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LOPES, Rhuan Carlos dos Santos. 2014. "O melhor sítio da Terra". Colégio e Igreja dos jesuítas e a paisagem da Belém do Grão-Pará. Belém: Editora Açaí. 153 pp.

LOPES, Rhuan Carlos dos Santos. "O melhor sítio da Terra". Colégio e Igreja dos jesuítas e a paisagem da Belém do Grão-Pará. 2014. Editora Açaí, Belém

A publicação da dissertação de Rhuan Carlos dos Santos Lopes é iniciativa louvável para "materializar" um estudo que se insere num leque de abordagens que oscilam entre os três "As" - Antropologia, Arqueologia e Arquitetura - e tem por locus o que é denominado oficialmente pelo Iphan de Conjunto Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico da Praça Frei Caetano Brandão, no núcleo inicial da ocupação portuguesa na capital do estado do Pará.

Tendo como conceito norteador as "paisagens de poder" numa época determinada, qual seja, os dois primeiros séculos da ocupação do sítio inicialmente denominado "Feliz Lusitânia", dialoga diacronicamente com a contemporaneidade de modo assaz pertinente, através do ressurgimento da antiga denominação no atual "Lugar de memória", seguindo o atributo cunhado por Pierre Nora. O "Feliz Lusitânia" de hoje abrange e repotencializa a paisagem de poder colonial, dessacralizada e também desmilitarizada, mas novamente sacralizada em nome de uma perspectiva de conversão do patrimônio edificado em cenários estetizados para o consumo turístico.

Espaço intricado, o atual "Complexo Feliz Lusitânia" foi objeto de pesquisas inaugurais, como o estudo do traçado urbano do bairro de Cidade, realizado por Renata Malcher de Araújo em 1998, que evidencia o planejamento radial adotado nessa povoação, contradizendo a literatura tradicional que adjetiva o urbanismo colonial português como não racional, seguido por investigações sobre as intervenções realizadas no início dos anos 2000 e que tiveram como evento-síntese a derrubada do muro, dentre outros estudos relacionados à história da arquitetura. Nesta paisagem de poder ampliada pela existência do Forte do Presépio, do antigo Hospital Militar, hoje Centro Cultural Casa das 11 Janelas, memória e esquecimento andam de mãos dadas, sendo significativa a lacuna que denota o apagamento do primeiro hospital de Belém, o Hospital da Caridade, também chamado Bom Jesus dos Pobres Enfermos. Em 1807, a casa de saúde passou para a administração da Irmandade da Misericórdia, a qual adotou a Igreja de Santo Alexandre como local de culto, onde se realizavam peditórios em prol da assistência aos enfermos, objeto de discórdia e polêmica registrada na imprensa da época.

Ao longo de três capítulos, Rhuan Carlos situa seus marcos teóricos referentes à arqueologia histórica e seus instrumentos para tratar capitalismo, arquitetura, paisagem e poder. Considerando a arquitetura como documento/monumento e como discurso material, tem por objetivo "[...] efetuar a reconstituição das sobreposições de paisagens nessa área" (:20). O autor elucida a relação entre colonização e mercantilismo europeu, analisando também a configuração urbana do sítio colonial a partir da comparação com cidades da América de dominação ibérica. Rhuan Carlos inicia a reflexão sobre a arqueologia histórica como disciplina interpretando a arquitetura como superartefato e paisagem, sendo o próprio edifício uma paisagem construída.

A seguir, o capítulo II imerge no locus de pesquisa: o núcleo histórico da Praça Frei Caetano Brandão, hoje conhecido como Feliz Lusitânia, e suas relações com a existência do sofrido Centro Histórico de Belém. O autor trata da sobreposição de paisagens no Centro Histórico, entendidas pela trajetória da longa duração do lugar, descrevendo a ocupação do núcleo e sua ressignificação como cenário de poder no início dos anos 2000. No terceiro capítulo, ele apresenta contribuição específica sobre a configuração do artefato arquitetônico nos relatos dos séculos XVII e XVIII. Por meio dos discursos dos religiosos inacianos sobre a paisagem de Belém e de outros relatos, perfaz a cronologia construtiva do edifício, oscilando entre a representação e a percepção. Rhuan Carlos tece uma dissertação em profundidade, imbricando arquitetura e formulações ideológico-pedagógicas dos jesuítas em sua ocupação do território colonial situado no Norte brasileiro. Desenvolve a cronologia em três momentos: na primeira etapa, em que a sede dos missionários situava-se no bairro da Campina; na segunda fase, com estruturas ainda precárias, quando se evidenciam os descompassos entre mão de obra e arquitetura; e a terceira etapa, na qual igreja e colégio destacam-se no cenário mais importante da sede da Capitania Grão-Pará e Maranhão.

Do silêncio de suas paredes, o antigo colégio e a igreja dos jesuítas clamam para ter sua história revista, como nos demonstra a fala de um morador da Praça Frei Caetano Brandão, que não se sente impressionado pelo espaço musealizado do antigo colégio, tampouco gosta da igreja dotada de ar-condicionado e poltronas estofadas: "mas eu era mais aquela antiga", dos gavetões dos altares banhados a ouro, do sino em carrilhão, da ambiência sagrada. A obra de Rhuan Carlos nos convida para este passeio, sinalizando no presente o lugar do achado, pois só assim o investigador crítico pode contribuir para a compreensão da sociedade contemporânea.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2014
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