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Proposta alternativa à estrutura sindical

DOCUMENTO

Proposta alternativa à estrutura sindical

Roque Aparecido da Silva

Sociólogo, professor da Escola de Sociología e Política (SP) e membro do Conselho Deliberativo do CEDEC

Já não há mais quem defenda a organização sindical que vigora no país, a não ser os que dela se beneficiam pessoalmente. Há anos os setores ativos do movimento sindical questionam o atrelamento de suas organizações ao Estado. Os trabalhadores querem que os sindicatos sejam constituídos autonomamente e tenham liberdade para negociar com o patronato, utilizando livremente as suas formas próprias de pressão. Setores expressivos do empresariado também vêm se posicionando, ultimamente, contra a ingerência do Estado na vida sindical. Esta confluência de aspirações entre os trabalhadores e o patronato levou o Ministério do Trabalho a admitir a inevitabilidade de mudanças na organização sindical e a tomar algumas atitudes concretas. No entanto, ainda não surgiu no meio sindical uma proposta global, com alternativas à atual organização, capaz de alimentar um debate amplo.

Ampliar e aprofundar o debate é o principal objetivo desta proposta. O seu eixo articulador é a democracia da organização sindical, como elemento básico para assegurar a representatividade e a unidade de todos os organismos sindicais. A proposta se apóia em resultados de uma pesquisa a nível nacional sobre "Estruturas e Representação Sindical" que coordenamos no CEDEC; em discussões com dirigentes da CUT e da CONCLAT; e em longa convivência dos membros da equipe que elaborou a primeira versão deste trabalho com o movimento sindical.

Estrutura sindical — O sindicato por categoria e base territorial é unanimemente aceito como o órgão principal da estrutura sindical. Não existe quem questione a sua legitimidade. O que o conjunto do movimento sindical reclama, e setores do patronato começam a admitir, é a constituição de organizações dos trabalhadores nos locais de trabalho. Tal nível de organização nos parece fundamental para permitir a existência de um sindicalismo massivo e representativo. Parece-nos que as categorias não deveriam estar organizadas apenas a nível local. Seria necessária a existência de federações a nível estadual e nacional para expressar os interesses de cada categoria de trabalhadores. Cada categoria deveria ter um corpo completo organizado: desde os locais de trabalho, passando pelo sindicato de categoria, pela federação estadual e chegando à nacional.

Ao mesmo tempo, integrada a essa estrutura vertical por categoria e unificando-a em todos os níveis, deveria existir a organização inter-categorias, ou seja, a Central Sindical Unitária. Esta central deveria se estruturar desde o nível local — município, região industrial — até o estadual e o nacional, que unificaria e representaria o conjunto dos trabalhadores do país.

Como se pode notar, a proposta de transformação de estrutura sindical que apresentamos acompanha os passos que o movimento sindical vem dando nos últimos anos. Das questões levantadas, talvez a única não amplamente discutida no meio sindical seja a das Federações Nacionais por categoria. Esta é uma proposta que está sendo mais debatida apenas no meio metalúrgico, que pretende se organizar a nível nacional, desvinculando-se da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria — CNTI. Em nossa proposta, todas as categorias deveriam se organizar a nível nacional, para dar respostas, em todos os níveis, a seus problemas específicos. Nesse sentido, as Confederações atuais que congregam mais de uma categoria seriam extintas, dando lugar à organização nacional por categoria.

Pensamos que uma tal estrutura sindical poderá ser eficaz na representação dos trabalhadores, em todos os planos em que suas reivindicações devem ser encaminhadas e, também, como instrumento articulador de toda a diversidade que compõe a classe trabalhadora e os trabalhadores de cada categoria ou empresa em particular.

Eleições — Propomos que, para as organizações nos locais de trabalho, votem todos os trabalhadores. No caso dos sindicatos deveriam votar todos os associados. As Federações Estaduais e Nacionais e todas as instâncias da organização da Central Sindical teriam suas direções eleitas em congressos, como ocorre em todos os países em que vigoram as liberdades sindicais.

Os delegados aos congressos, conforme experiências recentes, poderiam ser representantes das diretorias das entidades filiadas e representantes da base, eleitos em assembléias das organizações por local de trabalho, vinculados a cada sindicato. Seria interessante considerar, para efeito do número de delegados por entidade, tanto a relação entre o número de associados e o número de trabalhadores de cada categoria, e que os sindicatos menores tivessem uma delegação proporcionalmente maior que os grandes. Com isto se busca evitar que uma determinada federação, ou qualquer outra entidade de nível superior, ficasse sob controle permanente de dois ou três grandes sindicatos da base, retirando dos pequenos qualquer possibilidade de exercer uma influência maior.

Visando a assegurar a aspiração unânime dos trabalhadores pela unidade do movimento sindical, propomos que, em qualquer instância da organização sindical, quando, em uma eleição, concorrer mais de uma chapa, a diretoria seja composta proporcionalmente por membros das chapas que tenham obtido mais de 20% dos votos.

Negociações coletivas — Considerando-se que as negociações coletivas dão a tônica à atividade sindical, constituindo-se em um de seus momentos privilegiados, por ser aquele em que a correlação de forças se materializa em um contrato, nossa proposta considera fundamental que todas as instâncias da organização sindical tenham funções definidas de negociação.

A Central Sindical Unitária desenvolveria, em plano nacional, as negociações sobre salário mínimo, direitos trabalhistas, regulamentação das relações sindicais e "políticas públicas de interesse dos trabalhadores". As Federações Nacionais negociariam pisos salariais e outros itens referentes à convenção coletiva nacional de cada categoria.

A nível estadual, a Central Sindical Unitária negociaria pisos salariais regionais e contribuiria para a articulação das negociações entre as várias categorias. As Federações Estaduais, além de fazer cumprir as questões acordadas a nível nacional, por suas respectivas categorias, procurariam ampliar certos itens da pauta ou acrescentar outros em função das especificidades regionais.

Os sindicatos, além de fazer cumprir as questões estabelecidas nos acordos mais amplos, deveriam acrescentar novos itens que contemplassem as reivindicações específicas de suas bases, decorrentes das características da estrutura produtiva, das condições de trabalho, etc.

As Comissões de Empresas, além de fazer cumprir os acordos e as leis nos locais de trabalho, viveriam um processo mais constante de negociação, visando a superar o conjunto dos problemas que ocorrem nesse nível, desde as condições de segurança do trabalho, ritmos e cadências, relação com chefias, equiparação de salários, compensação de horas, etc.

Além da dispersão regional e por localidade, a atual organização sindical dificulta a aquisição de uma visão nacional por parte das lideranças sindicais, por não contemplar uma dinâmica de negociação coletiva em todos os níveis da organização. Uma sociedade democrática necessita que os demais agentes sociais e políticos reconheçam o direito de os trabalhadores construírem livremente uma organização que lhes permita adquirir uma visão nacional dos problemas do país; daqueles vividos pelos trabalhadores em seu conjunto e dos de cada categoria em particular, conforme proposta de organização que apresentamos.

Relação com o Estado — Os sindicatos, como organizações livres, constituídas pelos trabalhadores para expressar seus interesses coletivos, não podem estar sujeitos a nenhum tipo de ingerência do poder Executivo. Nesse sentido, os seus estatutos deveriam ser elaborados e aprovados livremente pelos congressos e assembléias das entidades sindicais, definindo os procedimentos eleitorais.

Assim sendo, se extinguiria a Comissão de Enquadramento Sindical do Ministério do Trabalho, e o que continuasse existindo de suas funções passaria para a responsabilidade de uma Comissão de Organização constituída junto à direção nacional da Central Sindical Unitária.

Sendo a empresa a base social de Sindicato, no caso de algumas categorias diferenciadas a primeira decisão quanto ao sindicato ar qual se filiar seria tomada em assembléia pelos trabalhadores da empresa. Tal decisão deveria ser encaminhada à Comissão de Organização da Central Sindical, para a solução das possíveis pendências.

A contribuição sindical compulsória, que é um dos instrumentos do atrelamento dos sindicatos ao Estado, também deveria ser extinta de forma gradual, em um prazo de cinco anos, diminuindo-se 20% do desconto por ano. Esta proposta pode atender às expectativas de 71% dos líderes sindicais, ouvidos pela pesquisa do CEDEC, que se declararam favoráveis a uma eliminação gradual, em um prazo de três a cinco anos. Consideram que a eliminação, nesses termos, levaria os sindicatos a encontrar outras formas de arrecadação de fundos, suficientes para sustentar suas atividades.

Relação com os partidos políticos — A partidarização política da atuação de uma entidade sindical desvirtua as características de sua ação, que deve expressar os interesses do conjunto da categoria. Conscientes dos prejuízos que o atrelamento de um sindicato a um partido acarreta ao movimento, a unanimidade das lideranças sindicais coloca a necessidade da completa autonomia dos sindicatos em relação aos partidos. Uma proposta que estabeleça mecanismos democráticos de funcionamento, proporcionalidade na constituição das dileções e uma articulação entre os diferentes níveis da organização poderá facilitar a manutenção da autonomia.

Propomos, ainda, como maior garantia de autonomia, que o movimento sindical discuta a viabilidade de se estabelecer o princípio da incompatibilidade entre cargos sindicais e políticos — nas direções partidárias, no Legislativo e no Executivo.

Direito de greve — A constituição de um sindicalismo autônomo e democrático, negociando livremente as contratações coletivas, é incompatível com restrições ao direito de greve. Entretanto, reconhece-se a necessidade de certa regulamentação, afiançada pela responsabilidade das partes na condução dos conflitos. Em todos os países democráticos existem leis que regulamentam, por exemplo, a necessidade de se manter os atendimentos de urgência nos hospitais, o fornecimento de água, luz, gás, etc.

Nesse sentido, sobre a suposição da liberdade de greve assegurada, proporíamos que se desenvolvesse amplo debate envolvendo a sociedade civil, e, em particular, os trabalhadores, os empresários, o governo e os partidos políticos, para a regulamentação do direito de greve, caso seja considerada necessária.

Conclusões — Nossa proposta destaca vários pontos que, se forem assumidos na prática pelo movimento sindical, começariam a mudar a atual organização, fortalecendo enormemente a luta que está sendo travada no parlamento. Assim, entendemos que o processo de transição democrática, também na vida sindical, pode ter início já. As mudanças que os dirigentes sindicais começarem a introduzir imediatamente no funcionamento de suas organizações poderão criar um processo irreversível. Por outro lado, dificilmente a atual organização será modificada, se não começarmos já a fazer o que pode ser feito.

Cremos que os dirigentes e militantes sindicais, nos congressos, nos seminários e na prática de suas entidades, deveriam discutir a viabilidade de algumas inovações que representariam passos importantes no processo de luta por liberdade e autonomia. Alguns exemplos importantes de passos que podem nortear a ação nesse sentido:

1) início da utilização do critério de proporcionalidade: as Federações Nacionais e Estaduais, desde já, organizariam congressos anteriores às eleições oficiais. Nesses congressos, seriam constituídas as direções proporcionais — que se apresentariam como chapa única, a ser ratificada nas eleições oficiais;

2) comissão eleitoral: nas eleições, a diretoria assumiria a responsabilidade formal pela condução do processo eleitoral e, ao mesmo tempo, formaria uma comissão eleitoral composta por pessoas indicadas pelas diferentes chapas, que conduziria efetivamente o processo, sem riscos de ser desvirtuado;

3) gastos em campanha eleitoral: a comissão eleitoral poderia ser investida de poderes de fiscalização dos eventuais gastos de campanha custeados pelos fundos sindicais. Pensamos que não há necessariamente inconvenientes em que as chapas decidam em conjunto pela utilização igualitária de fundos sindicais para cobrir uma parte dos gastos de suas campanhas. As eleições são uma atividades regular e estatutária da entidade, para a qual os associados poderão contribuir. Entretanto, a utilização dos fundos sindicais só pode ter sentido se garantida igualmente a todas as chapas. Caso contrário, teríamos a utilização de fundos sociais para fins pessoais ou particulares, o que seria altamente condenável para sindicatos que se pretendem representativos do conjunto dos trabalhadores;

4) congressos: em nossa proposta, os congressos sindicais passariam a ser as novas instâncias legislativas sobre a forma e características que devem adquirir a organização sindical e seu funcionamento. Pensamos, então, que os congressos de trabalhadores poderiam incluir em suas pautas a discussão de uma proposta global de uma nova organização sindical para o Brasil e de medidas que iniciassem já a democratização de suas entidades.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jan 2011
  • Data do Fascículo
    Dez 1984
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