “bolsonarismo”, é a segunda dimensão a mais afetada pelos operadores de destruição.

Desse modo, é possível sustentar o deslocamento acima indicado: uma passagem de natureza ontológica, do domínio da lógica dos regimes políticos para a dos experimentos de destruição. Passagem a carregar consigo consequências epistemológicas precisas: da análise conceitual dos regimes e de suas instituições para a observação fenomenológica dos efeitos da destruição . Como metáfora negativa que não supõe a presença de uma substância ou imanência ordenadoras do mundo, a imagem da destruição exige como efeito epistemológico o esforço de mostrar o mundo , ou uma vontade de descrição , nos termos empregados pelo filósofo Jean Pierre Cometti (Cometti, 2001COMETTI, Jean-Pierre. (2001). Philosopher avec Wittgenstein. Paris: Farrago. ), distinta de uma vontade de demonstração . Move-a um movimento de natureza fenomenológica, no qual a ligadura dos fenômenos dá-se pela negatividade da destruição . Sendo ela um processo sem forma, ela acaba de todo modo, por desenhar a forma do mundo . Eidos , nesse caso, significa destruição, ou forma de um mundo sem forma ou em deformação .

Modos da destruição

Nesta seção, pretendo indicar duas das muitas frestas pelas quais o processo de destruição produziu seus efeitos sobre a experiência recente do Brasil enquanto país e forma social: os âmbitos da vida e do território e das populações originárias. Destaco-os do domínio da multiplicidade das frestas, dada a sua dimensão tectônica: vida, terra, gente.

Vida

O âmbito do ataque à vida, como valor e marcador básico de legitimidade do Estado, teve seu cenário nobre na gestão da pandemia, durante o experimento bolsonarista de governo. Trata-se, com efeito, de campo privilegiado para a observação da destruição do comum . Mais do que atitude sanitariamente letal, o negacionismo representou a negação do comum, como dimensão existencial e referência normativa. Negar a doença foi um modo direto de refutar a relevância de uma esfera de partilha, marcada pela interdependência dos sujeitos afetados e pela possibilidade de estabelecer laços extensos de solidariedade e reciprocidade.

A morte natural é, por excelência, individual e confinada à domesticidade e aos afetos do luto. A morte coletiva — tanto a evitável como a diretamente infringida — é de outra natureza: inscreve-se na experiência comum e adquire uma dramaticidade que excede o somatório dos lutos individuais que a contém. No mais, a negação do sofrimento como experiência comum tem como efeito a inibição de sua passagem ao âmbito da política . Falo das possibilidades e virtualidades de um comum negativo — o sofrimento compartilhado — a propiciar, como contraponto positivo, o comum positivo da convergência política, simbólica e social. Parto, portanto, da evidência da morte coletiva — evitável e induzida — como um devorador ontológico, a conferir inapelável materialidade à metáfora da destruição.

Na verdade, nada há de substantivamente novo em tal atitude. Mais apropriado seria considerá-la como disposição arcaica e pré-política, situada aquém dos fundamentos mínimos do contrato político básico e moderno, que tem no tema da vida um de seus elementos fulcrais. No horizonte da filosofia política moderna, a centralidade do tema da vida foi posta de modo definitivo por Thomas Hobbes, no século XVII. A ele devemos a proposição de que o Estado é um animal artificial instituído pelo engenho humano, dotado da justificativa básica de proporcionar proteção à vida. Longe de ser vaga e genérica, tal proteção decorre do horror à possibilidade da morte precoce e violenta , sempre ao alcance dos praticantes e adeptos de uma vida absolutamente livre e desprovida de fatores de contenção, tanto de ordem externa como interna e subjetiva.

O tema da morte precoce e violenta estabelece uma distinção entre diferentes “regimes de morte” (Diner, 2022DINER, Dan. (2022). “On ‘Auschwitz’: Reflecting on the Meaning of Absolute Death”. Hurbinek: Revista de Estudos Primolevianos, v. 1, n. 2, p. 15-21. ): as inevitáveis, por meios naturais; e as evitáveis, por meio dos operadores instaurados pelo animal artificial. Tido como absolutista — coisa que foi por razões de circunstância —, para Hobbes, absoluta deveria ser a adesão a um pacto comum de proteção da vida. Em chave tradicional, para ele caberia à religião a promessa de vida eterna. Em chave mais tangível e nesta vida, caberia ao animal artificial estatal a obrigação de reduzir os âmbitos e as oportunidades da morte precoce/violenta. Na letra hobbesiana, a vida tornou-se uma figura de direito público , e não apenas algo restrito à natureza, à providência e ao destino de cada corpo biológico singular.

A devolução da vida a um âmbito pré-político, biológico e natural ficou mais do que evidente a partir do uso da expressão “todos morrerão um dia”, empregada oficialmente como esteio significativo para representar mortes ocorridas nos momentos mais agudos da pandemia (2020-2021) e como parte nobre da cloaca simbólica então vigente. Mais do que indício de perversão patológica, a expressão pode e deve ser tomada como fresta para a observação de processos de destruição dotados de grave potencial de letalidade, tanto os realizados, como os prometidos e incumpridos: para todos eles, a naturalização da morte constitui tanto o fundo quanto o fundamento.

Território e populações originárias

Há um sentido inequívoco no tratamento do território e da questão ambiental, a implicar uma redefinição normativa do que seja o espaço comum brasileiro . Trata-se do deslocamento da ideia de país — como experimento cultural denso e duradouro — em direção à imagem de lugar — uma categoria espacial que traz consigo a perspectiva simples e efêmera da ocupação e da apropriação físicas.

A ideia de país é, por definição, uma abstração. Já a de lugar diz respeito a um ponto geográfico realmente existente. A extensão da diferença entre país e lugar pode ser aferida pelo grau de inclusão da natureza em uma malha normativa, que abrange tanto dimensões do direito formal quanto dos modos tradicionais de conhecimento e manejo dos recursos naturais. A ideia asséptica de lugar desconhece a lenta e longa precipitação de sentidos que se dá sobre o espaço no curso do tempo, algo que define a ideia sempre confusa e impura de país.

O extraordinário artista plástico sul-africano William Kentridge, em obra marcada pela observação da territorialidade de seu país durante o Apartheid, desenvolveu uma fina teoria da paisagem, por ele representada como experiência espacial e sensória na qual formas de vida estão ocultas . Disse-nos Kentridge: há muitas coisas na paisagem: corpos decompostos, incorporados à terra; uma terra que é lugar de combate, disputa, segregação racial. Em suma, tem-se uma teoria da paisagem que a percebe como lugar no qual memórias permanecem como depósitos coagulados; conjunto de experiências entranhadas, como que misturadas à terra (Kentridge, 2003KENTRIDGE, William. (2003). Felix in Exile: Geography of Memory. In: CAMERON, Dan. William Kentridge. London: Phaidon Press Limited. p. 118-127. ).

Figura 3.
William Kentridge. Imagem da animação Other Faces (2011)

A devastação ambiental vai na direção inversa dessa teoria da paisagem. O predomínio do lugar exige a disponibilidade integral do território, aberto à maior utilização possível segundo lógicas ditadas pelos próprios utilizadores, em ato de pura liberdade . Expulsar o território do Direito, para não falar do apagamento dos modos tradicionais de ocupação; devolver a terra à natureza, entendendo pelo termo sua absoluta disponibilidade para fins de exploração direta e não mediada.

Os povos originários estiveram entre os principais inimigos dos ocupantes do governo brasileiro até 2022. Sintoma, antes de tudo, da recusa em admitir uma pluralidade de formas de vida no território comum do país e do abrigo da crença etnocida no imperativo da “aculturação”. Entre invasores de reservas — como sujeitos de uma liberdade natural — e povos indígenas — sujeitos de Direito como ocupantes legítimos de reservas, reconhecidos em sua especificidade cultural e, por tal razão, receptores de proteção estatal —, a opção assumida não deixou margem à dúvida: assim como o território, os povos indígenas devem ser expelidos da malha normativa que, em alguma medida, contém mecanismos e normas de proteção e regulação. O trato do território e das populações originárias é marcado, ainda, por uma inclinação distópica e atávica: fazer da defesa da liberdade a reposição das condições originárias da colonização: exploração do território e “preação de índios”. A nostalgia do que teria sido uma liberdade irrestrita para lidar com a terra, a natureza e com seres humanos compõe, dessa forma, o núcleo arcaico do programa da desfiguração.

Vozes da destruição: o império da palavra podre

A destruição se dá por palavras e atos. Seu modus operandi reside na passagem direta ao ato: nenhuma mediação entre a palavra brutal e sua mais pura consequência. A linguagem, nesse sentido, vale como preâmbulo de passagens ao ato e de futuros possíveis. Pode dar passagem e abrigo à palavra podre , a fórmula que quando proferida destroi o próprio ambiente sobre o qual incide.

A palavra podre destroi, antes de tudo, limites tácitos. Como modelo de ação, faz-se protótipo do hábito de destruir hábitos. O modelo da destruição segue a potência e o roteiro da palavra podre, e é pela palavra que a coisa vem.

Há palavras que caem no vazio, dissolvidas pela inércia do que já está posto e estabelecido. O traço distintivo da palavra podre é que entre si mesma e sua consequência prática não há mediação. Mesmo que não faça sentido, produz estragos. Mesmo repudiada, já foi dita. Seu emissor, ademais, é sujeito dotado de uma consistência notável: é capaz de fazer tudo o que diz, sem qualquer reserva mental.

Mesmo que não consiga realizar a completa passagem ao ato, pela ação de impedimentos externos, o emissor crê que o pode fazer e que isso significa liberdade. É o que basta para que seja muito perigoso, como operador de uma imaginação eliminacionista. É um obcecado pelo desejo de matar a linguagem; fazê-la coisa; suprimir qualquer conteúdo metafórico ou figurativo para a palavra “morte”. O emissor da palavra podre é, sobretudo, um sujeito dotado de ares proféticos: antecipa a todo tempo e deseja o cenário distópico de uma forma de vida orientada pela ideia de alvos a silenciar e a abater.

O que parece subjazer a gestos e ações simples e comuns de solidariedade e cuidado é algo aparentado ao que o filósofo-químico húngaro Michael Polanyi denominou como “dimensão tácita” (Polanyi, 1967POLANYI, Michael. (1967). The tacit dimension. Garden City: Anchor/Doubleday. ). Em obra anterior, Polanyi falara a respeito de algo inerente a cada um dos humanos, sobre a prática de um “conhecimento pessoal”: cada um sabe mais do que é capaz de dizer e é detentor e praticante de conhecimentos que sustentam uma capacidade determinada para agir (Polanyi, 1962POLANYI, Michael. (1962). Personal knowledge: toward a post-critical Philosophy. London: Routledge & Kegan Paul. ). Algo, portanto, que não transparece nas palavras, mas emerge na própria ação, uma faculdade não fundada no saber dizer, mas no saber fazer.

A intuição de Michael Polanyi, embora incida de modo específico sobre o processo de conhecimento, pode ser estendida para outros aspectos da experiência humana. Assim como há “conhecimento pessoal”, é possível imaginar a presença de dimensões tácitas nas quais sentimentos morais e crenças de reciprocidade estão fixadas. Claro está que não se trata de supô-las naturais e inatas, já que resultam de acumulações culturais fixadas — sabe-se lá como — ao longo do tempo tanto em escalas individuais quanto intersubjetivas e compartilhadas. Falo de um complexo invisível de expectativas de comportamento e de crenças de reciprocidade e pertencimento que, embora presentes, não exigem enunciação explícita quando produzem seus efeitos. A esfera tácita à qual me refiro está presente de modo mais difuso, como suporte impensado da variedade de juízos e ações dotadas de implicações práticas e morais.

Cumpre a função de marcador primário do que parece aceitável ou não. Sua consistência transparece na determinação de limites do razoável e expectável: é o que se dá a ver em sentenças tão simples quanto quotidianas tais como “isto passou dos limites” ou “não é possível que isso tenha acontecido”. Tais expressões representam o reconhecimento linguístico de algo que se dá no interior dos que falam, no modo do não reflexivo. Parece razoável supor, ainda, que as sentenças aludidas decorram de um sentimento de que algo já posto e estabelecido de modo tácito foi afetado por algum tipo de ação ou ato declaratório.

A generalização e a naturalidade de uma linguagem política na qual se crê que tudo pode ser dito, associada a exortações escatológicas e eliminacionistas, supõe a rarefação — ou mesmo desfiguração — de uma dimensão tácita. Um dos lemas fortes dos ocupantes da residência presidencial do Palácio da Alvorada, a partir de janeiro de 2019, dá bem o tom do que sugiro: “nós não conhecemos limites”. Tem-se no sintagma a límpida vocalização do desejo de furar uma dimensão tácita, cuja consistência mínima decorre do próprio princípio da existência de limites. Talvez tenha sido esse o ato declaratório mais radical proferido pelos elementos da nova ordem, que se inaugurava em 2019, já que enuncia o princípio transcendental — ou a metafísica — dos atos singulares de destruição que se sucederiam na ordem do tempo. Não ter limite é tomar-se a si como limite em movimento; é estabelecê-lo em cada ação, para ultrapassá-lo na seguinte. Puro situacionismo: em tal paraíso libertário, cada ato fixa seu próprio limite, para logo a seguir ser superado. O efeito final possível é o da radical reconfiguração da dimensão tácita a partir da naturalização da não regra de que não há limites.

É de grande relevância recolher registros da fala de operadores da destruição ainda em curso no Brasil. Trata-se nesse caso menos de inovação vocabular do que de consagração da linguagem como portadora imediata de seus efeitos de violência. É o que se pode designar pela expressão palavra podre: um ato de fala que quando proferido degrada o espaço semântico e institui um sentimento permanente de ameaça e intimidação. De modo mais abstrato, a palavra podre é uma modalidade de expressão que traz em si seu efeito imediato, seja como preâmbulo de uma ação violenta, como aviso prévio de uma ação deletéria ou como potência de infestação do campo simbólico. Por certo, não inventou seus termos e muitas de suas fórmulas. A novidade na matéria é a ocupação efetuada por essa linguagem de espaços de emissão dotados de grande capacidade de disseminação e de passagem ao ato. Valem, ademais, como furos e frestas pelos quais se dá a ver o “estado da nação”, ou, ao menos, parte dele, para menor desconsolo.

Operador da destruição: o homo bolsonarus

Uma das mais brilhantes prescrições da filosofia política do século XVII pode ser encontrada na principal obra do filósofo e polímata inglês Thomas Hobbes, o Leviatã , de 1651 (Hobbes, 2003HOBBES, Thomas. (2003). Leviatã, ou matéria, forma e poder de uma república eclesiástica e civil. São Paulo: Martins Fontes. ). Trata-se da definição dos engenhos políticos humanos como animais artificiais . O Estado é o animal artificial por excelência, mas o rótulo pode ser atribuído a qualquer experimento político e institucional com capacidade de vincular, por tempo significativo, seres humanos entre si e a um espaço compartilhado. O substrato animal deve-se ao fato de que se trata de artefatos vivos , cuja natureza exige cuidados ativos de, digamos, nutrição. São, contudo, artificiais , pois decorrem da atividade humana em fabricá-los, sendo os seus autores os únicos dotado do atributo de inventar animais artificiais . Quando falamos da “natureza” do Estado ou das instituições, referimo-nos, na verdade, a naturezas de segunda ordem , ou seja, a artefatos humanos que, pela duração e inércia, aparecem-nos tal como se fossem naturais.

O assim designado bolsonarismo é um animal artificial em formação , posto ativamente em movimento pelos que, na primavera de 2018, sufragaram seu chefe. É um animal superposto ao animal artificial que o precedeu e, em alguma medida, abrigou sua inoculação — o quadro constitucional e institucional vigente no país desde 1988 —, sobre o qual exerce efeitos de degradação e, no limite, de destruição. Para além da detecção da filosofia política ou da fumaça metafísica supostamente inscritas na gênese do animal artificial “bolsonarismo”, importa, a meu juízo, observar os sujeitos empenhados em tais processos de degradação.

Tal movimento, impõe-nos a imagem do homo bolsonarus , o homem novo dos tempos distópicos e operador da destruição.

O experimento aberto a partir de 2018 não deixa de possuir tinturas revolucionárias. Não é de surpreender que sua agenda seja predominantemente destrutiva. É extensa a fenomenologia da destruição, mas em todos os aspectos o padrão é o mesmo: desfazer as referências normativas que estruturam o animal artificial, versão 1988 (Constituição Federal), e imposição de um novo exemplar, cuja principal lógica seria a da recepção e naturalização dos passivos brasileiros. Há, pois, um horizonte de busca de “naturalidade” no âmago do animal artificial em formação. O aparente paradoxo contém um dos traços mais salientes do novo experimento. Ao dissolver os nexos normativos e regulatórios que conectam a vida social ao mundo público, abre-se um cenário de liberdade natural, de defesa da espontaneidade e dos instintos animais.

O homo bolsonarus não pertence à ordem daquilo que se acrescenta ao mundo, como obra da imaginação e da vontade, não importa em que direção. A matéria bruta originária que o compõe releva de estratos arcaicos da experiência histórica brasileira, sempre enriquecida com o passar do tempo. Sobre tal matéria arcaica, há copiosa e excelente bibliografia, a começar pelo clássico de Maria Sylvia de Carvalho Franco, Homens livres na ordem escravocrat a (Franco, 1969FRANCO, Maria S. Carvalho. (1969). Homens livres na ordem escravocrata. São Paulo: Editora Unesp. ), com sua clássica análise do “código do sertão”, caracterizado pelo predomínio aberto da violência interpessoal, mesmo entre sujeitos próximos e interdependentes.

Não é difícil imaginar o quanto o “teor violento da vida” — para retomar a fórmula do grande historiador holandês Johan Huizinga — pode vicejar em um quadro de dissolução dos nexos normativos entre Estado e sociedade (Huizinga, 2010HUIZINGA, Johan. (2010). O outono da Idade Média: estudo sobre as formas de vida e de pensamento dos séculos XIV e XV na França e nos Países Baixos. São Paulo: Cosac Naify. ). A obra de destruição — presente na área ambiental, na neutralização das leis e da fiscalização trabalhistas, no trato dos indígenas, no incentivo à cultura do excludente de ilicitude policial, na supressão da política cultural, entre tantos campos — deixa intocada a espontaneidade das relações sociais.

Se a matéria bruta e originária do homo bolsonarus remete-nos a momentos arcaicos da sociabilidade brasileira, sua reunião em um corpo orgânico e ativo, dotado de uniformidade de linguagem e de propósitos, é fruto da implantação do novo animal artificial. Sempre foram perigosos os homens — principalmente homens — violentos entre nós. O que lhes faltava era um ponto de coagulação, capaz de garantir tanto a continuidade de práticas tradicionais quanto a dissolução dos mecanismos de contenção e inscrever as energias espontâneas em um projeto político. O desvínculo entre a sociedade e o Estado é compensado pelo nexo de representação e de vínculo buscado pelo governo com sujeitos excessivos e violentos. Troca-se um nexo normativo e institucional por outro de natureza informal e legalmente heterodoxo. A unidade do nexo informal é garantida pelo seu representante: o chefe.

Mais uma vez, a boa filosofia política do século XVII — refiro-me novamente a Thomas Hobbes — ensina-nos que são os representantes que instituem os representados, e não o contrário como intuitivamente supomos. Na transformação de uma multidão fragmentada em “uma pessoa” artificial, “é a unidade do representante, e não a unidade do representado, que a faz ser uma” (Hobbes, 2003HOBBES, Thomas. (2003). Leviatã, ou matéria, forma e poder de uma república eclesiástica e civil. São Paulo: Martins Fontes. , p. 141). Ao ver-se no representante, o representado depreende dessa relação especular a presença de um vínculo que lhe confere sentido, enquanto parte de um conjunto maior: ao dizer “ele nos representa”, o representado vê-se a si mesmo como parte de um animal artificial. A novidade deste animal em formação tra noi é a de que a incorporação dos representados pelo representante não lhes impõe ou atribui normas e obrigações, mas tão somente a alucinação de que podem agir de maneira livre, dando expressão plena e inculpada de suas pulsões.

O homo bolsonarus , portanto, é a um só tempo um animal artificial e natural. Sua natureza decorre tanto dos estratos arcaicos, como da ampla fenomenologia da violência perpetrada a sujeitos contra os quais é suposto haver um direito natural de imposição de castigo e dor: os pobres, as mulheres, os negros, os povos originários, os não heterossexuais. A artificialidade decorre do fato de que sua existência e reprodução resultam de empenho ativo: seguir a natureza e dar curso à distribuição natural do poder exige ação política e institucional. A preservação do padrão predatório que comanda a liberdade natural do homo bolsonarus (HB) exige ação concertada e criação de artifícios de destruição política, social, cultural e institucional.

Passo à apresentação de alguns traços básicos do operador HB de destruição:

Primado da ação direta e da intimidação: o HB é adepto da mais pura e total passagem ao ato; faz da palavra um preâmbulo da ação; a palavra não é convite à pausa, ao pensamento e à internalização da experiência, mas vocalização de uma vontade de agir: tal como o urro “ Acabou, P. ”. O HB é violento e convicto de que as vias de fato são oportunidade ímpar de elucidação, coisa impossível em cenários habitados exclusivamente por palavras. Por inevitáveis, as palavras, como mandamentos e expressões de adjetivação, são propiciadoras diretas de ações violentas;

Horror à mediação e à abstração: o HB é um fundamentalista da linha reta: quer logo abater o inimigo, sem tergiversar. Tem diante de si um desenho de mundo que exige o mais cabal esclarecimento, sendo, portanto, avesso às neutralizações, já que um mundo marcado por mediações camufla a verdade substantiva das coisas. O HB quer clareza absoluta. A clareza do caçador obtida com o abate da caça; a elucidação buscada do perpetrador, cuja plenitude exige a imposição de dor, castigo e morte a suas vítimas. Disto resulta a aversão ao Estado de Direito, o paraíso — para o bem e para o mal — das mediações e a valorização de uma forma de representação simbólica, com pretensões carismáticas. É isto que explica a teoria da democracia abraçada pelo HB: puramente majoritária e concentrada na pessoa do chefe, cuja soberania deve ser indisputada. O HB é, ainda, um fundamentalista do caso concreto.

Impermeabilidade à experiência: o HB é portador de uma convicção que o torna impermeável como uma rocha 4 4 Tratei do tema da impermeabilidade no ensaio “Do antissemitismo como paixão: a propósito das Reflexões sobre a questão judaica ” (Lessa, 2019 ). . Há, com certeza, dogmáticos em todos os quadrantes, mas quando a sensação de impermeabilidade se desloca do campo das crenças políticas para os campos da refutação de evidências científicas e da autojustificativa para a ação direta, os danos públicos são indisfarçáveis. Ademais, não parece haver variante moderada entre os exemplares da especiação humana bolsonarus .

4. Índole libertária: o HB quer fechar o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso, empastelar a imprensa, a ocupação militar do Poder Executivo e a criminalização dos adversários políticos. Tudo isso, em nome da liberdade. Antes de julgá-los inconsistentes, importa indagar pelos que tomam a liberdade. Um indício: o HB ama pescar em águas proibidas, odeia pagar impostos e obrigações trabalhistas, deseja dar curso livre e inculpado a seus preconceitos e às ações que eles autorizam e, por vezes, exigem, quer andar sem máscaras e usufruir do direito de se contaminar. A liberdade natural, desejada pelo HB, exige a desativação das instituições e normas que garantem toda e qualquer liberdade política e civil. Embora represente-se como uma rocha impermeável, o HB é, no fundo, muito confuso. A tal índole libertária é o complemento comportamental — ou momento subjetivo — do desvínculo entre vida social e estrutura normativa da esfera pública.

( in)Conclusão

Há pouco mais de cinco anos, quando comecei a refletir e escrever a respeito da destruição imposta ao Brasil a partir da campanha eleitoral de 2018, optei pela recusa a dar um nome a seu principal operador. Dei-lhe, na verdade, um não nome: o inominável (Lessa, 2018LESSA, Renato. (2018). O inominável e o abjeto. Carta Capital, São Paulo. ). Um ato, por certo, ficcional: pô-lo fora da linguagem ou, ao menos, retê-lo no lugar reservado pelos sistemas linguísticos ao que não pode — ou não deve — ser dito e acolhido no horizonte semântico comum: o espaço pré-linguístico dos indiscerníveis.

Negar ao fenômeno a perspectiva do nome vale bem como sinal de náusea ética e estética, o que com frequência dá no mesmo. Os “meios físicos”, tal como designados por Hans Blumenberg, subsistem ativos e indiferentes à recusa de abrigo conceptual. Houve, contudo, mais do que tolice nessa recusa a nomear. Na verdade, houve espanto diante da dificuldade de lidar com algo que se mostra exatamente como é . O assim chamado “bolsonarismo” não tem o que esconder, do ponto de vista de seus elementos constitutivos, embora o tenha, do ponto de vista do Direito Penal. Mostra-se tal como é: diante da morte — como no drama social e existencial da pandemia —, não escamoteia seus instintos e a toma como evidência corriqueira do curso natural da vida: “Morrer, todo mundo morre”.

Nossos padrões habituais de conhecimento supõem a presença de opacidade nas coisas do mundo e o princípio segundo o qual o que parece ser nunca deve ser tomado pelo que é. Sendo o elemento velado aquilo que confere sentido ao visível. Trata-se de um atavismo gnóstico indisfarçável e presente em uma atração pelo velamento. A seu serviço, a obsessão conceitual, com sua adição por clareza e distinção, pretende ocupar o hiato posto entre o visível e o oculto e revelar aquilo que o fenômeno esconde e não manifesta como versão de si mesmo no ato de sua própria aparição.

Mostrar-se como se é consiste em algo extremamente perturbador. Na perspectiva aberta pela filósofa norte-americana Elaine Scarry em obra memorável, aprendemos o quanto a não opacidade está presente na experiência com a dor; o quanto ela é irrecusável e abriga o mais fundo sentimento possível de certeza (Scarry, 1985SCARRY, Elaine. (1985). The body in pain: the making and unmaking of the world. Oxford: Oxford University Press. ). O modelo da dor , se assim o pudermos designar, encontra-se inscrito na dinâmica dos eventos destrutivos, cujo marcador de verdade reside de modo direto em seus impactos imediatos, no próprio ato da dor, no corpo que sofre. O conceito a isto conferido, como ausente distante, não lida com o imediato dos atos e dos efeitos. No mais, chega com atraso e não pode deixar de ser um acréscimo pós-factual. Quando chega, os efeitos já lá estão: topografia de ruínas, escombros e expectativas destruídas.

No que precedeu, pretendi indicar algumas das fissuras abissais, por meio das quais a destruição fez seu trabalho de afundamento. Fez e segue a fazer, pois há um efeito de inércia em seus feitos. Não quis, contudo, conferir à figura da destruição qualquer dimensão metafísica ou sublime. A despeito de si mesma, pode e deve ser desconstruída. O termo “destruição”, na verdade, é de natureza sobretudo semiótica: vale mais como sinal — como seta — apontada tanto para tentativas de erradicação do que temos de melhor e de afirmação do que temos de pior enquanto experiência acumulada de país.

Não se tratou, enfim, de profecia. Muito menos de maldição, pois já a temos em profusão na dinâmica mesma das coisas. O que é preocupante é a força de dinâmicas de inércia e de aderência, cuja temporalidade é distinta da dos ciclos eleitorais. As coisas permanecem, e, como ensinou sabiamente um ilustre finado brasileiro, “as consequências vêm depois” 5 5 Refiro-me a um comentário feito pelo ex-senador e ex-vice-presidente da República, Marco Maciel. Para um registro direto, ver: Fernandes ( 2021 ). . Por certo, mas não se sabe bem como e quando virão, diria um observador cético.

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  • 1
    Este ensaio é uma condensação de escritos esparsos que produzi, ao longo dos últimos cinco anos, a respeito do experimento de alta destrutividade que se abateu sobre o país, a partir de 2018. A referência completa consta da bibliografia, aposta ao final do ensaio. Agradeço pelas observações feitas por colegas pareceristas, todas pertinentes e aqui acolhidas.
  • 2
    Com efeito, “ the end ” foi a opção adotada pela excelente tradução inglesa, ao título original Untergang , Nossack ( 2006NOSSACK, H. Max. (2004). The end: Hamburg 1943. Chicago: Chicago University Press. ).
  • 3
    Metáfora que preside a definição de outras metáforas, através do estabelecimento de uma estrutura matricial, profundamente entranhada nos sistemas conceptuais (Turner, 1987TURNER, Mark. (1987). Death is the mother of beauty: mind, metaphor and criticism. Chicago: The University of Chicago Press. ). No mesmo sentido empregado por Max Black, em sua definição de strong metaphor (Black, 1979BLACK, Max. (1979). More about metaphor. In: ORTONY, Andrew. (ed.). Metaphor and thought. Cambridge: Cambridge University Press. pp. 16-43. ) e no das root metaphors , de Richard Brown (Brown, 1977BROWN, Richard Harvey. (1977). A poetic for sociology: toward a logic of discover for the social sciences. Cambridge: Cambridge University Press. ).
  • 4
    Tratei do tema da impermeabilidade no ensaio “Do antissemitismo como paixão: a propósito das Reflexões sobre a questão judaica ” (Lessa, 2019LESSA, Renato. (2019). Do antissemitismo como paixão: a propósito das Reflexões sobre a questão judaica. In: NORBERTO, Marcelo S.; CASTRO, Fabio Caprio Leite de. Sartre e a política. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio. ).
  • 5
    Refiro-me a um comentário feito pelo ex-senador e ex-vice-presidente da República, Marco Maciel. Para um registro direto, ver: Fernandes ( 2021 FERNANDES, Maria Cristina. (jun. 2021). Marco Maciel: da ditadura à democracia, um operador político discreto e leal. Valor Econômico, Rio de Janeiro. Disponível em: https://valor.globo.com/politica/noticia/2021/06/12/marco-maciel-da-ditadura-democracia-um-operador-poltico-discreto-e-leal.ghtml . Acesso em: 5 ago. 2024.
    https://valor.globo.com/politica/noticia...
    ).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    17 Maio 2024
  • Aceito
    21 Jun 2024
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