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Princípios de justiça e avaliação de políticas

Principles of justice and policy evaluation

Resumos

O artigo sugere uma forma de vincular duas coisas que têm sido tratadas separadamente pela literatura: a discussão filosófica sobre princípios de justiça e a avaliação de políticas sociais.


The article proposes a way of putting together two things which usually are dealt with separatedly: the philosophic discussion on principles of justice and the evaluation of social policies.


GOVERNO & DIREITOS

Princípios de justiça e avaliação de políticas* * O texto que se segue é uma versão ligeiramente modificada de um relatório apresentado ao CNPq em outubro de 1991, mantendo o mesmo título e o seu caráter preliminar.

Principles of justice and policy evaluation

Argelina Cheibub Figueiredo

Professora do Departamento de Política da UNICAMP e pesquisadora do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas - NEPP da UNICAMP

RESUMO

O artigo sugere uma forma de vincular duas coisas que têm sido tratadas separadamente pela literatura: a discussão filosófica sobre princípios de justiça e a avaliação de políticas sociais.

ABSTRACT

The article proposes a way of putting together two things which usually are dealt with separatedly: the philosophic discussion on principles of justice and the evaluation of social policies.

Este artigo se propõe tratar de duas questões estreitamente relacionadas, mas normalmente separadas na bibliografia sobre o assunto: concepções de justiça social e modelos de políticas sociais.

A idéia de fazer um trabalho sobre o primeiro desses temas —justiça social — surgiu de um pesquisa que realizei sobre a literatura de avaliação de políticas sociais no Brasil. Pude então constatar que o crescente número de trabalhos avaliativos não revelava uma preocupação que deveria informar os estudos do gênero, ou seja, a preocupação em estabelecer parâmetros substantivos — critérios de avaliação — para o julgamento defensável de uma política. Achei que o tratamento sistemático de alguns conceitos e a revisão de algumas teorias filosóficas contemporâneas poderiam fornecer substrato para uma discussão importante sobre argumentos morais e políticos a partir dos quais avaliar as políticas sociais.

Tentar juntar em um mesmo trabalho uma análise conceituai de teorias e princípios de justiça à análise de modelos de políticas sociais era a pretensão inicial deste trabalho que, no entanto, ainda está muito longe de atingir este objetivo.

CONCEPÇÕES DE JUSTIÇA SOCIAL

A justiça social é um atributo das instituições sociais que, no conjunto, determinam o acesso — ou as possibilidades de acesso — dos membros de uma sociedades a recursos que são meios para a satisfação de uma grande variedade de desejos (Barry, 1989: 146).

Diferentemente da visão clássica de justiça, é ponto pacífico, na moderna bibliografia, que justiça não é necessariamente sinônimo de virtude. Conseqüentemente, ela é apenas parte de noções mais abrangentes tais como "bondade" e "retidão". Assim, somente um número limitado de considerações é abrangido pela noção de justiça. Restam, no entanto, visões diferentes, e às vezes conflitantes, sobre que tipos de considerações — ou seja, os critérios que servem de base para o julgamento — podem ser compreendidas pelo conceito de justiça.

Em primeiro lugar, considerações sobre justiça aplicam-se a situações nas quais estão envolvidas demandas diversas e conflitos de interesse entre duas pessoas ou grupos. Dessa forma, a distribuição constitui uma característica essencial e distintiva no conceito de justiça. Portanto, justiça tem a ver com a maneira segundo a qual benefícios e encargos, ganhos e perdas são distribuídos entre os membros de uma sociedade, como resultado do funcionamento de suas instituições: sistemas de propriedade, organizações públicas, etc. Este conjunto de instituições, constitui o que Rawls denomina estrutura básica da sociedade — objeto fundamental de justiça — que cria, transmite e reforça todas as vantagens e desvantagens que conduzem ao sucesso econômico e social ou à sua falta.

Assim entendida, a justiça tem a ver com a maneira como malefícios e benefícios são distribuídos na sociedade e não com a sua quantidade absoluta. De acordo com a classificação de Barry, a noção de justiça envolve considerações distributivas, opondo-se, assim, a considerações agregativas que enfatizam princípios como o de bem-estar social ou o de interesse público (1976:43-44). É com base neste argumento que o utilitarismo é rejeitado como uma teoria da justiça propriamente dita. Aceitar que a maior quantidade de felicidade e satisfação seja o parâmetro para avaliar as instituições e os sistemas sociais é rejeitar um componente fundamental da noção de justiça e fazer vista grossa a noções mais intuitivas sobre o conceito de justiça.

Justiça, ademais, implica comparação. Por exemplo: Fulano tem (ou faz) X em comparação com Sicrano que tem (ou faz) Y. Esta fórmula é geralmente aceita, embora haja discordância sobre as bases — os critérios substantivos — segundo as quais os benefícios e as perdas devem ser distribuídos. Barry sugere que a justiça, em sentido amplo, pode incluir todos os tipos de considerações distributivas, tanto comparativas como absolutas (1976:96). De acordo com esta definição, enquanto os princípios distributivos comparativos envolvem a determinação de que uma pessoa deve ter mais, menos, ou exatamente a mesma quantidade de um bem que outras pessoas, a natureza de um princípio distributivo absoluto "permite que se especifique o que um indivíduo deve ganhar (dado que ele se enquadra em uma certa categoria), sem que seja necessário que se afirme isto em relação à posição de alguém" (Barry, 1976:44). Neste sentido, a noção de mínimo social, que seria um princípio distributivo absoluto, pode ser incorporada à noção de justiça. Na verdade, esta noção tem sido incorporada por visões igualitárias de justiça1 1 Para um exemplo, ver Frankena (1962: 14, 17). , mas é discutível se isso se dá através do princípio de necessidade ou, de igualdade, ou ainda, como um critério independente.

Por último, um ponto geral sobre a noção da justiça é que ela refere-se a qualidades passadas ou presentes de indivíduos e/ou relações. Isto significa que justiça é uma noção essencialmente retrospectiva (Barry, 1967:41; Lucas, 1972: 231,233). É também em relação a este aspecto que considerações utilitaristas são contrastadas com considerações de justiça; e o utilitarismo, enquanto uma teoria conseqüencialista, é rejeitado como uma visão apropriada de justiça (Miller, 1976:50).

Justiça formal e substantiva

A idéia de que a justiça é uma noção essencialmente retrospectiva poderia levar à definição de justiça como puramente processual. Em contraposição a esta concepção, Chapman ressalta que o conceito de justiça comporta um traço de finalidade que nos permite avaliar os resultados, independentemente do processo que conduz a eles (o exemplo mais comum é a possibilidade de uma decisão injusta que resulte de um processo imparcial). Isto significa que o conceito de justiça refere-se não só à avaliação de uma atividade ou de um leque de atividades, mas também à avaliação dos resultados destas atividades (Chapman, 1963:155-156).

Justiça formal, por sua vez, pode ser definida, segundo Perel-man, como "um princípio de ação de acordo com o qual os seres de uma mesma categoria essencial precisam ser tratados da mesma forma" (1963:16). Mas, conforme observa este mesmo autor, esta definição, puramente formal, não especifica os critérios de determinação das próprias categorias e requer apenas que o tratamento deva ser assegurado a pessoas que pertençam a um determinado grupo de referência. Assim, este conceito se aproxima da noção de imparcialidade jurídica, isto é, o mesmo tratamento sob a mesma lei — todos os casos X sob a lei Y devem receber o mesmo tratamento Z. Sem dúvida, a imparcialidade é um componente importante da noção de justiça, mas por si só é compatível com injustiças porque não especifica os critérios de similaridades relevantes. Neste sentido, a aplicação imparcial de uma lei, ou de uma regra de distribuição não é condição suficiente, embora necessária, para a própria justiça da lei ou da regra de distribuição. No entanto, a administração imparcial e consistente das leis e das instituições, mesmo quando se trata de leis e instituições injustas, é necessária por motivos de proteção e segurança do cidadão. Pois como enfatiza Rawls, permite que "aqueles que estão sujeitos a elas pelo menos saibam o que é exigido e... tentem proteger-se adequadamente, visto que haverá até maiores injustiças, se aqueles que já eram desfavorecidos forem também tratados arbitrariamente em casos particulares quando as regras lhes dariam alguma segurança" (Rawls, 1976:59).

Do mesmo modo, a fórmula "a cada um segundo seus direitos" expressa o caráter distributivo da justiça, mas deixa em aberto as bases sobre as quais os direitos devem ser atribuídos. É em relação a este ponto, ou seja, a definição de critérios substantivos de justiça, que as divergências emergem.

PRINCÍPIOS DE JUSTIÇA DISTRIBUTIVA

Um grande número de princípios ou critérios de justiça já foram propostos a fim de preencher o vazio subjacente à fórmula "a cada um de acordo com o que lhe é devido". Essencialmente, estes princípios são: direito, necessidade e mérito2 2 Miller argumenta que todos os princípios geralmente sugeridos podem ser reduzidos a um destes três princípios, ou demonstrar-se que não são princípios genuínos de justiça (1976:25). . Os princípios de "entitlements" e "de diferença" serão tratados no interior das teorias de Nozick e Rawls, respectivamente.

O princípio de direito

Para a discussão do princípio do direito é importante introduzir a distinção feita por Miller entre direitos positivos e direitos ideais. Os direitos positivos são constituídos pelo seu reconhecimento social e seu conteúdo é irrelevante. Assim entendido, o princípio de direito pode ser incluído na noção puramente formal de justiça como aplicação imparcial e consistente de regras estabelecidas. No entanto, um direito, por si só, pode ser contestado, por considerações de justiça, no momento em que seu conteúdo é especificado. Aqui entra então a noção de direitos ideais. Estes, ao contrário dos direitos positivos, são constituídos pelo seu próprio conteúdo e são, muitas vezes, demandados, mas não necessariamente reconhecidos. Estes dois tipos de direito têm também status lógicos diferentes. O estabelecimento da existência de direitos positivos é um problema de investigação, enquanto a tarefa de provar a existência dos direitos ideais requer argumento moral. É dever da justiça social respeitar os direitos positivos (aqueles reconhecidos socialmente) pelas mesmas razões pelas quais a administração das leis deve ser imparcial e consistente, isto é, para garantir a segurança e a liberdade do indivíduo. Mas quando se trata de questionar os direitos positivos existentes e de exigir novos direitos, com base em argumentos morais e políticos, padrões independentes tornam-se necessários. Assim o princípio de direito, concebido como direitos ideais, não constitui um critério independente de justiça.

Segundo Miller, os direitos ideais são melhor analisados em termos dos princípios de necessidade e de mérito (1976:78). Ao discutir o exemplo dos direitos naturais ou direitos humanos, Miller observa que a mais recente categoria destes direitos — os direitos econômicos e sociais (em oposição ao tradicional direito à liberdade) — é analiticamente ligada à noção de necessidades3 3 Gewirth (mimeo, s.d.), porém, fornece um argumento baseado na necessidade, para justificar os direitos humanos tanto à liberdade como ao bem-estar. Ver especialmente pp. 12-13. . A conclusão de Miller, portanto, é que os direitos humanos estão relacionados à justiça social como parte do princípio de necessidade e, em conseqüência, o direito como tal não tem um status independente (1976:73).4 4 Miller reconhece, porém, a relevância política do uso da linguagem de direitos, mesmo quando, analiticamente, os critérios envolvidos são os de necessidade e de mérito (1976:79-80). A linguagem do direito, no caso de direitos ideais, argumenta ele, é derivada, por isso deve ser aplicada apenas em relação aos direitos que têm um status positivo (1976:82).

Seguindo esta conclusão, portanto, restam então apenas os princípios de mérito e necessidade como princípios substantivos de justiça5 5 Alguns autores sustentam que o conceito de justiça significa apenas recompensa ao mérito. Argumentam que a distribuição de acordo com necessidade é uma questão de humanitarismo ou benevolência, ou que as considerações de necessidade são uma exigência da justiça apenas na forma de direitos (positivos, segundo a nossa distinção acima); isto é, ela é derivada de um consenso anterior ou de um conjunto estabelecido de regras. A este respeito ver especialmente Lucas (1972) e Campbel (1974). Nozick (1974) também pode ser incluído neste grupo, apesar de afirmar que o "entitlement" é um princípio não padronizado de justiça. Entretanto, a aceitação da necessidade como princípio de justiça tem crescido, como demonstram as teorias igualitárias de justiça. .

O princípio de mérito

O princípio de mérito é o que realiza plenamente o componente retrospectivo da noção de justiça. Segundo Barry (1976:106) "atribuir mérito a uma pessoa é dizer que seria uma boa coisa se essa pessoa recebesse alguma coisa (vantajosa ou desvantajosa) em virtude de alguma ação ou esforço por ela feitos ou algum resultado obtido". Dessa forma, dois aspectos do conceito de mérito precisam ser ressaltados: primeiro que mérito refere-se a fatos e características — performances passadas ou habilidades presentes — sobre o sujeito a quem é atribuído. De acordo com o exemplo de Feirenberg (citado em Barry, 1976:106), o fato de que um professor dê um alto conceito a um aluno por que sua mãe é neurótica, não pode ser a base de aferição do mérito do estudante. Assim sendo, é condição necessária, ainda que não suficiente, que a atribuição de um conceito a alguém tenha por base fatos sobre o próprio sujeito. Em segundo lugar, tanto ações e esforços como resultados podem servir de base para a atribuição de mérito. Como observa Barry (1976:107), o senso comum não oferece uma orientação única no que se refere ao papel do esforço e do resultado como bases para aferição de mérito. De um lado, pode-se argumentar que na medida em que apenas a quantidade e a direção do esforço se encontram sob o controle de uma pessoa, este deveria ser o único fator pelo qual os indivíduos poderiam ser recompensados e punidos, culpados ou elogiados. De outro lado, parece um absurdo pagar um homem mais que outro por fazer um certo trabalho, porque o primeiro, apesar de ser mais vagaroso e produzir um resultado pior, precisa fazer um esforço maior do que o segundo. Sem pretender apontar soluções para essa divisão, Barry sugere: 1. que não existe um corte claro entre "esforço" e "resultado": fatores irrelevantes (sorte ou outra condição externa) ao que está sendo avaliado podem influir no resultado; 2. é necessário considerar a origem das capacidades e oportunidades, e finalmente; 3. existe a possibilidade de manter o ponto essencial da vinculação de mérito a esforço, tornando condição necessária para aferição de mérito o fato de que a "pessoa poderia ter feito outra coisa". Por exemplo, um nadador forte pode se arriscar menos para salvar uma pessoa do que um nadador fraco, porém, ambos poderiam igualmente nem tentar (Barry, 1976:108).

Especialmente relevante sob o ponto de vista da justiça social, é o conceito de mérito econômico, definido como "recompensas monetárias ou outras por trabalho socialmente útil — por fazer seu trabalho em uma sociedade onde há divisão do trabalho" (Miller, 1976:102).6 6 Esta parte baseia-se no texto de Miller (1976: 103-114). Pode-se distinguir três princípios determinantes de mérito econômico:

1. contribuição: a recompensa de uma pessoa depende do valor da contribuição que ela faz ao bem-estar social em sua atividade de trabalho;

2. esforço: a recompensa de uma pessoa depende do esforço que ele dispende em sua atividade de trabalho;

3. compensação: a recompensa de uma pessoa depende dos custos em que ela incorre em sua atividade de trabalho.

O principio de necessidade

Brian Barry argumenta que necessidade não é um princípio justificativo independente porque as afirmações baseadas em necessidades seriam incompletas a menos que lhes sejam atribuídos fins. Ou seja, quando se afirma: "Fulano tem necessidade de alguma coisa", deve-se especificar a finalidade. Sendo assim, Barry conclui que necessidade é um princípio derivado uma vez que as únicas questões interessantes que suscita estão relacionadas com o seu fim (1976: 47-49).

Com o objetivo de contestar esta análise, Miller distingue três tipos de necessidades: instrumentais, funcionais e intrínsecas. Para Miller, o argumento de Barry é verdadeiro apenas no que diz respeito às necessidades instrumentais. Por exemplo, na afirmação: "Ele precisa de uma chave", a complementação de um objetivo se faz necessária. Mas para as necessidades funcionais e intrínsecas, como expressas nas afirmações "Os professores universitários precisam de livros" ou "O homem precisa de alimento", o que é necessário não é um meio para um fim independente, mas uma parte do próprio objetivo. Fornecer um objetivo nestes casos significaria simplesmente preencher um todo do qual a coisa necessária é apenas parte. Partindo deste argumento, Miller define necessidade como algo cuja falta provocaria um dano. Neste sentido, dizer que "A precisa de X" é o mesmo que dizer que "A sofrerá dano se lhe faltar X" (p.130).

Na sua conceituação de dano, Miller rejeita duas posições que identificam um dano a uma pessoa independentemente de seus fins: a primeira atribui dano a uma pessoa na base de um critério empírico geral e, na segunda, o conceito de dano é empregado do ponto de vista de uma teoria da natureza. Para Miller, o dano só pode ser considerado em referência aos próprios fins do indivíduo. Introduz, então, a noção de plano de vida de uma pessoa, o qual determina aquilo que será considerado dano. Planos de vida assumem diferentes formas; entretanto, as atividades relacionadas a eles podem ser distinguidas entre duas categorias: aquelas que são essenciais a estes planos e as não-essenciais. A noção de dano se aplica apenas às atividades essenciais. Como define Miller: "O dano, para um certo indivíduo, é o que quer que interfira direta ou indiretamente nas atividades essenciais ao seu plano de vida; as necessidades, por sua vez, devem ser definidas de forma a compreender tudo o que for necessário para permitir que essas atividades sejam realizadas" (p.134).

Assim, identificar necessidades torna-se uma questão empírica que depende da identificação dos planos de vida e das atividades que possibilitam a realização desses planos. As divergências a respeito das condições necessárias para que alguém realize seu plano de vida e da natureza precisa do plano de vida de um indivíduo podem ser solucionadas, segundo Miller, através da evidência empírica. A mera evidência, no entanto, não seria suficiente para diferenciar e estabelecer prioridades entre as atividades essenciais a dois planos de vida diferentes, sendo que um requer uma quantidade de recursos muito maior do que o outro. Esta questão certamente coloca o problema de estimar o valor relativo de diferentes planos de vida. Miller tenta contornar este problema, ao restringir seu campo de interesse ao problema da "inteligibilidade" dos planos de vida. Sua concepção de necessidade permite que se possa estabelecer necessidades tão diferentes quanto as de um camponês russo e de um intelectual europeu, tomando por base apenas os seus próprios fins, sem a interferência de nossas preferências em relação a cada um destes planos de vida. Nesta linha de raciocínio, dificilmente se admitiria que um piromaníaco "necessitaria" de fósforos e acesso a palheiros, mas que ele necessita de ajuda psiquiátrica. Isto se dá porque seu plano de vida não é "inteligível". Entretanto, como o próprio Miller admite, a inteligibilidade é definida a partir de normas e padrões morais. E nesse ponto, sem dúvida, elementos avaliativos são introduzidos: a distinção entre diferentes necessidades pode facilmente vir a ser feita não apenas pelo seu valor intrínseco aos fins buscados mas pelo valor extrínseco dos próprios fins. Neste sentido, o que é apresentado como "inteligibilidade" torna-se um julgamento de valor. Mesmo admitindo o valor idêntico do plano de vida de cada um, quando se coloca o problema de decidir sobre a alocação de recursos, a teoria de Miller sobre a noção de necessidades não fornece nenhum critério no qual se possa basear a decisão. Sua teoria, no entanto, apresenta ainda um problema fundamental. Já que as necessidades são definidas apenas em relação aos planos de vida individuais, as diferenças de gostos e aspirações provenientes de desigualdades anteriores influenciariam o que os indivíduos consideram essencial para seus planos de vida e conseqüentemente afetariam, também, a avaliação de suas necessidades. A concepção de necessidades de Miller possui a vantagem de permitir a definição de necessidades além do que é normalmente considerado necessidade básica (alimento, abrigo, etc), sem atrelar as necessidades a um padrão de vida que só poderia ser mudado com o tempo ou de uma sociedade para outra. No entanto, ela não permite que se distinga entre necessidades e aspirações, a despeito de sua afirmação de que os dois conceitos devem ser mantidos separados. Neste caso, supondo-se a escassez de recursos e considerando que não faz sentido aplicar uma escala para satisfazer, proporcionalmente, as necessidades individuais (já que elas são definidas como atividades que são essenciais a um plano de vida individual), o sucesso da aplicação da teoria de Miller na produção de igualdade de resultados, torna-se inteiramente dependente da condição de que os homens não se comportem de maneira egoísta. Caso contrário, seria necessário pressupor a abundância e, então, a distinção entre necessidade e aspiração seria irrelevante.

TEORIAS CONTEMPORÂNEAS

Teorias de justiça são entendidas como teorias sobre que tipos de arranjos sociais podem ser defendidos. De uma maneira geral, as teorias de justiça têm como ponto central a defensabilidade das relações desiguais entre pessoas. Como observa Berlin, "a suposição é de que a igualdade não carece de motivos, apenas a desigualdade precisa ser justificada..."

Nesta seção trataremos de três teorias globais de justiça, ou seja, aquelas que têm por objeto a estrutura da sociedade como um todo7 7 Em contraposição à idéia de "justiça local" como alocação de recursos escassos por diferentes instituições sociais segundo critérios diferenciados (Elster, 1990). , tal como desenvolvidas pelos seguintes autores: John Rawls, Robert Nozick e Michael Walzer.

Uma primeira distinção entre essas três teorias, enquanto teorias globais de justiça, faz-se necessária. A teoria de justiça rawlsiana fundamenta-se em princípios substantivos de justiça, ou seja, pretende oferecer critérios independentes que permitam julgar o grau de justiça das instituições sociais ou da sociedade como um todo. Nozick, ao contrário, rejeita totalmente a aplicação de critérios substantivos de justiça e esta peculiaridade está na base de sua visão, mais que liberal, libertária da organização da sociedade. Walzer, por sua vez, vê a possibilidade de justiça social apenas mediante a aplicação de critérios diferenciados e autônomos a "esferas" diversas de justiça.

Na exposição que se segue a análise dessas teoria será feita segundo dois aspectos: 1. concepção de sociedade justa e 2. o papel do Estado como agente distributivo.

A teoria rawlsiana da justiça

Para a construção de sua teoria de justiça Rawls parte do argumento de que mesmo aqueles que sustentam diferentes concepções de justiça concordam que "as instituições são justas quando não são feitas distinções arbitrárias entre pessoas na atribuição de direitos básicos e tarefas, e quando as regras determinam um equilíbrio apropriado entre as demandas conflitantes pelas vantagens da vida social" (p.5)

Esta afirmação remete a duas grandes questões que devem ser respondidas a fim de que a concepção de justiça do próprio Rawls seja elucidada, a saber: 1. que distinções são arbitrárias do ponto de vista da justiça? e 2. o que constitui um equilíbrio apropriado entre demandas conflitantes por bens sociais?

Responder à primeira questão equivale a determinar o que dá origem ao mérito. A concepção rawlsiana de justiça social repousa sobre sua concepção do que constitui a base do mérito. Para Rawls, as contingências sociais e as chances naturais não dão origem a mérito: ambas são, portanto, totalmente arbitrárias do ponto de vista moral e, conseqüentemente, do ponto de vista da justiça. Sendo assim, resultados distributivos não devem refletir as desigualdades originadas da distribuição de talentos naturais e de posições na sociedade. Em suas palavras:

"A distribuição natural não é justa nem injusta: também não é injusto que as pessoas nasçam numa posição peculiar na sociedade. Estes são simplesmente fatos naturais. O que é justo ou injusto é a maneira como as instituições lidam com estes fatos. Sociedades aristocráticas e de castas são injustas porque fazem destas contingências a base para a atribuição de posições em classes mais ou menos fechadas e privilegiadas. A estrutura básica destas sociedades incorpora a arbitrariedade encontrada na natureza" (p.102).

O principal objeto da justiça social, portanto, é a estrutura básica da sociedade que é definida como "um sistema público de regras que define um esquema de atividades que leva os homens a cooperarem de forma a produzir uma soma maior de benefícios, e atribui a cada um pretensões reconhecidas à participação" (p.84). A justiça social preocupa-se com "a maneira pela qual as principais instituições sociais (constituição política e arranjos econômicos e sociais) distribuem os direitos e deveres fundamentais e determinam as vantagens da cooperação social" (p/7, grifo meu). Portanto, uma concepção de justiça social — uma teoria da justiça — precisa oferecer um parâmetro pelo qual avaliar a maneira que a estrutura básica da sociedade, através de suas principais instituições, atribui deveres e obrigações, assim como, parcelas distributivas. Esta teoria deve, portanto, ser construída de tal maneira que anule, ou pelo menos neutralize, os efeitos das distinções arbitrárias — oportunidade natural e circunstâncias sociais — na distribuição de vantagens. O parâmetro segundo o qual se deve avaliar o grau de justiça de arranjos sociais, econômicos e políticos é traduzido, na teoria de Rawls, em dois princípios:

Primeiro: cada pessoa deve ter um igual direito ao mais extenso sistema de liberdades básicas compatível com um sistema similar para todos".

Segundo: as desigualdades sociais e econômicas devem ser ajustadas de tal modo que sejam tanto:

a) para o maior benefício dos menos privilegiados, consistentes com um princípio justo de poupança, e

b) ligadas a cargos e posições abertos a todos, sob condições de equitativa igualdade de oportunidade (fair equality of opportunity) (p.302).

Estes dois princípios obedecem a uma regra de prioridade para a sua aplicação.8 8 Não levo em consideração aqui os argumentos que Rawls oferece para a escolha dos dois princípios, bem como para a ordem de prioridade entre eles. Meu objetivo limita-se ao aspecto substantivo da sua concepção de justiça e às conseqüências da aplicação dos princípios de justiça. Uma extensa bibliografia discute o problema da justificação. Entre outras críticas ver Barry (1975: capítulos 7, 8, 9 e 11); Wolf (1977: capítulo IX); Hart (1975). Eles estão dispostos numa ordem serial de maneira que a troca de liberdades básicas por ganhos econômicos e sociais não é permitida. Desta maneira, o princípio das liberdades básicas tem total prioridade: ele deve ser plenamente satisfeito antes que seja permitida a operação da primeira parte do segundo princípio, conhecida como o "princípio de diferença", ou seja, o princípio de que as desigualdades devem beneficiar os menos privilegiados. As partes a e b do .segundo princípio também estão ordenadas lexicamente. O princípio da eqüitativa igualdade de oportunidades tem precedência sobre o princípio de diferença.

Assim, para Rawls, um sistema de instituições justo deveria preencher as condições impostas por esses dois princípios. No entanto, no final, o primeiro princípio de liberdades iguais — e aparte (b) do segundo princípio — a equitativa igualdade de oportunidade — tornam-se nada mais do que parte de uma "justiça de base", ou seja, as condições necessárias para a justiça social. O princípio de diferença, por sua vez, adquire de fato o status de um critério fundamental de justiça distributiva e, portanto, o parâmetro para a avaliação da estrutura básica da sociedade.

Para Rawls, os arranjos de mercado são condição sine qua non para o tratamento do problema da distribuição como um caso de justiça puramente processual, e o único tipo de ajuste consistente com as liberdades básicas. Isto é verdade independente do sistema de produção, ou seja, os arranjos de mercado são compatíveis tanto com a propriedade privada quanto com a propriedade pública dos meios de produção (pp.270-274).

O princípio da eqüitativa igualdade de oportunidade, principalmente em uma economia de livre iniciativa com propriedade privada dos meios de produção, tem por função neutralizar os efeitos da distribuição inicial de posições privilegiadas. Rawls dá uma conotação mais forte a esse princípio distinguindo-o do princípio formal da igualdade de oportunidades. Em oposição a este último, que requer apenas os mesmos direitos legais de acesso a todas as posições favorecidas, Rawls enfatiza que a aplicação constante da eqüitativa igualdade de oportunidade exige que as pessoas sejam consideradas independentemente das influências da sua posição social (p.511). Segundo este princípio:

"Supondo que há uma distribuição de vantagens naturais, aqueles que estão no mesmo nível de talento e habilidade e têm a mesma disposição em usá-los, devem ter a mesma perspectiva de êxito, independente da classe de renda em que eles tenham nascido. Em todos os setores da sociedade deveria haver, de maneira geral, perspectivas iguais de cultura e de realizações para todos igualmente motivados e dotados. As expectativas daqueles com as mesmas habilidades não deveriam ser afetadas pela sua classe social" (p.73).

Como a eqüitativa igualdade de oportunidade é garantida? Aí o papel do Estado é fundamental. Rawls resume isto em um parágrafo (ainda para uma sociedade com propriedade privada de capital e recursos naturais) que vale a pena ser transcrito na íntegra:

"Além de manter os tipos usuais de capital social, o governo tenta assegurar oportunidades iguais de educação e cultura para pessoas similarmente dotadas e motivadas, seja subsidiando escolas privadas ou estabelecendo um sistema de escola pública. Deverá também aplicar e subscrever a igualdade de oportunidade nas atividades econômicas e na livre escolha de ocupações. Isso é conseguido através do policiamento da conduta das empresas e das associações privadas, e evitando o estabelecimento de restrições e barreiras monopolísticas às posições mais desejáveis. Finalmente, o governo garante um mínimo social seja através de dotações familiares e pagamentos especiais por doença e desemprego, seja mais sistematicamente através de recursos tais como um suplemento de renda (o chamado imposto de renda negativo)" (p.275).

Estas instituições de base (background institutions) são estabelecidas por quatro divisões do governo: o setor de alocações que evita a formação de monopólios e mantém o sistema de preços razoavelmente competitivo; o setor de estabilização que garante a livre escolha de ocupações através do pleno emprego e que, junto com o primeiro setor mantém a eficiência da economia de mercado; o setor de transferências que mantém um mínimo social; e finalmente o setor de distribuição cuja tarefa é "preservar uma justiça aproximada das parcelas distributivas por meio de taxação e dos ajustes necessários nos direitos de propriedade" (p.277). O último setor engloba dois aspectos: um que evita que desigualdades excessivas de riqueza comprometam a igual oportunidade e o igual valor da liberdade; o outro que inclui um esquema de taxação a fim de elevar a receita que é exigida pela justiça (p.278).

O papel do princípio da eqüitativa igualdade de oportunidade, em conjunto com estas instituições de base, para mitigar os efeitos da posição inicial do indivíduo na sociedade é crucial para Rawls já que ele acredita que o caráter de um homem, e até mesmo sua disposição para realizar um esforço, são socialmente determinados (pp.74, 103). A aplicação do princípio da eqüitativa igualdade de oportunidade, porém, assegura apenas que as pessoas com o mesmo nível de talento e habilidade tenham chances semelhantes na vida. Ela não nivela as realizações e conseqüentemente deixa bastante espaço para distinções feitas com base em talentos naturais. Assim, mesmo abstraindo os efeitos de contingências sociais, permanece o problema das pessoas naturalmente melhor dotadas.

Neste ponto entra em cena o princípio de diferença. Ele neutraliza os efeitos dos talentos naturais ao transformá-los em um bem comum.

"Aqueles que tenham sido favorecidos pela natureza, quem quer que seja, devem se beneficiar de sua boa fortuna apenas para melhorar a situação daqueles que tiveram pior sorte. Os naturalmente beneficiados não devem ter mais vantagens simplesmente porque são mais dotados, mas apenas para cobrir os custos da educação e para usar seu talento de maneira a também ajudar os menos afortunados. Ninguém merece sua maior capacidade natural nem seu lugar inicial mais favorável na sociedade. Mas daí não se segue que essas distinções devam ser eliminadas. A estrutura básica pode ser arranjada de forma que essas contingências trabalhem para o bem do menos afortunado" (pp. 101-2).

Rawls, no entanto, distingue o princípio de diferença do princípio de compensação. De acordo com este último, a fim de assegurar a genuína igualdade de oportunidade, desigualdades de nascimento e dotes naturais devem ser compensados. Por isso, prescreve, por exemplo, que uma quantidade maior de recursos deve ser gasta na educação dos menos e não dos mais inteligentes. O princípio de diferença é mais limitado que o princípio de compensação: não requer que as deficiências sejam compensadas. Como um princípio de maximização da posição dos menos favorecidos (maximin), o princípio de diferença requer apenas que este grupo seja beneficiado, o que seria coerente com a alocação de mais recursos aos melhores dotados, se, por este meio, o objetivo buscado — melhorias para os menos favorecidos — fosse atingido (p.100).9 9 Théret (1990) observa que interpretado como um princípio de incentivo -- tal como o faz o "rawlsisme a la française" — o princípio de diferença seria compatível com uma sociedade de meritocracia natural. Segundo ele, a segunda parte do princípio (posições abertas a todos e 'fair equality of opportunity') é o que conduz ao igualitarismo democrático. Em resumo, a eqüitativa igualdade de oportunidade requer que ajustes no livre mercado sejam feitos "dentro de uma estrutura de instituições políticas e legais que regule as tendências globais dos eventos econômicos e preserve as condições sociais necessárias para a eqüitativa igualdade de oportunidade (p.73). A eqüitativa igualdade de oportunidades, porém, não nivela as realizações. As posições vantajosas, ainda que abertas a todos, serão preenchidas pelos mais talentosos. Este resultado não satisfaz Rawls já que ele nega que o talento, por si só, constitua uma base legítima para uma maior demanda sobre o produto. O princípio de diferença, portanto, impõe uma restrição às vantagens oriundas da oportunidade natural e estabelece a base sobre a qual distribuições desiguais podem ser consideradas justas. Neste sentido, é o princípio de diferença que fornece o padrão pelo qual o grau de justiça dos arranjos sociais é avaliado.10 10 Pelas mesmas razões expostas na nota 3, está além do meu objetivo investigar se o princípio de diferença está de acordo com uma noção intuitiva de justiça e se abrange princípios de justiça do senso comum. Para uma discussão sobre esse assunto, ver Miller (1976:42-51) e Barry (1967: 38-41). Isto fica evidenciado na passagem em que Rawls afirma que um esquema perfeitamente justo é aquele em que, dado um sistema de liberdades iguais para todos e eqüitativa igualdade de oportunidade, nenhuma mudança nas expectativas dos mais favorecidos pode melhorar a situação dos menos favorecidos. Sub- ótimos, mas ainda assim justos, são os arranjos em que as expectativas dos membros mais favorecidos da sociedade pelo menos contribuem para o bem-estar dos menos favorecidos. Neste caso, qualquer alteração na expectativa do grupo mais favorecido da sociedade afetaria, na mesma direção, as perspectivas dos menos favorecidos, ou seja, se a expectativa do grupo mais favorecido for aumentada, as perspectivas do grupo menos favorecido também aumentarão. Um esquema é injusto quando as expectativas mais altas são excessivas: a situação dos menos favorecidos só melhoraria se as expectativas dos mais favorecidos fossem diminuídas (p.78).

A teoria de Nozick11 11 A teoria dos entitlements, ou, como a denomina Fishkin (1979), a teoria dos "direitos absolutos".

Nozick constrói sua teoria em torno de dois argumentos básicos. O primeiro — um argumento negativo — desenvolve-se através de uma crítica contundente às teorias de justiça que, como a de Rawls, adotam padrões ou critérios para julgar uma dada distribuição e que, portanto, pressupõem o papel de uma agência distributiva centralizada. O segundo — um argumento positivo em relação ao anarquismo — é construído em torno da tentativa de mostrar que um estado mínimo é justificável, a partir da anarquia, sem violar os direitos individuais.

Nozick critica todas as teorias distributivas de justiça que tentam preencher a fórmula " a cada um de acordo com... ". O seu argumento básico é que essas teorias tratam a produção e a distribuição como dois processos isolados e como duas questões separadas e independentes. De acordo com Nozick, não existe a situação em que alguma coisa, algum bem, é produzido, deixando em aberto quem o recebe. Ao contrário, argumenta, as coisas vêm ao mundo — são produzidas —já ligadas a pessoas que têm direito a essas coisas. Portanto, uma distribuição é justa se cada indivíduo tem direito às suas posses. Em torno desse argumento desenvolve sua teoria dos "entitlements"12 12 Talvez a noção de "direito adquirido por mérito" expresse o sentido da expressão entitlement, mas manterei a expressão em inglês por razões de economia, além de fidelidade. . Antes de tratarmos dessa teoria, porém, vejamos como, partindo de uma concepção anarquista, Nozick justifica a existência do Estado (mínimo).

O argumento positivo em relação ao anarquismo é desenvolvido da seguinte maneira. Nozick leva a sério a visão anarquista de que o uso da força e a redistribuição por meio do aparato de taxação é imoral. Por isso, toma como tarefa básica a de mostrar que o processo que leva da anarquia ao que chama "Estado mínimo" é um processo moralmente permissível e que ocorre sem ferir os direitos individuais. Para demonstrar isso faz um retrospecto hipotético que compreenderia as seguintes etapas. Num primeiro momento, a partir de um "estado de natureza" (anarquia) e por meio de um processo de "mão invisível", foram se formando "agências protetoras privadas" que tinham por objetivo proteger os seus clientes, impedindo que os outros indivíduos usassem quaisquer procedimentos — não confiáveis — de aplicação de justiça. Esta etapa é definida por Nozick como o "estado ultra-mínimo" no qual a proteção é provida apenas para aqueles que pagam pela política de aplicação da justiça pelas agências protetoras. Estas mantêm o monopólio da força excluindo a retaliação privada, mas ainda existe lugar para o uso da força no caso de auto-defesa imediata. A partir desse estágio, um processo de luta pelo poder daria lugar ao monopólio de fato de uma "agência protetora dominante". Estaria estabelecido então o "Estado mínimo", ou seja, estariam dadas as condições mínimas para a existência do Estado: o monopólio no provimento de serviços de proteção, os quais têm um caráter universal, ou seja, são providos não só para os indivíduos que pagam pelo serviço, como também para os que não pagam. O fato de que alguns indivíduos recebem serviços pelos quais não pagam configura o caráter "redistributivo" do "Estado mínimo".

Nesse ponto, Nozick entra com um argumento moral para justificar tanto a existência do monopólio quanto dos elementos "redistributivos" do "Estado mínimo". Pelo princípio da compensação, essas características, além de não violarem os direitos individuais, se tornam uma "necessidade moral". O princípio da compensação, segundo Nozick, requer que aqueles que agem para sua auto-proteção através de uma agência protetora dominante compensem os que foram proibidos de realizar atos de auto-proteção, pela desvantagem a eles impostas pela ação dessa agência. Dessa forma, o que poderia ser visto como redistribuição é reinterpretado como um princípio de compensação, ou seja, a obrigação de prover proteção a indivíduos que não pagam decorre do fato de que eles foram impedidos de aplicar (privadamente) justiça para sua auto-proteção por implicar risco para a agência dominante.

Assim, as "agências protetoras", oferecem dois tipos de políticas: 1. proteção dos clientes contra a aplicação privada de justiça por outros indivíduos; e 2. proteção contra roubo, assalto, etc. Como resultado do primeiro tipo de política alguns indivíduos ficam impedidos de aplicar justiça privadamente. Isto constitui uma desvantagem a eles imposta pelos clientes da agência protetora central e pela qual devem ser compensados. O segundo tipo de política, é a proteção propriamente dita.

Em resumo, o monopólio de fato cresce por um processo de mão invisível e por meios moralmente permissíveis, portanto, sem violar direitos individuais. A "redistribuição" — o provimento de serviços a quem por eles não paga — por sua vez, decorre do princípio da compensação que requer que os clientes do monopólio de fato paguem pela proteção daqueles que são proibidos de se auto-protegerem. Assim, esta ação "redistributiva" do Estado, longe de ser imoral é moralmente exigida. Com esses argumentos, Nozick pensa superar qualquer objeção moral de cunho anarquista.

O argumento negativo — contrário às teorias de justiça que adotam padrões ou critérios de julgamento do grau de justiça de um dado resultado distributivo — é a base a partir da qual Nozick constrói sua teoria dos "entitlements". Para Nozick, a idéia de justiça não implica a utilização de mecanismos ou critérios de distribuição. Dessa forma, não admite nem a distribuição através de uma agência centralizada, nem a redistribuição com base em algum critério específico. Para este autor, nenhuma pessoa ou grupo "tem direito"13 13 O verbo usado por Nozick é "entitle" que daqui por diante será traduzido como "ter direito". de controlar recursos; o que cada pessoa recebe, recebe de outros em troca de algo. Uma dada distribuição, portanto, é produto de muitas decisões individuais que diferentes indivíduos "têm direito" de tomar.

Nesse ponto, Nozick faz uma distinção que é fundamental para a compreensão do que vai propor como uma distribuição justa. Distingue, de um lado, os "princípios padronizados de justiça" (patterned principles of justice) ou "princípios de resultados ou estados finais" (end-result or end-state principles) e, de outro, os que denomina "principios históricos". Os primeiros são caracterizados como aqueles que especificam uma dimensão segundo a qual uma distribuição deve variar, ou segundo a qual um resultado distributivo deve ser avaliado. Os "princípios históricos", ao contrário, referem-se às origens de uma dada distribuição: são vazios de conteúdo e requerem que se considere como uma determinada distribuição surgiu, e não apenas a distribuição atual. Assim, é necessário perguntar-se se alguém fez alguma coisa de forma que mereça ser punido ou ter uma parcela menor na distribuição.

Uma distribuição, portanto, é justa se decorre de outra distribuição justa alcançada por meios legítimos. Para Nozick, o resultado que surgir de uma situação justa é igualmente justo, independentemente de critérios substantivos. Parece que, em princípio, não há porque discordar dessa afirmativa. Caberia, no entanto, perguntar o que é uma situação justa?

Para caracterizar uma situação como justa, Nozick lança mão dos "princípios de entitlements", segundo os quais:

1. uma pessoa que adquire um bem de acordo com o princípio de justiça na aquisição de bens "tem direito" a esse bem;

2. uma pessoa que adquire um bem de acordo com o princípio de justiça na transferência de bens, "tem direito" a esse bem;

3. ninguém tem direito a um bem, exceto através das aplicações (repetidas) de 1. e2.

Uma distribuição alcançada pela operação desses três princípios é aleatória a qualquer padrão ou critério substantivo. Os princípios "históricos" de entitlements especificam como uma distribuição inicial pode surgir e como distribuições podem ser transformadas em outras distribuições. Dessa forma, o sistema de entitlements dispensa totalmente a utilização de um princípio superior e se torna defensável quando constituído por objetivos individuais de transações individuais. Qualquer padrão de distribuição pode ser revertido pela ação voluntária (individual) ao longo do tempo.

A teoria dos entitlements nega, portanto, qualquer idéia de redistribuição, por violar direitos individuais. O imposto sobre ganhos, por exemplo é visto como equivalente ao trabalho forçado. A aplicação de princípios padronizados ou critérios substantivos de justiça social, segundo Nozick, envolve a apropriação de ações de outras pessoas. Para ele, os indivíduos, enquanto pessoas com direitos individuais e a dignidade que isso implica, são invioláveis e não podem "ser usados como instrumentos, meios ou recursos" (p.333). Nozick resume sua teoria de justiça na seguinte máxima: "De cada um de acordo com a sua escolha, a cada um de acordo com a escolha dos outros"(p. 160).

A justiça fica limitada apenas à retificação de injustiças passadas. Injustiças passadas, no entanto, significam apenas falhas na aplicação de justiça — ou seja, garantia dos contratos e proteção contra roubo e fraude — pela agência protetora central — o Estado mínimo — que só podem ser retificadas no nível individual.

O Estado mínimo, portanto, longe de ser um estado fraco, deve oferecer efetiva proteção, de forma monopolizada, a todos os membros da comunidade política. Esta é a garantia de que a distribuição que daí originar será "justa". A retificação de injustiças passadas, no entanto, pressupõe a existência do Estado mínimo. Se apenas com este existe a garantia de aplicação perfeita de justiça, como avaliar o grau de justiça na aquisição e transferência de bens nos estágios anteriores — no estado de natureza? A historicidade dos "princípios históricos" nozickianos não chega a tanto. Dessa forma, ficamos apenas com os direitos individuais absolutos.

E é com base nessa teoria de direitos individuais absolutos, que Nozick argumenta que só o Estado mínimo nos permite escolher nossa vida e realizar nossos objetivos e concepções de nós mesmos, e desafia: "Que grupo de indivíduos ou Estado ousaria fazer mais? Ou menos?"(p.334)

Walzer e as esferas de justiça

Walzer argumenta que é impossível, e indesejável, a aplicação de um critério único de justiça na sociedade. Refere-se a sua interpretação de justiça como uma teoria da "igualdade complexa". Esta teoria tem por suposto a diferenciação de mecanismos (mercado, welfare state, etc), agentes (famílias, burocracia estatal, etc.) e critérios (mérito, necessidade, amizade, lealdade política, livre troca, decisão democrática, etc.) de justiça distributiva.

As normas distributivas de uma determinada sociedade formam, segundo Walzer, uma pluralidade não ordenada: não há hierarquia no valor relativo de um variedade de bens sociais — por exemplo, dinheiro, poder político, educação, tempo livre, amor. Há um conjunto de "esferas de justiça", cada qual com seu princípio regulativo interno. A justiça, então, requer a autonomia dessas esferas. Ou seja, requer que a posição de uma pessoa com respeito a um bem social — sua posição em uma esfera de justiça — não seja determinada por sua vantagem ou desvantagem em outras esferas, e sim que dependa apenas do princípio apropriado ao bem social em questão.

Esta é a idéia básica subjacente à sua teoria da "igualdade complexa": a de que a distribuição de um bem não pode ser "dominada" pela distribuição de outro; assim os ricos não devem ter tanto poder político, o acesso à educação não deve ser feito com base no status econômico e social, a expertise técnica não deve conferir poder político.

Walzer rejeita a visão igualitária simples que acomodaria todas essas críticas sob um princípio geral tal como: todos os recursos precisam ser igualmente distribuídos a menos que o afastamento da igualdade traga vantagens comuns. Para ele, esse tipo de igualitarismo tem uma presunção muito abstrata em favor da igualdade e não considera a maneira como entendemos bens específicos, distorcendo, assim, as razões reais porque consideramos as distribuições injustas. O que é injusto, por exemplo, sobre o fato de a riqueza determinar poder político em nossa sociedade, é que isso viola o nosso entendimento do poder político — ou seja, o que é poder político e para que ele é bom — e não porque está em conflito com uma presunção geral em favor da distribuição igual de todos os bens. Dessa forma, tendo por base uma concepção "comunitarista" dos fatos e argumentos éticos, Walzer enfatiza a importância, para uma teoria de justiça, das particularidades da "história, da cultura e do 'pertencimento' (membership). Segundo ele:

"A justiça é uma construção humana e é duvidoso que possa ser feita de uma só maneira. (...) As questões colocadas por uma teoria de justiça distributiva admitem uma variedade de respostas e entre essas há lugar para a diversidade cultural e a escolha política. Não é apenas uma questão de implementar algum princípio singular ou conjunto de princípios em diferentes contextos históricos. Ninguém negaria que há uma variedade de implementações moralmente permissíveis. Eu quero argumentar mais que isto: que os princípios de justiça são eles próprios pluralistas na forma; que diferentes bens sociais devem ser distribuídos por diferentes razões, de acordo com diferentes procedimentos, por diferentes agentes; e que todas essas diferenças derivam de uma compreensão diferente dos próprios bens sociais — o inevitável produto do particularismo histórico e cultural" (PP-5-6)14 14 Cohen critica esta interpretação "comunitarista" de Walzer, observando que ele tende a identificar os valores incorporados nas instituições e práticas como os valores dos membros da comunidade. Segundo ele, ao tomar as práticas existentes como evidência da 'consciência coletiva', Walzer ignora as várias fontes de consentimento e reduz o potencial crítico que pretende atribuir à sua teoria (Cohen, mimeo, s/d.). .

Importante para a sua noção de justiça como "igualdade complexa" em oposição à "igualdade simples", é a distinção que Walzer estabelece entre "dominância" e "monopólio" de bens sociais. Um bem é dominante se o indivíduo que o possui, apenas pelo fato de possuí-lo, pode comandar uma série de outros bens. O monopólio de um bem implica que um único homem ou mulher (monarca) ou um grupo (oligarca) mantém com sucesso esse bem contra os seus rivais. Ou seja, enquanto a dominância descreve uma maneira de usar os bens sociais que não é limitada pelos seus significados intrínsecos, o monopólio descreve uma maneira de possuir ou controlar os bens sociais com o objetivo de explorar sua dominância.

Os conflitos distributivos e a investigação filosófica têm tratado o monopólio e não a dominância como se fosse a questão distributiva central. Walzer argumenta que o foco deve ser a redução da dominância e não primordialmente a quebra ou a limitação do monopólio. Para ele, é necessário estreitar as fronteiras dentro das quais bens específicos são conversíveis e postular a autonomia das esferas distributivas. Igualdade é uma "relação complexa de pessoas, mediada pelos bens que fazemos, compartilhamos e dividimos entre nós mesmos; não é uma identidade de possessões. Ela requer então uma diversidade de critérios distributivos que espelham a diversidade de bens sociais" (p. 18). A crítica da dominância, segundo ele, sugerirá maneiras de moldar e de conviver com a complexidade de distribuições existente.

Sendo assim, uma sociedade em que diferentes bens sociais são monopolisticamente detidos, mas em que nenhum bem é convertível de forma generalizada, constituiria um regime de igualdade complexa, em oposição à tirania15 15 ref. Fishkin. . A concepção de igualdade simples16 16 Walzer vê o princípio de diferença rawlsiano como um princípio de igualdade simples (P-16). , ao contrário, requereria intervenção estatal contínua (e conseqüentemente um Estado forte) para quebrar os monopólios incipientes e reprimir novas formas de dominância.

A crítica da dominância e da dominação, portanto, apontariam para um princípio distributivo open-ended: "Nenhum bem X deve ser distribuído aos homens e mulheres que possuem algum bem Y, meramente porque eles possuem Y e sem considerar o sentido de X" (p. 20).

Em resumo, Walzer argumenta que:

1. diferentes esferas devem obedecer a diferentes princípios distributivos;

2. a aplicação de um princípio não deve ultrapassar as fronteiras de uma determinada esfera;

3. o problema não é o monopólio, mas a dominância de um princípio distributivo.

Tendo estabelecido isto, examina cada uma das diferentes "esferas" de justiça a partir dos diferentes bens a serem distribuídos: bem-estar e segurança, dinheiro e mercadoria, emprego, trabalho pesado, tempo livre, educação, parentesco e amor, graça divina, reconhecimento e, finalmente, poder político. Não me deterei na análise por ele feita para cada uma desses esferas. Tratarei apenas de sua análise da "esfera" da segurança e bem-estar, assim como de sua visão em relação ao papel do mercado e da redistribuição, com o objetivo de estabelecer um contraste com a visão de Nozick. A "esfera" política será tratada no final devido ao seu papel mais geral.

A própria idéia de justiça distributiva, na concepção de Walzer, é estritamente ligada ao "mundo" em que ocorre: ou seja, o grupo de pessoas que divide, troca e compartilha bens sociais, fundamentalmente entre elas próprias. Assim, a idéia de 'pertencimento' (membership) tem um papel central na visão walzeriana de justiça. No que diz respeito à segurança e welfare, o 'pertencimento' assume uma importância definidora dessa esfera: a primeira coisa que os membros de uma comunidade devem aos seus pares é a "provisão comunitária" (communal provision) de bem-estar e segurança. Walzer vai mais longe ao afirmar que a comunidade original é a própria esfera da segurança e bem-estar, é um sistema de "provisão comunitária", distorcido pela desigualdade de força e conhecimento (p. 65). Toda comunidade política é, portanto, um welfare state, onde são realizadas provisões gerais (por exemplo, abastecimento de alimentos) e provisões particulares (alimentos para órfãos e viúvas).

Restam, no entanto, para ser resolvido — de diversas formas por diferentes comunidades — o quanto de segurança e bem-estar é necessário? Que tipos de provisões? Como distribuir? E como pagar? Não só a gama de atividades "comunitárias", mas a maneira como as atividades são estruturadas dependem de valores coletivos e de escolhas políticas (pp. 74, 79). Referindo-se à visão de Nozick de que esses aspectos devem ser deixados por conta do esforço individual de cada um, Walzer afirma que os indivíduos irão necessariamente procurar outros indivíduos para que a provisão seja feita coletivamente e que a partir daí um padrão irá emergir.

Qual é então o princípio distributivo apropriado à esfera da segurança e bem-estar? Responder a esta questão implica estabelecer um critério interno à própria esfera. Este critério é o princípio de necessidade. Segundo Walzer, é apenas estreitando a relação entre provisão e necessidade, que podemos livrar o processo distributivo de todos os fatores estranhos (p. 75).

"Esta é a lógica intrínseca, a lógica social e moral da provisão. Um vez que a comunidade assume a provisão de alguns bens necessários, ela precisa provê-los a todos os membros que precisam desses bens, em proporção às suas necessidades" (p. 75)

Com base na especificidade do critério de necessidade e de sua relação intrínseca com esta esfera de justiça, Walzer desenvolve um argumento radicalmente igualitário:

- a distribuição real será limitada pelos recursos disponíveis;

- os recursos disponíveis são o produto passado e presente e não algum excedente da riqueza;

- as necessidades socialmente reconhecidas constituem a primeira demanda sobre o produto;

- não há nenhum excedente real até que estas sejam satisfeitas;

- o que o excedente financia é a produção e a troca de mercadorias fora da esfera da necessidade;

- os homens e mulheres que se apropriam de vastas somas de dinheiro, enquanto necessidades ainda não foram satisfeitas, agem como tiranos, dominando e distorcendo a distribuição de segurança e bem-estar.

A especificidade e a autonomia das diversas esferas de justiça é também a base sobre a qual Walzer sustenta seus argumentos em favor da redistribuição. Walzer observa que o mercado é uma esfera sem fronteiras porque o dinheiro é insidioso e as relações de mercado são expansivas. Assim, uma economia radicalmente "laissez-fairiana" seria equivalente a um estado totalitário: invadiria todas as outras esferas e dominaria todos os outros processos distributivos. Nessas situações, ou seja, quando as distribuições de mercado não podem ser mantidas dentro de seus próprios limites, torna-se necessário buscar formas de redistribuições políticas. Distingue três tipos de redistribuições: (1) redistribuição de poder de mercado: como por exemplo, através do bloqueio de trocas desesperadas, de forma a garantir que os indivíduos não sejam forçados a barganhar sem recursos para a própria subsistência, ou através da ação do Estado no sentido de facilitar a organização sindical, que também serve para melhorar as condições de barganha, uma vez que a barganha coletiva é a forma mais provável de trocas entre iguais. (2) redistribuição monetária, direta, através do sistema de impostos. (3) redistribuição dos direitos de propriedade e de herança, através do estabelecimento de procedimentos para a resolução de conflitos ou para o controle cooperativo dos meios de produção (p.122).

Estas três formas de redistribuição, segundo Walzer, deixam o mercado em si, se não o mercado capitalista, intacto, porém confinado à sua própria esfera ou controlado em suas tendências imperialistas. Elas significam uma redefinição da linha entre a política e a economia, de forma a fortalecer a esfera da política.

No que diz respeito à esfera política, Walzer destaca a soberania, o comando político e o 'authoritative decision making1 1 Para um exemplo, ver Frankena (1962: 14, 17). que se traduzem no poder do Estado. Este, segundo ele, é em si imperialista: seus agentes não policiam as esferas de distribuição mas nelas intervêm, não defendem os significados sociais mas passam por cima deles. Por isto, torna-se necessário limitar ou bloquear usos do poder político, estabelecendo casos em que trocas são bloqueadas, por exemplo, a troca de dinheiro por voto. Nega também o conhecimento, dinheiro, propriedade, etc. como determinantes de poder político. A pergunta "quem deve possuir ou exercer o poder?" tem uma dupla resposta, ambas intrínsecas à esfera política: primeiro, que o poder deve ser exercido por aqueles que sabem melhor como usá-lo e segundo, que ele precisa ser possuído, ou pelo menos controlado, por aqueles que experimentam mais de perto seus efeitos (p.284). A qualificação para exercer o poder, contida na primeira resposta, requer apenas alguma relação especial com um conjunto específico de seres humanos, o que vai determinar a habilidade de resolver questões de destinação e risco que são as matérias primas da política.

Assim, "uma vez que propriedade, expertise, conhecimento religioso, etc. são localizados em seus próprios lugares e estabelecida a autonomia de cada um deles, não há alternativa à democracia na esfera política" (p.398). Guardada a autonomia da esfera política, a democracia é uma decorrência e está estritamente ligada à noção de igualdade complexa. Para mostrar isto, cito Walzer extensamente:

"Os cidadãos precisam se governar. 'Democracia' é o nome desse governo, mas a palavra não descreve apenas um sistema simples; nem democracia é o mesmo que igualdade simples. (...) Democracia é uma maneira de alocar poder e legitimar o seu uso, ou melhor é a maneira política de alocar poder. Qualquer razão extrínseca é rejeitada . O que conta é o argumento entre os cidadãos. A democracia premia o discurso, a persuasão, a habilidade retórica. Idealmente o cidadão que faz o argumento mais persuasivo — o argumento que realmente persuade o maior número de cidadãos — consegue o que quer. Mas ele não pode usar a força, apelar para a hierarquia ou distribuir dinheiro; ele precisa falar sobre os temas em questão. E todos os outros cidadãos precisam falar também, ou pelo menos ter a chance de falar. Não é só a sua inclusividade, porém, que importa para o governo democrático. Os cidadãos vem para o fórum com nada mais que seus argumentos. Todos os bens não-políticos têm que ficar depositados do lado de fora: armas e carteiras, títulos e diplomas" (p. 304).

Falando no final sobre a justiça no século XX, Walzer propõe o que vê como um sistema institucional global justo:

"Os arranjos apropriados em nossa sociedade são aqueles, eu penso, de um socialismo democrático descentralizado (grifo meu); de um forte welfare state administrado, em parte pelo menos, por funcionários locais e amadores; de um mercado circunscrito [à sua esfera própria]; de um serviço público aberto e desmistificado; escolas de públicas independentes; divisão do trabalho pesado e do tempo livre; proteção da vida familiar e religiosa; de um sistema público de honra e desonra livre de qualquer consideração de classe e hierarquia; de um controle das fábricas e companhias pelos trabalhadores; de uma política de partidos, movimentos e debate público" (p.318).

MODELOS DE POLÍTICA SOCIAL

A política social é usualmente definida como o conjunto de atividades ou programas governamentais destinados a remediar falhas do laissez-faire. Traduzindo esta noção, Briggs17 17 Ver Draibe (1988), p.6. define welfare state, como a situação na qual se usa deliberadamente o poder organizado (através da política e da administração) num esforço para modificar o jogo das forças de mercado pelo menos em três direções:

- garantia e manutenção da renda, garantindo aos indivíduos e suas famílias uma renda mínima, independentemente do valor de mercado de seu trabalho e de sua propriedade. Exemplos de políticas: renda mínima, imposto de renda negativo, etc.

- segurança em relação a riscos, restringindo o arco de insegurança, colocando os indivíduos e suas famílias em condições de fazer frente a certas contingências sociais (por ex. doença, velhice, desocupação) que de outra maneira conduziria a crises individuais ou familiares. Exemplos de políticas: benefícios previdenciários, como seguro desemprego, aposentadoria por velhice ou invalidez, etc.

- serviços sociais, assegurando que a todos os cidadãos, sem distinção de status ou classe, sejam oferecidos os padrões mais altos de uma gama de serviços sociais. Exemplos de políticas: serviços de saúde, educação, habitação, etc.

Conforme observa Draibe (1988, p.7), independentemente das orientações teóricas dos analistas, os seguintes aspectos são comuns às diversas definições de welfare state :

- primeiro: "referência à ação estatal na organização e implementação dessas políticas, independentemente do grau em que se efetiva a participação do Estado em cada uma delas (esta variação vai dar origem aos diferentes modelos históricos de intervenção)";

- segundo: "uma certa relação entre o Estado e o mercado, na qual o Estado tende a alterar o livre movimento, assim como os resultados socialmente adversos do segundo";

- terceiro: "a noção de substituição de renda, quando esta é perdida, temporária ou permanentemente, dados os "riscos" normais próprios das economias de mercado" (Draibe, 1988, p.7, grifo meu).

Em um brilhante artigo, Wanderley Guilherme dos Santos critica este tipo de definição — por ser ex-post e semi- tautológica — e mostra a dificuldade, ou mesmo a impossibilidade, de definir política social devido ao seu caráter meta-político. Assim, propõe chamar de política social "toda política que ordene escolhas trágicas segundo um princípio de justiça consistente e coerente". (1986, p. 5). No entanto, a incompatibilidade entre princípios absolutos e a não-tirania, os inevitáveis trade-offs entre diferentes princípios de justiça, a insuficiência de princípios meramente procedimentais ou, inversamente, a necessidade de princípios substantivos, revelam a "trágica condição" da política social: é impossível a escolha de um princípio de justiça consistente e coerente. Dessa forma, a formulação de critérios para avaliar ou desenhar políticas sociais é um "experimento com o imprevisível" (p.24).

Se, por um lado, se observa que a intervenção estatal na área social é um fenômeno comum a todas as sociedades modernas, observa-se, por outro, que esta intervenção assume formas particulares ao longo do tempo e em diferentes contextos. Assim, a distinção de modelos de intervenção do Estado na área social nos permite diferenciar os princípios distributivos que estão na base de cada um desses modelos, os quais, por sua vez, resultam dos valores sociais prevalecentes e do processo histórico ao longo do qual se consolidaram. A necessidade de distinguir modelos de intervenção do Estado na área social ou modelos de welfare state, vem sendo enfatizada recentemente por Esping- Andersen, mas teve como pioneiro Titmus. Com base nas tipologias desenvolvidas por esses dois autores18 18 Titmus, R. Social Policy: An Introduction, Allen & Unwin, 1974; Esping-Andersen, G. "Power and Distributional Regimes". Politics and Society, Vol. 14, no. 2. Uso tradução de Sônia Draibe, pp. 14-15. ,

1. escopo: definido pela extensão da cobertura e natureza do direito

2. natureza do financiamento

3. forma de implementação

4. papel do Estado

5. resultados

pode-se distinguir três modelos de welfare state, representados no quadro abaixo a partir dos seguintes aspectos:

Pode-se identificar em cada um desses modelos o peso de diferentes critérios para a alocação de recursos na implementação das políticas sociais.

O princípio de direito perpassa todos os modelos: a existência de serviços sociais é parte do direito positivo e constitui um componente da cidadania nas sociedades modernas. No entanto, como vimos anteriormente, a fórmula geral de justiça "a cada um de acordo com o que lhe é devido" não tem conteúdo substantivo, deixando em aberto as bases sobre as quais os direitos são atribuídos. Dessa maneira, o direito, apesar de constituir um importante aspecto da noção puramente formal ou procedural de justiça — ou seja, a aplicação imparcial e consistente de regras estabelecidas — pode ter seu conteúdo contestado por considerações de justiça. Dessa forma, uma distribuição que tenha por base o direito é indefinida, pois depende do critério utilizado para a definição dos direitos.

Se se considera apenas o direito positivo — o código de regras socialmente estabelecidas — teremos uma distribuição conservadora, ou seja, que tende a perpetuar o status quo. No entanto, uma vez que o status quo pode ser contestado por considerações de justiça, com base no que Miller chama de direitos ideais, a linguagem do direito passa a requerer a definição de padrões independentes que definam a justiça das leis positivas. A interação entre estas duas noções de direito é geralmente conflitiva. Se uma sociedade justa requer a existência de mecanismos que protejam os direitos socialmente reconhecidos, garantindo a aplicação formal da justiça, o grau de justiça de um sistema legal é também uma questão de argumento — moral e político.

No que diz respeito aos dois princípios substantivos aqui analisados — mérito e necessidade — pode-se identificar uma importante variação no peso assumido por cada um deles nos diferentes modelos. Assim, os modelos residual e conservador fundamentam-se no princípio de mérito, enquanto o princípio de necessidade — entendido além de necessidades básicas — é o principal fundamento do modelo institucional.

A aplicação do princípio de mérito é uma questão de adequar formas de tratamento a qualidades específicas e a ações dos indivíduos. Mérito positivo é a adequação de formas de tratamento a qualidades e ações que são geralmente tidas em alta conta. A distribuição de recursos ou recompensas econômicas (monetárias ou não) de acordo com mérito é geralmente feita com base nos seguintes critérios: contribuição: a recompensa depende do valor da contribuição que o indivíduo faz ao bem estar social; esforço: a recompensa depende do esforço dispendido na sua atividade; compensação: a recompensa depende dos custos em que o indivíduo incorre na sua atividade.

Uma distribuição tendo por base o mérito geralmente produz efeitos desiguais, pois o mérito requer a adequação de formas de tratamento a qualidades ou ações específicas. Se considerarmos, no entanto, a contribuição como base para aferição de mérito, podemos observar que os diferentes modelos de welfare state contemplam este princípio: o seu peso no sistema como um todo é que vai determinar o grau de igualdade dos resultados distributivos.

A distribuição com base no critério de necessidade gera um resultado mais igualitário. No entanto, distribuir de acordo com necessidade requer uma alocação diferenciada de recursos, pois as necessidades são diferentes. A noção de mínimo social estabelecida em sistemas de proteção social está estreitamente ligada à distribuição de acordo com necessidades. Apesar das tentativas de extensão, o princípio de necessidade está relacionado à idéia de necessidades básicas de alimentação, moradia, educação, etc.

Em sistemas específicos de proteção social a implementação desses princípios pode ser conflitante. Nesse sentido, mérito e necessidade são princípios necessariamente conflitantes, enquanto mérito e direito ou necessidade e direito entram em conflito apenas contingentemente. Os sistemas existentes são, em geral, mistos com ênfase maior no mérito ou na necessidade. A importância atribuída a cada um desses princípios varia não só entre sociedades quanto ao longo da história em uma mesma sociedade.

No entanto, existem conflitos e incompatibilidades não só entre diferentes princípios de justiça como também, muitas vezes, uma política pública tem que dar conta de outros princípios que não o de justiça, como por exemplo, o de aumento geral da riqueza, o de interesse público, a de democracia, etc. Aí, mais uma vez, trade offs são inevitáveis. No que diz respeito a sistemas de seguridade social, observa-se que o próprio conceito de cidadania social (universalismo) entra em conflito com distribuições baseadas exclusivamente em mérito ou necessidade. O peso de cada um deles depende, de um lado, de valores, argumento moral e político, e, de outro, de "política". Daí o caráter misto dos sistemas de seguridade: ao mesmo tempo que garantem possibilidade de acesso a todos (como questão de direito) distribuem de forma a dar conta, de um lado, das necessidades, por meio de regras de seletividade e, de outro, do mérito, por meio da manutenção do vínculo entre benefício e contribuição.

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  • 1978. "Justice and Capitalist Production: Marx and Bourgeois Ideology". Canadian Journal of Philosophy, 8.
  • *
    O texto que se segue é uma versão ligeiramente modificada de um relatório apresentado ao CNPq em outubro de 1991, mantendo o mesmo título e o seu caráter preliminar.
  • 1
    Para um exemplo, ver Frankena (1962: 14, 17).
  • 2
    Miller argumenta que todos os princípios geralmente sugeridos podem ser reduzidos a um destes três princípios, ou demonstrar-se que não são princípios genuínos de justiça (1976:25).
  • 3
    Gewirth (mimeo, s.d.), porém, fornece um argumento baseado na necessidade, para justificar os direitos humanos tanto à liberdade como ao bem-estar. Ver especialmente pp. 12-13.
  • 4
    Miller reconhece, porém, a relevância política do uso da linguagem de direitos, mesmo quando, analiticamente, os critérios envolvidos são os de necessidade e de mérito (1976:79-80).
  • 5
    Alguns autores sustentam que o conceito de justiça significa apenas recompensa ao mérito. Argumentam que a distribuição de acordo com necessidade é uma questão de humanitarismo ou benevolência, ou que as considerações de necessidade são uma exigência da justiça apenas na forma de direitos (positivos, segundo a nossa distinção acima); isto é, ela é derivada de um consenso anterior ou de um conjunto estabelecido de regras. A este respeito ver especialmente Lucas (1972) e Campbel (1974). Nozick (1974) também pode ser incluído neste grupo, apesar de afirmar que o "entitlement" é um princípio não padronizado de justiça. Entretanto, a aceitação da necessidade como princípio de justiça tem crescido, como demonstram as teorias igualitárias de justiça.
  • 6
    Esta parte baseia-se no texto de Miller (1976: 103-114).
  • 7
    Em contraposição à idéia de "justiça local" como alocação de recursos escassos por diferentes instituições sociais segundo critérios diferenciados (Elster, 1990).
  • 8
    Não levo em consideração aqui os argumentos que Rawls oferece para a escolha dos dois princípios, bem como para a ordem de prioridade entre eles. Meu objetivo limita-se ao aspecto substantivo da sua concepção de justiça e às conseqüências da aplicação dos princípios de justiça. Uma extensa bibliografia discute o problema da justificação. Entre outras críticas ver Barry (1975: capítulos 7, 8, 9 e 11); Wolf (1977: capítulo IX); Hart (1975).
  • 9
    Théret (1990) observa que interpretado como um princípio de incentivo -- tal como o faz o "rawlsisme a la française" — o princípio de diferença seria compatível com uma sociedade de meritocracia natural. Segundo ele, a segunda parte do princípio (posições abertas a todos e 'fair equality of opportunity') é o que conduz ao igualitarismo democrático.
  • 10
    Pelas mesmas razões expostas na nota 3, está além do meu objetivo investigar se o princípio de diferença está de acordo com uma noção intuitiva de justiça e se abrange princípios de justiça do senso comum. Para uma discussão sobre esse assunto, ver Miller (1976:42-51) e Barry (1967: 38-41).
  • 11
    A teoria dos
    entitlements, ou, como a denomina Fishkin (1979), a teoria dos "direitos absolutos".
  • 12
    Talvez a noção de "direito adquirido por mérito" expresse o sentido da expressão entitlement, mas manterei a expressão em inglês por razões de economia, além de fidelidade.
  • 13
    O verbo usado por Nozick é "entitle" que daqui por diante será traduzido como "ter direito".
  • 14
    Cohen critica esta interpretação "comunitarista" de Walzer, observando que ele tende a identificar os valores incorporados nas instituições e práticas como os valores dos membros da comunidade. Segundo ele, ao tomar as práticas existentes como evidência da 'consciência coletiva', Walzer ignora as várias fontes de consentimento e reduz o potencial crítico que pretende atribuir à sua teoria (Cohen, mimeo, s/d.).
  • 15
    ref. Fishkin.
  • 16
    Walzer vê o princípio de diferença rawlsiano como um princípio de igualdade simples (P-16).
  • 17
    Ver Draibe (1988), p.6.
  • 18
    Titmus, R.
    Social Policy: An Introduction, Allen & Unwin, 1974; Esping-Andersen, G. "Power and Distributional Regimes". Politics and Society, Vol. 14, no. 2. Uso tradução de Sônia Draibe, pp. 14-15.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Nov 2010
    • Data do Fascículo
      1997
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