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O OCULTO DO APARENTE: A RELAÇÃO TEXTO-MÚSICA PRESENTE NA CANÇÃO CORAÇÃO TRISTE, DE ALBERTO NEPOMUCENO, COMPOSTA SOBRE VERSOS DE MACHADO DE ASSIS

THE HIDDEN OF THE APPARENT: THE TEXT-MUSIC RELATIONSHIP PRESENT IN THE BRAZILIAN ART SONG CORAÇÃO TRISTE [SAD HEART], BY ALBERTO NEPOMUCENO, COMPOSED TO VERSES BY MACHADO DE ASSIS

Resumo

Este artigo investiga a presença de relações texto-música na canção brasileira de câmara Coração triste, para canto e piano, de Alberto Nepomuceno, sobre versos de Machado de Assis, e disponibiliza dados acerca da união de poeta e compositor a partir do olhar de estudiosos da canção nacional. Voltado para leitores distantes da linguagem musical e tendo como referência as obras Guidelines for Style Analysis, de LaRue (1992)LARUE, Jan. Guidelines for Style Analysis. 2. ed. Michigan: Harmonie Park Press, 1992., e Curso de Formas Musicales, de Zamacois (1994)ZAMACOIS, Joaquín. Curso de Formas Musicales. 10. ed., Barcelona: Labor, 1994 [1960] ., este estudo dispõe dados do processo criativo conhecido como relação texto-música, presente na música ocidental desde seus primórdios, cujos reflexos permanecem através dos séculos até a atualidade. Completa este estudo a disponibilização de uma interpretação dessa canção, por dois dos autores deste estudo.

Palavras-chave:
canção brasileira de câmara; Coração triste; Alberto Nepomuceno; relação texto-música; Machado de Assis

Abstract

This article investigates the presence of text-music relationships in the Brazilian Art Song Coração triste [Sad Heart], for voice and piano, by Alberto Nepomuceno, on verses by Machado de Assis, and provides data about the union of poet and composer from the perspective of scholars of the Brazilian Art Song. Aimed at readers distant from the musical language and taking as reference the works Guidelines for Style Analysis, by LaRue (1992)LARUE, Jan. Guidelines for Style Analysis. 2. ed. Michigan: Harmonie Park Press, 1992., and Curso de Formas Musicales, by Zamacois (1994)ZAMACOIS, Joaquín. Curso de Formas Musicales. 10. ed., Barcelona: Labor, 1994 [1960] ., this study provides data on the creative process known as the text-music relationship, present in western music since its beginnings, whose reflections remain throughout the centuries until today. This study is completed by the availability of an interpretation of this Art Song, by two of the authors of this study.

Keywords:
Brazilian Art Song; Coração triste [Sad Heart]; Alberto Nepomuceno; Text-Music Relationship; Machado de Assis

Introdução

O gênero canção de câmara, tal como o conhecemos hoje, firmou-se na Europa do século XIX, tendo Franz Schubert (1797-1828) como marco significativo, uma vez que esse compositor equiparou a importância da escrita para o piano, anteriormente concebida como base harmônica de apoio à linha vocal, proporcionando obras que valorizaram sobremaneira a poesia alemã criada à época. Segundo Magnani (1989MAGNANI, Sérgio. Expressão e comunicação na linguagem da música. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1989., p. 151), "O Lied1 1 Lied, no plural Lieder, é uma palavra de gênero neutro da língua alemã. Em música, entende-se por Lied a canção erudita para canto e piano. Seu correspondente no Brasil é citado como canção brasileira de câmara ou canção de câmara brasileira, não havendo consenso sobre uma terminologia definitiva quanto a isso. alemão é o modelo de todas as canções que surgem nos vários países da Europa - e, mais tarde, da América -, trazendo à tona o precioso manancial dos folclores nacionais".

O emprego da voz, veículo mais sensível e o único que é totalmente natural entre as fontes sonoras, encontrou no gênero canção de câmara, ainda segundo Magnani (1989MAGNANI, Sérgio. Expressão e comunicação na linguagem da música. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1989., p. 219):

A perfeita dicção, a valorização exata do fraseado musical, a recriação de uma atmosfera poética, a compreensão literária, a sobriedade de um estilo expressivo mais íntimo do que exuberante: tais são os objetivos do cantor de câmara, cuja comunicação não se apoia no movimento cênico, mas tão-somente na atitude plástica do corpo e na expressão fisionômica.

O Lied alemão encontrou seu representante na França com a mélodie française e, na Itália e Estados Unidos, com a canzone italiana e a Art Song, respectivamente. No Brasil, encontramos o termo canção brasileira de câmara, preferido por estes autores, ou canção de câmara brasileira, citado por outros. A trajetória desse gênero na Terra brasilis possui características marcantes. Tendo muitos dos nossos antigos compositores no século XIX rumado para a Europa para obter mais conhecimento em países reconhecidos por sua excelência musical, como Alemanha, França e Itália, nosso cancioneiro erudito sofreu influências estéticas dos países que receberam nossos patrícios compositores. Nesse sentido, Alberto Nepomuceno (1864-1920), cuja canção Coração triste, composta sobre versos de Machado de Assis (1839-1908), é objeto de estudo neste artigo, produziu títulos em outros idiomas, como Aime-moi, sobre poema de Émilie Arnal (1863-1935), Der wunde Ritter, sobre poesia de Heinrich Heine (1797-1856), e Perché, com poema de Gaetano Maria Aleardi (1812-1878). Essa postura, na qual compositores nacionais se debruçavam sobre textos poéticos provenientes de outros países, esteve bastante presente no século XIX e início do XX, pelo motivo supracitado. Tampouco havia no Brasil reflexões sobre o Nacionalismo em música, cujo nascimento se deu na Europa, na primeira metade do século XIX, caracterizado pela busca do uso de elementos musicais nacionais em canções de câmara e a utilização de temas nacionais como enredos de melodramas, ou seja, a ópera.

No século XX, principalmente após a Semana de Arte Moderna, ocorrida em 1922, com a valorização do Nacionalismo e o início do Modernismo em música no Brasil, nossa produção de canções de câmara ofertou criações que ilustram inúmeras realidades culturais, sociais e religiosas brasileiras. Assim, nosso cancioneiro, tendo como base o extenso leque de possibilidades poéticas nacionais, produziu cenários musicais que estampam os lamentos lânguidos de roceiros em paisagens rurais, invocações religiosas de matizes de nossa diversidade de religiões, o lamento da população negra escravizada e suas canções de trabalho, cantos indígenas cuja musicalidade está intimamente ligada à natureza, ou mesmo a agitação de grandes centros culturais brasileiros e seus desdobramentos para a rotina do homem moderno no Brasil. Anterior, porém, a esse período histórico, encontramos em Alberto Nepomuceno o defensor do canto em vernáculo, luta que travaria por toda sua existência, possibilitando a ele ser reconhecido como o estandarte da canção brasileira de câmara.

Dessa forma, este artigo se constitui da identificação e apresentação de relações texto-música na canção Coração triste, cujos dados sobre sua gênese serão apresentados ao longo deste estudo. Concebida por Alberto Nepomuceno a partir do poema "Coração triste falando ao sol", essa canção integra o reduzido número de poemas de Machado de Assis traduzidos para a linguagem musical no Brasil. Nesse sentido, os autores deste texto esperam contribuir para uma melhor divulgação da parceria entre Machado e Nepomuceno, representantes elevados dos ofícios aos quais se dedicaram.

Contexto histórico e dados sobre a canção Coração triste, de Alberto Nepomuceno

Composta em Petrópolis, em 1899, e publicada na primeira década do século XX, a partitura de Coração triste foi construída sobre o poema "Coração triste falando ao sol", presente no livro Falenas, mais especificamente na Lira chinesa, sendo esse poema o primeiro das oito poesias que compõem essa seção de Falenas. Segundo o próprio Machado de Assis, ao se referir a esses textos poéticos: "Os poetas imitados n'esta coleção são todos contemporâneos. Encontrei-os no livro publicado em 1868 pela Sra. Judith Walter, distinta viajante, que dizem conhecer profundamente a língua chinesa, e que traduziu em simples e corrente prosa" (ASSIS, 1870ASSIS, Machado de. Falenas. Rio de Janeiro: Garnier, 1870. Disponível em: https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/5007.
https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/50...
, p. 215). Segundo Ramos e Prado (2020RAMOS, Eliana Asano; PRADO, Maria Yuka de Almeida. Relações intertextuais entre canções de Nepomuceno sobre poemas parnasianos e simbolistas e a mélodie Francesa: Coração triste e Canção da ausência. MUSICA THEORICA, v. 5, n. 1, p. 242-277, 2020. , p. 255), "Le livre de Jade (1868) é o livro de poemas chineses traduzidos para o francês por Judith Walter, pseudônimo de Judith Gautier (1845-1917), poetisa francesa, filha do famoso poeta francês Théophile Gautier (1811-1872)". Na Figura 1, apresentamos excerto de Falenas em sua edição original, contendo o poema "Coração triste falando ao sol", cujos versos foram musicados por Alberto Nepomuceno, que registrou a canção com o título de Coração triste:

Figura 1
Poema "Coração triste falando ao sol" em sua primeira edição, de 1870. Fonte: ASSIS, 1870ASSIS, Machado de. Falenas. Rio de Janeiro: Garnier, 1870. Disponível em: https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/5007.
https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/50...
.

Em meio a cerca de setenta canções para canto e piano, acervo que reflete a evolução da trajetória composicional de Alberto Nepomuceno, Coração triste figura como título dos mais interpretados do compositor em recitais.

No âmbito da canção de câmara, poucos compositores nacionais abordaram a obra de Machado de Assis, dentre os quais destacamos, além de Alberto Nepomuceno, Hostílio Soares (1898-1988), que musicou o soneto "A Carolina" e o poema "Quando ela fala", esse último também transformado em música pelo compositor Luiz Melgaço (1903-1983). Por outro lado, o poeta com frequência registrou em sua obra cenas nas quais a música se fazia presente. Segundo Tinhorão (2000TINHORÃO, José Ramos. A música popular no romance brasileiro. São Paulo: Editora 34, 2000., p. 184), por exemplo, ao citar cenas de bailes na obra de Machado de Assis, registrou que "as descrições mais demoradas eram de preferência dedicadas às valsas". Todavia, esse autor também notou "a ausência quase completa de referências à vida e à música das camadas mais baixas da população nos seus romances" (TINHORÃO, 2000TINHORÃO, José Ramos. A música popular no romance brasileiro. São Paulo: Editora 34, 2000., p. 184).

A dedicatória

Coração triste foi dedicada a Roxy King (1878-?), soprano norte-americana que aos 13 anos veio, junto com sua família, para o Brasil. Seus predicados vocais a levaram à Alemanha, onde, após concluir seus estudos no Conservatório de Berlim, desenvolveu profícua carreira lírica, tendo atuado em óperas de repertório como Don Giovanni de Mozart, Africaine de Meyerbeer, Fliegenden Holländer e Tannhäuses de Wagner. Retornou ao Brasil, onde atuou também como pedagoga. Sua voz, embora pela precariedade da qualidade sonora dos registros de áudio do início do século XX (1908), pode ser apreciada por meio do Qr Code disponível na Figura 2, trazendo até nós a voz que Alberto Nepomuceno imaginou interpretando Coração triste; e uma rara foto da artista pode ser observada na Figura 3, a seguir:

Figura 2
QR Code de acesso à interpretação de C'era una volta un principe, da ópera Il Guarany, de Carlos Gomes, por Roxy King. Fonte: elaborado pelos autores.

Figura 3
Roxy King, soprano norte-americana radicada no Brasil, a quem a canção Coração triste, de Alberto Nepomuceno, foi dedicada. Fonte: ROXY KING...ROXY KING (Soprano). Forgotten Opera Singers. Disponível em: http://forgottenoperasingers.blogspot.com/2015/04/roxy-king-soprano.html.
http://forgottenoperasingers.blogspot.co...
, on-line.

A estrutura musical de Coração triste

Dirigimo-nos ao leitor, com especial atenção, apresentando dados sobre forma em música. Sendo também a música uma linguagem, o conceito de forma pode ser definido como uma organização de ideias musicais, uma arquitetura envolvendo estruturas de inspirações. Segundo Zamacois (1994ZAMACOIS, Joaquín. Curso de Formas Musicales. 10. ed., Barcelona: Labor, 1994 [1960] ., p. 3, tradução nossa), em sua obra Curso de Formas Musicales, ao se referir sobre inspiração e ponderação em relação à forma musical:

Não é suficiente a inspiração das ideias musicais; é necessário também a inspiração na maneira de tratá-las. Se o primeiro inimigo do compositor é a carência de ideias, o segundo é a superabundância das mesmas. Às vezes, por querer dizer muitas coisas, pode-se correr o risco de não expressar claramente nenhuma delas. É preciso saber escolher as ideias, focar a atenção nas necessárias e descartar as desnecessárias, que, no entanto, podem ser excelentes para outra oportunidade.

Composta para canto e piano, Coração triste apresenta forma A-B-A', também chamada de estrutura ternária, com três partes, sendo cada parte direcionada para cada uma das três estrofes do poema. O acréscimo da linha (em música, citamos o apóstrofo como linha) na última parte, retorno da primeira, A, significa que, embora muito parecida com a parte A, ela será ligeiramente modificada. Na parte B, como é usual nessa forma, notamos aspectos contrastantes em relação à parte A e A'. A forma A-B-A é também chamada de forma Lied, e neste momento, digno de nota, importante é informar ao leitor a diferença entre gênero Lied, composição para voz e instrumento harmônico, habitualmente o piano, e forma Lied, estrutura sobre a qual pode ser concebida uma composição. Podemos supor que a canção Coração triste tenha sido bem acolhida pelo poeta. Concebida a partir do modelo europeu de canções de câmara, Coração triste apresenta como timbre o uso da voz e o piano. Notadamente, segundo Wisnik (2008WISNIK, José Miguel. Machado maxixe: o caso Pestana. São Paulo: Publifolha, 2008., p. 42-3), em Machado maxixe: o caso Pestana:

O piano traz consigo um fragmento prestigioso de Europa, constituindo-se nesse misto de metonímia de civilização moderna e ornamento do lar senhorial, onde entretém as moças confinadas ao espaço da casa. Além disso, dada a própria extensão da sua presença e a conhecida dinâmica adaptativa e apropriadora da vida musical brasileira, vem a ser atingido e transformado, em certa medida, por usos populares.

Ao todo, Nepomuceno construiu a canção Coração triste em 58 compassos, nos quais o poema se apresenta musicalmente na tonalidade de Ré menor nas partes A e A' e na tonalidade de Fá sustenido menor (Fá#menor, na grafia corrente na literatura musical). Podemos pensar em tonalidades como cores, nas quais qualquer música é composta.2 2 Há também a possibilidade de se criar músicas sem tonalidades definidas. Essas são chamadas atonais e dizem respeito ao desenvolvimento da história da música, na busca por sua transformação. Compasso, na linguagem musical, constitui-se numa forma de dividir quantitativamente em grupos os sons de determinada obra musical. Serve para organizar o pensamento musical do compositor, facilitando a performance musical, essa sempre baseada numa unidade de tempo, com pulso mais rápido ou mais lento, segundo a concepção de cada compositor. Para Med (1996MED, Bohumil. Teoria da música. 4. ed. Brasília: Musimed, 1996., p. 114), compasso "é a divisão de um trecho musical em séries regulares de tempos; é o agente métrico do ritmo". Ainda segundo esse autor, "Os compassos são separados por uma linha vertical, chamada barra de compassos ou travessão".

Para a concepção da canção Coração triste, Nepomuceno valeu-se do compasso quaternário, que, como o próprio nome aponta, possui quatro tempos. A escolha por compassos binários, ternários, quaternários e outros, na canção de câmara, está ligada intimamente à estrutura poética a ser abordada. Na literatura musical, a fórmula do compasso quaternário apresenta-se de duas maneiras: 4/4 ou com a indicação C. Na edição observada neste estudo, publicada pela Casa Arthur Napoleão, tradicional editora carioca, consta a indicação de compasso quaternário por meio da grafia C, circundado na cor azul para a linha vocal e também para as claves do piano, como podemos aferir na Figura 4, a seguir, que também nos mostra barras de divisão de compassos:

Figura 4
Indicação de compasso quaternário na canção Coração triste, de Alberto Nepomuceno, composta sobre versos de Machado de Assis. Fonte: NEPOMUCENO, [s. d.]NEPOMUCENO, Alberto. Coração triste: canção. Ré menor; para canto e piano. Rio de Janeiro: Narciso e Arthur Napoleão, [ s. d.]. Partitura. 4 p. Acervo pessoal de Mauro Chantal., acervo pessoal de Mauro Chantal.

Tal qual o conhecemos, o sistema tonal possui tonalidades maiores e menores, sendo que a essas últimas foram destinados, quase sempre, afetos como tristeza, angústia, mágoa, desespero, luto e rancor, entre outros, sendo que diversos dos afetos de alegria, felicidade, amor correspondido, entre outros, envolvem, geralmente, as tonalidades maiores. Nesse sentido, apontamos duas tonalidades menores na estrutura de Coração triste, o que coaduna com o pensamento poético de Machado de Assis, pois o eu lírico apresentado no poema em questão reflete sobre características do outono, "onde não há florir", e se declara, por fim, dono de um "triste coração". Assim, a figuração de sentimentos como abandono, solidão e tristeza pode ser percebida no poema em questão, ligada à estação do outono, que apresenta o fenecer da natureza, em preparação para o rigor do inverno.

Coração triste, por suas características como canção representante do romantismo musical brasileiro, assim como pela força dos versos poéticos que a sustentam, permanece como título constante em recitais do gênero. Suas particularidades como criação musical a fazem transitar também como material didático, por permitir ao aluno de canto lírico o trânsito vocal por meio de legato3 3 Legato, palavra italiana bastante utilizada na grafia musical, cujo significado consiste em ligar notas sucessivas, de modo que não haja nenhum silêncio entre elas. constante, andamento tranquilo, frases bem estruturadas que favorecem uma respiração de fácil alcance e âmbito vocal condizente com vozes agudas, masculinas ou femininas, a saber, tenor ou soprano.

O compositor Alberto Nepomuceno

Natural de Fortaleza, Ceará, Alberto Nepomuceno atuou como compositor, pianista, organista e regente. É considerado o pai do nacionalismo na música dita erudita no Brasil, por seus esforços no sentido de valorizar o canto vernáculo. Defensor da República e da abolição, mudou-se para a Europa, tendo estudado na Itália e Alemanha. Por seu contato com Edward Grieg (1843-1907), representante máximo do Nacionalismo na Europa, Nepomuceno voltou-se para a nacionalização da música erudita no Brasil. A partir de então, realizou um histórico recital no Instituto Nacional de Música, hoje Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 04 de agosto de 1895, no qual apresentou uma série de canções de câmara de sua autoria, todas em vernáculo. Sua atuação, nesse sentido, gerou diversas críticas por parte dos que defendiam que a língua portuguesa não era indicada ao canto lírico.

Sendo a Música uma arte que atesta o tempo no qual é concebida, temos nos esforços de Alberto Nepomuceno o prelúdio do que o Brasil viveria na década de 1920 com a Semana de Arte Moderna, momento de liberdade para a instalação e desenvolvimento de nosso Nacionalismo. Sua produção musical voltada para a voz valorizou poetas nacionais como Coelho Netto (1864-1934), Juvenal Galeno (1838-1931) e Gonçalves Crespo (1846-1883), entre outros.

Sobre a poesia de Machado de Assis, Nepomuceno compôs uma única canção, Coração triste. De seu período como professor de piano no Clube Beethoven,4 4 Data de 4 de janeiro de 1882 a inauguração do Club Beethoven, que promovia saraus com os músicos de destaque da época. conviveu diretamente com o poeta, que o parabenizou pela composição de Coração triste, em correspondência datada de 27 de julho de 1904, na qual, segundo dados da Exposição Comemorativa do Centenário do Nascimento de Alberto Nepomuceno, patrocinada pela Biblioteca Nacional e pela Universidade do Ceará, em 1964, Machado de Assis agradece a inclusão de Coração triste no Álbum de canções musicadas por Nepomuceno. Essa carta pertence ao acervo familiar do compositor e, pelos dados supracitados, podemos aferir que Nepomuceno recebeu o aval de Machado de Assis no que respeita ao manejo poético de Coração triste em notas e pausas musicais.

O nome de Alberto Nepomuceno, sua obra musical e sua atuação como profissional são reverenciados como de extremo valor no desenvolvimento da história da música no Brasil. Entre honrarias póstumas, destacamos a cadeira de número 30 da Academia Brasileira de Música, como patrono dessa instituição, e o Conservatório Alberto Nepomuceno, na cidade de Fortaleza, Ceará. Seu nome ilustra também a Biblioteca da Escola de Música daUFRJ. Reconhecido como pai da canção brasileira, o nome e a obra de Alberto Nepomuceno estão constantemente envoltos em pesquisas acadêmicas que, aos poucos, têm mapeado a produção musical erudita do Brasil.

As relações texto-música presentes na canção Coração triste

O que os autores deste texto definem como relação entre texto e música, ou seja, relação texto-música, se configura como um dos aspectos mais interessantes em análises voltadas para a produção do gênero canção de câmara. A música, ao abordar a retórica, vale-se de técnicas composicionais que tentam refletir o significado literal de determinadas palavras e/ou textos. Segundo Helena Beristáin, em seu Diccionario de Retórica y Poética (1988BERISTÁIN, Helena. Diccionario de Retórica y Poética. Cidade do México: Porrúa, 1988., p. 421), a retórica nada mais é do que a "Arte de elaborar discursos gramaticalmente corretos, elegantes e, sobretudo, persuasivos. [...] A retórica é muito antiga. A sistematização dos procedimentos e recomendações para idealizar, construir, memorizar e pronunciar diferentes tipos de discursos, data do séc. V a. C.". Segundo o Grove Dictionary of Music Online, ao tratar do termo word-painting, aponta-se que se trata do "uso de gesto(s) musical(is) em uma obra com texto real ou implícito para refletir, muitas vezes de forma pictórica, o significado literal ou figurativo de uma palavra ou frase" (OXFORD MUSIC ONLINEOXFORD MUSIC ONLINE. Disponível em: https://www.oxfordmusiconline.com/grovemusic/search?q=word-painting&searchBtn=Search&isQuickSearch=true.
https://www.oxfordmusiconline.com/grovem...
, tradução nossa).

Ao leitor, registramos também a existência e definição dos termos anabasis e catabasis em música, cujos significados implicam em movimento ascendente e descendente, respectivamente, esses em graus conjuntos (notas consecutivas de determinada escala musical). Assim, a anabasis pode sugerir a ilustração de uma movimentação de algo ou alguém que ascende e/ou de um afeto de alegria, vitória, conquista, amor correspondido etc. Já o movimento de catabasis pode ser sugestivo de algo ou alguém cujo movimento é de descida, muitas vezes em andamento mais lento, ilustrando, dessa maneira, perda de energia e afetos como a tristeza, o luto, a angústia, dentre outros. Digno de nota, os autores deste texto optaram pelo termo "sugestivo" por não acreditarem na música descritiva pura, pois um som que desce pode ser sugestivo de algo que cai, segundo a lei da gravidade, ou, de maneira poética, que sofre. Nesse sentido, o texto poético pode ser descritivo, contribuindo a escrita musical para a sugestão de movimentação ilustrativa para as palavras que explica através da condução sonora.

Na canção Coração triste, apontamos momentos nos quais o uso da relação texto-música nos mostra a atenção do compositor Alberto Nepomuceno diante do poema de Machado de Assis. Nesse sentido, nos compassos5 5 Doravante, abreviaremos o tempo compasso com a notação c., seguida do número do compasso em questão. 3-4, a palavra "sussurra" foi grafada com movimento descendente, catabasis, nas sílabas "sur-ra". Essa escrita é sugestiva de que no arvoredo, o sussurro do vento por entre as árvores é longo, pois o compositor se valeu da figura de mínima (ver Figura 6) para a sílaba "sur", seguido de perda de energia com o movimento descendente da nota Dó 4 para o Si bemol 3.

Figura 5
Estrutura de uma nota musical. Fonte: elaborado pelos autores.

Figura 6
Duração (valores) das figuras musicais, levando-se em conta que, partindo de uma semibreve, todos os valores subsequentes representarão a metade da figura anterior. Fonte: elaborado pelos autores.

Para uma melhor compreensão do leitor sobre os valores das notas musicais, apresentamos, nas Figuras 5 e 6, a seguir, dados sobre a estrutura de uma nota musical, bem como a divisão de valores entre as figuras utilizadas na grafia musical. A figura supracitada, mínima, ocupa o segundo maior valor em Coração triste, exatamente a metade da duração de um compasso. Historicamente, a notação musical que é utilizada hoje foi sistematizada por Guido d'Arezzo (ca. 992-1050), monge beneditino natural de Arezzo, Itália, que trabalhou como regente coral, contribuindo sobremaneira para com a escrita musical que permanece até a atualidade. Cada nota musical contém uma cabeça, seguida ou não de uma haste e bandeirola(s). É interessante como, a partir do desenho de uma cabeça de nota, seu corpo se desenvolve para classificar valores musicais. Vejamos:

A Figura 6 mostra-nos que uma nota semibreve ocupa o espaço de tempo de duas mínimas. Consequentemente, essa mesma semibreve ocupa o espaço de quatro semínimas, oito colcheias, 16 semicolcheias, 32 fusas e 64 semifusas. Assim, no tempo gasto para a execução de um determinado valor de nota musical, podemos subdividi-lo em até 64 vezes, aproveitando esse tempo para a execução de mais notas que, consequentemente, serão tocadas de maneira mais rápida.

Podemos, então, retornar aos c.3-4 para verificarmos os valores e os movimentos que Nepomuceno escolheu para ilustrar a palavra "sussurra". A Figura 7, logo abaixo, apresenta tais dados:

Figura 7
Duração (valores) das figuras musicais. Fonte: elaborado pelos autores.

Ao observarmos a Figura 7, pelo uso de um valor maior, a mínima, que ocupa metade do tempo do compasso em questão, podemos sugerir que o tempo do sussurro que precede o vendaval é relativamente longo. Sabemos que algo sussurrado não possui muito alcance sonoro. Nesse sentido, a movimentação descendente das duas últimas notas ilustradas nessa Figura é também sugestiva de que o sussurro terminou.

Os c.5-6, ilustrados na Figura 8 mostram-nos outra clara relação texto-música que permite ao leitor uma melhor apreciação de Coração triste. Novamente, notamos a grafia da figura de uma mínima, dessa vez na sílaba "to" da palavra "outono". Sabemos que qualquer estação do ano tem seu tempo que abrange aproximadamente três meses, período longo se comparado aos 12 meses que completam um ano. Nesse sentido, o uso da figura de uma mínima contribui para ilustrar o tempo que o outono demanda a cada ano. Ainda, reforçando essa ideia composicional de Nepomuceno, o compositor escolheu justamente a sílaba tônica da palavra "outono" para ilustrar sua duração. Para além dessas informações, as notas que precedem a palavra se encaminham em movimento descendente, catabasis, que identificamos anteriormente como perda de energia. Sabemos que o outono é a estação que precede o inverno, apresentando queda gradativa de temperatura e perda da vitalidade. É no outono que todo o esplendor do verão começa a fenecer, preparando toda a natureza para um novo ciclo. Assim, para essa perda característica de exuberância na natureza, Nepomuceno valeu-se do movimento de catabasis, que ilustra a perda de energia que essa estação apresenta.

Figura 8
Duração do outono, ilustrada em sua sílaba tônica pela figura de uma mínima, precedida do movimento de catabasis, ilustrativo da perda de energia que essa estação apresenta. Fonte: elaborado pelos autores.

Os c.7-8 apresentam clara relação texto-música que ilustra a frase "Deita as folhas à terra". Os dois movimentos descendentes dessa frase estão indicados na Figura 9 na cor azul, para melhor compreensão do leitor:

Figura 9
Ilustração das palavras "deita" e "terra", em movimento descendente, presente nos c.7-8 de Coração triste, indicadas pelo traço azul que acompanha o movimento descendente da frase. Fonte: elaborado pelos autores.

Registramos anteriormente que a canção Coração triste possui forma A-B-A'. Ao dividirmos essas três partes, indicamos que a parte A está inserida no âmbito do c.1 ao 19. Apontamos ainda nessa parte A seis relações texto-música que podem ser observadas pelo leitor, agora já apto a identificar na partitura as movimentações de anabasis e catabasis. São elas:

  • No c.12, a ilustração da palavra "pena" por meio de figura de mínima, valorizando a sílaba tônica dessa palavra, com uso de catabasis. Sabemos que o sentimento de pena envolve tristeza. Dessa maneira, a movimentação descendente das duas sílabas dessa palavra mostra-nos a atenção do compositor ao abordar a pena sentida pelo eu lírico do poema. Ainda, ele nos mostra que esse sentimento de pena é longo, pelo uso da figura de mínima;

  • Nos c.13 e 14, as palavras "triste" e "abandono" foram também ilustradas por Nepomuceno pelo uso da figura musical mínima, seguida de movimentação descendente. Como se não bastasse a exemplificação dos c.12, 13 e 14 nas palavras "pena", "triste" e "abandono", ao deixarmos essa observação do micro em relação ao macro, observando esses três compassos juntos, podemos visualizar a real impressão do eu lírico, que apresenta sua observação de uma contemplação no excerto "sem pena esse triste abandono" em uma grande movimentação descendente da pintura musical criada por Nepomuceno. A Figura 10 mostra-nos essa construção musical estruturada pelo uso de catabasis, sendo que, a cada sílaba tônica das palavras "pena", "triste" e "abandono", notamos a linha vocal se encaminhando para baixo.

Figura 10
Frase "E eu contemplo sem pena esse triste abandono", ilustrada musicalmente num grande movimento descendente, com valorização das sílabas tônicas das palavras "pena", "triste" e "abandono", com figura musical cuja maior duração nos mostra que a pena, a tristeza e o abandono sofridos pelo outono são duradouros. Fonte: elaborado pelos autores.

A parte B da canção Coração triste compreende os c.20 ao 38. Estruturada na tonalidade de Fá sustenido menor (Fá#menor), essa parte se caracteriza pela indicação do próprio compositor: "Um pouco mais animado", presente no c.20, e apresenta valores musicais menores do que os presentes na parte A. Dessa maneira, com o uso de uma nova cor musical, proporcionada pela nova tonalidade, Fá#menor, e pelo uso de figuras de menor valor, Coração triste apresenta na parte B um ambiente sonoro mais eloquente, que valoriza o eu lírico, comparando a si próprio com a "escura montanha, esguia e pavorosa".

Notamos também na parte B da partitura de Coração triste o uso de relações texto-música presentes agora de modo a valorizar a identificação que o eu lírico apresenta, inclusive com a presença do que em música chamamos de ponto culminante.

Nos c.20 e 21, podemos notar que, ao escolher as notas que ilustram a palavra "montanha", Nepomuceno desenhou musicalmente o traço de uma serra, de uma montanha. A Figura 11 mostra-nos o oculto do aparente, ou seja, o desenho musical oculto na organização aparente das notas:

Figura 11
Palavra "montanha" desenhada de modo musical, cujo resultado, apontado pelo traço em azul, nos mostra o desenho de uma montanha, oculta pelas notas musicais, mas aparente quando observada como relação texto-música. Fonte: elaborado pelos autores.

Outras ilustrações de relação texto-música podem ser observadas nos c.24-25 e 26-27, com as palavras "descamba" e "enoitecer", ambas com movimentação descendente, sugestivas do significado de cada uma delas. Ao traduzir em música que "A montanha da alma, a tristeza amorosa, / Também de ignota sombra enche todo o meu ser", Nepomuceno apresenta pela primeira vez a figura de maior valor em toda a canção. Trata-se da figura de semibreve, que sozinha preenche todo o c.35. Essa valorização do eu lírico é apoiada pela indicação de crescendo (cresc.) no c.34, indicação essa que exige do cantor solista o uso de maior potência vocal, de modo contínuo e crescente.

Como forma de valorizar essa frase, o compositor a repete, dessa vez um pouco mais aguda e apresentando a nota mais aguda de toda a linha vocal. A isso chamamos de ponto culminante, uma escrita que valoriza as potencialidades expressivas do intérprete no momento mais importante da canção. Assim, na segunda vez que Nepomuceno reproduz o texto "enche todo o meu ser", a referida nota mais aguda da canção, com indicação de decrescendo no volume vocal, proporcionará o ambiente intimista apresentado na parte A, em retorno dessa vez como A', ou seja, ligeiramente modificada. A Figura 12 mostra-nos o ponto culminante do poema, na visão do compositor, o encaminhar do excerto "enche todo o meu ser" para a nota mais longa e a mais aguda de toda a canção. Em verdade, Nepomuceno direcionou ao eu lírico não apenas a nota mais aguda e de maior duração da canção, como permitiu que o eu lírico fosse representado por duas notas, Sol 4 ligada ao Lá 3, o que aumenta sua duração enquanto som e permite estar em duas alturas sonoras. Vejamos:

Figura 12
Valorização do eu lírico pela grafia musical da palavra "ser", circundada em azul, que apresenta o maior valor musical de toda a canção. Note-se a indicação de decrescendo na nota em destaque, o que proporciona a volta ao clima intimista da parte A, início da canção, dessa vez ligeiramente modificada e denominada A'. O círculo em verde mostra-nos a valorização da palavra "ser", ou seja, o eu lírico, pela visão do compositor Alberto Nepomuceno. Fonte: elaborado pelos autores.

Ainda em relação ao exposto sobre a Figura 12, particularmente interessante foi a movimentação escolhida por Alberto Nepomuceno para a palavra "ser", que é descendente. Nesse sentido, o "ser" musicado pelo compositor mostra-se musicalmente como grande, porém triste. Não apenas a indicação da segunda nota musical, Lá 3, para a palavra "ser", em movimento descendente, ilustra a tristeza percebida por Nepomuceno, mas também a indicação de decrescendo na nota, indicada pela seta azul na Figura 12, pois com essa indicação o performer deve diminuir a sonoridade até que não haja mais som, ou seja, uma maneira musical de ilustrar que algo morre ou perde sua força.

A última nota do c.38 marca o início da parte A', na qual Nepomuceno reapresenta elementos melódicos e harmônicos da parte A, além de incorporar novos elementos, esses presentes nos c.47 a 58, na ilustração dos versos "Vem, ó sol, vem, assume o trono teu na altura, / Vê se podes fundir meu triste coração". A partir do c.47, notamos a construção de uma coda, o que justifica nossa identificação de essa parte se configurar em A'. A coda, que em italiano significa cauda ou rabo, constitui-se numa seção opcional com que se conclui uma música. No caso de Coração triste, a opção de Alberto Nepomuceno pela inserção de uma coda contribuiu para a valorização dos versos supracitados, nos quais o eu lírico reconhece a grandiosidade do Sol ao indicar que esse astro assuma seu trono no universo, ao mesmo tempo em que questiona se seu coração pode ser fundido por ele. Isso nos mostra que o sentimento do eu lírico, por suas próprias palavras, é ainda maior que o astro rei.

A presença de relações texto-música na coda de Coração triste faz-se notar pelo uso da nota de maior valor musical direcionada à palavra "sol", no c.48. Ainda, nota-se o valor da nota musical grafada na sílaba tônica da palavra "altura", do mesmo valor que a palavra "sol", construída pelo salto ascendente, sugestivo da posição do Sol, estrela central do Sistema Solar, na nota Fá 4, como podemos visualizar na Figura 13:

Figura 13
Valorização da grandiosidade das palavras "sol" e "altura", em sua sílaba tônica, circundadas em azul, pelo uso da figura de maior valor musical na canção Coração triste. Fonte: elaborado pelos autores.

Na tentativa de identificarmos a importância do eu lírico versus a importância do sol pelo pensamento musical de Alberto Nepomuceno, concluímos que o eu lírico recebe maior destaque pela pena do compositor, pois é registrado na nota mais aguda de toda a canção, sendo acoplada a ela, como citado anteriormente, outra nota, Lá 3, o que amplia sua sonorização diante de todas as outras notas da canção.

Assim, as abordagens de texto-música elaboradas por Nepomuceno apontam para um tratamento bastante consciente desse compositor diante de parte da obra poética machadiana, o poema "Coração triste falando ao sol". Diante de tais observações, dois dos autores deste artigo realizaram uma performance dessa canção, especialmente elaborada para este estudo e que pode ser conferida no endereço https://www.youtube.com/watch?v=-nYZx2kV3HU.

Considerações finais

Pouco volumosa é a produção de canções de câmara brasileiras concebidas a partir de textos poéticos de Machado de Assis. Esse dado pode ser sugestivo do respeito inspirado pela obra machadiana nos compositores nacionais, incertos sobre o sucesso ao transformar em sons a melodia poética presente em seus versos. O encontro entre o poeta e o compositor Alberto Nepomuceno possibilitou o acréscimo de Coração triste, para canto e piano, ao acervo de canções que chancelam a relação entre música e poesia na história da música no Brasil.

Os dados sobre relações texto-música identificadas na partitura de Coração triste mostram-nos que a linguagem musical, quando bem estruturada, proporciona uma interação sólida com a produção poética. Por meio de aspectos de retórica desenvolvidos no período barroco, como o uso de catabasis e anabasis, Coração triste apresenta força expressiva que garantiu sua permanência ao longo de todo o século XX e na contemporaneidade.

Por fim, ao investigarem e advogarem a favor da divulgação da presença da poesia machadiana na canção brasileira de câmara, os autores deste texto esperam contribuir para uma maior divulgação da canção Coração triste e, consequentemente, do legado poético deixado por Machado de Assis, com a melodia de sua poesia caminhando conforme o pensamento musical de Alberto Nepomuceno.

Referências

  • ASSIS, Machado de. Falenas. Rio de Janeiro: Garnier, 1870. Disponível em: https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/5007
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  • BERISTÁIN, Helena. Diccionario de Retórica y Poética. Cidade do México: Porrúa, 1988.
  • LARUE, Jan. Guidelines for Style Analysis. 2. ed. Michigan: Harmonie Park Press, 1992.
  • MAGNANI, Sérgio. Expressão e comunicação na linguagem da música. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1989.
  • MED, Bohumil. Teoria da música. 4. ed. Brasília: Musimed, 1996.
  • NEPOMUCENO, Alberto. Coração triste: canção. Ré menor; para canto e piano. Rio de Janeiro: Narciso e Arthur Napoleão, [ s. d.]. Partitura. 4 p. Acervo pessoal de Mauro Chantal.
  • OXFORD MUSIC ONLINE. Disponível em: https://www.oxfordmusiconline.com/grovemusic/search?q=word-painting&searchBtn=Search&isQuickSearch=true
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  • RAMOS, Eliana Asano; PRADO, Maria Yuka de Almeida. Relações intertextuais entre canções de Nepomuceno sobre poemas parnasianos e simbolistas e a mélodie Francesa: Coração triste e Canção da ausência. MUSICA THEORICA, v. 5, n. 1, p. 242-277, 2020.
  • ROXY KING (Soprano). Forgotten Opera Singers. Disponível em: http://forgottenoperasingers.blogspot.com/2015/04/roxy-king-soprano.html
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  • TINHORÃO, José Ramos. A música popular no romance brasileiro. São Paulo: Editora 34, 2000.
  • WISNIK, José Miguel. Machado maxixe: o caso Pestana. São Paulo: Publifolha, 2008.
  • ZAMACOIS, Joaquín. Curso de Formas Musicales. 10. ed., Barcelona: Labor, 1994 [1960] .
  • 1
    Lied, no plural Lieder, é uma palavra de gênero neutro da língua alemã. Em música, entende-se por Lied a canção erudita para canto e piano. Seu correspondente no Brasil é citado como canção brasileira de câmara ou canção de câmara brasileira, não havendo consenso sobre uma terminologia definitiva quanto a isso.
  • 2
    Há também a possibilidade de se criar músicas sem tonalidades definidas. Essas são chamadas atonais e dizem respeito ao desenvolvimento da história da música, na busca por sua transformação.
  • 3
    Legato, palavra italiana bastante utilizada na grafia musical, cujo significado consiste em ligar notas sucessivas, de modo que não haja nenhum silêncio entre elas.
  • 4
    Data de 4 de janeiro de 1882 a inauguração do Club Beethoven, que promovia saraus com os músicos de destaque da época.
  • 5
    Doravante, abreviaremos o tempo compasso com a notação c., seguida do número do compasso em questão.

ANEXO: PARTITURA DE CORAÇÃO TRISTE PARA CANTO E PIANO, DE ALBERTO NEPOMUCENO, SOBRE VERSOS DE MACHADO DE ASSIS.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    15 Abr 2023
  • Aceito
    06 Set 2023
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