Resumos
Este artigo analisa a emergência e difusão da regra da responsabilidade criminal individual por violações de direitos humanos a partir da jurisprudência contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Tendo como referência as pesquisas de Kathryn Sikkink sobre justiça de transição, procura-se identificar a maneira como o Sistema Interamericano de Direitos Humanos vem expandindo o sentido da responsabilidade criminal individual e também sugerir a incompatibilidade com a proteção dos direitos humanos que esse novo modelo pode ter.
Dever de punir; Direitos humanos; Corte Interamericana de Direitos Humanos; Responsabilidade criminal
This paper analyzes the emergence and diffusion of the norm of individual criminal accountability for human rights violations from the perspective of the contentious jurisprudence of the Inter-American Human Rights Court. Taking as reference the research of Kathryn Sikkink on transitional justice, this paper seeks to identify how the Inter-American Human Rights System has been expanding the meaning of individual criminal accountability and also suggests the incompatibility with the protection of human rights that this new model may have.
Duty to Punish; Human Rights; Inter-American Human Rights Court; Criminal Accountability
A emergência da responsabilidade criminal individual no Sistema Interamericano de Direitos Humanos*
Raquel da Cruz Lima
é mestranda em direito internacional pela Faculdade de Direito da USP e bolsista da Fapesp.
ABSTRACT
Este artigo analisa a emergência e difusão da regra da responsabilidade criminal individual por violações de direitos humanos a partir da jurisprudência contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Tendo como referência as pesquisas de Kathryn Sikkink sobre justiça de transição, procura-se identificar a maneira como o Sistema Interamericano de Direitos Humanos vem expandindo o sentido da responsabilidade criminal individual e também sugerir a incompatibilidade com a proteção dos direitos humanos que esse novo modelo pode ter.
Palavras-chave: Dever de punir, Direitos humanos, Corte Interamericana de Direitos Humanos, Responsabilidade criminal.
ABSTRACT
This paper analyzes the emergence and diffusion of the norm of individual criminal accountability for human rights violations from the perspective of the contentious jurisprudence of the Inter-American Human Rights Court. Taking as reference the research of Kathryn Sikkink on transitional justice, this paper seeks to identify how the Inter-American Human Rights System has been expanding the meaning of individual criminal accountability and also suggests the incompatibility with the protection of human rights that this new model may have
Keywords: Duty to Punish, Human Rights, Inter-American Human Rights Court, Criminal Accountability
Este artigo tem como inspiração as pesquisas de Kathryn Sikkink sobre justiça de transição, em especial as conclusões reunidas no livro The Justice Cascade. Nesta obra, Sikkink reconstrói a emergência da norma relativa à responsabilidade criminal individual de agentes estatais que cometeram graves violações de direitos humanos e a maneira como essa norma se difundiu. De especial interesse para nosso trabalho é a premissa de Sikkink de que por muito tempo a responsabilidade criminal individual não era considerada, tanto pelas vítimas das violações quanto por ONGs, como uma medida aplicável a agentes estatais responsáveis por essas violações, em especial no contexto de transição de regimes autoritários para democráticos. Assim, a desnaturalização do recurso à persecução penal como uma medida que compõe o repertório de instrumentos do direito internacional dos direitos humanos, tal qual encarado por Sikkink (2011), é base fundamental deste artigo1.
Partindo desse pressuposto, será mostrado como no Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH), em especial na jurisprudência contenciosa da Corte Interamericana (CtIDH), vem se desenvolvendo a norma da responsabilidade criminal individual, e também como a referência a esta deixou de se limitar a casos de transição democrática - que são os tratados por Sikkink - para se expandir para o tratamento de outros casos. Naturalmente, a exposição do desenvolvimento da norma da responsabilidade criminal individual não seguirá neste artigo o método de The Justice Cascade de acompanhar os diversos agentes empreendedores da norma na sua difusão. Em função das proporções deste texto, nos restringiremos a observar como dentro da própria jurisprudência da CtIDH ocorre a incorporação e difusão da norma da responsabilidade criminal individual. Justifica-se o enfoque no desenvolvimento dessa nova norma no âmbito do SIDH por conta da importância que os órgãos regionais de direitos humanos tiveram para o início de processos domésticos de persecução criminal nas Américas, com destaque para o pioneiro caso da Argentina2.
A organização deste artigo seguirá a seguinte estrutura: primeiramente serão expostos os principais argumentos que compõem o livro The Justice Cascade e que dialogam mais diretamente com a jurisprudência da CtIDH; em seguida, abordaremos o tratamento do SIDH à norma de responsabilidade criminal individual, considerando, inicialmente, os casos de leis de anistia em transições democráticas e, em seguida, a difusão dessa norma para casos de temáticas diversas; enquanto a última parte consiste na indicação de algumas críticas que podem surgir para a norma de responsabilização criminal individual, na medida em que ela sofre modificações na jurisprudência da CtIDH.
Cascata de justiça
Entre as preocupações centrais de Sikkink no livro está o impressionante crescimento dos processos de direitos humanos3, inseridos no contexto de crescente accountability na política mundial que ela e Ellen Lutz chamaram de cascata de justiça (Lutz; Sikkink, 2001). Sikkink acredita que esta é uma tendência que não fora antecipada nem explicada pela ciência política e que vem a romper a "ortodoxia reinante" sobre soberania estatal e imunidade de chefes de Estado. Aliás, esta incapacidade das teorias de relações internacionais explicarem a ruptura que a persecução criminal de chefes de Estado representa é o que leva Sikkink a concluir que as principais ferramentas utilizadas pelos cientistas políticos servem melhor à explicação da continuidade do que da mudança.
Mas o principal problema não seria o de desenvolver uma teoria de relações internacionais que explique satisfatoriamente mudanças, mas o de conseguir provar que existe uma mudança específica em curso: a emergência de uma nova norma nos processos de transição democrática estatuindo a responsabilidade criminal individual de agentes estatais responsáveis por violações de direitos humanos. Com isso, não se pretende afirmar que todos os chefes de Estado que violem normas de direitos humanos serão mandados para a prisão, mas sim que existiria uma crescente força e legitimidade na norma sustentando que a conduta de agentes estatais violatória a direitos humanos deve ser apurada (Sikkink, 2011, p.11-2). Por acreditar que muitos dos céticos sobre os processos de direitos humanos não estão munidos de evidências empíricas suficientes para sustentar suas posições, as duas primeiras partes de The Justice Cascade mostram as fontes e origens da responsabilidade criminal individual por violações de direitos humanos e também sugerem como essas novas ideias de accountability se difundiram.
Um dos grandes méritos do livro em relação a outros trabalhos que mostram o aparecimento da faceta criminal do direito internacional é que ele não se limita a identificar esse processo como uma evolução linear do Tribunal de Nuremberg até a criação do Tribunal Penal Internacional, intermediados por tribunais penais ad hoc. Nele, essa genealogia dos tribunais internacionais é apenas uma das dimensões do desenvolvimento da norma, que paralelamente viu a ocorrência de casos de persecuções criminais domésticas, notadamente os da Grécia, Portugal e Argentina.
É fundamental destacar que, para Sikkink, a emergência e difusão dessa nova norma não foi um movimento espontâneo e que ocorreu de forma passiva, como que uma doença contagiosa, mas o resultado da ação de movimentos de direitos humanos, redes de advocacy, comunidades epistêmicas e redes transnacionais entre países com interesses comuns, que operaram dentro de uma estrutura favorável: a terceira onda de democracia e o fim da guerra fria (2011, p.19, 23). Como a negação da passividade na difusão da norma já sugeriria, Sikkink dá grande destaque para o papel da agência humana e por isso narra, principalmente por meio de dados reunidos a partir de entrevistas, como indivíduos específicos ajudaram a conceber a estratégia de persecução criminal dos agentes estatais e depois difundiram suas experiências para outros países e em redes transnacionais4.
É pressuposto do livro que é adequado responsabilizar criminal e individualmente os agentes estatais por violações ocorridas no passado, até por razões subjetivas de justiça, como o instinto humano profundo de que alguns direitos não podem ser violados e que, ocorrendo violação, seus responsáveis devem ser punidos (Sikkink, 2011, p.255, 261). Todavia, na condição de uma cientista política, ela acredita que o seu papel não seja o mesmo de um filósofo moral que se pergunta se é certo ou errado realizar esses julgamentos, mas sim o de avaliar as consequências empíricas destes e se realmente promovem o respeito aos direitos humanos (Sikkink, 2011, p.229). Por isso, a terceira parte do livro tem como objetivo avaliar os impactos desses julgamentos e confrontar seus dados com algumas correntes da ciência política.
Sikkink admite que exista controvérsia sobre a correção de seu método para catalogar os dados relativos aos processos de responsabilização e que é possível que não tenha conseguido identificar todos os fatores influentes no cenário de análise. Mesmo assim, as seguintes conclusões, e que já apareciam em obras anteriores (Sikkink; Walling, 2010), são apresentadas como tendo sólido respaldo empírico: (i) não é possível afirmar que os julgamentos prejudicam a democracia; (ii) a escolha pela responsabilização criminal não é excludente nem precisa ser feita no momento da transição; (iii) comissões de verdade e julgamentos de direitos humanos não são opções incompatíveis e (iv) não é possível afirmar que os processos criminais deteriorem a situação dos direitos humanos.
Estando expostos os principais pontos do livro The Justice Cascade, passaremos a avaliar a difusão da regra da responsabilidade criminal individual dentro do SIDH.
A emergência da norma de responsabilidade criminal individual no Sistema Interamericano de Direitos Humanos
O Sistema Interamericano e o paradigma da responsabilidade estatal
O SIDH é ligado à Organização dos Estados Americanos (OEA), hoje composto por dois órgãos: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Apesar de alguma preocupação com a temática dos direitos humanos já estar presente desde a criação da OEA, em 1948, como atesta a aprovação a Declaração Americana de Deveres e Direitos do Homem, somente em 1959 que foi criada a CIDH, com a função de promover os direitos humanos nas Américas (Pasqualucci, 2003).
O documento que confere o atual desenho institucional do SIDH é a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH), de 1969, considerada a mais ambiciosa das convenções existentes sobre o tema - muitas de suas garantias são mais abrangentes do que as previstas na Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais ou no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos - e que, até por isso, desde sua elaboração, teve questionada a sua capacidade de ser plenamente respeitada por algum Estado (Hanashiro, 2001, p.32). Mais do que simplesmente arrolar direitos e garantias - como fizera a Declaração Americana de Deveres e Direitos do Homem -, a CADH estabeleceu a obrigação de os Estados-partes respeitarem os direitos nela previstos5 e adotarem medidas de direito interno a fim de torná-los efetivos6. Como será discutido adiante, são essas duas previsões que ofereceram o substrato jurídico para as considerações da CtIDH sobre a responsabilidade criminal individual.
Para monitorar o cumprimento dessas obrigações, a CADH atribuiu competência a dois órgãos: à já existente CIDH e à CtIDH. Com a criação desta última, o SIDH passou a contar com um órgão competente não só para interpretar a CADH e quaisquer outros tratados internacionais de direitos humanos por meio de sua jurisdição consultiva7, mas também para decidir demandas individuais referentes a violações de direitos previstos nessa convenção8. Assim, para aqueles Estados que a ratificassem e aceitassem a cláusula de jurisdição facultativa obrigatória9, o SIDH passou a contar com um mecanismo de implementação de tratados de direitos humanos que até então só havia na Europa e que criava a possibilidade de se aplicar a CADH a casos individuais, estabelecendo obrigações jurídicas vinculantes ao Estado.
Corroborando um argumento de Sikkink sobre como entender, na perspectiva do interesse dos atores, que os Estados tenham ratificado tratados de direitos humanos - gerando uma estrutura propícia para a cascata de justiça -, observa-se que a criação da CtIDH ocorreu por meio da ratificação de um tratado de direitos humanos por Estados não democráticos e que não tinham clareza quanto aos custos envolvidos nessa ação, sendo vítimas, portanto, de verdadeira autoarmadilha (Sikkink, 2011, p.239). Prova disso está no fato de a instalação da CtIDH ter ocorrido como que por acidente, quando o governo de Granada inadvertidamente depositou o 11o instrumento de ratificação, alheio ao fato de que, com isso, se estava instaurando o órgão (Hanashiro, 2001, p.43)10.
O modelo de promoção de direitos humanos que criou o SIDH é aquele que busca responder ao choque dos eventos ligados à Segunda Guerra Mundial, atribuindo aos indivíduos direitos que criavam barreiras ao arbítrio dos agentes estatais até então protegidos pelo manto da soberania. A partir da redação da Declaração Universal de Direitos Humanos e dos demais tratados de direitos humanos subsequentes, criou-se um modelo de responsabilização em que o Estado como um todo respondia pelas violações de direitos humanos ocorridas e tinha a obrigação de remediá-las11.
O modelo de responsabilidade estatal consagrado depois da Segunda Guerra Mundial estabelece que a responsabilidade do Estado não depende nem implica na dos indivíduos (Nollkaemper, 2003, p.616). Bom exemplo desse modelo é o caso Selmouni vs. França julgado em 1999 pela Corte Europeia de Direitos Humanos (CtEDH), em que se considerou a França responsável por tortura (entre outras violações), ainda que procedimentos criminais domésticos estivessem sendo utilizados para sancionar o policial diretamente responsável pela prática (CtEDH, 1999). Para Sikkink, o modelo de responsabilidade estatal difundido por todo o aparato de direitos humanos da ONU caminha lado a lado com a ideia de que agentes estatais estão imunes de persecução por violações de direitos humanos (2011, p.14).
Entre as maneiras utilizadas pela CtIDH para ressaltar que a responsabilidade por violações de direitos humanos considera o Estado como um todo estão a recusa em aceitar a organização federativa como causa de descumprimento de obrigações internacionais e doutrinas como a da devida diligência, que justificam a responsabilidade estatal mesmo nos casos em que a violação de direitos humanos foi cometida por particulares (Garcia Elorrio, 2011; Dulitzky, 2006). A desvinculação entre o modelo internacional de responsabilidade e a identificação e sanção dos indivíduos responsáveis pelo cometimento das violações apareceu nas considerações da CtIDH na primeira sentença de mérito prolatada, como se lê no parágrafo 134 desta:
a proteção internacional dos direitos humanos não deve ser confundida com justiça penal. Os Estados não se colocam perante a Corte como sujeitos de uma ação penal. O direito internacional dos direitos humanos não tem como desígnio impor penas às pessoas culpadas pelas violações, mas amparar as vítimas e oferecer a reparação dos danos que lhes tenham sido causados pelos Estados responsáveis por tais ações (CtIDH, 1988).
Essa sentença mostra a autoafirmação da CtIDH de que o recebimento de casos individuais no âmbito regional não funcionaria como uma justiça penal e que o agente ao qual ela se dirige para estabelecer obrigações decorrentes do descumprimento das obrigações internacionais é, unicamente, o Estado. Contudo, como mostra Sikkink, há um novo modelo de responsabilidade por violações de direitos humanos em desenvolvimento. A maneira como esse modelo aparece na CtIDH é o que será explorado as seguir.
Justiça e verdade: a proibição de anistias para violações de direitos humanos
Os primeiros anos de atividade do SIDH já organizado a partir da CADH coincidiram com o contexto de sistemáticas e massivas violações de direitos humanos ligadas a terrorismo de Estado ou a violentos conflitos armados internos. Mesmo nos momentos em que os membros da CIDH não estavam ligados aos regimes militares12, a asfixia política no interior dos Estados tornava até inadequada a submissão de casos individuais à comissão, dado que os Estados não participavam de forma alguma da litigância, nem mesmo indicando provas para negar os fatos narrados. Aliado a esse fator, o caráter sistemático das violações cometidas e a necessidade de confrontá-las de forma mais coletiva também levaram a CIDH a adotar os informes como principal instrumento para a proteção dos direitos humanos. Na preparação de seus relatórios, a CIDH utilizava extensivamente visitas in loco que contribuíam para chamar atenção da opinião pública, aumentar a visibilidade das vítimas e expor o Estado no âmbito internacional, ainda que sem atribuir responsabilidade pelas violações ou sem poder exigir medidas de compensação para as vítimas (González, 2010, p.106).
Entre as décadas de 1980 e 1990, no período de transição pós-ditatorial, os órgãos do SIDH passaram a acompanhar e monitorar os processos políticos de tratamento do passado autoritário, mas ainda dando primazia para mecanismos que não confrontavam as práticas estatais diretamente. Nesse sentido devem ser entendidas as primeiras opiniões consultivas do órgão, que protegeram a liberdade de imprensa (CtIDH, 1985, 1986), o habeas corpus (CtIDH, 1987a) e as garantias judiciais (CtIDH, 1987b), levando ao desenvolvimento de uma doutrina básica sobre a relação entre direitos humanos, garantias processuais, Estado de direito e democracia13.
O recebimento pela CtIDH de seus primeiros casos contenciosos coincidiu com o início do processo de redemocratização da América Latina, no final dos anos de 1980. As primeiras alegações de violações à CADH com as quais a CtIDH se confrontou diziam respeito a crimes cometidos em um contexto ditatorial (principalmente desaparecimentos forçados e execuções extrajudiciais), em que muitas das violações estavam associadas à existência de um sistema nacional de justiça devastado ou corrupto (Abramovich, 2009, p.9). Assim, no julgamento desses primeiros casos contenciosos que a julgou, ela relacionou a obrigação de os Estados garantirem o cumprimento do parágrafo 1o do artigo 1o da CADH à organização de um sistema de justiça efetivo, capaz de investigar e sancionar as violações de direitos humanos ocorridas em seu território. É o que aparece no trecho abaixo:
a segunda obrigação [em relação ao disposto no parágrafo 1o do artigo 1o da CADH] dos Estados Partes é a de garantir o livre e pleno exercício dos direitos reconhecidos na Convenção a toda pessoa sob sua jurisdição. Esta obrigação implica o dever de os Estados Partes organizarem todo o aparato governamental e, em geral, todas as estruturas pelas quais se manifesta o exercício do poder público, de tal maneira que sejam capazes de assegurar juridicamente o livre e pleno exercício dos direitos humanos. Como consequencia desta obrigação, os Estados devem prevenir, investigar e sancionar toda violação dos direitos reconhecidos na Convenção e procurar, ademais, restaurar o direito violado e, se necessário, reparar os danos causados pela violação dos direitos humanos. (CtIDH, 1988, grifo nosso).
Assim, na interpretação do parágrafo 1o do artigo 1o, começava a ser desenvolvida a doutrina sobre o dever de os Estados investigarem e sancionarem os responsáveis por violações a direitos protegidos na CADH. Naquele momento de desenvolvimento jurisprudencial, o dever de investigar estava muito associado aos casos de desaparecimentos forçados14, em que era justamente a falta de investigação que levava à configuração da violação da CADH e da responsabilidade internacional.
Casos como "Suarez Rosero" e "Niños de la Calle" voltaram a insistir na importância da obrigação de investigar e punir como medida de efetivação dos direitos previstos na CADH. Enquanto no Caso Saurez Rosaro se estabeleceu que, como medida de reparação, o Equador deveria "ordenar uma investigação para identificar e, eventualmente, sancionar as pessoas responsáveis pelas violações aos direitos humanos a que esta sentença fez referência" (CtIDH, 1997b), a sentença do Caso Niños de la Calle destacou a relação entre a obrigação de punir e o direito a um recurso efetivo e à proteção judicial. Segundo a CtIDH, o artigo 25 da CADH15 foi violado pela Guatemala na medida em que as autoridades competentes deixaram de realizar diversas tarefas de investigação decisivas para identificar os responsáveis pelo assassinato dos meninos Henry Giovanni Contreras, Federico Clemente Figueroa Túnchez, Julio Roberto Caal Sandoval, Jovito Josué Juárez Cifuentes e Anstraum Aman Villagrán Morales na Cidade da Guatemala em um contexto de execuções extrajudiciais contra meninos em situação de rua perpetradas por agentes de segurança16. Isso porque, conforme o parágrafo 226 da mesma sentença,
a obrigação de investigar deve ser cumprida com seriedade e não como uma simples formalidade fadada de antemão a ser mal sucedida. Deve ter o sentido e ser assumida pelo Estado como um dever jurídico próprio e não como uma simples gestão de interesses particulares, dependente da iniciativa processual da vítima ou de seus familiares, ou do oferecimento privado de elementos probatórios, sem que a autoridade pública efetivamente busque a verdade (CtIDH, 1999, grifos nossos).
Além disso, tendo havido suspostos responsáveis pelos crimes que foram absolvidos judicialmente, a CtIDH passa a mostrar que também a impunidade é ofensiva aos direitos humanos, conforme lê-se no parágrafo 228:
É evidente que os responsáveis por tais fatos estão impunes, porque não foram identificados nem sancionados mediante atos judiciais que tenham sido executados. Esta única consideração é suficiente para concluir que o Estado violou o artigo 1.1 da Convenção, pois não puniu os autores dos delitos em questão. A este respeito, não cabe discutir se as pessoas acusadas nos processos internos deviam ou não ser absolvidas. O importante é que, independentemente de terem sido ou não elas as responsáveis pelos ilíticos, o Estado devia identificar e punir aquelas que realmente o fossem, e não o fez. (CtIDH, 1999, grifos nossos).
A preocupação com o combate à impunidade já aparecera em um caso anterior, "Paniagua Morales", também contra a Guatemala, e que envolvia a prática de detenções arbitrárias, sequestros, torturas e assassinatos, o parágrafo 173 da sentença de mérito afirma:
A Corte constata que na Guatemala existia e existe uma situação de impunidade relativa aos fatos do presente caso, entendendo-se como impunidade a falta conjunta de investigação, persecução, prisão, julgamento e condenação dos responsáveis pelas violações dos direitos protegidos pela Convenção Americana, pois o Estado tem a obrigação de combater tal situação por todos os meios legais disponíveis, já que a impunidade propicia a repetição crônica das violações de direitos humanos e a total desproteção das vítimas e de seus familiares (CtIDH, 1998 grifos nossos).
Esses casos julgados nos primeiros anos de funcionamento da CtIDH mostram que a responsabilidade criminal do indivíduo apareceu como uma obrigação estatal ligada à implementação doméstica da CADH e que, portanto, a sua ausência fundamentava a responsabilidade internacional do Estado. Além disso, a impunidade era vista como causa da repetição das violações de direitos humanos e também como uma barreira para o conhecimento da verdade, sobretudo no caso de um crime que se define pela falta de acesso à informação: o desaparecimento forçado. Mas é preciso atentar que a falta de persecução criminal que a CtIDH critica nesses casos está ligada à leniência ou à fragilidade de sistemas de justiça, e não a obstáculos institucionais deliberadamente implementados para impedir a responsabilização criminal individual nos casos de violações de direitos humanos por regimes autoritários.
Com a chegada dos anos de 1990 e o crescente papel do SIDH no monitoramento dos processos políticos nacionais que lidavam com a superação de regimes autoritários, o dever de investigar e punir foi se tornando uma referência consolidada nos pronunciamentos da CtIDH, que não mais tinha como foco apenas as fragilidades aos sistemas nacionais de justiça, mas o próprio regime democrático.
Naquele contexto, o Caso Barrios Altos vs. Peru (CtIDH, 2001) tornou-se um paradigma porque afirmou a invalidade das leis de anistia que perdoassem graves violações de direitos humanos. O nome desse caso é uma referência ao bairro de Lima onde ocorreu, no dia 3 de novembro de 1991, a invasão de uma festa e o subsequente assassinato de quinze pessoas, que ainda deixou outras quatro gravemente feridas. Inserido na lógica de combate a "subversivos" que marcava a forma de "estabilização da democracia" do Peru de Fujimori, foi posteriormente identificado que esse massacre fazia parte de uma série de práticas estatais de extermínio conduzidas por membros do Exército peruano. Todavia, a aprovação de duas leis de anistia em 1995 (Leis 26.479 e 26.492)17 impediram a responsabilização de membros do Exército, da polícia e de civis por violações de direitos humanos cometidas entre 1980 e 1995.
No âmbito do SIDH, contudo, o Peru reconheceu sua responsabilidade internacional pelos fatos relacionados a esse caso18, e a CtIDH teve oportunidade de discorrer sobre a incompatibilidade de leis de anistia com o parágrafo 1o do artigo 1o, o artigo 2o 19, o artigo 8o 20 e o artigo 25 da CADH e firmar um forte precedente. No parágrafo 143 da sentença de mérito, ficou estabelecido que:
A Corte julga necessário enfatizar que, à luz das obrigações gerais consagradas nos artigos 1.1 e 2 da Convenção Americana, os Estados Partes têm o dever de tomar todo o tipo de medida para que ninguém seja privado da proteção judicial e do exercício do direito a um recurso simples e eficaz, nos termos dos artigos 8 e 25 da Convenção. É por isso que os Estados Partes da Convenção que adotem leis que tenham esse efeito, como são as leis de autoanistia, incorrem em violação dos artigos 8 e 25, em conformidade com os artigos 1.1 e 2 da Convenção. As leis de autoanistia levam ao desamparo das vítimas e à perpetuação da impunidade e por isso são manifestamente incompatíveis com a letra e o espírito Convenção Americana. Esse tipo de lei impede a identificação dos indivíduos responsáveis por violações a direitos humanos, já que obstrui a investigação e o acesso à justiça e impede que as vítimas e seus familiares conheçam a verdade e recebam a reparação correspondente (CtIDH, 2001, grifos nossos).
As considerações sobre a incompatibilidade da impunidade com a proteção de direitos humanos não se limitou ao caso específico das leis de autoanistia, como pode se ver no trecho abaixo:
Esta Corte considera que são inadmissíveis as disposições de anistia, de prescrição e o estabelecimento de excludentes de responsabilidade que pretendam impedir a investigação e sanção dos responsáveis por graves violações de direitos humanos, como a tortura, as execuções sumárias, extrajudiciais ou arbitrárias e os desaparecimentos forçados, todas elas proibidas por contrariar direitos inderrogáveis reconhecidos pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos (CtIDH, 2001 grifos nossos).
Observa-se, portanto, que essa leitura da CtIDH sobre os artigos 8o e 25 concluiu não apenas que a CADH inviabiliza qualquer mecanismo que crie óbices ao dever de investigar e punir os responsáveis por graves violações de direitos humanos, como também que desses dois dispositivos decorreria um direito à verdade, na medida em que ambos são instrumentos para o estabelecimento judicial dos fatos e das circunstâncias ligadas à violação de um direito fundamental.
Constatado o caráter violatório das leis de anista frente à CADH, a CtIDH determinou que essas leis não possuíam efeitos jurídicos e, por esta razão, não poderiam constituir obstáculo para a investigação dos fatos do caso e a responsabilização dos indivíduos (CtIDH, 2001). Assim, no âmbito das reparações, a CtIDH estabeleceu a obrigação de se efetuar a investigação, publicizar seus resultados e sancionar responsáveis pelas violações de direitos humanos.
O Caso Barrios Altos é um marco na jurisprudência da CtIDH, constantemente citado pela enfática maneira como ele considera incompatível obstáculos que, embora legais, impeçam a responsabilização criminal de indivíduos que cometeram graves violações de direitos humanos (Aldana-Pindell, 2004, p.605-86; Binder, 2011, p.1203-30; Alessandri, 2005; Basch, 2007, p.195-229).
Independentemente do contexto doméstico, ficou sugerido no Caso Barrios Altos que qualquer tipo de anistia seria incompatível com os compromissos assumidos por meio da CADH e que, ao invés de polarizar justiça e verdade, a CtIDH passaria a defender a justiça penal como o meio por excelência de promoção do conhecimento da verdade. Apesar de o Caso Barrios Altos representar uma grande inovação no SIDH, sua principal novidade está na defesa da invalidade das leis de anistia perante as obrigações derivadas da CADH. Anos antes, a CIDH já começara a apontar a necessidade de se criminalizar os agentes responsáveis por violações de direitos humanos, como um mecanismo necessário para o ingresso na democracia. Paradigmática é a recomendação feita ao Chile, em 1974, de instaurar tribunais domésticos para agentes estatais responsáveis por violações de direitos humanos, quando essa prática não tinha acontecido sequer na Grécia, país que Sikkink identificou como pioneiro em uma das dimensões da cascata de justiça (2011, p.66). Mas até o Caso Barrios Altos, não existia um claro posicionamento do SIDH sobre as leis de anistia, já que a própria CIDH chegou a considerar que algumas anistias poderiam ser legítimas, como enunciou no informe anual de 1985-1986:
Uma questão difícil que as democracias recentes têm precisado confrontar é a da investigação de violações passadas de direitos humanos e a eventual sanção dos responsáveis por tais violações. A Comissão reconhece que este é um tema sensível e extremamente delicado, com o qual ela - assim como qualquer outro órgão internacional - pouco pode contribuir. Trata-se, portanto, de um assunto cuja resposta deve emanar dos próprios setores nacionais afetados e para o qual a urgência de reconciliação nacional e a pacificação social devem ser harmonizadas com as inevitáveis exigências de conhecimento da verdade e de justiça.
Considera a Comissão, portanto, que somente as instituições democráticas apropriadas - geralmente o Parlamento - após discussão com a participação de todos os setores representativos, estão chamadas a determinar a procedência de uma anistia ou a sua extensão, sem que, por outro lado, possam ter validade jurídica as anistias decretadas previamente pelos próprios responsáveis pelas violações (CIDH, 1986, grifos nossos).
O Caso Barrios Altos e os casos subsequentes que lidavam com leis de anistia firmaram o entendimento de que responsabilidade criminal individual não é um tema reservado à esfera doméstica: pelo contrário, deve se adequar aos parâmetros internacionais, ainda que a escolha nacional (anistia, por exemplo) seja divergente e tomada por instâncias democráticas, como o Legislativo. Adicionalmente, a opção pelo conhecimento da verdade em detrimento da persecução criminal também não seria compatível com a CADH, como ficou explícito no Caso Zembrando Vélez e outros vs. Equador21, em que a CtIDH afirmou que as comissões de verdade não constituem uma alternativa ao processo penal e que a verdade por elas estabelecida deve ser vista de forma complementar àquela que deriva das instâncias judiciais:
A Corte considera que o estabelecimento de uma comissão da verdade, conforme o objeto, procedimento, estrutura e finalidade de seu mandato, pode contruibuir para a construção e preservação da memória histórica, o esclarecimento dos fatos e a determinação de responsabilidades institucionais, sociais e políticas em determinados períodos históricos de uma sociedade. As verdades históricas que se alcançam por meio deste mecanismo não devem ser entendidas como um substituto para o dever do Estado de assegurar a determinação judicial de responsabilidades individuais ou estatais pelos meios jurisdicionais correspondentes, nem para a determinação de responsablidade internacional que compete a este Tribunal. Tratam-se de determinações da verdade que são complementares entre si, pois têm cada uma sentido e alcance próprios, assim como potencialidades e limites particulares, que dependem do contexto em que surgem e dos casos e circunstâncias concretas que analisem (CtIDH, 2007a, grifos nossos).
A afirmação sobre a incompatibilidade de leis de anistia e os comprimissos assumidos no SIDH se seguiu por muitos anos depois do Caso Barrios Altos e abrangeu anistias adotadas por países que tiveram processos de transição democrática bastante diversos. No Caso Almonacid Arellano (CtIDH, 2006c), a corte defendeu ser indiferente o tipo de anistia adotada na passagem para a democracia já que haveria uma regra de jus cogens - inderrogável, exceto por outra norma de mesmo status - proibindo tortura, desaparecimentos, exceções extrajudiciais e outros graves crimes e, assim, obrigando permanentemente a punição dos indivíduos que os cometam (Binder, 2011, p.1211). A vedação da anistia foi ressaltada diretamente em casos tratando da Guatemala (CtIDH, 2003b, 2004a, 2004c, 2007b), El Salvador (CtIDH, 2005a, 2011b), Suriname (2005b), Uruguai (CtIDH, 2011a) e Brasil (CtIDH, 2010d). Cabe destacar a sentença do Caso Gomes Lund, pois ele ilustra um posicionamento que corrobora a tese de Sikkink de que as decisões relativas à justiça de transição não são escolhas binárias a serem tomadas imediamente no momento da transição (Sikkink; Walling, 2010). Tendo sido o Brasil o único país da América Latina que não adotou nenhum dos principais mecanismos de justiça de transição - comissões de verdade ou julgamentos criminais -, a sentença da CtIDH foi a primeira grande vitória dos movimentos de direitos humanos que, depois de mais de 20 anos de regime democrático, buscam levar a "cascata de justiça" até o Brasil.
Como ilustram os casos de Brasil e Uruguai aqui citados, a discussão sobre leis de anistia não se restringiu aos anos de funcionamento do SIDH na década de 1990 e começo dos anos 2000. Com o fortalecimento do SIDH, esses casos, porém, passaram a ser julgados paralelamente com novos tipos de demandas, que não tinham vínculos imediatos com a transição para a democracia. Para finalizar a avaliação sobre a difusão da norma da responsabilidade criminal individual no SIDH, passaremos agora a analisar como o dever de persecução penal é trabalhado nesses demais casos.
A difusão da regra da responsabilidade criminal individual
Comentando o processo de evolução do SIDH, Abramovich identifica um terceiro - e mais recente - momento da jurisprudência da CtIDH, ligado à inclusão de novos atores litigantes e à diversificação de sua agenda temática. Após muitos dos países da região terem consolidado regimes democráticos, melhorando sistemas eleitorais e respeitando a liberdade de imprensa, persistem sérias deficiências institucionais e graves níveis de desigualdade e exclusão social. Com isso, o SIDH começou a ser buscado para estabelecer princípios e parâmetros ligados a demandas por igualdade para grupos tradicionalmente marginalizados (Abramovich, 2009, p.10-2), de que é exemplo o conjunto de casos sobre o direito dos povos indígenas às suas terras tradicionais22.
Ao que parece, porém, a diversificação da agenda temática do SIDH não enfraqueceu a defesa da persecução criminal individual como uma medida de direitos humanos, Pelo contrário. Depois do Caso Barrios Altos, a obrigação de os Estados tomarem todas as medidas necessárias para acabar com a impunidade foi constantemente reafirmada e a CtIDH identificou na garantia ao devido processo23 também um direito da vítima nos procedimentos criminais. A concepção do devido processo criminal como um direito da vítima24 implicou a interpretação de que caberia ao Estado assegurar a persecução penal e a punição dos indivíduos responsáveis pelas violações de direitos humanos como forma de reparação (Basch, 2007, p.206).
Portanto, existe uma dupla faceta na afirmação da CtIDH de que a ausência do cumprimento do dever de investigar e punir graves violações de direitos humanos é incompatível com a CADH. Enquanto, por um lado, a impunidade seria violatória aos direitos humanos por revelar falta de universalidade e objetividade na aplicação da lei (Carvalho Ramos, 2006, p.24); por outro, o processo penal também promoveria o direito de acesso à justiça ao indivíduo que teve seus direitos violados. Deste modo, haveria no entendimento da CtIDH um "novo papel da vítima no processo penal: o de exigir a punição dos autores das violações de Direitos Humanos sem qualquer exigência de prova de interesse material ou indenização na esfera cível" (Carvalho Ramos, 2006, p.40).
No processo de difusão da regra da persecução criminal individual, o Caso Bulacio vs. Argentina (CtIDH, 2003a) é bastante relevante por ter fixado os diversos parâmetros que apareciam difusos em casos anteriores já citados aqui: a obrigação de punir todas as violações de direitos humanos - não apenas as graves e sistemáticas - a rejeição a qualquer instituto jurídico - não só aqueles citados no Caso Barrios Altos - que sejam identificados como obstáculos para a punição e a prioridade aos direitos das vítimas se confrontados com os direitos do réu (Basch, 2007, p.207).
O Caso Bulacio trata da detenção ilegal de uma criança, Walter Bulacio, que em função de diversos ferimentos causados por agressões policiais faleceu ainda detido. O processo que levou à acusação de um agente de polícia, mas que não foi condenado em função da prescrição da ação penal (que já durava mais de 10 anos), ensejou a análise do respeito da Argentina aos artigos 8o e 25 da CADH. Foi nesse exercício interpretativo que a CtIDH expandiu a inafastabilidade da apuração penal de qualquer violação de direitos humanos, como se lê nos parágrafos 116 e 117 da sentença do Caso Bulacio:
Este Tribunal esclareceu que são inadmissíveis as disposições de prescrição ou qualquer obstáculo de direito interno mediante o qual se pretenda impedir a investigação e sanção dos responsáveis por violações de direitos humanos. A Corte considera que as obrigações gerais consagradas nos artigos 1.1 e 2 da Convenção Americana requerem dos Estados Partes a imediata adoção de providências de todo tipo para que ninguém seja subtraído do direito à proteção judicial, consagrada no artigo 25 da Convenção Americana.
De acordo com as obrigações convencionais assumidas pelos Estados, nenhuma disposição ou instituto de direito interno, entre eles a prescrição, pode opor-se ao cumprimento das decisões da Corte relativas à investigação e sanção dos responsáveis pelas violações dos direitos humanos. De outra forma, os direitos consagrados na Convenção Americana estariam desprovidos de uma efetiva proteção (CtIDH, 2003a, grifos nossos) .
Para a CtIDH, o processo penal deve ser conduzido em consonância com essa intenção de satisfação dos direitos da vítima e, nesse sentido, recursos do réu que tenham o objetivo de estender demasiadamente a duração do processo não podem ser tolerados pelos órgãos judiciais, os quais devem estar engajados em impedir que a apuração desses casos culmine em uma situação de impunidade.
Torna-se evidente a maneira como o olhar para a responsabilidade criminal "contaminou" todo o SIDH, nessas decisões que não estão tão preocupadas com a persecução criminal como uma necessidade para a consolidação da democracia, mas como um direito que não pode ser retirado da vítima em qualquer circunstância, ainda que prevista em lei (como a prescrição regular dos crimes).
Representativos de como a CtIDH incorporou ao modelo de responsabilidade internacional a defesa da persecução criminal doméstica são os casos ligados a demandas por reconhecimento de grupos minoritários, como aqueles relativos a direitos das mulheres. Nos três principais casos do CtIDH sobre essa temática (CtIDH, 2009, 2010b, 2010c), seguiu-se a interpretação da CIDH adotada no caso Maria da Penha (CIDH, 2001) e enfatizou-se a importância da persecução criminal dos agressores de mulheres como uma medida fundamental para assegurar os direitos deste grupo (Tramontana, 2011).
Horizontes para a crítica da regra da persecução criminal individual no direito internacional dos direitos humanos
A retomada da jurisprudência feita no item acima buscou indicar que a CtIDH tem consolidado em seu discurso a regra da responsabilidade criminal individual como uma das dimensões do direito internacional dos direitos humanos. Enquanto no primeiro caso analisado, Velásquez Rodríguez vs. Honduras, a CtIDH delineou as primeiras características do dever de investigar e punir violações de direitos humanos e não o interpretou como um direito da vítima25, as decisões seguintes passaram a incluir a realização de processos penais como um elemento ligado à apuração da responsabilidade estatal e também às medidas de reparação para as vítimas.
Dessa forma, conforme a jurisprudência do SIDH se desenvolve, essa interpretação sobre o dever de investigar e punir tem se ampliado, fixando-o em, pelo menos, quatro eixos: (i) uma obrigação decorrente do parágrafo 1o do artigo 1o da CADH; (ii) uma medida que transforma o direito processual penal em um direito também da vítima de violações de direitos humanos; (iii) uma forma satisfação do direito à verdade; (iv) um instrumento de reparação e prevenção de novas violações da CADH.
Apesar de pesquisas quantitativas demonstrarem que as obrigações de fazer e, sobretudo, o dever de investigar e punir, está entre as obrigações estabelecidas pela CtIDH que menos gozam de efetividade (Basch, 2010), são os precedentes relativos às leis de anistia os que alcançaram maior repercussão entre os Estados-partes da OEA26. Analisando a jurisprudência de diversos tribunais nacionais da América Latina, Ezequiel Malarino concluiu que existe uma forte tendência de os parâmetros estabelecidos pela CtIDH serem seguidos sobretudo nos seguintes aspectos27: não admissão da prescrição; vedação de anistias, indultos e outros excludentes de responsabilidade; afastamento da coisa julgada; condenações por crimes contra a humanidade conforme tipificado em direito costumeiro (Malarino, 2007, p.209-210). Nesse sentido, o autor ainda observa que nas decisões nacionais o conceito mais invocado é o de "graves violações de direitos humanos" em lugar do de "crime contra a humanidade", mostrando uma clara adoção do vocabulário da CtIDH (Malarino, 2007, p.213).
Com a referência a Malarino, não se quer sugerir que somente da CtIDH emergiu a nova regra dos julgamentos de direitos humanos, mas sim que a apropriação dessa norma pela CtIDH tem levado a uma revisão de seu significado e que, nessa perspectiva, a regra da responsabilidade criminal individual, assim transformada, está novamente sendo difundida por diversos atores relevantes na região.
Justamente porque para Sikkink as discussões relativas à cascata de justiça não são apenas picuinhas ou preciosismos acadêmicos e, na verdade, têm sérias consequências para pessoas reais, para a democracia e para os direitos humanos (Sikkink, 2011, p.132), é interessante destacar alguns aspectos que foram incorporados pela CtIDH à regra da responsabilidade criminal individual e que podem suscitar questionamentos sobre as consequências (supostamente) positivas dessa cascata de justiça e que não foram identificadas pela autora.
A forma como a CtIDH tem defendido a prioridade do direito das vítimas em relação aos réus nos processos criminais fez com que, no Caso dos Irmãos Gómez Paquiyauri, a CtIDH levantasse ressalvas sobre o benefício de progressão de regime carcerário para dois dos envolvidos com as mortes dos meninos, por conta do sentimento de impunidade que poderia gerar (CtIDH, 2004b). Outro caso que chama atenção sobre os contornos que o dever de punir vem tomando é o das "Irmãs Serrano Cruz", no qual a sanção aos funcionários públicos ou particulares que eventualmente dilatassem indevidamente as investigações criminais deveria ser aplicada "com o maior rigor" das normas internas (CtIDH, 2004d).
Casos como estes levam a questionar se o terceiro pilar que diferencia esses julgamentos de direitos humanos dos julgamentos políticos realmente se sustenta: a questão do respeito aos direitos do acusado28. O que a jurisprudência do SIDH parece sugerir é que cada vez mais nenhum tipo de situação que leve a uma absolvição criminal em casos ligados a direitos protegidos na CADH serão aceitos, o que levanta dúvidas sobre a maneira como os direitos dos acusados de violações à integridade pessoal29 poderão ser realmente sustentados. Como se viu no Caso Bulacio, a defesa da regra da responsabilidade criminal individual não está limitada aos casos de violações graves e sistemáticas, mas a qualquer ofensa a direitos enunciados na CADH.
O amplo escopo da doutrina punitiva da CtIDH, que usa construções pouco delimitadas como a de crimes contra a humanidade e crimes previstos de forma costumeira, pode levar à emergência de um novo direito criminal do inimigo, que usa como referência a figura do violador de direitos humanos para afastar garantias legais dos acusados (Basch, 2007, p.213).
Esse tipo de incompatibilidade das persecuções criminais com os direitos humanos não é apurável pela metodologia ampla usada por Sikkink. O menoscabo que se opera ao direito do indivíduo condenado e que tem seus benefícios carcerários restringidos dificilmente é qualificado como uma violação de direitos humanos em registros mais globais e de amplo enfoque temático sobre a situação dos direitos humanos em um país. Além disso, a abordagem consequencialista que ela privilegia ignora por completo o quanto a persecução criminal pode ser intrinsicamente incompatível com a proteção de direitos humanos quando a finalidade a que essa persecução almeja é o encarceramento do indivíduo condenado. Alguns pesquisadores têm mostrado o quanto a sanção penal baseada na pena de prisão30 e, portanto, com objetivos eminentemente repressores e socialmente excludentes, não pode ser compatível com o discurso dos direitos humanos que almeja à emancipação do homem (Singer, 2003; Pires, 2004).
Na criminologia, muitas pesquisas também apontam para a dificuldade de vincular a sanção penal à garantia de não repetição. Desde os trabalhos de Rusche e Kirchheimer (1939), defende-se que não existe uma relação de causalidade entre o endurecimento da punição e o decréscimo das taxas de criminalidade. Destarte, argumentar que os direitos humanos exigem normas penais31 em virtude do efeito dissuasório daquelas carece de fundamentação: a pena dificilmente pode ser vista como um instrumento eficaz para a efetivação dos direitos humanos porque sua aptidão para prevenir a violação de bens jurídicos ainda não conseguiu ser provada (Vaughan, 2000, p.73).
Conclui-se que a própria maneira como a norma da responsabilidade criminal individual tem se difundido exige que, para a análise do seu emprego, seja incorporada a avaliação dos elementos que lhe são agregados conforme é endossada por novos atores. Nesse processo que reconhece modificações a essa norma ela conforme se difunde, defendê-la não pode apenas se basear na refutação de antigas críticas, mas deve incorporar outros horizontes de problemas, como o do Estado policial, que comumente é mais abordado quando se fala do combate ao terrorismo32.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
12 Set 2012 -
Data do Fascículo
2012