Acessibilidade / Reportar erro

Wir waren doch immer Freunde in der schule: einführung in die anthropologie der grenzräume. europäisches grenzverständnis am beispiel leidingens

RESENHAS

Jens Schneider

Pós-Doutorando, PPGAS-MN-UFRJ e Universität Hamburg

LASK, Tomke. 2002. "Wir waren doch immer Freunde in der Schule": Einführung in die Anthropologie der Grenzräume. Europäisches Grenzverständnis am Beispiel Leidingens. Sankt Ingbert: Röhrig Universitätsverlag. 262 pp.

Os estudos etnográficos não têm, em geral, prestado muita atenção à periferia dos "seus" grupos e, menos ainda, às "transgressões culturais", ou seja, àqueles indivíduos ou processos que estão cruzando fronteiras e mudando de "identidades" e/ou "culturas". É por isso que o famoso ensaio de Fredrik Barth sobre ethnic groups and boundaries (1969) – mesmo que freqüentemente citado – não chegou a penetrar efetivamente a epistemologia antropológica. As observações de Barth questionam o "axioma" antropológico de que seria "a cultura" que faz as diferenças; segundo ele, dá-se o inverso: as diferenças culturais são consequência de uma vontade de distinção primordial. Todavia, ultimamente, o estudo de boundaries começou a despertar mais interesse, entre outras razões porque o fenômeno mundial de migração em massa questiona muitas das supostas "evidências" do pertencimento cultural e social – inclusive no caso de não poucos dos grupos anteriormente estudados como unidades "bem demarcadas".

O livro de Tomke Lask – "Mas Nós Sempre Fomos Amigos na Escola": A Compreensão Européia de Fronteira no Exemplo de Leidingen – encaixa-se nessa "nova tendência". Tem, aliás, o subtítulo "Introdução à Antropologia dos Espaços Fronteiriços" e usa o ensaio de Barth como uma de suas principais referências. Após vários anos no Brasil, onde obteve seu mestrado (no PPGAS/Museu Nacional), Lask voltou à sua região de origem na Alemanha para estudar a fronteira atual entre este país e a França. Digo "atual" porque essa região, o "Saarland-Lothringen" ou "Sarre-Lorraine", foi violentamente disputada entre as duas nações durante quase dois séculos.

O tema central de Lask é a relação entre a identidade étnica/regional e a identidade nacional dos habitantes da região. O estudo focaliza uma aldeia, Leidingen/Leiding, que desde 1829 se divide entre a Alemanha e a França – com a fronteira correndo ao longo da rua principal. Segundo critérios clássicos da antropologia, os dois lados da fronteira pertencem "etnicamente" ao mesmo grupo: entre outras coisas, fala-se em ambos o mesmo dialeto alemão, o Moselfränkisch ou Francique Mosellan, e quase todas as famílias têm antecedentes binacionais e/ou parentes no "outro lado".

No primeiro capítulo, a autora explora a semântica das palavras francesa e alemã para a "fronteira": frontière e Grenze. Suas histórias etimológicas e conotações semânticas são bastante diferentes. Segundo Lask, a palavra frontière descreve uma linha de demarcação bem definida (parte também da palavra "frente", tanto no seu sentido militar como anatômico). Ela tem uma forte conotação militar, buscando também uma certa exatidão na sua definição como linha fronteiriça (:16-ss). A palavra Grenze, por sua vez, provém das pedras de demarcação usadas antigamente nas rodovias, criando uma "zona de ninguém", uma "faixa de transição" que incorpora parte do "lado de lá", ao mesmo tempo que desconfia do pertencimento de uma parte do "lado de cá" (:18, 22-ss.).

No segundo capítulo, Lask relata sua aproximação ao campo etnográfico e sua experiência do chamado anthropological blues. Esta se deveu às dificuldades de conectar-se com a população de Leidingen/Leiding, que mostrou pouca disposição de colaboração e até mesmo um certo grau de hostilidade – uma surpresa para a pesquisadora, cujos pais moram a apenas 9 km da aldeia. Felizmente, contudo, após quase um ano de espera, ela conseguiu não só estabelecer contato, como também ser convidada para as festas mais importantes realizadas durante a sua estada.

Entretanto, a reserva dos Leidingeois vivos levou-a a "falar com os mortos". A autora visitou os dois cemitérios da aldeia, provendo-nos assim de uma maravilhosa introdução à "influência nacional" na construção de identidade após a guerra. Ela mostra como a fundação da igreja no lado francês (doada em 1947 pelo governo federal francês!) e a subseqüente abertura do cemitério resultam em uma ruptura com a tradição das tumbas familiares. Além disso, a maioria das tumbas segue hoje padrões estéticos "nacionalizados": lajes de mármore contra um fundo de flores e arbustos plantados (:42, 117-125, 167).

O terceiro capítulo desenvolve a parte teórica do livro. Após uma reflexão sobre a história geral da fronteira na Europa, baseada sobretudo no historiador Michel Foucher (:51-57), e uma introdução à história da região da Lorena (:57-59), a autora faz uma excursão histórica e comparativa às "geografias nacionais" de Vidal de la Blache (1845-1918) pela França e Friedrich Ratzel (1844-1904) pela Alemanha. Os dois pensadores, exatamente da mesma geração, foram os fundadores da geografia como disciplina acadêmica em seus respectivos países. É fascinante ver como seus pensamentos refletem nitidamente as "diferenças culturais" nas concepções do Estado-nação na França e na Alemanha (:60-84).

O quarto capítulo aprofunda mais a história regional, agora focalizando a microrregião ao redor da aldeia Leiding/Leidingen, e o regime fronteiriço tal como vislumbrado através de documentos históricos. Mais uma vez, o leitor ganha com a demora da antropóloga em ser aceita por seus objetos de estudo, pois ela aproveitou esse tempo estudando documentos nos arquivos locais e regionais. Alguns deles são apresentados no livro e, à parte serem bem divertidos, comprovam a hipótese da autora acerca do papel "manipulador" do poder público no estabelecimento da fronteira nacional na consciência dos habitantes da região (:106-116). Lask retoma aqui o interesse pelos cemitérios e também transcreve trechos de entrevistas com o pessoal das alfândegas nos dois lados da fronteira. É interessante como os agentes, tendo, por um lado, a tarefa oficial de "fazer a fronteira valer", por outro, transformam-na, de fato, em algo flexível, implementando um regime alfandegário mais pragmático e subjetivo (:132).

O quinto capítulo explora o papel da educação na construção das identidades nacional e étnica na região. Notavelmente, a divisão política de Leiding/Leidingen entre 1829 e 1945 não levara também a uma divisão sociocultural – apesar da "inimizade hereditária" entre as duas nações. Foi aparentemente decisivo aqui o fato de existirem então apenas uma igreja, um cemitério e uma escola para os dois lados, pois – apesar da retórica oficial "pacifista" e da proximidade mútua – o curto período de pós-guerra, por sua vez, produziu, este sim, subitamente, essa divisão. O simples fato de as crianças começarem a freqüentar escolas diferentes, com horários distintos, e deixarem de aprender a língua do país vizinho (para eles, do outro lado da rua!), impossibilitou a comunicação entre as novas gerações (:140-ss.). Além disso, o dialeto comum também perdeu muita força, sobretudo porque o seu uso nas escolas passou a ser punido durante muitos anos.

Para medir a distância entre as juventudes dos dois lados, a autora realizou um projeto nas duas escolas, trabalhando com mapas mentais da aldeia – que, em geral, representavam o outro lado como um grande vazio (:147-ss.) – e organizando um encontro entre alunos alemães e franceses. Como que para confirmar todos os clichês, esse encontro quase termina em uma briga geral entre eles (:168, cf.:34). Em conseqüência, a antropóloga estimula um projeto genealógico, que revela aos alunos que a maioria deles tem parentes no outro lado. Além disso, a elaboração de uma lista de injúrias mútuas também revela como estas expressam uma forte influência de elementos histórico-nacionais (:172-176).

O capítulo sexto leva-nos, finalmente, à parte tão pacientemente esperada pela pesquisadora: a etnografia no sentido mais estrito. Lask relata suas observações durante três acontecimentos coletivos que consagraram a sua aceitação social: a Festa da Aldeia (:182-193), o primeiro encontro binacional daqueles ex-alunos que tinham ainda freqüentado a escola única (:193-209) e o Mi-Carême, o carnaval do lado francês (:210-222). A descrição destas festas serve como relato tanto da sua paulatina aceitação na comunidade, como de seu crescente entendimento das relações binacionais na aldeia. Lask mostra, notadamente, como elementos lingüísticos são usados em políticas e estratégias de distinção. O uso do francês, do alemão ou do Moselfränkisch reflete o tecido social e as regras para a inclusão ou exclusão tanto da antropóloga como de outras pessoas. Mesmo diferenças sutis de sotaque podem ser determinantes e usadas estrategicamente. O carnaval, sobretudo, com seus fortes componentes satíricos e comentários, revela-se uma fonte valiosíssima (:224-ss.). A autora demonstra de forma convincente a complexidade que marca o jogo de identidades e das relações sociais mesmo em uma aldeia tão pequena, jogo que tem como ingredientes tanto a referência histórica como os interesses particulares atuais, tanto as master narratives nacionais como as linguagens locais, tanto a "grosseria" dos estereótipos "nacionalizados" como as sutilezas de simpatias ou aversões concretas.

É nesses aspectos que o livro convence completamente. O estudo é também exemplar na maneira como é etnograficamente montado, incluindo – mesmo se por frustração etnográfica – "o diálogo com os mortos" e um vasto material histórico de arquivo. Fica menos convincente quando busca contrapor a identidade nacional ao projeto de uma identidade européia emergente – sobretudo porque esta não faz parte da etnografia. A autora supõe que uma identidade européia crescente deveria enfraquecer a identidade nacional, sem explicar bem por que deveria ser assim – sobretudo se considerarmos que a União Européia se define até hoje como uma federação de Estados nacionais soberanos. As identidades européia e nacional aparecem subitamente como referências estáticas, não sendo considerada, por exemplo, a possibilidade de estarem ambas presentes ao mesmo tempo (cf.:250-ss.).

E mais uma crítica, agora formal: infelizmente, está claro que ficou faltando uma revisão final. As inumeráveis falhas ortográficas não facilitam a leitura, e uma reorganização estrutural poderia ter dado mais coerência e unidade ao texto. Além disso, este apresenta uma série de "inexatitudes" na linguagem, sobretudo na forma de uma terminologia pouco rigorosa.

Por fim, o estudo representa uma contribuição valiosa a uma subdisciplina, todavia ainda não muito bem estabelecida na antropologia, e neste sentido o subtítulo parece um pouco pretensioso (Vale informar aos leitores sem conhecimentos do alemão que existe uma boa sinopse do livro em espanhol, na coletânea Fronteras, Naciones e Identidades, Buenos Aires, 2000).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jul 2003
  • Data do Fascículo
    Abr 2003
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social - PPGAS-Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ Quinta da Boa Vista s/n - São Cristóvão, 20940-040 Rio de Janeiro RJ Brazil, Tel.: +55 21 2568-9642, Fax: +55 21 2254-6695 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revistamanappgas@gmail.com