Resumo
Contrapondo as teorias sobre as literaturas afro-brasileira, negro-brasileira e o romance moderno, retomamos as noções de autor implicado, pacto de leitura e leitor desconfiado para indicar na dissimulação machadiana o esvaziamento de poder do leitor idealmente branco. Sugerimos que a teoria do romance moderno europeu é insuficiente para abarcar os procedimentos narrativos de Machado, próprios de uma sociedade cujas relações étnicas se assentam sobre a escravidão. Vendo em Aires o último dos narradores machadianos indignos de confiança, indicamos as bases escravistas da cordialidade do conselheiro em suas anotações sobre a Abolição. Concluímos que o leitor desconfiado, diante do romance machadiano, recupera o pacto de confiança no autor real, cujos artifícios retóricos marcam a indignidade das vozes narrativas de nossas elites.
Palavras-chave:
leitor desconfiado; Abolição; homem cordial
Abstract
Confronting the theories about Afro-Brazilian, Black-Brazilian and modern literatures, we return to the notions of implicated author, reading pact and suspicious reader to indicate that Machadian dissimulation empties the power of the ideally white reader. We suggest that the theory of the modern European novel is insufficient to encompass the Machadian narrative procedures, proper as they are to a society whose ethnic relations are based on slavery. Seeing in Aires the last of Machado's untrustworthy narrators, we indicate the slave bases of the counselor's cordiality, focusing his notes on abolition. We conclude that the suspicious reader, in the face of the Machadian novel, recovers the pact of trust in the real author, whose rhetorical devices mark the indignity of the narrative voices of our elites.
Keywords:
suspicious reader; abolition; cordial man
Literatura afro ou negro-brasileira e o lugar dissimulado de enunciação
Eduardo de Assis Duarte (2010DUARTE, Eduardo de Assis. Por um conceito de literatura brasileira. Terceira Margem, Rio de Janeiro, n. 23, p. 113-138, jul./dez. 2010. Disponível em: Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/tm/article/view/10953/8012 . Acesso em: 13 set. 2023.
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) indica a formação, nos anos 1980, de uma frente negra de estudos brasileiros, que compartilha a ideia de que não é necessário ser negro para fazer literatura negra. Assim pensaram Benedita Gouveia Damasceno, que entendeu como negra a poesia caracterizada pela presença temática da cultura negra; Domício Proença Filho, que propôs uma literatura negra stricto sensu, de autoria negra assumida, e uma literatura negra lato sensu, de temática negra escrita por autor não negro; Zilá Bernd, para quem a literatura negra pode ser praticada por um eu enunciador branco, desde que compartilhe o ponto de vista negro e valorize a raça negra.
Desmarcando-se de tais posições, Duarte (2010DUARTE, Eduardo de Assis. Por um conceito de literatura brasileira. Terceira Margem, Rio de Janeiro, n. 23, p. 113-138, jul./dez. 2010. Disponível em: Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/tm/article/view/10953/8012 . Acesso em: 13 set. 2023.
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) retoma de Bastide a expressão "afro-brasileira", desenvolvendo-a como conceito literário fundado, entre outros critérios, sobre a necessidade de autoria negra. Essa literatura seria uma das faces da literatura brasileira, incluindo expressões militantes da literatura negra sem, contudo, limitar-se a elas, evitando a guetização de autores e aproximando-os da legitimação do cânone (DUARTE, 2023______. Por um conceito de literatura afro-brasileira. Literafro: o portal da literatura brasileira, p. 1-17, jul. 2023. Disponível em: www.letras.ufmg.br/literafro/arquivos/ artigos/teoricos-conceituais/Artigoeduardo 2conceitodeliteratura.pdf. Acesso em: 5 set. 2023.
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). É a partir dessa perspectiva que considera Machado de Assis, a quem se refere como precursor da literatura afro-brasileira (DUARTE, 2016______. Faces do negro na literatura brasileira. In: ALMEIDA, Júlia; SIEGA, Paula. Literatura e voz subalterna: anais. Vitória: GM, 2016. p. 261-273. , p. 266). Mesmo que em seus textos não seja perceptível uma voz narrativa declaradamente negra, está presente uma perspectiva não branca, postulada a partir de um "dissimulado lugar de enunciação", legível nas obras de "Caldas Barbosa, Machado, Firmina, Cruz e Sousa (1861-1898), Patrocínio (1853-1905), Paula Brito (1809-1861), Gonçalves Crespo (1846-1886) e tantos mais" (DUARTE, 2023______. Por um conceito de literatura afro-brasileira. Literafro: o portal da literatura brasileira, p. 1-17, jul. 2023. Disponível em: www.letras.ufmg.br/literafro/arquivos/ artigos/teoricos-conceituais/Artigoeduardo 2conceitodeliteratura.pdf. Acesso em: 5 set. 2023.
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, p. 6).
Contrariamente a Duarte, Cuti (2010DUARTE, Eduardo de Assis. Por um conceito de literatura brasileira. Terceira Margem, Rio de Janeiro, n. 23, p. 113-138, jul./dez. 2010. Disponível em: Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/tm/article/view/10953/8012 . Acesso em: 13 set. 2023.
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) recusa a terminologia afro-brasileira, entendendo-a como termo cunhado por brancos para o apagamento da identidade negra. Em seu lugar, propõe o conceito de literatura negro-brasileira, para a qual o ponto de vista dissimulado da narração é inadmissível, pois significaria que o narrador estaria assumindo uma perspectiva discursiva branca. O estudioso retoma historicamente a escrita produzida por autores negros, chamando a atenção para a figura do leitor e pontuando que uma voz narrativa dissimulada se dirige, idealmente, a leitores brancos:1
1
Entre leitor e narrador existiria identidade e, portanto, um ponto de vista cúmplice e hostil em relação a um terceiro excluso da relação: a alteridade negra. O exemplo escolhido é um artigo de Nelson Rodrigues que, nos anos 1950, criticava o racismo partindo de um "nós" branco que maltratava o preto, colocado no lutar da alteridade (CUTI, 2010, p. 20-21).
"Na outra ponta da produção de seu texto, a leitura, o escritor negro sabia e sabe que está o branco em seu papel como editor, crítico, professor, jornalista, livreiro ou simples leitor" (CUTI, 2010CUTI. Literatura negro-brasileira. São Paulo: Selo Negro, 2010., p. 58). O lugar de dissimulação entrevisto por Duarte implicaria, portanto, a subordinação do escritor negro a um ponto de vista dominante com o fim de evitar embates: para ser aceita, a identidade negra deve ser escondida. É o que teria ocorrido com Lima Barreto: a crítica recusou Recordações do escrivão Isaías Caminha, cuja voz narrativa não era branca, enquanto Triste fim de Policarpo Quaresma, em que a identidade negra dessa voz é apagada, foi criticamente bem aceito (CUTI, 2010CUTI. Literatura negro-brasileira. São Paulo: Selo Negro, 2010.).2
2
A partir de uma tríade negra (personagem negra - autor negro que se enuncia em primeira pessoa - leitor negro), os precursores da literatura negro-brasileira teriam sido: as Trovas burlescas (1859) de Luís Gama; Broquéis e Missal (ambos de 1893) de Cruz e Souza; e Lima Barreto, com Recordações do escrivão Isaías Caminha (1909). A eles é acostada também a prosa de Maria Firmina dos Reis (CUTI, 2010).
Pausemos, agora, a discussão em torno das literaturas afro e negro-brasileiras e dediquemos atenção à instância do leitor, cujo ganho de poder em relação ao autor é uma das marcas da literatura moderna. Exemplo da modernidade assumida pelo processo de leitura está na configuração de Dom Quixote, em que temos a modificação do horizonte de expectativas do leitor a partir da superação dos modelos narrativos do romance de cavalaria, abrindo o gênero a novas formulações estéticas que fazem das obras anteriores um modelo ultrapassado de expressão literária (JAUSS, 1994JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria literária. São Paulo: Ática , 1994.). Cervantes parte das expectativas comuns ao leitor do romance de aventuras para frustrá-las e superá-las, abrindo um novo horizonte interpretativo que modifica as expectativas estéticas para o gênero e, portanto, sua conformação estrutural (JAUSS, 1994JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria literária. São Paulo: Ática , 1994.). Outro exemplo dessa nova condição do leitor, colocado em posição de um embate produtor de sentido, são as tematizações das leituras que ocorrem nos prólogos informando sobre o modo pelo qual as obras devem ser lidas, estratégia presente em Dom Quixote - e, como lembra Ricœur (2010RICŒUR, Paul. Mundo do texto e mundo do leitor. In: ______. Tempo e narrativa 3: o tempo narrado. São Paulo: Martins Fontes: 2010. p. 267-309. [1984]), em Gargantua, de Rabelais -, assim como em Memórias póstumas de Brás Cubas e na "Advertência" do Memorial de Aires. Tais configurações narrativas realizam prescrições de leitura ambíguas, que contemporaneamente orientam e desorientam o leitor, tendo como consequência a sua libertação em relação ao poder absoluto tradicionalmente conferido ao narrador (RICŒUR, 2010RICŒUR, Paul. Mundo do texto e mundo do leitor. In: ______. Tempo e narrativa 3: o tempo narrado. São Paulo: Martins Fontes: 2010. p. 267-309. [1984], p. 282). Ao adentrarmos o campo das reflexões sobre a leitura, destaquemos o ensaio "O mundo do texto e o mundo do leitor", em que Paul Ricœur (2010RICŒUR, Paul. Mundo do texto e mundo do leitor. In: ______. Tempo e narrativa 3: o tempo narrado. São Paulo: Martins Fontes: 2010. p. 267-309. [1984]) revisa teorias da leitura então vigentes. Além dos estudiosos da estética da recepção, entre outros, Ricœur refere-se a Wayne Booth, que identifica as estratégias retóricas de persuasão com as quais os autores conquistam a confiança dos leitores. De Booth, o francês serve-se do conceito de autor implicado, enunciador da voz narrativa, para lembrar que uma das características do romance moderno é a tentativa de invisibilizar o autor real. Trata-se de uma técnica retórica que "faz parte da panóplia de disfarces e máscaras de que o autor real faz uso para se transformar em autor implicado", tentando persuadir enganosamente o leitor que, em resposta, desconfia da história que lhe é contada, sendo convocado a prestar maior atenção e, consequentemente, a participar mais ativamente na significação da narrativa (RICŒUR, 2010RICŒUR, Paul. Mundo do texto e mundo do leitor. In: ______. Tempo e narrativa 3: o tempo narrado. São Paulo: Martins Fontes: 2010. p. 267-309. [1984], p. 274).
Também Cuti traz um avanço para as teorias da leitura, não só por chamar a atenção para o leitor, mas por indicar a dissimetria de poder que existe entre autor negro e leitor branco no contexto da sociedade letrada brasileira. Curiosamente, a argumentação de Cuti, que exclui Machado da literatura negro-brasileira, pode transformar-se em chave interpretativa reveladora do antirracismo do escritor, justamente pelo veneno destilado contra um leitor idealmente não negro. Basta lembrar, a propósito, que a crítica da segunda metade do século XX - em especial a de Roberto Schwarz - apontou como forma estrutural da prosa machadiana a falta de respeito com que os narradores em primeira pessoa, a partir de Brás Cubas, costumam tratar seus leitores, mimetizando o abuso de poder da elite brasileira.
Ricœur (2010RICŒUR, Paul. Mundo do texto e mundo do leitor. In: ______. Tempo e narrativa 3: o tempo narrado. São Paulo: Martins Fontes: 2010. p. 267-309. [1984]), como Cuti (2010)CUTI. Literatura negro-brasileira. São Paulo: Selo Negro, 2010., reconhece uma dissimetria na relação entre autor-leitor, mas, a partir da sua posição de teórico europeu, sublinha o poder do primeiro em relação ao segundo, através do chamado pacto de leitura, que seria quebrado pelo "narrador não digno de confiança" (RICŒUR, 2010RICŒUR, Paul. Mundo do texto e mundo do leitor. In: ______. Tempo e narrativa 3: o tempo narrado. São Paulo: Martins Fontes: 2010. p. 267-309. [1984], p. 276). Após essa ruptura, diversamente do romance tradicional, em que o narrador conduz a história como algo verdadeiro contado mediante todo tipo de intervenção, o romance moderno lança mão do narrador no qual não é possível confiar cegamente, exigindo do leitor uma participação maior no processo de configuração de sentido operado pela leitura (RICŒUR, 2010RICŒUR, Paul. Mundo do texto e mundo do leitor. In: ______. Tempo e narrativa 3: o tempo narrado. São Paulo: Martins Fontes: 2010. p. 267-309. [1984]). Trata-se de uma "literatura venenosa" que produz, como resposta, um "leitor desconfiado", em constante embate com o autor implicado e pronto a defender-se de suas estratégias de manipulação retórica (RICŒUR, 2010RICŒUR, Paul. Mundo do texto e mundo do leitor. In: ______. Tempo e narrativa 3: o tempo narrado. São Paulo: Martins Fontes: 2010. p. 267-309. [1984], p. 279).
A dissimulação machadiana, portanto, não é uma novidade para o romance moderno, mas certamente, devido a um ambiente histórico de bases escravistas, é dotada de maior complexidade do que o mascaramento reconhecido pelo crítico europeu, que não teve de lidar com questões ligadas às etnias de escritores e receptores. Esclareçamos desde já que o que entendemos por identidade branca, aqui, é aquela assimilável, no contexto escravocrata, à da oligarquia que ocupa os altos cargos do Estado ou é proprietária dos meios de produção, inclusive da força de trabalho negra. Em tal contexto, os narradores em primeira pessoa de Machado, que assumem o disfarce de membros da elite branca do país, são recebidos com credibilidade por uma massa de leitores, em sua maioria, também brancos. A mesma confiança foi-lhes dedicada por boa parte da crítica produzida nas décadas seguintes à morte do escritor. Por isso afirmamos que, em sua condição dissimulada, ou seja, na forma de seus autores implicados indignos de confiança, o escritor negro Machado de Assis retira, com seus narradores em primeira pessoa, o poder que a elite letrada - historicamente branca - sempre conferiu a si mesma. Temos uma situação em que o leitor não acompanha a modernidade da escrita, mantendo a credulidade no autor implicado a ponto de confundi-lo com o autor real. É o que acontece, por exemplo, com a crítica psicanalítica da obra de Machado, que leu nos personagens as características psicológicas do escritor. O pacto de confiança entre narrador e leitores, aqui, não é quebrado pelos últimos, que não veem contradição entre os narradores idealmente brancos e a realidade negra do escritor. Até boa parte do século XX, esteve ausente um leitor desconfiado, capaz de desvelar as falsidades ou ambiguidades construídas pela voz narrativa.
Lembremos que foi somente com a crítica da americana Helen Caldwell (2008CALDWELL, Helen. O Otelo brasileiro de Machado de Assis: um estudo de Dom Casmurro. Cotia: Ateliê Editorial, 2008.), em 1960 - citada por Santiago (2000 [1968])SANTIAGO, Silviano. Retórica da verossimilhança. In: ______. Uma literatura nos trópicos: ensaios sobre dependência cultural. Rio de Janeiro: Rocco, 2000 [1968]. p. 27-46., como também por Candido (1995 [1968]______. Esquema Machado de Assis. In: ______. Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1995 [1968]. p. 15-32.) e Schwarz (1997)SCHWARZ, Roberto. A poesia envenenada de Dom Casmurro. In: ______. Duas meninas. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 7-41. -, que a estratégia de cooptação da benevolência do leitor pelo estabelecimento de uma identidade entre escrita refinada e autoridade moral do narrador pôde ser desmascarada. Rompido o pacto de confiança, leituras sucessivas identificaram na escrita dissimulada de Machado uma crítica social venenosa, capaz de desvelar os abusos da elite brasileira do século XIX, cujo discurso foi verossimilmente mimetizado. Temos, assim, o clássico caso de um autor que está à frente dos leitores de seu tempo. Imaginando, com Cuti, que estes são compostos em sua maioria por homens brancos (membros característicos de uma oligarquia letrada, sustentada pela escravidão), e agora, divergindo de Cuti, somos da opinião de que é o escritor Machado quem ganha poder em relação ao leitor do seu tempo, fazendo uso de narradores que só seriam percebidos como indignos de confiança décadas mais tarde. O que não significa uma oposição absoluta entre as teorias de Cuti e de Ricœur: ambos chamam a atenção para a importância do leitor para a configuração do sentido de uma obra. Mas enquanto Ricœur vê uma transferência, digamos assim, horizontal do poder do autor para o leitor, imaginando-os como membros de uma mesma classe, Cuti faz uma contextualização étnica de nosso processo de escrita e leitura, apontando para a histórica disparidade de poder entre o escritor negro e o leitor branco. Contrariando Cuti, todavia, nos parece que a identificação dessa disparidade pode servir a desvelar a potência antirracista do texto de Machado, cuja dissimulação narrativa tem a capacidade de inverter a relação de poder entre o escritor negro e seu público leitor, no contexto das primeiras recepções das obras. Partindo dessas problematizações, intentamos sublinhar a complexidade do processo de desvelamento da escrita machadiana, aproximando a ideia de dissimulação à de máscara e desmascaramento, expressões utilizadas por boa parte da crítica que se debruçou sobre a obra de Machado no século XX e que percorremos a seguir.
Da psicologia da máscara à psicologia do desmascaramento3 3 A partir deste ponto, trechos do artigo reelaboram parcialmente ideias desenvolvidas com maior amplitude na dissertação de Maria Conceição Vita, defendida em 2019 no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), sob orientação da coautora do artigo.
Na primeira metade do século XX, a crítica literária cultivou o costume de atribuir características dos personagens machadianos à personalidade do escritor. Majoritariamente brancos, críticas e críticos agiam como o oposto do leitor desconfiado: dando crédito ao autor implicado, viam nele o espelho de Machado de Assis, entendendo seus personagens como projeções de sua mentalidade. É na década de 1930 que se afirma essa crítica psicológica, com os trabalhos de Augusto Meyer, Lúcia Miguel Pereira e Mário Matos, que "procuravam estabelecer uma corrente recíproca de compreensão entre a vida e a obra" do autor (CANDIDO, 1995 [1968]______. Esquema Machado de Assis. In: ______. Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1995 [1968]. p. 15-32., p. 20). Em 1958, tal linha interpretativa é acrescida da ideia de "psicologia da máscara", com a qual Meyer (2005______. De Machadinho a Brás Cubas. Teresa - Revista de Literatura Brasileira. São Paulo, n. 6/7, p. 409-417, 2005. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/teresa/ article/view/116633. Acesso em: 12 jul. 2023.
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, p. 412) descreve o duplo movimento de disfarce e revelação da escrita machadiana: os personagens eram as máscaras através das quais Machado criticava a sociedade.
Candido (1995 [1968]______. Esquema Machado de Assis. In: ______. Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1995 [1968]. p. 15-32.) discorda da crítica psicológica que quis ver na condição social de Machado (origens humildes, cor, humilhações, doença nervosa) os sinais que o emparelhassem com as figuras dos "gênios atormentados" da literatura europeia. O estudioso desacredita em parte tal ideia, ressaltando as posturas conservadoras de Machado de Assis, bem como a naturalidade com a qual a sua condição racial era absorvida pelo Brasil do século XIX, em que "mestiços de origens humildes" foram agraciados por títulos de nobreza e cargos ministeriais (CANDIDO, 1995 [1968]______. Esquema Machado de Assis. In: ______. Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1995 [1968]. p. 15-32., p. 15). Todavia, atrás da aparência pacata de quem chegara à confortável condição burguesa, escondia-se um escritor "[...] que recobria os seus livros com a cutícula do respeito humano e das boas maneiras para poder, debaixo dela, desmascarar, investigar, experimentar, descobrir o mundo da alma, rir da sociedade, expor algumas das componentes mais esquisitas da personalidade" (CANDIDO, 1995 [1968]______. Esquema Machado de Assis. In: ______. Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1995 [1968]. p. 15-32., p. 18, grifo nosso).
Silvano Santiago (2000 [1968]SANTIAGO, Silviano. Retórica da verossimilhança. In: ______. Uma literatura nos trópicos: ensaios sobre dependência cultural. Rio de Janeiro: Rocco, 2000 [1968]. p. 27-46., p. 46) coloca-se contra Meyer - que atribui importância somente a momentos fortuitos da prosa machadiana -, chamando a atenção para a qualidade do conjunto de uma obra capaz de desmascarar "hábitos de raciocínio" e "mecanismos de pensamento" do homem de posses brasileiro. Também Raymundo Faoro, em 1974, utiliza a ideia de desmascaramento, mas, diversamente de Santiago e Candido, vê na obra de Machado a ausência de uma consciência conjuntural da sociedade brasileira. A ficção machadiana ocupar-se-ia apenas de psicologias individuais, cujas "ações sofrem contínuo processo de desmascaramento em proveito dos mecanismos íntimos e ocultos da alma", sem que, todavia, se chegasse a ver "o fundo das ações, o inconsciente, os interesses de classe e a longa distorção do tecido histórico" (FAORO, 2001FAORO, Raymundo. Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio. São Paulo: Editora Globo, 2001., p. 53). Em 1977, José Guilherme Merquior (2014MERQUIOR, José Guilherme. De Anchieta a Euclides: breve história da literatura brasileira. São Paulo: Realizações Editora, 2014. , p. 257) falaria de uma "psicologia do desmascaramento", referindo-se ao personagem machadiano como a um "homem-máscara, substancialmente inautêntico", revelado por uma prosa que era uma espécie de "sismógrafo moral" atuante através de recursos expressivos como o humor e a ironia, utilizados para desmascarar as ideologias.
Acompanhando Merquior, Bosi (2003BOSI, Alfredo. A máscara e a fenda. In: ______. Machado de Assis: o enigma do olhar. São Paulo: Ática, 2003. p. 73-126., p. 30) também se refere a uma "psicologia realista do desmascaramento" no ensaio "A máscara e a fenda", cuja primeira versão remonta a 1976, entendendo que ela comparecerá na prosa de Machado na medida em que o autor toma consciência de uma sociedade pautada por falsas aparências. "A partir das Memórias póstumas" importa a Machado "cunhar a fórmula sinuosa que esconda (mas não de todo) a contradição entre parecer e ser, entre a máscara e o desejo, entre o rito claro e público e a corrente escusa da vida interior" (BOSI, 2003BOSI, Alfredo. A máscara e a fenda. In: ______. Machado de Assis: o enigma do olhar. São Paulo: Ática, 2003. p. 73-126., p. 84). Sua narrativa seria como a fenda que se revela aos olhos da protagonista de A mão e a luva quando admira por um buraco na cerca o quintal vizinho, realizando pelo olhar uma espécie de travessia que consente "ver um lado através do outro" (BOSI, 2003BOSI, Alfredo. A máscara e a fenda. In: ______. Machado de Assis: o enigma do olhar. São Paulo: Ática, 2003. p. 73-126., p. 109).
No início do século XXI, Roberto Schwarz (2012 [2003], p. 250) retomaria os estudos de Meyer, Candido, Merquior e Bosi para comentar a técnica narrativa de Machado, falando em termos gerais da prosa pós-realista como escrita que adota "as posições modernas e desmascaradoras do fim de século". Permanece a ideia de revelação dos disfarces utilizados pelo homem da elite para esconder o fundo de sua barbaridade social. Já no estudo de Memórias póstumas de Brás Cubas, o crítico revelava como a prosa culta e elegante do narrador emprestava um "verniz de respeitabilidade" à sua figura, enquanto o procedimento narrativo desvelava uma prática de contínuo e reiterado abuso contra o leitor (SCHWARZ, 2000______. Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de Assis. São Paulo: Duas Cidade; Editora 34, 2000. , p. 45). Brás Cubas, com sua impertinência escarnecedora, é um narrador "sem credibilidade", sendo impossível acessar qualquer verdade em suas palavras: "as feições que veste e reveste" nada revelam acerca de sua fisionomia verdadeira (SCHWARZ, 2000______. Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de Assis. São Paulo: Duas Cidade; Editora 34, 2000. , p. 19, grifo do original). O livre arbítrio que possui sobre os que dependem de sua vontade - inclusive o leitor - permite que se sirva do "figurino do gentleman" para desmerecê-lo em seguida, com grosserias que vêm de berço, e "voltar a adotá-lo", quando lhe convém: a única coisa indisfarçável é a intenção de confundir (SCHWARZ, 2000______. Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de Assis. São Paulo: Duas Cidade; Editora 34, 2000. , p. 18-23). A sua falta de confiabilidade faz com que a leitura se construa sobre "um terreno movediço", em que nenhuma referência é sólida, "forçando o leitor a um estado de sobreaviso total, ou de máxima atenção, próprio à grande literatura" (SCHWARZ, 2000______. Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de Assis. São Paulo: Duas Cidade; Editora 34, 2000. , p. 23).
Retomemos Ricœur (2010RICŒUR, Paul. Mundo do texto e mundo do leitor. In: ______. Tempo e narrativa 3: o tempo narrado. São Paulo: Martins Fontes: 2010. p. 267-309. [1984], p. 273-4) quando lembra que a escolha do ângulo de visão para a construção da narrativa é um truque utilizado para contrabalançar o excesso de poder concedido ao narrador por parte do leitor: "Os procedimentos retóricos por meio dos quais o autor sacrifica sua presença consistem precisamente em dissimular o artifício mediante a verossimilitude de uma história que parece se contar sozinha" e, no caso de um narrador indigno de confiança, em exigir do leitor uma postura atenta capaz de confrontá-lo. No contexto colonial-escravista, todavia, esses procedimentos retóricos se abismam em profundidades maiores, e os embaraços para a crítica são proporcionais aos graus de complexidade que envolvem a problemática étnica de uma nação fundada sobre a escravidão. O caso de Machado de Assis pode ser considerado emblemático de uma situação em que o lugar dissimulado de enunciação demonstra a parcialidade da teoria moderna do romance, incapaz de abarcar a complexidade social das nações que passaram por um processo de colonização, fundado por sua vez nas práticas racistas da escravidão. Na prosa machadiana, a posição dissimulada do narrador se dá assumindo uma identidade branca que, desrespeitosa com seus leitores (idealmente brancos), os destitui do poder que a sociedade brasileira, em sua organização racista, historicamente lhes atribuiu.
Com a cara entre os joelhos: o homem cordial durante a Abolição
Menos celebrado entre os narradores indignos de confiança de Machado, o conselheiro Aires também representa o homem da elite brasileira de fim de século, com o figurino do cidadão civilizado que assenta suas boas maneiras sobre o trabalho sujo da escravidão. Seu Memorial é considerado uma obra menor no conjunto da prosa machadiana: como observa Fritoli (2007FRITOLI, Luiz Ernani. Memorial de Aires, narrativa em si bemol: um ensaio sobre o tom. Revista Signótica, v. 19, n. 1, p. 73-94, jan./jun. 2007. Disponível em Disponível em https://www.revistas.ufg.br/sig/article/view/2845 . Acesso em: 20/10/2023.
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, p. 74), um repertório de qualificações ameno, anêmico ou doente associa o livro à ideia de fraqueza, ecoando Augusto Meyer (1975MEYER, Augusto. Machado de Assis. Rio de Janeiro: Editora Presença, 1975., p. 50), que o descreve como um "livro cinzento, livro morto, livro bocejado e não escrito". Já a crítica que o recebeu positivamente adocicou-o impondo-lhe uma aura nostálgica associada à viuvez do escritor: tratava-se de um "suave romance" (VERÍSSIMO, 1916VERÍSSIMO, José. História da literatura brasileira: de Bento Teixeira (1601) a Machado de Assis . Rio de Janeiro; São Paulo; Belo Horizonte: Livraria Francisco Alves e Companhia, 1916., p. 432), de um livro "cheio de encanto e doçura" (PUJOL, 1934PUJOL, Alfredo. Machado de Assis . Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1934., p. 330), escrito por um Machado "saudoso da esposa Carolina" (PEREIRA, 1949PEREIRA, Astrojildo. Romancista do Segundo Reinado. Revista Voz Operária, set. 1949. Disponível em: Disponível em: https://sliteratura.files.wordpress.com/2017/10/machado-de-assis-romancista-do-segundo-reinado.pdf . Acesso em: 10 set. 2023.
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, p. 201) e com as marcas da ternura do quotidiano (BARRETO FILHO, 1980BARRETO FILHO, José. Introdução a Machado de Assis. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1980.). Outros críticos, ao contrário, atentaram para o contexto histórico que emoldura a narrativa, vendo em Aires tanto o relator dos fatos do Segundo Reinado (PEREIRA, 1958) como o espectador alheio a eles (FAORO, 2001FAORO, Raymundo. Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio. São Paulo: Editora Globo, 2001.). Indicadora dos limites da visão histórica machadiana seria a representação, através do casal Aguiar, da emergente classe média do século XIX "vista do alto, com desdém" (FAORO, 2001FAORO, Raymundo. Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio. São Paulo: Editora Globo, 2001., p. 281). Se Faoro faz convergirem os pontos de vista de Aires e de Machado, críticos como Caldwell (2008CALDWELL, Helen. O Otelo brasileiro de Machado de Assis: um estudo de Dom Casmurro. Cotia: Ateliê Editorial, 2008.), Schwarz (2012) e Gledson (1986GLEDSON, John. Machado de Assis: ficção e história. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1986.) separam autor e narrador, vendo no último um personagem como outro qualquer. Aires, tal qual Brás Cubas ou Bentinho, não é o porta-voz de Machado de Assis, cujo ponto de vista pode ser identificado nos desvelamentos das relações entre os personagens. Isso é advertido especialmente pelos críticos que aconselham a ler a obra machadiana com cautela, evitando os equívocos das primeiras impressões e, principalmente, desconfiando dos seus narradores.
Gledson (1986GLEDSON, John. Machado de Assis: ficção e história. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1986., p. 242) refere-se a Aires como "o último dos narradores de Machado a ser desmascarado", vendo no romance a representação machadiana da Abolição. Como diplomata, Aires encena falas, gestos e emoções, fazendo-os passar por sinceros e tentando convencer o leitor de sua autenticidade, numa teatralidade característica de nossa história: como a Proclamação da República, a Abolição era uma encenação liberal para dar ao país a aparência da modernidade. Por isso: "O romance mais cortês, comedido e sóbrio de Machado é a sua obra mais implacavelmente pessimista - sua condenação final de seu tempo e um lamento pelo país em cuja existência, como nação, ele mal chegava a acreditar" (GLEDSON, 1986GLEDSON, John. Machado de Assis: ficção e história. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1986., p. 255).
No Memorial, Aires retorna ao Brasil em janeiro de 1887, com mais de trinta anos de serviços diplomáticos prestados ao imperador. Embora tivesse atravessado momentos cruciais da política externa, como a guerra contra o Paraguai (1864-1870), o conselheiro não escondia a atuação coadjuvante: "A diplomacia que exerci em minha vida era antes função decorativa que outra coisa; não fiz tratados de comércio nem de limites, não celebrei alianças de guerra; podia acomodar-me às melodias de sala ou de gabinete" (ASSIS, 2013______. Memorial de Aires. São Paulo: Martin Claret, 2013., p. 85).
Implantada para atender aos interesses da realeza, a classe diplomática era colhida no seio da sociedade brasileira, entre os bacharéis das famílias tradicionais, de onde também saía a maioria dos parlamentares e dos ocupantes dos altos escalões do império (FREYRE, 2009FREYRE, Gilberto. Vida social no Brasil nos meados do século XIX. São Paulo: Global Editora, 2009.). O único critério para as nomeações, esclarece Sérgio Buarque de Holanda (1995HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.), era a confiança pessoal de quem ocupava os vértices do poder, prolongando os tentáculos familiares sobre a coisa pública. Forjado para atender as vontades dos patriarcas e salvaguardar seu patrimônio, o corpo de funcionários do sistema administrativo era estabelecido a partir de "contatos primários" travados na esfera "dos laços de sangue e de coração" (HOLANDA, 1995HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995., p. 146). Como o próprio Aires elucida, em Esaú e Jacó: "Conselheiro é um título que o imperador me conferiu, por achar que o merecia" (ASSIS, 2012ASSIS, Machado de. Esaú e Jacó. São Paulo: Martin Claret, 2012., p. 124).
Os laços de coração seriam a base de um comportamento identificado por Holanda como característico do meio rural brasileiro: a cordialidade. Atitude inata, teria como força motriz o desejo de abolir distâncias e ritualismos que não se encaixavam nos modos familiares de administração: o homem cordial desconhecia "qualquer forma de convívio que não [fosse] ditada por uma ética de fundo emotivo", herança do modelo patriarcal em que prevaleciam as relações e vínculos afetivos (HOLANDA, 1995HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995., p. 148). Disso resultaria o caráter arbitrário e flexível das leis, encarnadas em certas figuras de autoridade e aplicáveis apenas a determinadas pessoas, como se o público fosse uma extensão do privado e as relações sociais fossem uma continuidade das relações de família (HOLANDA, 1995HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.). O personalismo construído sobre a velha ordem patriarcal e colonial, prolongando-se no tempo e no espaço, constituiria a classe dominante, para a qual "[a]s constituições são feitas para não serem respeitadas, as leis vigentes para serem violadas, tudo em proveito de indivíduos e oligarquias" (HOLANDA, 1995HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995., p. 182). A conclusão é que as feições consideradas como particulares ao nosso povo não eram fundadas sobre a realidade, mas sobre as aparências: a cordialidade oligárquica "não pode servir de cimento a nenhuma organização humana concebida de forma mais ampla. Com a simples cordialidade, não se criam os bons princípios" (HOLANDA, 1995HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995., p. 185).
Em uma palestra de 1965, Antonio Candido (1967CANDIDO, Antonio. Nature, éléments et trajectoire de la culture brésilienne. In: COLUMBIANUM. Terzo Mondo e Comunità Mondiale: testi delle relazioni presentate e lette ai congressi di Genova. Milão: Editore Marzoratti, 1967. p. 411-416.) retoma a ideia de homem cordial para aproximá-la da de disfarce: a cordialidade era uma camuflagem ideológica que prolongava a visão edênica colonial, servindo para mascarar as iniquidades, injustiças e opressões do subdesenvolvimento. Dissimulada, a violência material praticada pelas elites passava por um processo de distorção imaginária que tinha como efeito o seu apagamento. O mesmo indivíduo que recusava a aplicação de uma norma legal por considerá-la brutal e que se prestava gentilmente a favorecimentos ilícitos se demonstrava insensível a problemas como a fome e a mortalidade infantil: "Assim, a violência é ideologicamente distorcida para dar a impressão de que não exista" (CANDIDO, 1967CANDIDO, Antonio. Nature, éléments et trajectoire de la culture brésilienne. In: COLUMBIANUM. Terzo Mondo e Comunità Mondiale: testi delle relazioni presentate e lette ai congressi di Genova. Milão: Editore Marzoratti, 1967. p. 411-416., p. 416, tradução nossa).
A seu modo, a psicanálise também vê o atributo da cordialidade como espécie de mascaramento, pois o indivíduo, desde o berço, é preparado para refrear comportamentos instintivos através da educação, da censura e do treino. Inaugurador da psicanálise, Freud (1976)FREUD, Sigmund. Novas conferências introdutórias sobre psicanálise In: ______. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas. Rio de Janeiro: Imago, 1976. v. 22, p. 167-191. contrapõe-se à ideia de que a consciência seja a sede do funcionamento mental e propõe a existência de outra instância, o inconsciente. Este tem uma estrutura de linguagem, com leis de funcionamento próprias, e só pode ser interpretado através da narrativa do sujeito, marcada por significados ocultos, por um "material psíquico escondido" inclusive ao enunciador (FREUD, 1991______. Psicoanalisi della società moderna. Roma: Newton Compton, 1991., p. 19, tradução nossa). Tal fratura psíquica, baseada em recalques que afloram de forma inconsciente, está intimamente ligada às imposições da vida social, "pois a nossa civilização é construída sobre a repressão das pulsões" devido à necessidade de manter uma aparência de civilidade, em acordo com convenções de fundo moral (FREUD, 1991______. Psicoanalisi della società moderna. Roma: Newton Compton, 1991., p. 31, tradução nossa).
A percepção de Machado em relação à cordialidade do homem público, branco e brasileiro converge com a ideia de uma convencionalidade baseada na repressão de atos indesejáveis para a manutenção de uma boa aparência social. Na representação das atitudes e pensamentos de Aires, a cordialidade é desvelada como comportamento produzido com intencionalidade, à custa de muito autocontrole. Um exemplo é a autorrepresentação que faz o conselheiro quando, por educação, vê-se obrigado a escutar os elogios tecidos a Tristão pelo casal Aguiar: "eu tive de os ouvir com aquela complacência, que é uma qualidade minha, e não das novas. Quase que a trouxe da escola, se não foi do berço" (ASSIS, 2013______. Memorial de Aires. São Paulo: Martin Claret, 2013., p. 53). Empregado como autoelogio, o termo "complacência" deriva do latim complacere, com o significado próximo ao de agradável, ideia transmitida pelo conselheiro com a seguinte imagem: "Na escola não briguei com ninguém, ouvia o mestre, ouvia os companheiros, e se alguma vez estes eram extremados e discutiam, eu fazia da minha alma um compasso, que abria as pontas aos dois extremos. Eles acabavam esmurrando-se e amando-me" (ASSIS, 2013______. Memorial de Aires. São Paulo: Martin Claret, 2013., p. 53). Da passagem, depreende-se que a habilidade diplomática de Aires consistia em colocar-se a salvo de conflitos, fazendo com que as partes litigantes concordassem, se não entre si, pelo menos com a sua pessoa, que agradava a todos.
Agradar (comprazer) implica também concordar, verbo empregado pelo conselheiro em primeira pessoa quando descreve situações em que acolhe a opinião de terceiros por cortesia, mas sem o menor comprometimento íntimo. Concordar é um gesto mecânico que permite a Aires esclarecer para si ocasionais equívocos e evitar que seus interlocutores percebam a posição precária em que se encontra - no sentido de desentendimento do que ocorre ao seu redor -, poupando-lhe atritos e embaraços. É o que se pode perceber no trecho em que comenta o elogio feito por Tristão à Fidélia. Estando o velho a admirar as formas da moça e flagrando o rapaz a observá-las também, surpreende-se com a fala "Grande talento!", proferida por Tristão. Sem entender o objeto da frase, o conselheiro fica confuso a ponto de quase esquecer o gesto habitual de cortesia: "Percebi que se referia ao talento musical, e nem por isso fiquei menos espantado; quase me esqueceu concordar com ele. Concordei de gesto e de palavra, sem entender nada"(ASSIS, 2013______. Memorial de Aires. São Paulo: Martin Claret, 2013., p. 101).
A relação entre o ato de comprazer e a necessidade social de concordar aparece com igual clareza na representação de outro mal-entendido, dessa vez com os Aguiar. O conselheiro visita-os no dia 14 de maio e, ao vê-los sorridentes, atribui a alegria à Abolição e lhes dá felicitações, entendendo que é a saudação adequada, naquele dia, para todos os brasileiros. Está equivocado. A felicidade do casal não se deve ao evento público, mas a um acontecimento que o conselheiro desconhecia:
- Felicito-os.
- Já sabia? perguntaram ambos.
Não entendi, não achei que responder. Que era que eu podia saber já, para os felicitar, se não era o fato público? Chamei o melhor dos meus sorrisos de acordo e complacência, ele veio, espraiou-se e esperei. Velho e velha disseram-me então rapidamente, dividindo as frases, que a carta viera dar-lhes grande prazer, não sabendo que carta era nem de que pessoa, limitei-me a concordar:
- Naturalmente.
- Tristão está em Lisboa, concluiu Aguiar, tendo voltado há pouco da Itália; está bem, muito bem.
Compreendi (ASSIS, 2013______. Memorial de Aires. São Paulo: Martin Claret, 2013., p. 48, grifo nosso).
Contrariamente à indiferença dos Aguiar, a Abolição é presença constante nas anotações que o conselheiro realiza entre abril e maio de 1888. Inicialmente, o evento aparece como um tema lateral, referente aos negócios do pai de Fidélia, que para protestar contra a limitação do seu direito de propriedade se antecipa ao decreto alforriando seus escravos. Tinha certeza de que a maioria permaneceria em sua fazenda, ganhando o salário decidido por ele e outros sem ganho nenhum, "pelo gosto de morrer onde nasceram" (ASSIS, 2013______. Memorial de Aires. São Paulo: Martin Claret, 2013., p. 45). Nos dias seguintes, Aires fica em estado de alerta, aguardando o decreto que retiraria o Brasil do rol dos países infames. Na data de 19 de abril, menciona os boatos sobre o projeto abolicionista do imperador e anota que já era hora de acontecer, lembrando que, por ocasião da abolição nos Estados Unidos, vários jornais estrangeiros intimaram o Brasil a fazer o mesmo: "Espero que hoje nos louvem. Ainda que tardiamente, é a liberdade" (ASSIS, 2013______. Memorial de Aires. São Paulo: Martin Claret, 2013., p. 46). Notemos que, apesar da impaciência, a Abolição é interpretada pelo conselheiro como ato diplomático, destinado à aprovação externa.
Na anotação de 7 de maio, a libertação dos cativos aparece como fato iminente: "É a abolição pura e simples. Dizem que em poucos dias será lei" (ASSIS, 2013______. Memorial de Aires. São Paulo: Martin Claret, 2013., p. 47). No dia 13 de maio, Aires anota: "Nunca fui, nem o cargo me consentia ser, um propagandista da abolição, mas confesso que senti grande prazer quando soube da votação final do Senado e da sanção da regente" (ASSIS, 2013______. Memorial de Aires. São Paulo: Martin Claret, 2013., p. 47). O conselheiro não era o único a se sentir assim. Como descreve Lilia Schwarcz (2017SCHWARCZ, Lilia Moritz. Lima Barreto: triste visionário. São Paulo: Companhia das Letras , 2017., p. 63-65), a lei foi acolhida com entusiasmo pelos brasileiros, que acompanhavam os eventos como se estivessem diante de um espetáculo em praça pública. Nos dias que antecederam e se seguiram à Abolição, a "palavra 'liberdade' estava na boca de todos, e a notícia da lei áurea foi celebrada com um desfile que atravessou a rua do Ouvidor e invadiu a região do paço", com milhares de pessoas a comemorar (SCHWARCZ, 2017SCHWARCZ, Lilia Moritz. Lima Barreto: triste visionário. São Paulo: Companhia das Letras , 2017., p. 67). Convidado a se juntar à multidão, o conselheiro refreia o ímpeto, justificando-se: "Estive quase, quase a aceitar, tal era o meu atordoamento, mas os meus hábitos quietos, os costumes diplomáticos, a própria índole e a idade me retiveram melhor que as rédeas do cocheiro aos cavalos do carro, e recusei" (ASSIS, 2013______. Memorial de Aires. São Paulo: Martin Claret, 2013., p. 47). Mesmo que tivesse ido, confessa que nada faria: "meteria a cara entre os joelhos" (ASSIS, 2013______. Memorial de Aires. São Paulo: Martin Claret, 2013., p. 47). Nas anotações daquele dia histórico, a palavra "escravidão" deixa de ser utilizada, como se com o fim da escravatura, o termo também deixasse de existir. O conselheiro admite a vergonha íntima pelo cativeiro e a preocupação com o fato de que nenhuma lei seria capaz de apagar os rastros públicos daquela barbaridade: "Embora queimemos todas as leis, decretos e avisos, não poderemos acabar com os atos particulares, escrituras e inventários, nem apagar a instituição da história, ou até da poesia. A poesia falará dela, particularmente naqueles versos de Heine, em que o nosso nome está perpétuo" (ASSIS, 2013______. Memorial de Aires. São Paulo: Martin Claret, 2013., p. 47).
Os versos aludidos são do poema Navio negreiro, composto por Heinrich Heine em 1853-54 e inspiradores da criação homônima de Castro Alves. Neles, sintetiza Aires, "conta o capitão do navio negreiro haver deixado trezentos negros no Rio de Janeiro, onde a 'casa Gonçalves Pereira' lhe pagou cem ducados por peça" (ASSIS, 2013______. Memorial de Aires. São Paulo: Martin Claret, 2013., p. 47). No poema, o capitão diverte-se com a voracidade dos tubarões que se alimentam dos cadáveres jogados ao mar a cada manhã, mas as perdas financeiras o levam a rogar a Deus pelo fim da mortandade (HEINE, 2005HEINE, Heinrich. The slave ship. 2005. Disponível em: Disponível em: http://davidsbuendler.freehostia.com/slaveship.htm . Acesso em: 02 ago. 2023.
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, p. 1).4
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Heine também é citado na obra freudiana no livro Os chistes e sua relação com o inconsciente, de 1908, como autor de muitos chistes, especialmente aqueles que criticam a sociedade, o capitalismo, a riqueza. É dele o famoso chiste "Familionário", que inaugura a obra de Freud sobre o tema.
No dia 14 de maio, o jornal A Gazeta da Tarde estampava o sugestivo título "Liberdade é o dia de hoje" e as manchetes dos jornais eram ocupadas pelas notícias acerca da Abolição (SCHWARCZ, 2017SCHWARCZ, Lilia Moritz. Lima Barreto: triste visionário. São Paulo: Companhia das Letras , 2017., p. 63). É esta a data da visita de Aires à casa dos Aguiar, alheios ao fato histórico: "Não há alegria pública que valha uma boa alegria particular" (ASSIS, 2013______. Memorial de Aires. São Paulo: Martin Claret, 2013., p. 48), comenta venenosamente o conselheiro. A publicação da lei, evento público de extraordinária importância, era preterida pelo acontecimento privado da chegada da carta de Tristão, esta sim longamente esperada.
Considerações finais
Em nossa análise, lidamos com o conceito de literatura afro-brasileira desenvolvido por Eduardo de Assis Duarte (2023______. Por um conceito de literatura afro-brasileira. Literafro: o portal da literatura brasileira, p. 1-17, jul. 2023. Disponível em: www.letras.ufmg.br/literafro/arquivos/ artigos/teoricos-conceituais/Artigoeduardo 2conceitodeliteratura.pdf. Acesso em: 5 set. 2023.
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), atentando para a ideia de um lugar dissimulado de enunciação para comunicar um ponto de vista antirracista, que estaria presente em autores canônicos como Machado de Assis. A essa teoria, contrapusemos a de Cuti (2010)CUTI. Literatura negro-brasileira. São Paulo: Selo Negro, 2010., que recusa o conceito por entender que ele propõe uma negociação desvantajosa para o autor negro, incluído no cânone às custas do apagamento da própria identidade. De Cuti (2010)CUTI. Literatura negro-brasileira. São Paulo: Selo Negro, 2010., sublinhamos a argumentação de que a autoria, quando não se assume negra, se dirige a um público de leitores idealmente brancos. A partir daí, recuperamos a teoria literária de Ricœur (2010RICŒUR, Paul. Mundo do texto e mundo do leitor. In: ______. Tempo e narrativa 3: o tempo narrado. São Paulo: Martins Fontes: 2010. p. 267-309. [1984]), segundo a qual uma das marcas do romance moderno é o apagamento do autor real na figura do autor implicado, que perde poder para o leitor. Sugerimos que, o que na teoria de um crítico europeu demarca o artifício retórico da dissimulação como ganho de poder do leitor, na teoria de um crítico brasileiro e negro sinaliza a falta de poder do autor negro frente ao leitor branco. Problematizando tal dissimetria, defendemos a ideia de que ela pode se transformar em chave interpretativa a partir da qual é possível ler a obra de Machado de Assis, especialmente se considerarmos os narradores indignos de confiança que destilam veneno contra seus leitores. Constatamos que, se a posição dissimulada de Machado não é uma novidade no romance moderno, o contexto étnico-escravista a partir do qual ela se planteia faz com que seja dotada de maior complexidade do que a dissimulação percebida pelo crítico europeu. Isso porque o embate entre leitor e narrador não se dá somente em termos de categorias imbuídas socialmente do mesmo poder, mas também em termos hierárquicos da estrutura étnico-histórica brasileira. Assim, o autor implicado machadiano, ao enganar ou desrespeitar seu público de leitores que, seguindo a linha de pensamento de Cuti, são em sua maioria brancos, retira deles a carga de poder que as relações sociais brasileiras lhes concederam.
Em seguida, investigamos a dissimulação machadiana a partir das ideias de máscara e desmascaramento, que a crítica do século XX operou para analisar a obra do autor. Chegamos assim à leitura de Roberto Schwarz, que reforça a composição dos personagens machadianos como desvelamento dos disfarces da elite brasileira de fim de século, polida nas maneiras e bárbara nos costumes. Um marco, nesse sentido, é a análise de Memórias póstumas de Brás Cubas, que demonstra um procedimento narrativo em que o verniz da prosa do narrador é mais uma evidência da prática do abuso numa sociedade em que todos dependem da volubilidade do homem de posses. Schwarz, mais que nenhum outro, consegue realizar a separação entre o autor implicado indigno de confiança e o autor real, mostrando que só conseguimos gostar do primeiro se somos cúmplices da ordem social que o mantém no vértice.
Retomando o pensamento de Ricœur (2010RICŒUR, Paul. Mundo do texto e mundo do leitor. In: ______. Tempo e narrativa 3: o tempo narrado. São Paulo: Martins Fontes: 2010. p. 267-309. [1984]), mostramos que os procedimentos de dissimulação da autoria, embora sejam uma marca comum no romance moderno, ganham em Machado níveis maiores de complexidade, pela rede em que emaranha autores implicados e leitores ideais, autores reais e leitores desconfiados, embaraçados todos no tecido social de uma nação de base escravocrata. Dissimulando-se branca, ou seja, identificada pelo leitor com o pertencimento étnico à oligarquia livre em uma sociedade escravocrata, a posição do narrador implicado é, já de saída, indigna de confiança, e sua relação com o leitor não se dá nas mesmas bases que as do romance europeu: aqui, a máscara de que se serve o autor real é um artifício retórico que, se de um lado confirma o poder de enunciação do homem branco e de posses, do outro esvazia o poder do leitor idealmente branco. Sublinhamos, então, que o lugar dissimulado de fala desequilibra intencionalmente a narrativa, exigindo por parte dos receptores um esforço de leitura maior do que o que exigem os romances europeus modernos. Como vimos, a falta de confiabilidade de um narrador como Aires não é dada pelas características individuais do personagem, mas pela posição histórica e de classe a partir da qual se planteia seu discurso. Como os de Brás Cubas ou de Bentinho, são discursos em primeira pessoa que dão verossimilhança à identidade branca dos enunciadores, pela posição social que ocupam e que são, notoriamente, desde as primeiras levas de invasores que aqui chegaram, mentirosos. É essa premissa que permite desvendar falácias grosseiras como as de Brás Cubas, ou refinadas como as de Aires. O artifício retórico machadiano é um dedo na balança que desequilibra a narrativa, assim como a teoria moderna do romance, demandando do leitor um esforço ainda maior de compreensão. Podemos dizer que, em relação à prosa machadiana e nos termos de uma sociedade como a brasileira, o leitor desconfiado só o é na medida em que, rompendo o pacto de confiança com o autor implicado, o recompõe em relação ao autor real, compartilhando com o último a crença de que a elite brasileira e suas vozes narrativas são, verdadeiramente, dotadas da mais absoluta indignidade.
Passamos então ao último narrador indigno de confiança de Machado, o conselheiro Aires, frisando os aspectos que contradizem a sua aparência pacata e cordial, entendida como disfarce que o autor implicado encena e o autor real desvela. Chamamos a atenção para a questão planteada por Sérgio Buarque de Holanda acerca do familismo e dos laços de coração inatos do "homem cordial", criação baseada em aparências e firmadas sobre uma realidade brutal. Candido serve de reforço para a tese, mostrando que a cordialidade é uma forma de disfarce de que se serve a elite para camuflar a realidade do subdesenvolvimento. Desvelada a cordialidade como mecanismo de dissimulação, analisamos as representações que o conselheiro faz da Abolição em seu memorial, ressaltando sua preocupação com a imagem externa da nação. A libertação é um ato urgente porque envergonha o diplomata diante de seus pares no mundo. A comoção coletiva em torno da Abolição contagia as anotações de Aires, que mantém, contudo, o controle sobre as emoções. Na representação do encontro com o casal Aguiar, ressaltamos que, enquanto do lado de fora a multidão exultava, do lado de dentro, na esfera das relações privadas, as coisas estavam em seus costumeiros lugares. É no alheamento dos Aguiar que se entrevê quão mínimas serão as mudanças no quotidiano da nação, que continuará a explorar a mão de obra negra, antes escrava e depois quase gratuita.
Referências
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- ______. Memorial de Aires. São Paulo: Martin Claret, 2013.
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- CALDWELL, Helen. O Otelo brasileiro de Machado de Assis: um estudo de Dom Casmurro. Cotia: Ateliê Editorial, 2008.
- CANDIDO, Antonio. Nature, éléments et trajectoire de la culture brésilienne. In: COLUMBIANUM. Terzo Mondo e Comunità Mondiale: testi delle relazioni presentate e lette ai congressi di Genova. Milão: Editore Marzoratti, 1967. p. 411-416.
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1
Entre leitor e narrador existiria identidade e, portanto, um ponto de vista cúmplice e hostil em relação a um terceiro excluso da relação: a alteridade negra. O exemplo escolhido é um artigo de Nelson Rodrigues que, nos anos 1950, criticava o racismo partindo de um "nós" branco que maltratava o preto, colocado no lutar da alteridade (CUTI, 2010CUTI. Literatura negro-brasileira. São Paulo: Selo Negro, 2010., p. 20-21).
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A partir de uma tríade negra (personagem negra - autor negro que se enuncia em primeira pessoa - leitor negro), os precursores da literatura negro-brasileira teriam sido: as Trovas burlescas (1859) de Luís Gama; Broquéis e Missal (ambos de 1893) de Cruz e Souza; e Lima Barreto, com Recordações do escrivão Isaías Caminha (1909). A eles é acostada também a prosa de Maria Firmina dos Reis (CUTI, 2010CUTI. Literatura negro-brasileira. São Paulo: Selo Negro, 2010.).
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A partir deste ponto, trechos do artigo reelaboram parcialmente ideias desenvolvidas com maior amplitude na dissertação de Maria Conceição Vita, defendida em 2019 no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), sob orientação da coautora do artigo.
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Heine também é citado na obra freudiana no livro Os chistes e sua relação com o inconsciente, de 1908, como autor de muitos chistes, especialmente aqueles que criticam a sociedade, o capitalismo, a riqueza. É dele o famoso chiste "Familionário", que inaugura a obra de Freud sobre o tema.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
05 Ago 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
20 Out 2023 -
Aceito
08 Mar 2024