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Machado de Assis no jornal Cosmopolita

APRESENTAÇÃO DE FELIPE PEREIRA RISSATO

Em ensaio publicado no número 87 (abr.-jun. 2016) da Revista Brasileira, editada pela Academia Brasileira de Letras – entre a divulgação de recentes achados literários machadianos –, foi indicada a existência de uma colaboração supostamente perdida que Machado de Assis deu ao número especial do jornal ítalo-brasileiro Il Cosmopolita (à época já intitulado apenas Cosmopolita), de 20 de setembro de 1884. A publicação comemorava o 14º aniversário da unificação italiana após a entrada das tropas do exército italiano em Roma, o que concorreu para a queda do poder temporal do papa Pio IX.

Tal colaboração jamais foi referenciada em qualquer das bibliografias acerca da obra do escritor, passando despercebida por mais de 130 anos; e continuaria ignorada, se não fosse uma nota publicada pelo jornal Brazil, de 23 de setembro de 1884, o único a citar os nomes de vários homens de letras que contribuíram para o número especial do Cosmopolita, entre eles, Machado de Assis. Outros jornais fluminenses que apenas mencionam a edição especial, de 15 mil exemplares, são: Jornal do Commercio, Gazeta de Notícias, O Paiz, A Folha Nova, Diário Fluminense e Mercantil.

Recorrendo à Biblioteca Nacional, deparamo-nos com a listagem divulgada nos Anais daquela instituição, indicando fazerem parte do acervo, em 1965, todos os 51 números de 1884 do Cosmopolita, bem como os do ano seguinte, quando o periódico trocara novamente o título, desta vez para L’Italia. Porém, fazendo a consulta nas bases atuais, encontramos a lastimável coleção de apenas dois exemplares do ano de 1884: o nº 5, de 16 de janeiro, e o nº 38, de 27 de agosto.

Nos acervos do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, do Real Gabinete Português de Leitura e da Academia Brasileira de Letras, não encontramos rastros da existência de número algum. Em pesquisa feita à listagem dos periódicos pertencentes à coleção de Plínio Doyle, na Fundação Casa de Rui Barbosa, também não logramos nada encontrar. Temíamos, assim, que esse texto machadiano estivesse irremediavelmente perdido, como tantos outros, haja vista a escassez de exemplares daquele jornal nos principais acervos públicos do país.

Na obra La costruzione di un’identità collettiva: storia del giornalismo in lingua italiana in Brasile (2014), de Angelo Trento, o autor menciona a existência dos dois exemplares da Biblioteca Nacional brasileira (já aludidos) e mais dois, sendo um datado de 25 de dezembro de 1883 e outro de 1884 (sem especificar a data), pertencentes ao Arquivo Estadual de Pernambuco. Antes, porém, que enviássemos uma mensagem a esse Arquivo, para indagar a data do exemplar de 1884 ali guardado, resolvemos realizar uma nova busca na Fundação Casa de Rui Barbosa, desta vez em sua base de dados, e quase não acreditamos quando nos resultados apareceu, como único exemplar do acervo, justamente o Cosmopolita de 20 de setembro de 1884!

Classificado sob a referência Rev. 228, faz parte da coleção Plínio Doyle, da Biblioteca São Clemente. Por alguma razão, porém, como acima dissemos, não consta da listagem de periódicos dessa coleção.

Entramos em contato com a instituição e graças à atenção que nos dispensaram a diretora do Centro de Memória e Informação da FCRB, Sra. Ana Lígia Silva Medeiros, e o serviço de biblioteca, na pessoa da Sra. Raquel Cristina da Silva Tiellet Oliveira, a quem penhoradamente agradecemos, temos a satisfação de apresentar aos leitores a colaboração de Machado de Assis, estampada à página 3 do Cosmopolita, em português (1ª coluna) e também vertida para o italiano (4ª coluna):

Cada cousa tem o seu tempo. O que estava no coração de todo italiano, o que Maquiavel insinuava aos Médicis, só se pôde fazer neste século, depois que a Itália aprendeu duramente na escola da servidão.

A melhor liberdade é a que mais custa.

Machado de Assis.


Crédito da imagem 1: Fundação Casa de Rui Barbosa / Arquivo Museu de Literatura Brasileira

Ogni cosa ha il suo tempo. Ciò che stava nel cuore d’ogni italiano, ciò che Machiavelli insinuava ai Medici, potè realizzarsi soltanto in questo secolo, dopo avere l’Italia duramente imparato alla scuola della Servitù.

La miglior libertà è quella che costa di più.

Machado de Assis.


Crédito da imagem 2: Fundação Casa de Rui Barbosa / Arquivo Museu de Literatura Brasileira

A Itália sempre foi bem quista por Machado. A homenagem à unificação italiana confirma a realização do sonho do jovem poeta que, no Correio Mercantil de 10 de fevereiro de 1859, já profetizava ao escrever:

Despe esses ferros de dormente escrava,

Que o sol dos livres no horizonte vem!

[…]

Pálida Itália – ressuscita agora

O ardor nos peitos – na esperança a fé.

Referências

  • A FOLHA Nova, Rio de Janeiro, 19 set. 1884, p. 3.
  • ANAIS da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, vol. 85, p. 36, 1965.
  • ASSIS, Machado de. “À Itália”. Correio Mercantil, Rio de Janeiro, 10 fev. 1859, p. 1.
  • BRAZIL, Rio de Janeiro, 23 set. 1884, p. 2.
  • COSMOPOLITA, Rio de Janeiro, 20 set. 1884, p. 3.
  • DIÁRIO Fluminense, Rio de Janeiro, 20 set. 1884, p. 2.
  • GAZETA de Notícias, Rio de Janeiro, 19 set. 1884, p. 2.
  • JORNAL do Commercio, Rio de Janeiro, 21 set. 1884, p. 2.
  • MERCANTIL, Petrópolis, 24 set. 1884, p. 1.
  • O PAIZ, Rio de Janeiro, 3 out. 1884, p. 1.
  • REVISTA Brasileira, Rio de Janeiro, fase VIII, ano V, n. 87, abr.-jun. 2016.
  • TRENTO, Angelo. La costruzione di un’identità collettiva: storia del giornalismo in lingua italiana in Brasile. Viterbo: Sette Città, 2014. Disponível em: https://books.google.com.br/books?id=KygdBAAAQBAJ&pg Acesso em: 30 abr. 2016.
    » https://books.google.com.br/books?id=KygdBAAAQBAJ&pg

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2016

Histórico

  • Recebido
    05 Jul 2016
  • Aceito
    12 Jul 2016
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