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Por que os sindicatos são fracos no Brasil?

Por que os sindicatos são fracos no Brasil?

Régis de Castro Andrade

Sociólogo, presidente do CEDEC, professor de sociologia na USP e secretário-executivo da Associação Nacional de Pós-graduação em Ciências Sociais (ANPOCS)

Por que os sindicatos não participam das discussões das questões nacionais que interessam diretamente aos trabalhadores? Não lhes falta legitimidade ou vontade de participar e, em tese, os cidadãos deste país têm o direito de manifestar-se por suas organizações próprias sobre os assuntos que lhes digam respeito. Aí também, não lhes faltam bases potenciais para que participem.

Não se trata de repetir o que já se sabe sobre a dominação de classes e as condições gerais de existência econômica e política dos trabalhadores na sociedade capitalista. A questão é concreta, localizada e urgente: por que, num período de tão intensa contestação ao autoritarismo, os sindicatos continuam submetidos ao tacão do Ministério do Trabalho? Numa situação de crise profunda, com efeitos devastadores sobre os assalariados, por que a intervenção dos sindicatos é tão modesta?

A resposta parece simples e óbvia: porque os sindicatos são fracos. Estamos diante de um raciocínio circular: os sindicatos não intervêm porque são fracos e a prova de que são fracos é que não intervém. Resta saber quais a natureza e os fatores desta fraqueza sindical.

Os sindicalistas aderem as regras do jogo

Alguns enfatizam a estrutura sócio-econômica atribuindo o fenômeno ao "atraso da classe operária" ou ao "desemprego estrutural". Outros responsabilizam a estrutura sindical, como se a existência da legislação fosse resultado de mera coação sobre os trabalhadores. O argumento da violência que, sob o amparo da leia, se abate sobre os sindicatos é similar. Mas se tudo é fruto da violência e da coação, como explicar a estabilidade da legislação e a timidez com que tem sido contestada? Outra vertente responsabiliza os pelegos sem perceber que este personagem já começa a desaparecer dos setores decisivos do sindicalismo. Restam, então, as explicações baseadas na "falta de consciência" sindical e política dos dirigentes, atribuindo-se o fato à juventude ou à presença de ideologias burguesas no movimento.

Estas explicações resumem-se em dois tipos: as que enfatizam o papel das estruturas e as que responsabilizam um vilão qualquer (o Estado, os pelegos, a ideologia burguesa). Os dois casos explicam a fraqueza do movimento por fatores externos. Sem negá-los, por que não buscar a explicação do fenômeno no comportamento dos próprios sindicalistas, sobretudo em suas relações com o Estado, analisando fatores internos do próprio movimento?

Como todas as relações sociais numa sociedade organizada, as relações entre sindicatos, Estado e patrões no Brasil se desenvolvem no quadro das instituições. E o que torna reais as instituições não é a lei que as define, a força que as garante ou os prédios em que se instalam, mas o fato de que os seus membros se comportam institucionalmente, isto é, em certa medida, aderem às regras do jogo. E, se as relações institucionalizadas reproduzem a subordinação do sindicato ao Estado, deve-se admitir, também, que esse processo de subordinação envolve de alguma forma a participação do dirigente sindical e não se confunde com a dominação pelo simples uso da força.

O quadro institucional em que se dão as relações trabalhistas no Brasil é profundamente desfavorável aos sindicatos. Prova disto é a ausência do direito legal de organização de centrais sindicais a nível nacional ou local, gerando o isolamento dos sindicatos ou a fragmentação do movimento sindical. A falta de organizações sindicais no local de trabalho por omissão da lei e imposição patronal provocam a falta de entrosamento entre direções e bases sindicais. Outros fatores, enfim, debilitam o movimento: a subordinação dos sindicatos ao Ministério do Trabalho, através do poder de intervenção governamental, o enquadramento sindical, o sistema de sindicato único, o controle das contas sindicais e a contribuição sindical obrigatória.

A tendência à superação dos obstáculos institucionais em busca de um processo de fortalecimento não se manifesta com nitidez nas últimas décadas. Houve constantes tentativas, porém, de alterar o quadro. O Movimento Unificado dos Trabalhadores (MUT), em 1945, o Pacto de Unidade Intersindical (PUI), o Pacto de Unidade de Ação (PUA), as Comissões Sindicais estaduais e os Encontros Nacionais dos anos 50 e 60, o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), em 1962, os protestos contra a falta de autonomia, a resistência multiforme à repressão estatal e patronal, os incessantes esforços por parte de diversas tendências sindicais de criar organizações nos locais de trabalho, as greves com a lei, sem a lei ou contra a lei —, tudo isso mostra uma história de lutas que, se vitoriosas, ou se se vinculassem umas às outras, num processo de acumulação de forças, teriam alterado a face do sindicalismo no país.

Como no passado falta realizar as promessas

As promessas recentes, contidas no surgimento de tendências combativas, se não foram descumpridas, também não se realizaram ainda. É difícil avaliar o impacto inovador das novas correntes sindicais; mas talvez seja salutar, neste momento de revigoramento e novas tentativas como a CUT e a CONCLAT, lembrar o passado, onde as investidas renovadoras, como ondas, bateram na areia, se espraiaram e retornaram ao mar. Afinal, estamos diante de duas proposições que, apesar de aparentemente contraditórias, não são inconciliáveis. O comportamento do movimento sindical tende a reproduzir o quadro de subordinação em que vive ao mesmo tempo que procura opor-se a ele.

Ao mesmo tempo que subordina o movimento sindical, o arranjo institucional lhe oferece garantias, vantagens e compensações. Os dirigentes sindicais, em sua ação reformadora, procuram livrar-se das desvantagens e manter as vantagens da ordem. Aferrando-se a elas, o movimento sucumbe à lógica institucional de fragmentação e de subordinação.

Mais compensações que argumentos.

As compensações mencionadas são bem conhecidas e substanciais. Em primeiro lugar, a garantia legal de representação exclusiva dos trabalhadores pelo Ministério do Trabalho, independentemente do apoio efetivo das bases, acaba por fazer que os sindicatos funcionem como condutos burocráticos pelos quais acabam passando os movimentos, onde quer que tenham nascido e quaisquer que sejam suas lideranças reais, permitindo aos dirigentes oficialmente reconhecidos usufruírem de um poder não desprezível de influir sobre eles. E, da mesma forma, o poder de controle sobre as eleições sindicais favorece a perpetuação dos dirigentes em seus cargos, tanto em sindicatos de base, como nas Federações e Confederações.

Uma outra compensação é a contribuição sindical obrigatória. Neste sistema os recursos financeiros do sindicato não refletem, em geral, o número de associados, a qualidade e o volume de trabalho dos dirigentes. Enfim, uma quarta vantagem diz respeito à quase exclusividade de acesso legal às categorias. Os dirigentes oficiais podem, legalmente, convocar assembléias, fazer reuniões, editar publicações e estabelecer outras formas de comunicação com a categoria. E as atividades, quando realizadas por lideranças não oficiais, correm o risco de serem taxadas de ilegais e subversivas. O papel importante desempenhado por oposições em várias categorias não altera o argumento de que estar no sindicato sob o amparo da lei é mais vantajoso que estar fora dele sob risco de punição legal.

Desta forma, os interesses gerados no quadro institucional dão origem a comportamentos ou práticas que debilitam os esforços para a construção de um sindicalismo forte e autônomo no país. Não se pode também atribuís estas práticas à "traição" de certos dirigentes; elas são comuns entre muitos militantes dedicados e corajosos, de várias correntes do movimento. A "falsa consciência" também não é bom argumento, já que, no plano programático, sempre se tomou posições de princípio contrárias ao atrelamento, à desunião e aos distanciamentos das bases. Mesmo quando nos documentos programáticos essas posições são claras, a falta de clareza se restabelece quando da sua implementação.

Sem decisão política não há autonomia sindical

Esta confusão diz respeito a uma insuficiente diferenciação entre política e sindicalismo. Freqüentemente acaba ocorrendo uma superpolitização da ação sindical, com as vária; correntes definindo-se a partir de programas político-partidários, o que as torna inconciliáveis entre si, apesar de pregarem a unidade em seus programas. Esta superpolitização é fruto dos vínculos entre o sindicato e o Estado Qualquer reforma sindical envolve reformas da própria ordem estatal.

O resultado é que as discussões perdem de vista a distinção entre uma política para o país — que cabe aos partidos — e a intervenção política dos sindicatos.

Outra prática comum é a de utilizar os recursos do sindicato oficial para a promoção de interesses políticos, corporativos ou pessoais (aparelhismo), o que é estimulado pelas garantias legais de funcionamento e monopólio de representação, a disponibilidade de recursos financeiros, a existência de sede e recursos gráficos e outras vantagens. Num contexto autoritário como o nosso elas são consideráveis.

O basismo, enfim, produz resultados semelhantes. A rigidez da organização oficial encoraja as tendências a ressaltarem "o poder das bases" por fora ou mesmo contra os sindicatos, o que, aqui, resvala para um sindicalismo paralelo, impotente e vulnerável. Ao verticalismo e à fragmentação burocrática da organização sindical essas tendências apresentam uma crença na homogeneidade horizontal das massas trabalhadoras rebeladas e a crença de que a unidade sindical vá surgir das lutas travadas no dia-a-dia. É a ilusão em relação ao Estado e a ilusão em relação à base que contribuem para que tudo fique como está. De um lado, as bases sem direção; de outro, a direção sem bases.

O problema das relações entre sindicatos e Estado deve ser analisado a partir da ordem político-institucional e não da estrutura sócio-econômica. No caso brasileiro, a debilidade do movimento sindical não se deve a sua juventude. Não é um movimento que, em seus primórdios, vai abrindo espaços, ganhando direitos, à medida que as estruturas capitalistas se desenvolvem, institucionalizando-se pouco a pouco ao longo de pequenas e grandes lutas.

O sindicalismo, entre nós, é um movimento fortemente institucionalizado. A lei prevê tudo, regula tudo e o preço do comportamento não institucional é muito alto: é visto pela opinião pública, pelos partidos, pela imprensa e, mesmo, por parte dos trabalhadores como irregular, perigoso, ilegal e até subversivo. Assim, a luta pela unidade, pela organicidade e pela autonomia é como que forçada a se travar no contexto institucional vigente, onde adquire as características apontadas.

A superação dos problemas crônicos do sindicalismo brasileiro, em direção à unidade, à maior participação da base e à autonomia, requer uma decisão política específica por parte das direções sindicais: é preciso ter claro que o aumento da capacidade de intervenção dos sindicatos no plano das questões nacionais não depende só da acumulação de forças dentro das lutas parciais e econômicas do sindicalismo. Essa decisão política precede à efetiva intervenção unitária dos sindicatos.

A unidade como valor em si é ato radical e novo

Trata-se da formulação de um projeto político para os sindicatos, cujo valor supremo deveria ser a unidade de todos os trabalhadores, prevalecendo a unidade sobre as divergências. Sem essa firme e lúcida decisão será difícil pôr em marcha o processo de acumulação de forças que não ocorreu no sindicalismo brasileiro. Essa decisão é um ato inaugural, de efeitos imediatos sobre a ação sindical.

Propor a unidade como valor em si é introduzir no sindicalismo uma nova lógica de ação, contrária à lógica da fragmentação, própria das relações institucionais vigentes. É um ato radicalmente inovador. A unidade nasce da decisão de unificar-se, por oposição às forças que trabalham pela desunião.

Mas a unidade não é conseqüência de lutas, parciais, nem se "forja na prática" como pensam alguns. Tampouco é uma agregação burocrática ou formal das distintas correntes, mas uma unidade política. Também, não é baseada no acordo sobre um programa para a Nação, mas um acordo sobre a política sindical.

Um processo de construção democrática

Enfim, a unidade não se baseia na dissolução das divergências, mas supõe que elas existem. É um processo de construção democrática e não uma ordem fixada de uma vez por todas. O fundamento real de uma política sindical unitária e amplamente representativa é a necessidade de organizar o conjunto dos trabalhadores na defesa de seus interesses e aspirações comuns, por oposição aos interesses econômicos dominantes, e quaisquer que sejam as suas preferências políticas.

Na medida em que se estabeleça uma pauta de ações e reivindicações comuns a todos os trabalhadores, ela toma corpo. A capacidade e a lucidez política dos dirigentes aparece na capacidade de deixar de lado pontos que não são consensuais e na capacidade de descobrir o que é consensual. Nisso reside a efetiva vontade política de unidade e a compreensão profunda da sua necessidade, criando as condições para uma efetiva penetração nos locais de trabalho e a criação de um poder de pressão capaz de alterar a sistemática de tutela e atrelamento da CLT.

Por fim, convém assinalar que a política de unidade não requer, em todos os momentos, uma só organização nacional dos trabalhadores, embora isso seja desejável. A experiência de outros países mostra que a existência de mais de uma central sindical não impede a unidade em questões decisivas para o conjunto dos trabalhadores. O importante é que a política de unidade seja o princípio orientador permanente da ação sindical em todas as circunstâncias e em todos os níveis em que se desenvolva esta ação, desde as organizações no local de trabalho até as centrais sindicais.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Fev 2011
  • Data do Fascículo
    Jun 1984
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