Open-access COMPREENDENDO O “PUNITIVISMO” DESDE UM ESPAÇO PROFISSIONAL: OS AGENTES DE SEGURANÇA SOCIOEDUCATIVA NO RIO DE JANEIRO

UNDERSTANDING PUNITIVISM FROM A PROFESSIONAL PERSPECTIVE: SOCIO-EDUCATIONAL AGENTS IN YOUTH DETENTION CENTERS OF RIO DE JANEIRO

Resumo:

Este estudo propõe explorar como o pertencimento a um grupo profissional molda a relação de agentes socioeducativos do Rio de Janeiro com a política, influenciado pelos valores e visões de mundo construídos tanto na vida pessoal quanto no trabalho. Este texto analisa o ethos profissional dos agentes, destacando sua valorização do mérito individual e crítica moral de comportamentos considerados negativos. Seu engajamento político se reflete nas suas tomadas de posições sobre adolescentes privados de liberdade e a política socioeducativa. Apesar de uma certa ascensão social, os agentes mantêm laços com suas origens, gerando sentimentos de injustiça e insegurança.

Palavras-chave:  Visões de Mundo; Ethos Profissional; Agentes Socioeducativos; Punitivismo; Privação de Liberdade

Abstract:

The study aims to explore how belonging to a professional group shapes the relationship of socio-educational agents in Rio de Janeiro with politics, influenced by values and worldviews constructed both in personal life and at work. The text analyzes the professional ethos of the agents, highlighting their valorization of individual merit and moral criticism of behaviors considered negative. Their political engagement is reflected in their positions on incarcerated adolescents and socio-educational policy. Despite some social advancement, they maintain ties to their origins, generating feelings of injustice and insecurity.

Keywords:   Worldviews ; Professional Ethos ; Socio-Educational Agents ; Punitivism ; Youth Detention Centers

Em novembro de 2021, visitei uma unidade socioeducativa 1 em regime fechado no Rio de Janeiro, para minha pesquisa de doutorado. Depois de passar pelo alto portão de entrada, cercado por muros encimados por arame, vejo adesivos com a bandeira do Brasil colados nos para-choques traseiros de dois carros, ambos estacionados em frente à unidade. Logo na entrada, atrás da mesa do agente que faz o controle de entrada e saída dos visitantes, está afixada na parede uma pequena bandeira do Brasil, gasta e enrugada. A presença dessa bandeira é uma indicação do sucesso eleitoral do ex-presidente Jair Bolsonaro entre os agentes de segurança socioeducativa 2 nas eleições presidenciais de 2018 e 2022. Nessa pesquisa de campo, pude observar a recepção positiva de grande parte dos meus entrevistados às promessas de ordem e à defesa do mérito individual que caracterizam o discurso bolsonarista (Nunes, 2020 ; Chaguri e Amaral, 2023 ).

Essa observação ecoa uma série de estudos que destacam o crescimento de um “partido policial” (Lima, 2020 ) ou do “policialismo” (Instituto Sou da Paz, 2021 ). Esse termo é usado por Renato Sérgio de Lima para descrever o número crescente de candidatos com origem profissional nas forças de segurança 3 que se candidataram a eleições municipais e legislativas entre 2010 e 2018, a maioria deles à direita 4 . Embora a candidatura de indivíduos oriundos de uma carreira na segurança pública na política partidária não seja um fenômeno tão recente e homogêneo (Berlatto, Codato e Bolognesi, 2016 ), parece estar relacionado com o lugar importante que ocupa o tema da “insegurança” no debate público (Sento-Sé, 2003 ; Zaluar, 2007 ). Na esfera parlamentar ou midiática, estão frequentemente discutidas respostas estatais às ilegalidades mais repressivas, movimento que autores chamam de “punitivismo” (Lemgruber, 2017 ; Budó e Cappi, 2018 ) e que é principalmente impulsionado pelas plataformas de direitas radicais. Sobre a questão da juventude que comete atos infracionais, os chamados “menores infratores”, o debate gira em torno de maior responsabilização dos seus atos por meio de reformas do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (Gisi, Chies-Santos e César, 2021 ) e pela promoção – e votação, em 2015, na Câmara dos Deputados – da redução da maioridade penal, que ocupa um lugar importante nessas agendas políticas e midiáticas (Dias, Budó, Silva, 2018 ). Em paralelo, vale destacar as intervenções notáveis de profissionais da segurança pública e suas tomadas de posições políticas, tais como membros das Forças Armadas (Goirand, 2021 ). Ramos e Paiva ( 2009 ) observam o aumento, a partir de 2007, da criação de blogs de policiais, espaço percebido como “um meio de expressão política”. Esse conjunto de pesquisas apontam para a politização das forças de segurança pública do Brasil, à direita, e nos dão pistas de reflexão sobre as relações entre setor profissional e preferências partidárias.

Se olharmos para os trabalhos clássicos da ciência política francesa e norte-americana, a relação entre o pertencimento a uma determinada posição social e o voto é invariável. Estar embaixo da estrutura social indica uma inclinação para votar à esquerda, como os operários do século XX, ao passo que pertencer às classes altas tende a levar as pessoas a votar à direita (Lazarsfeld, 1948 ; Michelat e Simon, 1977 ). Estudos mais recentes mostram que uma análise das posições sociais, baseada nas categorias socioprofissionais e no setor de emprego, revela opiniões mais diversas nas classes populares (Hugrée, Penissat e Spire, 2015 ). No que diz respeito ao voto no Brasil, há menos consenso na literatura sobre a relação entre a variável socioeconômica e a votação (Peixoto e Rennó, 2011 ; Hunter e Power, 2019 ; Rennó, 2020 ). Especialmente para a base eleitoral estável de Jair Bolsonaro, na qual variáveis ideológicas parecem predominar sobre disparidades de idade, renda, educação e ocupação (Chaguri e Amaral, 2023 ) 5 . Mas mesmo quando a questão da variável categoria socioprofissional é levantada para melhor compreender o voto, ela é feita usualmente em termos de correlação. A profissão é utilizada como um indicador para compreender o lugar dos eleitores no espaço social e os efeitos que tem sobre as opiniões políticas. Por outro lado, sabe-se menos sobre o conteúdo do trabalho e o seu papel na forma como as pessoas veem o mundo e a política (Beaumont, 2021 ), apesar de algumas pesquisas recentes nesse campo (Pudal, 2011 ; Beaumont, Chalier e Lejeune, 2018 ).

É essa relação que pretendo explorar aqui. Como o pertencimento a um grupo profissional contribui para a construção de uma relação com a política, no seu sentido mais expandido, ou seja, “enquanto sentido moral, derivado da prática, ligado a um universo de referência e dependente das posições e aspirações dos indivíduos” (Beaumont, Challier e Lejeune, 2018 , p.18)? A hipótese aqui levantada é que as trajetórias de voto dos agentes respondem a afetos, ligados a valores e visões de mundo construídas ao longo das suas vidas, e também no trabalho. O trabalho é visto aqui como um universo profissional que constitui um universo de referência, através de um processo de socialização profissional e da criação de um ethos profissional. É também visto como um espaço que estabelece posições tanto no local de trabalho como na sociedade. No caso presente, esses valores foram encarnados pela figura de Jair Bolsonaro, mas não se trata de presumir que esses valores se traduzam mecanicamente em voto nas direitas radicais.

Para relacionar a questão do trabalho à construção de visões de mundo, podemos recorrer à literatura sobre a socialização profissional, tal como Amélie Beaumont ( 2021 ) apontou. Observar a forma como o trabalho é realizado pelos profissionais nos permite ver, por meio deles, o que a instituição está fazendo. Por exemplo, como os “pequenos” funcionários dos serviços de imigração das prefeituras tratam os processos dos requerentes de asilo e o que isso revela sobre a política de imigração francesa (Spire, 2007 )? Isso nos permite compreender como os profissionais desempenham o papel que a instituição lhes pede que assumam, o que pode consistir em “atravessar o espelho”, ou seja, adotar um esquema de percepção específico da profissão adquirido através da aprendizagem da profissão (Hugues, 1996 ). A noção de socialização profissional pressupõe que o exercício de uma profissão “agarra” seus agentes e constrói um ethos profissional, que é o reflexo de normas e modos de comportamento interiorizados.

Os estudos sobre a socialização institucional tendem a centrar-se no público: os alunos nas escolas, os reclusos nas prisões. Como os agentes da instituição socializam o público? Esse processo está profundamente ligado ao lugar que a instituição ocupa na ordem social, o que determinará os seus objetivos oficiais e não oficiais. Por exemplo, as Missions pour l’emploi des jeunes (Missões para o emprego dos jovens na França), órgãos públicos que têm o objetivo de orientar jovens pouco qualificados para sair do desemprego, têm tanto relação com ajudar os jovens a encontrar trabalho quanto com ensinar-lhes a se comportarem de acordo com as normas esperadas em termos de vestuário, linguagem e gestão do tempo (Zunigo, 2008 ). Se uma instituição produz representações para os seus públicos, é possível levantar a hipótese de que começa por “agarrar”, ou seja, converter os seus próprios agentes. Porém, cabe aqui dar uma precisão importante. Se as visões de mundo dos agentes são bastante homogêneas, salvo algumas exceções, não são as únicas que circulam dentro desse universo profissional. Educadores, assistentes sociais e psicólogos, por exemplo, costumam posicionar-se à esquerda do espectro político e isso cria tensões entre os profissionais (Cadorel, 2022 ). A instituição socioeducativa não agarra, portanto, todos os seus agentes da mesma forma.

Partindo dessas questões, iniciarei primeiro uma discussão sobre a maneira pela qual as unidades socioeducativas podem ser entendidas como espaços de socialização, que produzem representações e princípios de visão de mundo. Para entender isso, cabe olhar para a posição simbólica e prática que os agentes ocupam dentro das hierarquias e a sua relação com outros profissionais. Em seguida, centrarei a minha análise na forma como os agentes se apropriam do seu papel dentro da instituição, a sua relação com os adolescentes que estão sob sua guarda, tentando traçar vínculos com as visões de mundo subjacentes e os temas e argumentos das agendas conservadoras propulsadas pelas plataformas de direitas radicais.

Este artigo baseia-se em duas pesquisas de campo, realizadas entre os anos de 2021 e 2022 6 . Em 2021, tive acesso a uma unidade de internação que atende adolescentes do gênero masculino, onde tive uma grande liberdade em termos de horários e movimentos 7 . Em 2022, tive acesso à mesma unidade além de duas outras, incluindo uma que atende adolescentes do gênero feminino. Nesse momento, minha liberdade foi mais limitada 8 . A pesquisa teve caráter etnográfico, o que possibilita a interpretação de um grande número de conversas informais realizadas com os agentes enquanto descansam, almoçam ou realizam o seu trabalho, escritas no meu diário de campo depois do dia de pesquisa, da maneira mais fiel possível. Neste artigo, é principalmente o material etnográfico que permite ter uma boa perspectiva das suas relações com a política, dadas as dificuldades para recolher esse tipo de relato num quadro mais formal, como durante uma entrevista (Pudal, 2011 ). Elementos sobre concepção do trabalho e trajetória individual foram abordados durante entrevistas semiestruturadas com 34 agentes. Nessa linha, parece importante trazer algumas aclarações sobre esse assunto assim como sobre minha abordagem e, em particular, o que entendo por “visões de mundo”.

Conversas políticas, tomadas de posições conservadoras, relações políticas e visões de mundo

À hora do almoço, durante o descanso ou durante os longos períodos de espera que caracterizam o trabalho, as discussões políticas são comuns entre os agentes. Dois exemplos dessas interações permitem traçar duas linhas de análise sobre a relação ordinária dos agentes com a política e sobre o seu posicionamento no eixo direita-esquerda. Rodrigo 9 , coordenador do plantão, começa a conversar sobre o sistema partidário no Brasil. Depois de mencionar os programas dos partidos de acordo com o seu posicionamento no eixo esquerda-direita, a conversa adota um tom revisionista, minorando o balanço repressivo do regime militar:

Sabemos direto quando são políticas de direita ou de esquerda. É muito polarizado aqui no Brasil. À direita, têm cortes orçamentais, liberalismo e políticas mais repressivas. Quando falamos de direitos LGBT, é à esquerda. Também porque os políticos de esquerda não trabalham com os outros. Eles ficam no seu (Rodrigo).

Eles não querem defender os negros, os pobres e tudo mais. Desde que estão no poder, só querem ganhar dinheiro. É a mesma coisa com todos os políticos. Ir num bom restaurante, viver numa mansão […] (Maurício).

Concordo contigo. Concordo com tudo que você falou. O que aconteceu foi que a esquerda chegou ao poder. Queriam reduzir as desigualdades entre os ricos e os pobres. Está certo? Sim, está certo. Muitas pessoas saíram da pobreza, conseguiram comprar um carro e se beneficiariam de um monte de benefícios sociais: Bolsa Família, Fies, Minha Casa Minha Vida. O meu irmão foi para a universidade graças ao Fies. Todo mundo se tornou um pouco classe média. Está certo? Sim, está certo. Mas isso era outra época. Agora estamos em outra época. Não dá para voltar, e ponto. Há um monte de gente que chegou à universidade por causa disso. O Brasil é um país de esquerda. Toda a galera da universidade é de esquerda, mas não sabe muito bem porquê. São de esquerda por natureza. E são pessoas com tanto conhecimento, podemos escuta-los horas e horas. Saem para a rua e dizem: vai voltar a ditadura, a ditadura! Mas, em sério, o que que houve, 40, 50 mortes no Brasil. No máximo. Não é como o Chile. Não era uma ditadura. Mas a questão é que já foi, já era. A democracia também tem que acabar (Rodrigo).

Se a democracia acabar, o que que vai ter depois? (Intervenção minha no depoimento).

No Brasil, tenha o regime militar. Puseram o país de pé e, depois de um tempo, devolveram o poder ao Congresso (Rodrigo).

[Há já algum tempo que um agente sentado na mesa entoa sardonicamente “Cuba, Venezuela, China”].

Dois dias depois, uma troca de ideias entre outro supervisor, Rômulo, e o coordenador de formação na parte operacional, Márcio, passa do conteúdo do ensino à antecipação das medidas que poderiam ser tomadas pelo governador do Estado do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, sobre um assunto muito presente nesse grupo profissional: o porte de armas letais e não letais. Rômulo, ex-agente do Grupamento de Ações Rápidas (GAR), grupo especializado que intervém em casos de distúrbios 10 , questiona Márcio, responsável pela parte operacional da formação contínua dos agentes:

Muito obrigado pela formação. Mas eu queria participar, é uma pena que não foi aberto para tudo mundo [só está disponível para grupos especializados em intervenções]. O curso de armamento, carga e descarga, tomar cuidado da arma […]. E outros agentes também tem interesse em participar (Rômulo).

Concordo, vamos tentar fazer isso no futuro. Até porque um agente que faz treinamento se torna um multiplicador. Mas com o Ministério Público sempre está em cima da gente, tá difícil (Márcio).

No ano que vem, vão autorizar tudo. Porque o [Claudio] Castro vai pensar nas eleições (Rômulo).

Mas não teve um ato de inconstitucionalidade, pelo porte de armas? (Intervenção minha no depoimento).

Não, a gente está falando armas não letais. Armas com balas de borracha (Márcio).

É uma loucura que isso não seja permitido aqui. Em Minas pode, e ninguém fala nada. Em Santa Catarina também. E o Rio é mais perigoso (Márcio).

Eu sou formado em direito, mas tenho vergonha de falar isso. É por isso que eu não quero exercer a profissão. Porque são todos uns esquerdistas de merda. São eles que decidem essas coisas. Só tem esquerdistas lá (Anderson).

Diariamente, nesses espaços, os agentes falam de política. Numa parte da primeira conversa, os agentes dão a sua opinião utilizando categorias relativas às clivagens partidárias e ao regime político. Concordando ou discordando com as afirmações ali expressas, se seguirmos os estudos que usam a noção de competência política, que “pode ser medida pelo conhecimento e reconhecimento de produtos políticos específicos (indivíduos, marcas partidárias, funções, etc.)” (Buton, 2016 ), eles demonstram uma certa competência. A constatação, amplamente compartilhada, de que a relação clássica das classes populares com a política é marcada por formas de incompetência (Gaxie, 2002 ) ou “apatia” (Eliasoph, 2010 ) só funciona para os comentários de Maurício, que se distancia dos “políticos”, “todos iguais”, que instrumentalizam o poder para obter benefícios materiais. Por outro lado, a segunda conversa também mostra que a relação com a política é expressa num sentido mais “prático”. É a sua “experiência social” (Gaxie, 2002 ) que lhe permite avaliar os objetos políticos e o comportamento político dos seus “adversários”, a esquerda, encarnada pelos “advogados”, que estariam atrás da suspensão do porte de armas – letais e não letais, no caso do Rio de Janeiro - com base nos seus efeitos concretos no trabalho. É por isso que não me parece adequada a visão da relação das classes trabalhadoras com a política baseada no sentido de (in)competência política. Demasiado restrita, apenas capta uma dimensão da relação com a política, o que explica a escolha do termo “visões de mundo” (Beaumont, Challier e Lejeune, 2018 , p. 18) 11 .

No dia a dia, os agentes também demonstram uma tendência a votar à direita e, nesse contexto, a apoiar o movimento de direita radical encarnado por Jair Bolsonaro. Mas em vez de tomadas de posições de direita, prefiro falar de posições conservadoras, que estão ligadas ao punitivismo, já que se referem à adesão a valores conservadores em termos de ordem (moral, social e securitário) (Quadros e Madeira, 2018 ). Vários agentes contaram que votaram em Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), no início dos anos 2000, seja com um tom de confiança um pouco envergonhada, seja com um tom de decepção tingida de raiva, o que mostra que o voto à direita não é um processo mecânico. O objetivo é então compreender as “visões de mundo” que estão ligadas a essa escolha eleitoral num contexto de ascensão das direitas radicais, sem afirmar que elas se refletem mecanicamente no voto 12 . Como se constrói ao longo da vida uma predisposição para votar na direita conservadora e em que medida ela está ligada à socialização dos agentes no trabalho?

Para pensarmos isso, é preciso adentrar no cotidiano dos agentes e na fábrica do seu ethos profissional. Ora, como veremos, esse ethos tem muito a ver com o lugar que ocupam dentro da instituição socioeducativa, o qual não corresponde com as aspirações deles. Isso permite explorar a relação entre suas posições nas hierarquias e a sua percepção da posição que ocupam no espaço social, a qual influi sobre o seu sentimento de legitimidade.

Educar e punir

A missão oficial das medidas de privação de liberdade é ressocializar os adolescentes (Brasil, 1990 ; 2012 ). Mas se esse corpo de leis exclui os jovens do direito penal, a noção de responsabilidade não está ausente, esbatendo as fronteiras entre punição e educação (Rodrigues, 2017 ; Ferraz, 2018 ).

Na prática, nem todos os profissionais que trabalham na instituição participam com a mesma intensidade das tarefas que concretizam o caráter socioeducativo da medida de privação de liberdade, como as atividades culturais, desportivas e educativas. Existe uma divisão impermeável de competências e funções entre os profissionais, cabendo aos agentes um papel essencialmente logístico e de segurança. Apesar da função educacional que foi dada formalmente aos agentes depois da promulgação do ECA e sua implementação no Estado do Rio de Janeiro em 1993 13 , esse aspecto do trabalho não transpassa no cotidiano do trabalho. Num contexto de muita precariedade, quando entram na função, encontram-se incentivados a assumir esses objetivos contraditórios, adotando um papel que tenda a ser mais repressivo, ou seja, a “lidar ‘tecnicamente’ com o que não foi decidido politicamente” (Dubois, 2010 , p.12). Como isso se reflete na organização do trabalho e no processo de socialização profissional, e em que medida participa da construção das visões de mundo dos agentes? A hipótese aqui levantada é a de que essas dissonâncias podem ser um fator de construção das visões de mundo conservadoras.

Os agentes na organização do trabalho: vigiar, movimentar, controlar

Desde o último concurso, realizado em 2011, uma formação inicial de 45 dias se tornou obrigatória para os servidores da instituição, antes de assumir o cargo. De acordo com Luiz, concursado dessa época: “[nessa capacitação] estudamos a fundo o Sinase e o ECA”. Para ele, assim como para muitos outros, há uma forte disjunção entre as prescrições oficiais e a prática, o que não deixa de ser um “choque”, ao começar o trabalho no cargo, diante da precariedade das instalações e da sensação de ameaça à própria integridade física 14 . Segundo o agente de quarenta anos, que tentou o concurso por medo de ficar desempregado, essa formação “representou um enorme desperdício de dinheiro [para o Estado], [uma vez que] não faz sentido ensinar uma realidade que não existe”. A “realidade ensinada” a qual Luiz se refere aqui diz respeito ao atendimento institucional dentro do marco da socioeducação para os jovens aos quais se atribui a prática de atos infracionais, considerados vulneráveis por suas propriedades sociais e raciais, que está longe de corresponder ao outro lado da realidade: aquele que faz deles “bandidos”, segundo Luiz.

A organização do seu trabalho lhes deixa poucas oportunidades de participar em tarefas pensadas como socioeducativas. É comum ouvir dizer que o trabalho de um agente consiste em “abrir e fechar cadeados”. Essa expressão se refere à maior parte do seu trabalho, que consiste em tirar os adolescentes dos seus alojamentos para acompanhá-los a uma atividade (escola, curso profissionalizante, etc.) e depois devolvê-los para os alojamentos. Essa rotina, com a sobreposição de diferentes atividades, pode ser bastante exigente para os agentes, para quem a maior parte do trabalho consiste no acompanhamento dos deslocamentos dos adolescentes para as atividades, vigiá-los e nas revistas corporais.

São os agentes que permitem às unidades socioeducativas funcionar, tal como o óleo de um motor: fazem a ligação entre as diferentes engrenagens da instituição, cada engrenagem sendo representada por uma categoria de profissionais (assistentes sociais, psicólogos, enfermeiros, adolescentes, etc.). Por exemplo, são os agentes que servem de ligação entre o corpo técnico e os adolescentes. Entretanto, essa organização não é neutra. A instituição atribui aos agentes uma posição de executor na hierarquia interna, seja em relação aos outros profissionais da instituição, seja em relação aos adolescentes: chamam os adolescentes quando o corpo técnico faz a demanda, solicitam os serviços da enfermeira quando os adolescentes fazem a demanda. Essa posição não parece ser a mais legítima dentro da instituição, já que só participam nas atividades socioeducativas de forma periférica. Por exemplo, assistem às atividades e estão de plantão durante as aulas, mas numa posição de observação.

A colocação nesse papel tem um efeito na relação que tem consigo mesmo e com os outros. De fato, podemos dizer que é o inverso em relação ao que esperam: encontram-se “a serviço” dos adolescentes e “a serviço” das mulheres que compõem as equipes técnicas. Essa dimensão inverte o valor atribuído ao trabalho em função do gênero (Kergoat, 2005 ). Em outras palavras, coloca os agentes numa posição subalterna dentro dos muros, enquanto fora dos muros as profissões associadas ao gênero feminino tendem a ser desvalorizadas em relação às profissões “masculinas”. O fato de cumprir as demandas dos “vagabundos”, para usar o termo frequentemente utilizado para designar os adolescentes, também não é evidente se pensarmos que o acesso a uma forma de estabilidade profissional foi duramente conquistado, conforme veremos mais adiante.

Jogos de (des)valorizações: os agentes frente aos outros

A impressão de não ocupar um lugar suficientemente reconhecido dentro da instituição é exacerbado pelos intensos horários de trabalho aos quais os agentes estão submetidos. O sistema socioeducativo deve funcionar dia e noite, em regime de plantão. Um dia de trabalho típico de um agente começa às 7 horas da manhã e termina às 7 horas da manhã seguinte, com três dias de folga após um turno de 24 horas. Mas o salário, que consideram insuficiente para sustentar as suas famílias 15 , os leva muitas vezes a aceitar um dia de trabalho suplementar por semana (12 horas), chamado de Regime Adicional de Serviço (RAS), ou a “pegar o plantão” de colegas concursados que preferem trabalhar em outro emprego 16 .

O fato de serem os únicos presentes nas unidades à noite os leva muitas vezes a afirmar que são os únicos que conhecem realmente os adolescentes, como se, durante o dia, os jovens fingissem ser esses jovens vulneráveis que precisam da intervenção do Estado para mudar o seu destino. Para os agentes, essa fachada é coproduzida pelos jovens que se apresentam como seres vulneráveis durante o dia e se “revelariam” à noite, e também pelos funcionários da instituição que participam da socioeducação em ação. É o que diz Luiz, quando argumenta que as reformas apenas visam destacar uma correspondência entre os padrões socioeducativos e a realidade do sistema socioeducativo, sem que haja verdadeiramente mudanças na prática:

Os cursos [profissionalizantes] são caros [para o Estado] e não são úteis. Os professores que vêm aqui só ensinam aqui porque estão cumprindo uma pena, cumprem o seu serviço comunitário. Um deles deu seu telefone a um interno. […] O Estado se comprometeu com o Ministério Público a construir outras unidades, mas isso nunca acontece. Dividem uma unidade e dizem que agora têm duas unidades . (Luiz).

O fato de estabelecimentos serem divididos em dois remete ao Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre o Executivo e o Ministério Público em 2006, e repactuado em 2021, que prevê a construção de cerca de dez unidades socioeducativas no estado todo. As atividades socioeducativas também são apresentadas como uma fachada, como o curso profissionalizante mencionado por Luiz, que só seria assumido por esse professor por causa de obrigações penais pendentes.

Isso não parece alheio à força do imaginário coletivo sobre o corpus normativo que legitima as atividades e medidas ditas “socioeducativas” dentro do corpo profissional dos agentes. Na literatura científica (Marinho e Vargas, 2015 ; Cifali, Chies-Santos e Alvarez, 2020 ), o corpus normativo mencionado é fortemente associado aos movimentos sociais que acompanharam o fim do regime militar. Essa assertiva é compartilhada pelos reformadores dentro do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase), o órgão que executa as medidas socioeducativas de privação e restrição de liberdade no Rio de Janeiro, que atribuem um caráter progressista à socioeducação. Para os servidores e coordenadores dos departamentos de segurança, o corpo profissional dos setores de educação, psicologia e serviço social, bem como os responsáveis pela formação inicial dos profissionais são responsáveis pela implementação de políticas de cunho socioeducativo e são, portanto, politizados à esquerda.

Esse tipo de argumento costuma ser apresentado a partir da mesma lógica pelos atores das plataformas das direitas conservadoras ao mobilizarem o tema da promoção da segurança pública por meio do respeito aos direitos humanos e a cidadania, ou no campo da justiça juvenil, as demandas pela manutenção da parte garantista e protetora da legislação infantojuvenil (Quadros e Madeira, 2018 ). Por exemplo, o deputado federal Alberto Fraga, quando presidia a Bancada da Bala, chamou de “colocação distorcida” e de “farsa” pelos “falsos defensores de direitos humanos”, num PL sobre redução da maioridade penal (Quadros e Madeira, 2018 ).

Além disso, deslegitimar as atividades que fazem parte das missões valorizadas pela instituição, bem como os profissionais que as representam, permite valorizar o seu próprio trabalho, que é definido a partir de um paradigma securitário. Para os agentes, enquanto os profissionais que trabalham durante o dia nas unidades socioeducativas fazem todos parte dessa fachada, instituída pelo Estado, trabalhando de acordo com os princípios da socioeducação, os agentes fariam o “verdadeiro” trabalho, que corresponde à “verdadeira” missão da instituição: manter os adolescentes na instituição, fora da sociedade. Eles, ao contrário dos outros, não se deixam enganar.

A valorização do trabalho através da segurança permite-lhes ganhar uma margem de liberdade no que tange à rotina da instituição. O fato de não existirem agentes suficientes para assegurar a circulação e o acompanhamento dos adolescentes pode, às vezes, ser utilizado para adiar ou mesmo cancelar uma atividade. Essa maior margem de manobra é o que contrabalança a sua posição de executores na instituição e, portanto, de certa forma, as relações de poder invertidas no interior dos muros. É também o que lhes permite distanciarem-se um pouco do engajamento corporal e temporal ao qual estão submetidos no trabalho do dia a dia, relacionado aos horários e ao exercício da função. O ethos profissional dos agentes é construído a partir dessa posição de subalternidade, que eles procuram inverter.

Mas, apesar dessas estratégias, tornar-se agente numa unidade socioeducativa do Rio de Janeiro implica engajar o corpo com o trabalho, por meio dos horários de trabalho exigentes, das condições de trabalho precárias e das normas profissionais em vigor.

Socializar pela precariedade e pela violência: “tudo é uma questão de postura”

Os agentes que entraram na função nos concursos de 1994, 1998 ou 2012 encararam unidades superlotadas, com efetivos reduzidos. São inúmeros os relatos de casos em que foi necessário tomar conta de 300, 400 ou 500 jovens com menos de dez agentes. Ora, conforme a lei do Sinase, as unidades deveriam ter uma capacidade máxima para 40 adolescentes, respeitando uma relação numérica de um agente para cinco adolescentes no máximo (Brasil, 2006 ).

Embora seja relativamente consensual que as condições de privação de liberdade dos adolescentes tenham melhorado ao longo do tempo, elas continuam a ser precárias. E, em todo caso, essas condições criaram um choque à chegada dos agentes, independentemente de terem ou não formação em socioeducação. Alberto, que está no cargo desde 1998, conta que o que o impressionou no início foi “o barulho e o cheiro. Sentia-se o cheiro do Degase desde a parada de ônibus [a mais de 400 metros do seu local de trabalho]”. Mas se há uma categoria profissional que trabalha em estreita proximidade com os jovens internos e, portanto, nos alojamentos, cuja precariedade contrasta com as salas climatizadas onde são realizados os cursos profissionalizantes, é a categoria dos agentes. E, para os agentes que chegaram a partir de 2011, data do último concurso público, é um verdadeiro desafio, na medida em que o choque parece ainda maior depois de uma formação inicial que sublinhava a humanização da privação de liberdade e a necessidade de ressocializar os adolescentes num viés educacional.

O relato de Luiz sobre a sua chegada no Degase em 2013 é particularmente esclarecedor nessa matéria. Ele também mostra como se aprende o trabalho de agente, pela prática e pela imitação dos modos de fazer dos “antigos”:

E eu vi coisas que eu achava […] até […] apavorantes. Já caí na pior unidade possível, que já carrega o nome, que antigamente era Padre Severino, onde tem rebeliões, mortes, motins. […] Aquilo já foi uma coisa muito marcante para mim, eu já ter caído na pior unidade do sistema. E ainda no primeiro dia de trabalho, já havia coisas assim que eram completamente, assim, fora do contexto do que eu aprendi no curso de formação. […] O lidar dos agentes com os adolescentes era completamente diferente. Uma […] um excesso, um excesso mesmo, como posso te dizer, de […] de rigor, para o adolescente que já transcende a questão da disciplina. Eram coisas assim […] absurdas, que para fazer qualquer […] na verdade para você doutrinar o adolescente a acatar a suas ordens. Exemplo […] tem que andar em cima da linha com a mão para trás, tudo bem, a questão da mão para trás é para evitar que ele dê algum golpe, mas andar em cima da linha, tem que andar sem poder sair em cima da linha. […] Então, éramos orientados para falar com adolescentes com a voz mais áspera possível. De que assim que o adolescente acabasse de comer, era para ele colocar uma mão para trás, a outra na mesa, apoiar a cabeça no braço. Ele não podia levantar de cabeça em hipótese alguma […]. E para que se garantisse que todos os adolescentes não levantassem a cabeça, nos éramos instruídos a andar em cima da mesa, desmeando nos pratos deles. Eles comiam, e eu passava uma bota no meio dos pratos, entre os pratos deles. Para que, se algum adolescente, por acaso, pensasse em levantar a cabeça, estava ali com meu pé, para fazer com que a cabeça dele ficasse abaixo (Luiz).

Essa citação difícil mostra que a profissão de agente não se aprende verdadeiramente por meio da formação, mas por meio da prática, com os seus pares, que transmitem os comportamentos que devem ser adotados. Nesse sentido, aprender a ser agente significa apreender os códigos de conduta, mas também envolver, engajar o corpo na ação. Esse ponto encontra eco na forma como os agentes falam do seu trabalho e das competências que precisam adquirir para realizá-lo. Para eles, o imprescindível repousa na “postura”, ou seja, uma forma específica de estar, de se comportar, e de se relacionar com o adolescente, que se baseia na “dimensão preventiva da imposição do medo”, como muito bem relata Juliana Vinuto (p.70, 2019 ). Essa “postura” envolve a aprendizagem e a reprodução de práticas corporais, linguísticas e relacionais, da qual o pedaço da entrevista sobrescrita anteriormente dá uma ideia: marcar a dominação, posicionando o corpo no alto (ou à distância, como no caso de deslocamentos coletivos dos adolescentes) em relação ao dos jovens, falar alto, em tom áspero, para marcar a autoridade, e práticas relacionais, para interagir marcando a distância. Nesse sentido, há uma coerência entre as predisposições masculinas dos agentes e as formas de inculcação do trabalho, que passam pela inculcação de modos de ser viris. Essa socialização profissional baseia-se, portanto, em disposições adquiridas durante um processo de socialização anterior. Parece, portanto, apropriado falar de um processo de socialização contínuo. Essa socialização através do corpo tem efeitos fora dos muros da prisão, conforme veremos mais adiante.

Em segundo lugar, é possível dizer que eles não são “apenas” socializados através de seus corpos, mas que esse modo de socialização pela violência permite que eles subvertam, protegidos dos olhares exteriores, as hierarquias estabelecidas por meio da organização do trabalho dentro da política da socioeducação. O exemplo das refeições é significativo: trata-se de um momento em que os agentes garantem o direito à alimentação dos adolescentes. Sem apoio de um terceiro para servir as refeições, que são entregues por prestadores de serviços que deixam as caixas de alimentos na entrada da unidade, eles próprios vão distribuindo as “quentinhas” de alumínio, a menos que seja atribuída essa tarefa a alguns adolescentes selecionados. Além disso, reafirmar a dimensão penal e de segurança dessa instituição de privação de liberdade permite também reafirmar a sua posição fora da instituição.

Ao esboçar alguns traços salientes da organização do trabalho e do lugar que os agentes ocupam, bem como a forma como se apropriam do seu papel, é possível delinear algumas hipóteses sobre a relação entre a socialização profissional e as suas visões de mundo. A posição de subordinação que os agentes ocupam oficial e simbolicamente na instituição, que os comportamentos e comentários dos guardas procuram inverter, faz parte da construção de um ethos profissional. Esse ethos remete a comportamentos construídos a partir de um conjunto de valores morais e de uma relação com a política coerente com sua escolha eleitoral durante as eleições presidenciais de 2018 e 2022. Essa concordância pode ser identificada em três aspectos: a relação com o mérito individual, com as políticas favoráveis às “minorias” ou a grupos vulneráveis e com a ordem moral e securitária.

Distanciar-se dos “bandidos”: valorizar o mérito individual, condenar moralmente

A defesa de uma ordem desigual baseada no mérito: bandidos, vagabundos e gente do bem

Para os agentes, a entrada na instituição socioeducativa representa o meio de ter acesso à estabilidade de um emprego na função pública, especialmente após uma trajetória profissional caracterizada por empregos subalternos e instáveis. Ao tornarem-se funcionários públicos, acessam uma condição relativamente protetora e a bens e atividades de lazer de difícil acesso para a classe trabalhadora: comprar um carro, ou mesmo uma casa, sair de férias, muitas vezes parcelando os gastos. Mas as dificuldades para a aquisição de uma casa os conduzem a morar em bairros determinados, perto de pessoas que se encontram abaixo na escala social, em áreas periféricas qualificadas como perigosas, o que produz um forte sentimento de insegurança, ou mesmo de injustiça, associado a um sentimento de desvalorização. Rodolfo, agente há mais de 20 anos, fala nesses termos da sua percepção da degradação das condições de vida e do aumento da criminalidade, que coincidiu com a diminuição relativa do seu salário, pouco revalorizado:

A justiça não faz nada. Todos os bandidos estão soltos. Antes, perto da minha casa, era supertranquilo. Eu sempre ia no pagode perto de casa, que fechou porque os bandidos vieram e roubaram todo mundo. Os bandidos e os assassinos estão fora e o Judiciário não faz nada (Rodolfo).

A sua percepção do aumento da criminalidade e do laxismo da justiça remite ao aparente paradoxo, segundo o qual o período de pós-democratização foi acompanhado pelo crescimento do “crime e da violência”, tanto se olharmos nas taxas de homicídios quanto ao aumento do medo a violência (Adorno, 1999 ), que participou de maiores demandas de justiça, muitas vezes percebidas como insuficientes (Sadek, 2004 ).

As suas demandas por mais justiça se articulam à visão que os agentes têm da chamada “delinquência juvenil”, ou da “bandidagem”. Frustrados pelo exercício de uma profissão socialmente reprovada 17 e não reconhecida o suficiente, seja em termos de legitimidade ou de salário, por exemplo em contraste com os agentes penitenciários, agora denominados policiais penais, aliada aos riscos inerentes ao trabalho, os agentes costumam explicar a delinquência em termos de responsabilidade individual. Durante um curso de direitos humanos ministrado por membros da comissão de direitos humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe, um agente com cerca de trinta anos, que cresceu numa favela da zona oeste do Rio de Janeiro, reprovou as palavras de uma advogada da OAB quando salientou que os direitos devem ser garantidos à população carcerária, particularmente vulnerável devido à sua origem social:

Umas pessoas têm oportunidades, nem todos são assim. Eu venho de uma favela, estudei em escola pública e não virei bandido. Alguns vêm de um meio legal e foi escolha deles. E mesmo para quem não vem de um meio rico, também pode escolher não entrar no crime (Felipe).

O orgulho que sentem por terem conseguido uma estabilidade financeira duramente conquistada, leva-os a sentirem-se pouco solidários com os que estão “mais abaixo” do que eles e isso se reflete também na frágil crença dos agentes na capacidade das instituições para melhorarem as condições de vida da população. No entanto, os agentes estão sujeitos a uma dupla promiscuidade com os setores mais precários da população: no trabalho, por serem os profissionais que passam mais tempo com os adolescentes, e em casa, pelo seu local de moradia longe das partes nobres da cidade. Essa proximidade, que causa uma certa indignação, está sendo duramente combatida em termos de valores e de moral.

Uma “inversão de valores”

A valorização do mérito individual é reforçada pelo sentimento de ter sido prejudicado pela administração pública em matéria de distribuição de recursos públicos. Esse sentimento de injustiça se expressa na visão comum de que a sociedade brasileira produz “valores invertidos”, já que o dinheiro público iria principalmente para os bandidos, enquanto as “pessoas de bem” teriam que se virar sozinhas. Isso questiona, por exemplo, a distribuição de refeições aos jovens cinco vezes por dia e a existência de parcerias entre o Degase e o setor privado para a formação de aprendizes. Dito de outra forma, o fato de a administração socioeducativa proporcionar bens e serviços para esses jovens é considerado “privilégios para bandidos” (Caldeira, 1991 ), o que remete a uma certa confusão entre direitos e direitos humanos. Para Marcelo, agente há mais de 20 anos, a alocação de recursos públicos é injusta por beneficiar os que, ao seu ver, menos merecem:

O problema é que há uma inversão de valores. O Degase oferece cursos de informática e dá mil reais para comprar um computador. Eu pergunto se meu neto pode ter isso também, mas não pode. E como se alguém dissesse: ‘Seu filho é bandido? Não’. Então não. É a mesma coisa para a formação. E para a escola. Aqui, eles têm cinco refeições por dia. Na escola, quando é a gente do bem que se mata para estudar, só tem uma refeição por dia. Às vezes é só isso que comem o dia todo. Dão tudo para os bandidos, que fazem tudo mal, roubam, violam e matam, e comem cinco vezes por dia (Marcelo).

Esses comentários ilustram uma forte discordância com a arbitragem produzida pela ação pública, num contexto em que bens e serviços públicos são escassos. Essa alocação dos recursos, que consideram injusta, alimenta uma profunda preocupação quanto ao seu futuro e ao de seus filhos, justamente porque, na sua opinião, não reduz suficientemente a diferença entre a franja estável das classes trabalhadoras a que pertencem e os outros, os menos merecedores, os bandidos. Como bem ressaltou Tereza Caldeira, a consideração de que uma privação de liberdade humanizada é sinônima de “concessão de privilégios a criminosos em detrimento dos cidadãos comuns” ( 1991 , p. 170) não é nova 18 , nem se limita ao ambiente socioprofissional do socioeducação. Para os agentes, frente a esse sentimento de impunidade diante a “criminalidade descontralada”, a distribuição de recursos públicos a essas categorias sociais é o que explicaria também as faltas que sentem nas suas próprias vidas e nas dos seus familiares.

Na continuação dessa perspectiva, Sergio Adorno ( 1999 ) acrescentou uma nuança, apontando para a difusão diferenciada dessa representação entre diferentes camadas da população. Enquanto o autor sobressalta as mobilizações dos setores de classe média “contra a violência e o crime”, os agentes representam outro setor, que não pertence à classe média, nem popular. E o que, ao meu ver, cria um universo mental que tende a ver o mundo social como triangular e não como binário (Hoggart, 1970 ), o que lhes permite diferenciarem-se entre os que estão “em baixo” e os que estão “em cima” (Collovald, Shwartz, 2006). Encontram-se entre “os de cima”, as elites, aqueles que distribuem os recursos; e “os de baixo”, aqueles que são mais miseráveis do que eles. Mas como podem manter a sua posição e defender a sua dignidade quando as suas condições de trabalho, de habitação e de lazer não lhes permitem distinguir-se dos de baixo tanto quanto gostariam?

A resposta poderia ajudar a explicar porque é que a valorização do mérito individual se entrelaça com a defesa de valores conservadores nas visões de mundo dos agentes. Durante uma formação continuada dos agentes, a instrutora iniciou sua intervenção com uma apresentação um pouco simplista das origens da política socioeducativa, o que provocou reações cada vez mais indignadas por parte dos agentes:

A nossa política remete a mais tempo do que a década de 1990. Temos que ir para os tempos escravocratas, ao tempo em que os europeus brancos e ricos não queriam trabalhar. Obrigaram os negros a trabalhar, depois concederam a abolição sem dar trabalho para eles. E logo depois, decidiram internar os seus filhos. Para apoiar o movimento negro, temos que fazer o nosso trabalho corretamente, porque esse processo de exclusão continua até hoje, estamos numa luta por justiça social. E é a gente que tem que colocar isso em prática. Porque os poderosos, os ricos e os brancos, não vão fazer.

Sou negro e falo francês, espanhol e italiano, diz Rómulo.

A instrutora continua, sem prestar atenção ao comentário do agente: ‘São aquelas pessoas que dizem que os adolescentes vêm de famílias desestruturadas’.

Na sala, o público começa a resmungar. Rómulo intervém novamente, em voz mais alta: “Há famílias desestruturadas. O que podemos esperar de um pai que bebe todos os dias e de uma mãe que é prostituta? O problema é a escola. Antes, as famílias tinham dez filhos e todas as crianças iam à escola, sem problemas, e chamavam os professores de ‘senhor’ e ‘senhora’. Agora, as famílias não mandam os filhos para a escola. Hoje, essa política é um escudo para os vagabundos.

Um agente aplaude silenciosamente, olhando para um colega sentado atrás dele. Márcia continua argumentando que é por essas razões que as famílias devem ser acolhidas com gentileza, mas claramente apresenta dificuldades para manter a atenção na sala.

Aqui ninguém trata mal as famílias. Nunca vi isso em 20 anos de serviço.

A instrutora não reage a isso e tenta continuar com sua fala, apenas para ser interrompida alguns minutos depois por outro agente.

Somos responsabilizados o tempo todo, mas quando as mães vêm, têm um decote enorme, usam saias curtas. Quando as famílias vêm para as visitas, ninguém responsabiliza.

Isso é uma questão moral.

Não, é uma questão de segurança preventiva. […]

A instrutora interrompe e retoma o seu discurso sobre a colonização europeia. Rómulo se levanta, para tomar o seu lugar no palco:

Há uma mulher branca europeia e não podemos deixar que ela passe por uma discriminação desse tipo, diz, apontando para mim, antes de pedir aplausos, o que o público presente na sala se apressa a fazer . (Trecho transcrito da entrevista).

Essa cena, um tanto grandiloquente, não deixa de ser significativa sobre os fatores que ativam a rejeição de políticas públicas favoráveis aos grupos minoritários (Alves, 2019 ). Na opinião da instrutora, esses comentários refletem uma rejeição da forma na qual as desigualdades sociais e raciais são estruturadas e percebidas na sociedade. Apresentam também vínculos discursivos importantes com a rejeição das políticas sociais do PT, tais como o programa Bolsa Família, que foi um assunto importante durante a campanha eleitoral de Jair Bolsonaro, por exemplo. Como se deu aqui a passagem da defesa de políticas públicas voltadas para a reparação das desigualdades historicamente produzidas pela escravidão para a defesa de uma “branca europeia”? Um desses vieses é a naturalização do lugar de cada um, justificada por uma análise moral da maneira de vestir-se dos visitantes, do estilo de vida e da relação com a autoridade dos “de baixo”.

Sentimentos de injustiça, sentimentos de insegurança

Os agentes encarnam, portanto, essa franja estabilizada das classes populares, que se esforça por se distinguir do seu meio de origem. Mas é essa proximidade que cristaliza as divisões nas visões de mundo dos agentes, pois cria um forte sentimento de insegurança e de injustiça relativamente à sua posição. Nesse contexto, esses sentimentos tendem a favorecer uma consciência social que tende a legitimar o status quo , que tende a preservar a ordem econômica, social, racial, moral e política. Essa consciência social baseia-se em elementos tirados do seu trabalho, como referi anteriormente, mas também na sua experiência social em geral, particularmente, no que diz respeito à sua relação com o seu bairro de origem e com o espaço público. Paulo, agente desde 2012 e reconhecido pelos seus pares, fala do seu bairro de origem, na zona oeste do Rio, onde foi criado e ainda vive:

Tenho muitos amigos próximos, grandes amigos, pessoas da minha família, que foram criminosos. Hoje eles são pais de família. Eu moro em Bangu, é cheio de favelas, então a gente sempre acaba encontrando eles [os bandidos]. Eu já perdi alguém da minha família por conta do tráfico. […] Onde eu moro, tem muitas favelas. Por isso acho que não devemos legalizar a maconha. Lá, tem em todo lugar, a bandidolatria domina, e a gente vê o que acontece (Paulo).

Para ele, o espaço público é quase sinônimo de favelas, onde se armazenam e comercializam substâncias ilícitas como a maconha. Nessa citação, ele não apresenta esses lugares como se houvesse um antes e um depois: sempre houve a possibilidade de encontrar bandidos.

Mas para Paulo, assim como para seus colegas, tornar-se agente significa cristalizar essa relação com o espaço público, marcado pelo perigo. Desde a sua entrada na função, ele, tal como a maior parte dos seus colegas, prefere usar um carro com vidros fumês em vez de utilizar os transportes públicos, com receio de encontrar um ex-interno que o reconheça e que isso possa conduzir a uma agressão. Embora inicialmente eu pensasse que esse discurso era sobretudo sensacionalista, com o objetivo de realçar os riscos da profissão, um encontro casual com um agente me mostrou quão forte pode ser esse sentimento de insegurança fora do trabalho. Encontrei Fabricio, um agente de cinquenta e poucos anos, favorável à liberalização do porte de armas, no ponto de ônibus mais próximo da unidade. Fiquei surpresa de vê-lo nos transportes públicos, ao que ele responde com um ar irritado que o seu carro quebrou. Como o fim do mês corresponde às mensalidades escolares da filha e que o apartamento foi danificado pela água, não é possível consertá-lo de momento, me respondeu. Quando soube que eu ia de ônibus sozinha para o Maracanã, decidiu mudar de itinerário para acompanhar-me até às portas do estádio, temendo aparentemente pela segurança de uma mulher nessa zona “rodeada de favelas”. Ele insiste em me fazer companhia enquanto os meus amigos chegam. Quando entramos num café, dirige-se automaticamente para um lugar vazio, onde pode observar os movimentos que vêm da rua, de costas para a parede, com o capuz na cabeça. Desde quando se desloca para o café até quando sai no momento em chega a minha companhia, todos os seus gestos dão a impressão de que ainda está dentro dos muros das unidades: os olhos varrem a sala e a rua da direita para a esquerda, o corpo é tenso, todos esses signos sendo manifestações da “postura” que teve que interiorizar para assumir o papel de agente. Quando essas normas profissionais estão interiorizadas a ponto de não poder circular no espaço público sem experimentar um intenso sentimento de insegurança, não parece surpreendente que as promessas de ordem, qualquer que seja o preço delas, tenham um eco positivo entre os agentes. Ver o mundo através do espectro de uma intensa insegurança ecoa com a cenário global apresentado pela dita “Bancada da Bala” no Congresso Nacional, integrada por Jair Bolsonaro quando era deputado (Berlatto, Codato e Bolognesi, 2016 , que costuma promover como solução para o problema medidas de reforço do aparelho repressivo do Estado, sobretudo nas áreas periféricas dos centros urbanos.

Considerações finais

Este artigo tem um objetivo duplo. Por um lado, pretendo identificar alguns traços marcantes na construção do ethos profissional dos agentes. Por outro lado, mostrar a ligação entre esse ethos, que se baseia em parte em certos valores (mérito individual, comportamentos considerados moralmente adequados, relação com a família, importância do tema da segurança), e as visões de mundo dos agentes, o que permite compreender as lógicas de apoio desse grupo profissional à direita conservadora, encarnada pela figura de Jair Bolsonaro em 2018 e 2022.

Associar o pertencimento a um grupo profissional com visões de mundo não pretende sugerir que esse pertencimento se traduzirá automaticamente num voto na direita radical. Tem como objetivo ilustrar a forma como os aspectos, eles próprios ligados a valores e visões de mundo, articulam-se com uma posição objetiva e com as expectativas, aspirações e desilusões em relação a essa posição, que o lugar na estrutura social e o setor profissional permitem apreender em detalhe. Desse modo, o argumento pode ser um complemento às pesquisas quantitativas que tratam da relação entre setores policiais e atuação política à direita (Lima, 2020 ; Berlatto, Codato, Bolognesi, 2016 ). Buscamos, também, perceber como podem ser recepcionados os discursos ligados ao “punitivismo” por alguns setores da população.

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  • 1
    O termo “unidade socioeducativa”, ou centro de socioeducação, remete aos lugares onde estão privados de liberdade os jovens a quem se atribui a prática de ato infracional. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), há seis medidas possíveis que podem ser aplicadas: advertência, reparação de dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, restrição de liberdade (em unidade de semiliberdade) e privação de liberdade (numa unidade socioeducativa ou um centro de socioeducação, como é chamado no Rio de Janeiro).
  • 2
    A partir de então, os chamarei de “agentes”, para usar a denominação usual que eles próprios usam.
  • 3
    Nesta pesquisa, os policiais penais e os agentes socioeducativos não estão inclusos. O recorte abrange: Policial Civil, Policial Militar, Militar Reformado, Membro das Forças Armadas e Bombeiro Militar.
  • 4
    Quase 78% em 2018.
  • 5
    Quando falarmos de base eleitoral estável, estamos retomando a categoria usada por Amaral e Chaguri, ao falar dos setores que ainda apoiaram o presidente Jair Bolsonaro apesar de sua popularidade nas pesquisas de opinião ter caído drasticamente ao longo do seu primeiro mandato na presidência.
  • 6
    Aproveito para transmitir meus sinceros agradecimentos aos membros do Seminário “Droites autoritaires en Amérique latine” (IHEAL/CREDA) pela oportunidade dada para apresentar uma primeira versão deste artigo e pelos comentários pertinentes que recebi nesse momento, assim como durante o seminário “ Après le Bolsonarisme? Impacts sociaux et politiques de l’émergence de l’extrême-droite au Brésil ” (EHESS/UFRJ). Espero que as alterações feitas neste artigo reflitam com precisão os comentários informados e a leitura cuidadosa que recebi dos participantes desses seminários, e especialmente de Camille Goirand, Yann Philippe, Pedro Lima. Pedro Lima e Juliana Vinuto merecem também agradecimentos especiais pela revisão gramatical deste texto. Agradeço também aos pareceristas da revista Lua Nova pelos comentários críticos, a partir dos quais espero ter melhorado a argumentação deste artigo, bem como sua clareza.
  • 7
    Aproveito para agradecer calorosamente à direção da unidade assim como aos coordenadores de plantão que, em sua maioria, me deixaram ir e vir livremente na unidade, exceto nos alojamentos.
  • 8
    Provavelmente pela suspensão de 25 agentes e diretores de uma unidade do Rio de Janeiro, que aumentou a desconfiança preexistente em relação a pesquisadores e “exteriores” ao Degase. Para mais informações sobre o assunto, Cf.: Vinuto ( 2019 ).
  • 9
    Todos os nomes são fictícios para preservação do anonimato.
  • 10
    Grupamento cujo funcionamento foi inspirado do Grupamento Intervenção Tática (GIT) da Secretaria de Estado da Administração Penitenciaria (SEAP), criado em 2014 de maneira relativamente informal, que teve uma inscrição na normativa do órgão com a Portaria 852 de 24 de julho de 2020, que criou e instituiu o plano operacional de segurança socioeducativo do Degase.
  • 11
    Neste artigo, coloco o foco sobre as relações ordinárias com a política, as visões de mundo. Por essa razão, escolho não dar muito espaço à atuação do sindicato que representa os agentes, o Sind-Degase, mesmo se a identidade profissional que defende procura uma aproximação ideológica e estatutária com forças das policias penais e forças policiais. Porém, como nunca presenciei dispositivos de mobilização do sindicato dentro das unidades, prefiro deixar essa questão de lado para olhar para o cotidiano dos agentes. Para mais informações, cf.: Cadorel ( 2022 ).
  • 12
    Ademais, como Juliana Vinuto mostrou, a diversidade de “enquadramentos interpretativos” ( 2019 , p. 177), não existe um corpo profissional meramente homogêneo. Todos não têm representações semelhantes sobre o próprio trabalho e a maneira na qual este deveria ser exercido: alguns gostariam que essa função seja principalmente educativa e tentam concretiza-lo no dia dia. No que tange a visões de mundo dos agentes, não podemos também chegar a dizer que se trata de uma visão compartilhada por todos. Porém, durante minha pesquisa de campo, encontrei as regularidades sobre as quais baseio este artigo entre uma grande parte dos agentes com quais tive a oportunidade de conversar.
  • 13
    O edital de concurso de 1994 usa a nomenclatura de agente educacional, mas já em 1998 os chama de agentes de disciplina.
  • 14
    Tal como destacou Paixão ( 1988 ), essas disjunções não existem só no setor socioeducativo, mas também no âmbito das políticas de segurança pública. Na mesma linha, Lima e Sinhoretto ( 2011 ) atestam que essa disjunção resulta de disputas políticas relativas à governança das práticas policiais, espaço no qual foi inserido tensões entre práticas autoritárias e difusão de um modelo de manutenção da ordem baseada no respeito aos direitos humanos.
  • 15
    Ao entrar na função, um agente recebe um salário de aproximadamente R$ 2500,00, acrescentado por auxílio-transporte e auxílio alimentação, com possibilidade de progressão salarial a cada quatro anos.
  • 16
    Essa prática não é autorizada pela lei, e por isso difícil de documentar, mas esse arranjo informal parece comum.
  • 17
    Muitos agentes afirmam que não tinham conhecimento da natureza do trabalho antes de passar o concurso público e começar a formação inicial ao chegar. Entretanto, eu proponho aqui uma interpretação diferente, ou seja, como a admissão implícita da internalização de que essa é uma profissão com pouca legitimidade aos olhos de uma jovem francesa com diplomas do ensino superior, em comparação com profissões mais qualificadas e com uma carga simbólica mais positiva. Desse ponto de vista, admitir que optaram por uma profissão que pode ser comparada a um “trabalho sujo” (Hugues, 1996 ) parece difícil de dizer.
  • 18
    Foi no período do pós-democratização que essa associação se difundiu na sociedade, impulsada por uma campanha de oposição aos direitos humanos, liderada, entre outros, por mídias associadas à direita e aos setores policiais.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Out 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    19 Abr 2024
  • Aceito
    23 Jul 2024
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