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Hollywood é o sucesso

LIVROS QUE TODOS LÊEM

Hollywood é o sucesso

Fernando Gabeira

Escritor e Jornalista

Reduzir o sucesso a um conjunto de conceitos, codificá-lo, é uma das tarefas mais perigosas para quem trabalha com estética. Em primeiro lugar porque isola um aspecto da questão e procura dar-lhe existência separada; depois, ao julgar compreendê-lo, corre-se o risco de persegui-lo como se persegue uma miragem no deserto.

Até certo ponto, o sucesso é um fenômeno moderno, dependente do avanço dos meios de comunicação de massa. É inegável que entre os escritores do século XIX havia alguns mais queridos que os outros. Mas o sucesso como objetivo, atrelado sempre à sua irmã gêmea glória, é uma paixão contemporânea, um sólido parâmetro de felicidade, capaz de triturar a melhor das intenções.

Vargas Llosa menciona alguns momentos da história da literatura onde os melhores escritores eram os mais vendidos. Esta relação está irremediavelmente perdida nos dias de hoje, o que não significa automaticamente que um escritor não seja bom apenas porque é muito vendido. Edmundo Wilson, o grande critico americano, elogiava Princenton porque, segundo ele, além do humanismo tipo século XVIII, a Universidade lhe ensinou a achar graça do projeto de ser um homem bem-sucedido.

Uma estética de recepção que contemple também a relação do escritor com seus leitores parece ser um dos caminhos mais interessantes para se examinar hoje o trabalho de um romancista. Quero dizer: adianta muito mais perguntar diretamente às pessoas por que preferem um autor do que especular solitariamente sobre as razões de seu êxito de público.

Recentemente, uma revista semanal tentou isolar as razões de sucesso de alguns livros no Brasil moderno e chegou a conclusões espantosas, recomendando aos candidatos ao best-seller que escrevessem com um vocabulário bem tosco, usassem poucas idéias, usassem simples idéias porque isso era, infelizmente, o que os leitores queriam dele.

Quem acompanha a história do cinema, pode encontrar o mesmo tipo de acusação latente aos diretores da nouvelle vague, quando começaram a apresentar seus filmes. Eram tecnicamente menos capazes, usavam temas simples demais, pareciam, aos clássicos, indignos de freqüentarem as telas. O novo cinema alemão por sua vez foi alvo de maiores reservas ainda. Fassbinder fazia um filme em 14 dias. Um horror.

O problema é que podemos relacionar centenas de razões para o sucesso de um livro e às vezes a escolha de um conjunto de causas, em detrimento de muitas outras, revela um pouco mais sobre nós mesmos do que propriamente sobre o livro.

Sendo um artigo tão cobiçado pelo homem moderno, o sucesso apresenta sempre pesada ambivalência que torna as pessoas sideradas no seu rastro ou amarguradas com sua irremediável distância.

Por trás da inquietação com o sucesso, os meios de comunicação de massa esforçam-se na realidade para mapear o caminho que os levará ao coração e à cabeça do público. O diabo é que às vezes tomam tanto tempo para codificar o sucesso que, quando chegam a algum resultado, a fórmula já se esgotou e novas idéias e atitudes estão fazendo sucesso.

O ciclo sempre recomeça e os meios de comunicação se voltam para os novos detentores do sucesso, em busca da chave. Creio que um personagem de Kafka é adequado para explicar isto pois ele espera anos para entrar num castelo e descobre, finalmente, que o castelo sempre esteve aberto para ele. Assim vivem os meios de comunicação com o sucesso. Parecem um gatinho assustado com a própria sombra ou preocupado em morder a própria cauda.

Se ao invés de elaborar uma receita de sucesso, os interessados tentassem entender um pouco melhor o Brasil de hoje e agora e saíssem para as ruas, podiam não encontrar o sucesso, mas alguma coisa sempre encontrariam, porque nas ruas sempre acontece alguma coisa.

Desde a explosão de "O que é isso, companheiro?", passando por "O Crepúsculo do Macho", "Sinais de Vida no Planeta Minas" e outros, o ex-guerrilheiro Gabeira já vendeu mais de 200.000 exemplares, o que, no Brasil, é uma façanha e tanto.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Fev 2011
  • Data do Fascículo
    Jun 1984
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