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O operário da utopia

O operário da utopia

Affonso Romano de Sant'Anna

Apanhado em meio à noite, jogado ao chão da cela, o corpo nu conhece a primeira humilhação. Outras virão: o soco, o choque, a ameaça, o urro na escuridão. — Quantos volts suporta um corpo

— em coação,

até que dele escorra o fel da delação? — O que procura o tortura/dor nas pedras do rim alheio como vil minera/dor? — O que ama esse ama/dor da morte?

esse morcego suga/dor

sob os porões da corte?

esse joga/dor

do jogo bruto

e cria/dor

do luto?

O tortura/dor se sente, e acaso o é, um trabalha/dor diferente: seu trabalho é destruir o sonha/dor insistente, como o médico que resolvesse matar de dor

— o cliente.

Mas sob a tortura o que há de melhor no homem jamais se manifesta. Quando muito podeis catar no chão o pouco que dele resta. Mas soltai-o em festa, ao sol, e vereis que a verdade de seus gestos se irradia. Livre

vestindo a pele do dia

o torturado caminha com seu corpo tatuado de violência e poesia. Mas ele não marcha só. Apenas segue na frente na direção da utopia.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jan 2011
  • Data do Fascículo
    Dez 1984
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