Em O Espelho (1859)
Em Correio da Tarde (1858)
Observações
Uma das plantas europeias que dificilmente se tem aclimatado entre nós, é o folhetinista. [...] O folhetinista é originário da França, onde nasceu, e onde vive a seu gosto, como em cama no inverno. De lá espalhou-se pelo mundo, ou pelo menos por onde maiores proporções tomava o grande veículo do espírito moderno; falo do jornal.
O folhetinista é uma planta moderna, originária da França, aclimatada hoje em todos os países civilizados: brotando ao contato de todas as atmosferas. Trouxe-nos o bom vento do progresso essa produção curiosa do século XIX, como o vento do outono traz uma folha escapada das florestas.
Embora as estações do ano tenham se alterado na passagem de um texto para o outro, isto é, do outono para o inverno, a caracterização do folhetinista como planta originária da França permanece a mesma.
O folhetinista, na sociedade ocupa o lugar do colibri na esfera vegetal; salta, esvoaça, brinca, tremula, paira e espaneja-se sobre todos os caules suculentos, sobre todas as seivas vigorosas. Todo mundo lhe pertence; até mesmo a política. [...] é fácil encontrá-lo no primeiro teatro ou baile aparecido.
O folhetinista é o colibri da literatura. Como ele dourado, como ele inquieto e travesso. Rola e mete-se por toda a parte; mas o seu lugar favorito é o baile.
Temos a referência ao colibri nos dois textos.
Todos o amam, todos o admiram, porque todos têm interesse em estar de bem com esse arauto amável que levanta nas lojas do jornal, a sua aclamação hebdomadária.
O folhetinista frequenta as livrarias, os saraus e as reuniões literárias. Por toda a parte é o mesmo. Querido, benquisto, adorado todos o cercam de menções e de cuidados; é o bezerro de oiro do mundo social, como do mundo político e literário. A razão é clara. É que ele é o eterno pesadelo dos poetas, dos artistas, de toda a classe de gente. Todos querem chegar ao conhecimento público por meio das detonações hebdomadárias d'este órgão da imprensa - o folhetim.
O folhetinista é amado por todos.
O folhetinista é a fusão admirável do útil e do fútil, o parto curioso e singular do sério, consorciado com o frívolo. Estes dois elementos arregados como polos, heterogêneos como água e fogo, casam-se perfeitamente na organização do novo aminal [sic].
O folhetim nasceu do jornal: o folhetinista do jornalista. Partindo desta consanguinidade explica-se facilmente o estilo misto de grave e frívolo, sério e risonho, severo e amável da entidade em questão: é o pai que reflexiona o espírito ardente do filho. [...] Não descobrireis o folhetinista à primeira vista; é preciso que ele fale, gesticule, sente-se, levante-se, ria-se; porque ele em qualquer destas funções é o folhetim em pessoa; grave e risonho, severo e frívolo.
O folhetinista encerra opostos.
Alguns vão até Paris estudar a parte fisiológica dos colegas de lá; é inútil dizer que degeneram no físico como no moral.
Inquilino inseparável do jornalista, o folhetinista orna nas lojas, as verdades caídas do andar de cima. Não conta: discute, analise [sic], descarna, com a grandeza de um filósofo alemão, e o espírito fútil de um roué do século XVII; é enfim, um mundo pensante na cabeça de uma borboleta. O que acabo de dizer, não é, como parece, fora de propósito. O moral reflete-se no físico. O folhetinista-corpo, é o mesmo que o folhetinista-espírito. São as duas faces de Jano, duas faces idênticas.
O folhetinista é a junção e degeneração do físico e do moral.
Na apreciação do folhetinista pelo lado local, temo talvez cair em desagrado negando a afirmativa. Confesso apenas excepções. Em geral o folhetinista aqui é todo parisiense; torce-se a um estilo estranho, e esquece-se nas suas divagações sobre o boulevard e Café Tortoni de que estão sobre mac-adam lamacento e com uma grossa tenda lírica no meio de um deserto. [....] Força é dizê-lo; a cor nacional, em raríssimas exceções tem tomado o folhetinista entre nós. Escrever folhetim e ficar brasileiro é na verdade difícil. Entretanto como todas as dificuldades se aplanam, ele podia bem tomar mais cor local, mais feição americana. Faria assim menos mal à independência do espírito nacional, tão preso a essas imitações, a esses arremedos, a esse suicídio de originalidade e iniciativa. M-as
O folhetinista varia segundo o país que vive. Mas só em França existe a raça genuína. Entre nós é quase um mito. Esta planta exótica, transplantada para aqui, perdeu muito da sua originalidade. Uma feição local, uma cor particular quase ninguém tem podido obter. Alguns à força de imitar, ou antes, copiar, os colegas de além-mar caíram na caricatura, e na caricatura mais irrisória do mundo. Pois é pena! Podiam bem ocupar uma posição no mundo literário sem ferir tão cruelmente em, e tão de face o senso comum.?
Por fim, falta ao folhetinista "mais cor local".