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Padrões de aniquilação: mainstream econômico e biotecnologia

Patterns of annihilation: economic mainstream and biotechnology

Modelos de aniquilación: economia mainstream y biotecnología

Resumo

A natureza aniquiladora da ordem neoliberal capitalista atravessa diferentes domínios do conhecimento e da vida. Ao percorrermos dois eixos analíticos distintos - biotecnologia e economia - buscamos explicitar algumas das formas assumidas daquilo que chamamos padrões de aniquilação. Na biotecnologia, em particular na produção de Organismos Genéticos Modificados (OGMs), observamos o processo contraditório da tríade biodiversidade-biotecnologia-monocultura, no qual os resultados (monocultura) aniquilam a própria fonte de sua existência (biodiversidade). De forma semelhante, o pensamento econômico dominante (chamado mainstream) se modifica constantemente através de uma lógica ao mesmo tempo seletiva e eliminatória de ideias econômicas alternativas que compõem aquilo que podemos definir como heterodoxia econômica. Em movimento dialógico e comparativo, o texto objetiva refletir sobre as formas assumidas por este padrão: variação e uniformização, estabilidade e inconstância, multiplicidade e singularidade, formas capazes de animar ou de aniquilar ideias, visões de mundo, organismos e seres. Neste exercício reflexivo, propomos uma abordagem que perpassa as relações entre antropologia, economia e biotecnologia para compreender padrões de repetição nada aleatórios ou imprevisíveis.

Palavras-chave:
Padrões de aniquilação; Economia; Biotecnologia; Antropologia

Abstract

The annihilative nature of the neoliberal capitalist order cut across different domains of knowledge and life. By covering two distinct analytical axes - biotechnology and economics - we seek to explain some of the forms assumed by what we call patterns of annihilation. In biotechnology, particularly in the production of Genetic Modified Organisms (GMOs), we observe the contradictory process of the biodiversity-biotechnology-monoculture triad, where the results (monoculture) annihilate the very source of its existence (biodiversity). In a similar way, dominant economic thought (called mainstream) is constantly changing through a logic that is both selective and eliminative of alternative economic ideas, which makes up what we can define as economic heterodoxy. In a dialogical and comparative movement, the text aims to reflect on the forms assumed by this pattern: variation and uniformity, stability and inconstancy, multiplicity and singularity, forms capable of animating or annihilating ideas, world views, organisms and beings. In this reflective exercise, we propose an approach that permeates the relationships between anthropology, economics and biotechnology to understand patterns of repetition that are not random or unpredictable.

Keywords:
Patterns of annihilation; Economics; Biotechnology; Anthropology

Resumen

La naturaleza aniquiladora del orden capitalista neoliberal atraviesa diferentes ámbitos del conocimiento y de la vida. Al abarcar dos ejes analíticos distintos -biotecnología y economía- buscamos explicar algunas de las formas asumidas por lo que llamamos patrones de aniquilación. En biotecnología, particularmente en la producción de Organismos Genéticamente Modificados (OGM), observamos el proceso contradictorio de la tríada biodiversidad-biotecnología-monocultivo, donde los resultados (monocultivo) aniquilan la fuente misma de su existencia (biodiversidad). De manera similar, el pensamiento económico dominante (llamado mainstream) cambia constantemente a través de una lógica que es a la vez selectiva y eliminadora de ideas económicas alternativas, lo que constituye lo que podemos definir como heterodoxia económica. En un movimiento dialógico y comparativo, el texto pretende reflexionar sobre las formas que asume este patrón: variación y uniformidad, estabilidad e inconstancia, multiplicidad y singularidad, formas capaces de animar o aniquilar ideas, visiones del mundo, organismos y seres. En este ejercicio reflexivo, proponemos un enfoque que permea las relaciones entre antropología, economía y biotecnología para comprender patrones de repetición que no sean aleatorios o impredecibles.

Palabras clave:
Modelos de aniquilación; Economia; Biotecnologia; Antropologia

“o sistema capitalista tem um poder tão grande de cooptação que qualquer porcaria que anuncia vira imediatamente uma mania. Estamos, todos nós, viciados no novo: um carro novo, uma máquina nova, uma roupa nova, alguma coisa nova. [...] A verdade é que nós não precisamos de nada que esse sistema pode nos oferecer, mas ele nos tira tudo o que temos.” Ailton Krenak (2019KRENAK, Ailton. 2019. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras . :61-67)

Introdução

Em Floresta é o nome do mundo, Úrsula K. Le Guin (2020) narra a chegada dos humanos ao planeta Athshe, um mundo florestal rico e abundante em recursos naturais. Os humanos recém-chegados vieram de um planeta em ruínas e superpovoado, estavam famintos por matérias-primas, madeira e grãos, pois haviam destruído todos os recursos naturais que possuíam. Estes humanos estavam determinados a colonizar o novo habitat ao preço do extermínio de seus moradores originais. Muito embora a obra possa ser lida como metáfora dirigida a um passado colonial e escravagista comandado pelas nações europeias, ela também pode ser compreendida como um prenúncio futurista, de um mundo exaurido e que não cessa de exterminar suas fontes de vida. Neste aspecto, devemos assinalar que em seu livro Le Guin foi precisa em enfatizar a expropriação e a aniquilação inerentes à expansão capitalista.

É preciso assinalar que Marx (1990MARX, Karl. 1990 [1867]. O Capital. Vol. 1. London: Penguin. [1867]MARX, Karl. 1990 [1867]. O Capital. Vol. 1. London: Penguin.:285) já apresentava a aniquilação como o corolário do processo de acumulação primitiva, o qual teria alimentado o modo de produção capitalista na sua gênese “inscribed in the annals of humanity with traces of iron and fire”.1 1 O extermínio é enfatizado por Marx (1990 [1867]) como elemento central que caracterizou esse processo: “The discovery of gold and silver in America, the extermination, enslavement and imprisonment of the native population in mines, the beginning of the conquest and plunder of the East Indies, the transformation of Africa into a hunting enclosure to trade black skins, mark the dawn of the era of capitalist production” (1990 [1867]:285). Curiosamente, Marx entendia que a aniquilação seria o pontapé inicial, mas que o capitalismo em si estaria estruturado em uma lógica fundada em bases distintas, mormente na exploração do trabalho assalariado. Essa externalidade da aniquilação, ou expropriação, em relação ao modo de produção capitalista passaria a ser revista por Rosa Luxemburgo em sua mais importante obra econômica A acumulação do Capital (2003LUXEMBURGO, Rosa. 2003 [1913]. The Accumulation of Capital. New York: Routledge . [1913]LUXEMBURGO, Rosa. 2003 [1913]. The Accumulation of Capital. New York: Routledge .). A perspectiva da autora enfatizava que a acumulação capitalista teria sido expropriadora e aniquiladora não só na fase primitiva, mas também seria uma característica permanente do imperialismo, o qual estaria a serviço da eliminação de quaisquer barreiras à expansão capitalista. Neste sentido, não haveria exterioridade da aniquilação em relação ao modo de produção capitalista, mas esta seria constituinte do próprio capitalismo, ou, nas palavras da pensadora alemã: “Capitalism knows no other solution to the problem than violence, which has been a constant method of capital accumulation as a historical process, not merely during its emergence, but also to the present day.” (2003:371).

É interessante observar que outros autores, fora da órbita marxista e familiarizados com o ponto de vista antropológico, enfatizaram em vários momentos o caráter aniquilador da lógica capitalista. Karl Polanyi (1944POLANYI, Karl. 1944. The Great Transformation: Economic and Political Origins of Our Time. New York: Rinehart.), por exemplo, se debruçou sobre o processo de mudança institucional que deliberadamente erigiu a sociedade de mercado através do Estado, tendo o caso inglês como objeto empírico. Como o autor destaca, esse processo não foi apenas violento, pois tomou terras e destruiu o direito à vida de grande parte da população, mas também que estaria fadado à crise permanente, uma vez que a aniquilação dos humanos e da natureza seria uma das características da própria sociedade de mercado.

Vale assinalar, a aniquilação passou a ser um elemento explícito das análises contemporâneas da ordem neoliberal (Mirowski 2013MIROWSKI, Philip. 2013. Never Let a Serious Crisis Go to Waste. Londres: Verso Books.; Moore 2022MOORE, Jason. 2022. Antropoceno ou Capitaloceno? Natureza, história e a crise do capitalismo. São Paulo: Editora Elefante.; Tsing 2005TSING, Anna Lowenhaupt. 2005. Friction: an Ethnography of Global Connection. Princeton, N.J.: Princeton University Press.; McKinnon 2021MCKINNON, Susan. 2021. Genética Neoliberal: Uma crítica antropológica da psicologia evolucionista. São Paulo: Ubu. ; Gago 2014GAGO, Verónica. 2017. Neoliberalism from Below: Popular Pragmatics and Baroque Economies. Durham, NC: Duke University Press.; Safatle et al. 2021SAFATLE, V. P.; SILVA JÚNIOR, Nelson da & DUNKER, Christian (orgs.). 2021. Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo.), em que, por trás do “exoterismo”2 2 Mirowski (2013) assinala que o coletivo de pensamento neoliberal se funda na articulação de uma “dupla verdade”. Por um lado, os arquitetos do neoliberalismo (think tanks, grupos políticos e corporativos) defendem e divulgam o neoliberalismo como o reino da livre concorrência, onde todos estariam sujeitos à impessoalidade do mercado, constituindo assim um neoliberalismo como uma verdade para as massas, ou “exotérica”. Por outro lado, haveria também um outro neoliberalismo que articula este grupo de arquitetos e passa longe da defesa do sistema de preços. Este neoliberalismo restrito seria a sua versão “esotérica”, que estaria preocupada em tomar os espaços de decisão política e econômica, incluindo o próprio Estado, e as pessoas comuns. das imagens do mercado como sistema de informação neutro e democrático, o fascismo, a burocracia, o terror e o massacre passaram a delimitar vastas populações em “mundos de morte”, parte do fenômeno bem descrito pelo filósofo camaronês Achille Mbembe (2016MBEMBE, Achille. 2016. “Necropolítica. Arte & Ensaios”. Revista do ppgav/eba/ufrj, n. 32:123-151, dezembro.) como o exercício do necropoder. A mercantilização e a aniquilação são entendidas, portanto, como faces de uma mesma moeda. Não se estranha que Robert Kurz (2004KURZ, Robert. 2004. The Substance of Capital. London: Chronos Publications.) tenha utilizado o termo aniquilação do mundo para descrever esse processo de destruição das qualidades daquilo que não seja passível de venda.

Neste texto buscaremos partir da constatação de que a aniquilação é parte constituinte do capitalismo em todas as suas conformações históricas. Contudo, para além deste dado geral, o artigo visa fornecer elementos para compreender a aniquilação como parte de um processo maior, no qual o extermínio é apenas a face mais evidente. Neste aspecto assinalamos que o processo incessante de mercantilização e aniquilação se funda, paradoxalmente, sob a insígnia da criação do novo. Inovação e aniquilação andam de mãos dadas e se estabelecem a partir de uma dinâmica própria e essencialmente contraditória. Em nosso argumento, a inovação, ou seja, a invenção aplicada à valorização do capital, se apresenta, portanto, como o elemento seletivo que aniquila tudo aquilo que não se prestou à sua aplicação. Muito embora o novo não seja necessariamente vendável,3 3 Sobre esse aspecto, as teorias econômicas localizam muito bem os escritos de Schumpeter (1911), para quem a separação entre invenção e inovação, de um lado, inventor e empreendedor, de outro, assume um lugar crucial. O segundo entende o potencial de algo novo como necessariamente passível de venda, enquanto o primeiro não. é correto dizer que a inovação de fato destrói a fonte criadora das próprias inovações. Assim, entende-se que é necessário inserir o papel da inovação no quadro destrutivo, mas não como elemento que compete num processo de “destruição criadora” (Schumpeter 1911SCHUMPETER, Joseph A. 1911. The Theory of Economic Development. Cambridge: Harvard University Press.), como sugere certa corrente da teoria econômica, mas sim como elemento central que elimina tudo aquilo que nunca foi ou será caracterizado potencialmente como inovação. É assim que, em sentido contraditório, o processo inovador/aniquilador acaba destruindo as próprias bases de sua reprodução.

Diante desse quadro mais amplo e buscando conferir-lhe contornos empíricos, buscamos neste texto fazer dialogar de maneira menos convencional4 4 Muito embora antropologia e economia carreguem uma larga tradição no estabelecimento de diálogos frutíferos para ambas as disciplinas (Sahlins 1972; Clastres 1976; Graeber 2011; Douglas 1979 etc.), o esforço deste texto aproxima-se mais de uma antropologia da economia, no sentido de que busca explicitar e discutir aspectos constitutivos do pensamento e das práticas econômicas. os saberes vindos da antropologia e os da economia para delinear e compreender o processo inovador/aniquilador enfatizado acima através daquilo que são denominados de padrão de aniquilação. O aspecto meta-analítico do padrão de aniquilação será a ênfase deste trabalho. Num esforço inicial, colocaremos tal padrão em evidência para verificar a contradição inerente ao uso da inovação em biotecnologia para o avanço da monocultura e, como consequência, a destruição das variedades naturais. Em seguida, mostraremos como o padrão de aniquilação aparece na análise da transformação das ideias econômicas do mainstream, com as incorporações de inovações advindas de campos marginalizados (heterodoxia) e consequente esforço de eliminação destes mesmos campos.

Por meio de descrições que tomam a economia e a biotecnologia enquanto casos exemplares, o artigo busca refletir sobre as diversas formas assumidas pelo padrão de aniquilação a partir das chaves variação/uniformização, estabilidade/inconstância, pluralidade/singularidade. Neste sentido, propomos uma abordagem que perpassa as relações entre antropologia, economia e biotecnologia para compreender padrões de repetição nada aleatórios ou imprevisíveis.

Biotecnologia, engenharia genética e biodiversidade

Os estudos sociais com foco em ciência, tecnologia e sociedade têm mostrado sob diferentes prismas as consequências da emergência da biotecnologia nos mais variados campos. As transformações de recursos genéticos em mercadorias, bem como seu monopólio na forma de patentes, têm se desdobrado em fenômenos cujas escalas e implicações nos encaminham para complexas e distintas problemáticas. No escopo deste trabalho, interessa-nos particularmente refletir sobre o modus operandi da biotecnologia ligada especificamente às plantas, às sementes e aos organismos geneticamente modificados (doravante OGM), isto é, a biotecnologia agrícola relacionada às espécies botânicas e vegetais.5 5 O tema tem sido de interesse e reflexão particular de Magda Ribeiro desde 2018, quando realizou trabalho de campo no MIB - Manchester Institute of Biotechnology, no Reino Unido, especificamente sobre a biologia voltada para a sintetização de espécies botânicas em laboratório, visando atender aos mercados de produtos que se utilizam de “fragrâncias e sabores” artificiais, como a menta e a baunilha, por exemplo. A biologia sintética é uma prática exemplar na articulação entre engenharia genética, biologia e fluxos de capital por meio da inovação. Neste sentido, nos interessa compreender o padrão de aniquilação empreendido neste campo, ou seja, a relação contraditória entre inovação e extermínio que sedimenta o próprio desenvolvimento da biotecnologia. Para além de evidenciarmos a relação entre biotecnologia com interesses econômicos e políticos, buscaremos explicitar como seus princípios fundamentais se constituem como um padrão de aniquilação específico.

O avanço da microbiologia, em particular a partir dos anos de 1950, levou a inúmeros testes e experimentos que culminaram naquilo que é descrito como seu momento-chave: a criação da Recombinant DNA Technology (RDT) em 1973. A partir da colaboração de Stanley Cohen, geneticista da Universidade de Stanford, e Herbert Boyer, bioquímico da Universidade da Califórnia, foi possível combinar informação genética de duas fontes distintas em uma nova estrutura de DNA replicável. A experiência de Cohen et al. (1973COHEN, Stanley; CHANG, Annie; BOYER, Herbert & HELLING, Robert. 1971. “Construction of Biologically Functional Bacterial Plasmids In Vitro”. Proc. Natl. Acad. Sci., 70 (11):3240-3244.) provou ser possível cortar o DNA numa sequência de nucleotídeos selecionáveis e recombiná-los em outra molécula de DNA também cortada e preparada para receber aquela sequência, criando assim uma nova molécula de DNA com toda a sequência ativa e biologicamente passível de se multiplicar. A RDT marca o início da engenharia genética e estimulou inúmeros cientistas a trabalharem no seu aprimoramento e, principalmente, a tornar essa nova tecnologia lucrativa.

O nascimento da biotecnologia está completamente associado, desde sua gênese, a interesses econômicos específicos. Assinala-se que, depois da criação da RNT, Boyer se juntou ao investidor Robert Swanson e criou a primeira companhia de biotecnologia do mundo, a Genentech, em 1976. Cohen, em caminho um pouco diverso, continuou na universidade, mas também trabalhou como consultor na Cetus Corporation, fundada em 1971 como uma “companhia de bioengenharia” e que acabou por migrar para a biotecnologia. Glick e Patten (2023GLICK, Bernard & PATTEN, Cheryl. Molecular Biotechnology: Principles and Applications of Recombinant DNA. Washington: ASM Press. ) e Russo (2003) evidenciam que muitos professores universitários fundaram empresas de biotecnologia nos momentos iniciais da era de engenharia genética. Hoje haveria mais de 8 mil companhias de biotecnologia no mundo, a maior nos EUA e na Europa, além das grandes tradicionais empresas químicas e farmacêuticas terem absorvido e desenvolvido pesquisas nesse campo.6 6 A própria Genentech foi adquirida pela Roche em 2009. Não é à toa que Glick e Patten (2023GLICK, Bernard & PATTEN, Cheryl. Molecular Biotechnology: Principles and Applications of Recombinant DNA. Washington: ASM Press. :7-8) enfatizam a essência mercantil da pesquisa em biotecnologia: “The ultimate objective of all biotechnology research is the development of commercial products. Consequently, molecular biotechnology is driven to a great extent by the prospect of financial gain.”7 7 Glick e Patten (2023) escreveram o mais importante livro de referência introdutória à biotecnologia molecular, publicado pela primeira vez em 1994 e hoje apresentado na sua sexta edição.

A tecnologia PCR (Polymerase Chain Reaction), criada em 1988 e considerada por cientistas, biólogos e empresários como uma "revolução" no campo da biotecnologia, já é um fruto de pesquisa realizada em uma empresa privada (Rabinow 1996RABINOW, Paul. 1996. Making PCR: A story of biotechnology. Chicago: University of Chicago Press.:167). Paul Rabinow (1996RABINOW, Paul. 1996. Making PCR: A story of biotechnology. Chicago: University of Chicago Press.), no contexto de sua pesquisa de campo na Cetus Corporation, se debruçou sobre a PCR, e explica que, além de essa tecnologia possibilitar a multiplicação exponencial do material genético imprescindível à experimentação laboratorial, conseguiu fornecer algo fundamental aos cientistas: o descolamento deste material genético dos organismos vivos. A partir desta tecnologia, milhares de cientistas e técnicos puderam multiplicar modificações genéticas e, mais do que isso, puderam escolher aquela que mais convinha para seus fins e objetivos, conhecendo, fazendo e refazendo novas variantes, retendo as que interessavam e descartando aquelas que não tinham utilidade. Em menos de uma década, o PCR se tornou parte da rotina frequente dos laboratórios de biologia molecular pois, junto com o RDT, permitiu a multiplicação, o corte e a recombinação de moléculas de DNA em laboratório, um avanço sem precedentes na indústria de biotecnologia nos anos 80 e 90, possibilitando a produção em ampla escala de transgênicos, ou Organismos Geneticamente Modificados (OGM) (Rajan 2006RAJAN, Kaushik Sunder. 2006. Biocapital: the constitution of postgenomic life. Durham: Duke University Press:5).8 8 Segundo Dubey et Al. (2016), “Polymerase chain reaction (PCR) has revolutionized the recombinant DNA technology. Generally, to construct a recombinant molecule, the desired DNA fragment is prepared in large quantity using PCR and the amplicon (the PCR-amplified DNA) thus obtained is cloned in the vector of choice.”

Se as tecnologias RDT e PCR formavam os fundamentos instrumentais para a criação de OGMs, faltava a estruturação de uma base cerimonial que possibilitasse a valorização do capital através destas tecnologias, ou seja, a privatização dos ganhos sobre a criação dos OGMs. Desta forma, não podemos deixar de falar que em 1982 a Corte Suprema Norte-Americana aprovou o patenteamento do primeiro organismo vivo (U.S. Supreme Court, 447, U.S. 303 1980). O caso se refere a um microrganismo que degrada petróleo desenvolvido pelo microbiologista Ananda Mohan Chakrabarty (1938-2020) no âmbito de seu trabalho na empresa General Electric. A decisão favorável da Suprema Corte se sustentou no fato de que a invenção ser animada ou inanimada não interfere na sua patenteabilidade, desde que cumpra os critérios de novidade, utilidade, não obviedade; e desde que seja um produto não da natureza, mas do engenho de Kloppenburg Jr. (1988KLOPPENBURG Jr, Jack Ralph. 1988. First the Seed The Political Economy of Plant Biotechnology. Wisconsin: The University of Wisconsin Press.:262).9 9 Para uma descrição pormenorizada do caso Diamond v. Chakrabarty e suas repercussões legais e sociais, indica-se Lumelsky (2005).

A partir dos 80 uma parceria entre a corporação internacional Monsanto e a Washington University conseguiu com sucesso realizar a transferência de genes entre plantas, marcando aquilo que Stone (2010STONE, Gleen, . 2010. “The Anthropology of Genetically Modified Crops”. Annual Review of Anthropology, v. 39:381-400. ) denominou como o início da "era dos organismos geneticamente modificados". Stone evidenciou dois aspectos centrais relacionados à transformação genética das plantas que foram particularmente valorizados nesses testes e experimentos: a tolerância a herbicidas e a resistência a insetos e pragas. A elaboração e a implantação dos OGMs na produção agrícola avançou pelo mundo liderado por grandes empresas de maneira notável desde então.10 10 Cooper (2008) diz que as técnicas da biotecnologia atenderam às demandas de um regime de acumulação dominado pelas finanças e inerentemente especulativo, ou seja, um mundo neoliberal fundado na transformação de uma velha economia de escala e produção em massa de mercadorias para uma realidade pós-fordista em que a própria antecipação de valores futuros dos ativos acaba por definir a lucratividade e os preços hoje. Para a autora, a biotecnologia é peça-chave deste novo regime de acumulação, pois “what counts here is the variable code source from which innumerable life forms can be generated, rather than the life form per se” (2008:24). Neste sentido, a própria possibilidade de gerar inúmeros seres vivos dada pela tecnologia supre a necessidade de gerar ativos especulativos da etapa financeirizada do capitalismo global. Vale assinalar que o “Executive Sumary do Global Status of Commercialized Biotech/GM Crop” (2019), publicação do International Service for the Acquisition of Agri-biotech Applications (ISAAA), destaca que “[a] área global de culturas biotecnológicas aumentou de 1,7 milhões de hectares em 1996 para 190,4 milhões de hectares em 2019 - isto torna a cultura biotecnológica como a tecnologia de cultivo mais rápida adotada nos últimos tempos. Em 24 anos (1996-2019) foram alcançados 2,7 bilhões de hectares ou 6,7 bilhões de acres de comercialização de lavouras biotecnológicas”. Segundo a publicação, em países como EUA, Brasil e Argentina, a adoção de culturas geneticamente modificadas está acima de 94% das áreas de plantações cultivadas.

A história da biotecnologia, especialmente no que concerne a seus desenvolvimentos fundamentais e o consequente avanço da produção de organismos geneticamente modificados no caso agrícola, nos fornece um conjunto de elementos que aponta para um padrão de aniquilação específico. Neste sentido, nos valemos da contribuição de Laymert Garcia dos Santos (2003GARCIA DOS SANTOS, Laymert. 2003. “A informação após a virada cibernética”. In: Laymert Garcia dos Santos; Maria R. Kehl; Bernardo Kucinski & Walter Pinheiro. Revolução tecnológica, internet e socialismo. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo. pp.9-33.) em sua descrição sobre a lógica pela qual a engenharia genética opera quando aplicada a sementes. Para o autor, a biotecnologia seria uma interface que transforma meios de produção em matéria-prima. A semente como meio de produção é um bem acessível a toda a comunidade e, desta maneira, poder-se-ia plantar, colher e replantar parte das sementes colhidas em um certo período. A engenharia genética interrompe este movimento e habilita que a semente, agora OGM, passe a ser regulada por um sistema de patentes que a transforma em matéria-prima. Neste caso, o agricultor tem que comprar a semente, plantar, colher, mas não pode replantá-la (ou precisa de uma autorização para tal). Para utilizar a mesma semente, ele deve recomprá-la daquele que detém sua patente. De um meio de produção que se reconstitui a cada período produtivo, a semente se transforma em uma matéria-prima que é completamente consumida em cada ciclo de plantio, algo bem descrito pela análise de Cooper (2008COOPER, Melinda. 2008. Life as Surplus: Biotechnology and Capitalism in Neoliberal Era. Seattle: University of Washington Press.):

The comercial caculus was straightforward - instead of profits from mass-produced Chemical fertilizars and herbicides, the agricultural business would displace its claims to invention onto the actula Generation of the palnt, transforming biological production into means for creating surplus value (2008COOPER, Melinda. 2008. Life as Surplus: Biotechnology and Capitalism in Neoliberal Era. Seattle: University of Washington Press.:33).

Para além da transformação de meio de produção em matéria-prima, nos interessam as condições necessárias para a valorização do capital e a contradição inerente ao padrão de aniquilação biotecnológico e, para tal, devemos recolocar as inovações da manipulação da vida na chave do extermínio. Neste aspecto, é importante relembrar que Rabinow (1996RABINOW, Paul. 1996. Making PCR: A story of biotechnology. Chicago: University of Chicago Press.) define biotecnologia como "o potencial de afastar-se da natureza, ao construir condições artificiais nas quais variáveis específicas tornam-se conhecidas de modo que possam ser manipuladas" (1996RABINOW, Paul. 1996. Making PCR: A story of biotechnology. Chicago: University of Chicago Press.:20). A física, filósofa e ativista ambiental Vandana Shiva (2011SHIVA, Vandana. 2011. Monocultures of the Mind: Perspectives on Biodiversity. Delhi: Natraj Publishers.) vai na mesma direção: "Embora a engenharia genética tenha o poder de mexer com genes, não tem o poder de “produzir vida” [...] Eles manipulam a vida” (:75-76). Deve-se atentar para o fato de que a engenharia genética realiza combinações de códigos que necessitam da própria vida como base. Inserem-se genes de galinhas, de salmões, de escorpiões em repolhos com algum fim mercadológico, mas a vida não é criada em laboratório, ela é fruto de uma recombinação que depende de um amplo banco de dados genéticos proveniente da natureza, como bem mostrou a etnografia de Paul Rabinow (1996RABINOW, Paul. 1996. Making PCR: A story of biotechnology. Chicago: University of Chicago Press.).

A ênfase que damos a Shiva e Rabinow nos leva a um foco distinto da simples controvérsia do patenteamento da vida com o OGM. O que queremos frisar aqui é que o substrato destes organismos patenteáveis está nos próprios organismos naturais que já habitavam a Terra. A biotecnologia deve ser entendida, portanto, como uma interface que seleciona e retira do mundo natural aquilo que interessa à valorização do capital. A biotecnologia cria inovação a partir da manipulação e do retalhamento da diversidade biológica, retendo aquilo que lhe é útil. As tecnologias RDT e PCR aparecem aqui como aquilo que viabiliza a seleção e a constituição de um novo ser a partir de seres que já existiam, o patenteamento é aquilo que dá “vida” a este novo ser, agora revelado como inovação. Se um padrão de aniquilação se estabelece com base na relação contraditória entre inovação e extermínio, nos falta apontar como o extermínio se apresenta no campo biotecnológico e como ele é inerentemente contraditório com a própria inovação. Neste aspecto, é necessário verificar as consequências dos OGMs no campo através daquilo que se convencionou chamar de plantation.

Sydney Mintz (2014MINTZ, Sidney W. 2014. “Plantations and the Rise of a World Food Economy: Some Preliminary Ideas”. Rethinking the plantation: histories, anthropologies, and archaeologies. v. 34, n. 1/2, 3-14.) ofereceu importante contribuição para compreendermos os efeitos e as consequências das plantaions, buscando reconstruir um quadro analítico que envolve sua implementação no Novo Mundo ao longo dos últimos cinco séculos. Para o antropólogo, as plantations deveriam ser entendidas como um tipo de instituição que se transformou radicalmente ao longo do tempo. No início do século XVII, na América anglófona, o termo “plantation” passou a ser associado aos primeiros assentamentos ingleses; naquele contexto a palavra significava o cultivo de plantas alimentícias, animais domésticos ou assentamentos de pessoas. Na América do Norte, seu significado como uma propriedade agrícola, trabalhada por escravos, só surgiu muito mais tarde.

Em parte da literatura especializada sobre plantation (Burnard 2015BURNARD, Trevor. 2015. “Plantation societies. Part two Trade, Exchange and Production”. In: J. Bentley; S. Subrahmanyam & M. Wiesner-Hanks (orgs.), The Cambridge World History. Cambridge: Cambridge University Press. pp. 263-282.; Mintz 2014MINTZ, Sidney W. 2014. “Plantations and the Rise of a World Food Economy: Some Preliminary Ideas”. Rethinking the plantation: histories, anthropologies, and archaeologies. v. 34, n. 1/2, 3-14.), ela é comumente referida como uma instituição europeia. No entanto, a plantação do Novo Mundo, que acompanhou os processos de colonização, tornou-se bastante distinta, sendo pensada por Mintz (2014MINTZ, Sidney W. 2014. “Plantations and the Rise of a World Food Economy: Some Preliminary Ideas”. Rethinking the plantation: histories, anthropologies, and archaeologies. v. 34, n. 1/2, 3-14.:05) como uma instituição política e econômica, tomando forma e escala sem precedentes nos novos continentes e, nestes casos, é obvio que a relação da plantation com a escravidão foi estreita e de grande relevância à ascensão colonial.

Os argumentos de Burnard (2015BURNARD, Trevor. 2015. “Plantation societies. Part two Trade, Exchange and Production”. In: J. Bentley; S. Subrahmanyam & M. Wiesner-Hanks (orgs.), The Cambridge World History. Cambridge: Cambridge University Press. pp. 263-282.) seguem na mesma direção, ao afirmar que poucas instituições definem a história mundial no início da era moderna de forma tão emblemática quanto o complexo de plantations. Uma vez estabelecida, a plantation provou ser uma força irresistível, absorvendo todas as outras atividades econômicas em seu rastro e criando modalidades específicas de relações sociais, econômicas e políticas. O Brasil é frequentemente citado na literatura internacional como um país em que o sistema de plantations teve sua forma mais significativamente implementada (Burnard 2015BURNARD, Trevor. 2015. “Plantation societies. Part two Trade, Exchange and Production”. In: J. Bentley; S. Subrahmanyam & M. Wiesner-Hanks (orgs.), The Cambridge World History. Cambridge: Cambridge University Press. pp. 263-282.:266). A cana-de-açúcar foi introduzida pela primeira vez na década de 1530 por colonos com experiência nas Ilhas Canárias e, em 1612, o Brasil tinha 192 engenhos capazes de produzir mais de 10.000 toneladas. Não surpreende, portanto, que a produção brasileira de cana-de-açúcar atual (safra 2023/24) tenha sido considerada a maior de todos os tempos ao registrar 713,2 milhões de toneladas (cf. Conab - Companhia Nacional de Abastecimento).

Embora não seja o objetivo recorrer a uma ampla visão histórica acerca das plantations, um dos pontos importantes a considerar é a relação posterior entre seu avanço e a emergência dos OGMs. Sendo o Brasil um dos principais exportadores de produtos agrícolas, não surpreende que a biotecnologia voltada ao melhoramento genético de sementes e plantas tenha sido recebida com tanto interesse pela indústria agro brasileira. Estudos têm mostrado que o cenário regulatório confuso e as sucessivas ações civis na justiça levaram ao bloqueio da liberação comercial de inúmeras plantas geneticamente modificadas. Enquanto isso, a pressão para melhorar a produtividade desencadeou o contrabando de muitas sementes, plantadas no sul do Brasil entre 2001 e 2004 (Velini, E. D. et al. 2017VELINI, E. D. et al. (orgs.). 2017. “The Brazilian GMO Regulatory System: A Historical View and Perspective”. In: Adenle, Ademola et al (orgs). Genetically Modified Organisms in Developing Countries. pp. 258-270.).

Diante deste contexto e em razão da desapropriação generalizada da terra, as plantations eliminam sistematicamente a emergência do novo ou do imprevisível, simplificando radicalmente as possibilidades de variação, contribuindo para a proliferação do mesmo e para a remoção da diferença. Compreender a lógica e o enraizamento das plantations, como propuseram Haraway e Tsing (2019TSING, Anna L. , HARAWAY Donna . 2019. Reflections on the Plantationocene: A Conversation with Donna Haraway and Anna Tsing. Center for Culture, History, and Environment in the Nelson Institute at the University of Wisconsin-Madison.), implica compreender esse fenômeno através de suas especificidades regionais e a partir de noções mais amplas como a de terra e de propriedade. Em seminário realizado na Aarhus Univeristy (2019), antropólogos e antropólogas apresentaram diversos exemplos acerca dos efeitos irrecuperáveis das plantations: plantações de óleo de palma e outros modos extrativos de agricultura que eliminaram grande parte da floresta mista ao longo dos rios na Malásia; um historiador da paisagem mostrou como a monocultura na Grã-Bretanha e na Europa mudou os modos de vida de inúmeras espécies. Tsing (2019) relatou em suas pesquisas no Sudeste asiático como as transformações no Bornéu, a partir da implantação da floresta industrial, eliminou vários tipos de práticas de vida agrícola e florestal que funcionavam como sistemas sólidos para o sustento, bem como para trocas no mercado local. Para Haraway, esta é uma preocupação urgente que inclui a necessidade de pensar sobre as plantas e também seus companheiros, humanos e não humanos.

Para as autoras (Hawaray & Tsing 2019TSING, Anna L. , HARAWAY Donna . 2019. Reflections on the Plantationocene: A Conversation with Donna Haraway and Anna Tsing. Center for Culture, History, and Environment in the Nelson Institute at the University of Wisconsin-Madison.), o cultivo de alimentos via plantation produz um sistema de trabalho multiespecífico forçado, acelerando o tempo de geração. A plantation perturba o tempo de geração de todos os atores envolvidos, é uma maneira epidêmica de rearranjar a vida das espécies no mundo. Trata-se de um sistema que depende em larga medida de algum tipo de trabalho humano forçado e que requer o genocídio ou a remoção de trabalhadores ou habitantes locais, substituindo-os por trabalhadores explorados por meio de contratos desiguais e que muitas vezes se assemelham aos sistemas escravagistas. A plantation realmente depende de formas muito intensas de escravidão do trabalho, incluindo também escravidão do trabalho de máquinas, um edifício de máquinas para exploração e extração de terráqueos, nos termos de Haraway (2019:06).

Para o funcionamento moderno das plantations, é preciso que as sementes sejam submetidas a processos de alterações genéticas, o que poderia ser tomado também como um tipo de submissão ou confinamento da diversidade botânica e vegetal, assim como o extermínio de sua espontaneidade. Tal constatação nos auxilia a melhor compreender alguns dos impactos da entrada das sementes transgênicas nas práticas de pequenos e médios agricultores, principalmente em países como Argentina, México, Brasil e Índia. Particularmente, a agricultura indiana tem sido amplamente discutida e criticada pela escritora e ativista Vandana Shiva (2011SHIVA, Vandana. 2011. Monocultures of the Mind: Perspectives on Biodiversity. Delhi: Natraj Publishers.), que tem demonstrado, com muita ênfase, como a obsessão pelas patentes ligadas à inovação da biotecnologia e do complexo agroindustrial está relacionada ao domínio biotecnológico de países europeus e norte-americanos. Contudo, do ponto de vista antropológico, o imbricamento de indústria, universidades e ciência e as questões que envolvem os processos técnicos de transformação genética ainda permanecem pouco explorados, já que a ênfase das etnografias que refletem sobre plantas, vegetais e mundo botânico tem se dedicado sobretudo à perspectiva de povos indígenas e tradicionais (Cabral de Oliveira et al. 2020OLIVEIRA, Joana Cabral de et al. (orgs.). 2020. Vozes vegetais diversidade, resistências e histórias da floresta. São Paulo: Editora UBU ).

Otero (2008OTERO, G. (ed.). 2008. Food for the few: neoliberal globalism and biotechnology in Latin America. Austin: University of Texas Press.) tem argumentado que a agricultura na América Latina foi uma das mais afetadas negativamente pelo avanço neoliberal e pela inundação dos organismos geneticamente modificados sob a prerrogativa de que a biotecnologia traria benefícios relacionados ao combate da fome e da desnutrição. No entanto, são esses mesmos países, sobretudo o Brasil, os responsáveis por manter a maior variedade e diversidade de plantas no mundo. Ironicamente, a prática de transformação genética e a produção de transgênicos dependem, sobremaneira, da disponibilidade da diversidade genética vegetal, que é justamente mantida por pequenos agricultores e por populações amazônicas e comunidades rurais brasileiras. Se essa diversidade se extingue, o mesmo acontecerá com a matériaprima necessária à produção transgênica em larga escala.

Laure Emperaire (2020EMPERAIRE, Laure. 2020. “Dissonâncias vegetais: entre roças e tratados”. In: Joana Cabral de Oliveira et al. (orgs.), 2020. Vozes vegetais diversidade, resistências e histórias da floresta. São Paulo: Editora UBU.:59) reforça a urgência em manter, inventar e reinventar uma agricultura voltada para a diversidade das plantas em oposição ao controle hegemônico dos modos de gestão empresarial do mundo, sobretudo diante dos desastres sociais e ambientais que essa homogeneização dos modos de vida tem provocado. É preciso olhar para as práticas de povos amazônicos e tradicionais, cujas lógicas de relacionamento que mantêm com as plantas e com as plantações diferem radicalmente dos pressupostos sustentados pela racionalidade produtivista da vida. No entanto, como afirma Emperaire (2020:66), quando olhamos para as lógicas de melhoramento das plantas empreendidas pela biotecnologia, percebemos um deslocamento progressivo do foco de atuação, de um conteúdo biológico para um conteúdo informacional. Nessa direção, o gerenciamento de dados aparece como imprescindível, assumindo formas de variação e uniformização, multiplicidade e singularidade capazes de animar ou de aniquilar organismos e seres.

As etnografias antropológicas são incansáveis em demonstrar como o relacionamento com as plantas e com o próprio saber ligado a elas passa ao largo de uma noção que implique propriedade material ou intelectual, tal como a concebemos. É precisamente a diferença o motor da sociabilidade, as plantas são importantes porque possibilitam trocas, relações e a ampliação das redes e dos vínculos sociais, o alargamento da vida, a diversidade da existência. As plantas têm valor à medida que são diversas e únicas, como tantas pesquisas junto de povos amazônicos têm insistentemente demonstrado (Cabral de Oliveira et al. 2020OLIVEIRA, Joana Cabral de et al. (orgs.). 2020. Vozes vegetais diversidade, resistências e histórias da floresta. São Paulo: Editora UBU ).

A manipulação dessas espécies botânicas e vegetais, tal como objeto mercantil da biotecnologia genética, transforma a vida em algo patenteável. Como inovação, o OGM atenderia aos requisitos de novidade e passaria a ser propriedade daquele que controlou sua manipulação. Neste sentido, devemos enfatizar que a engenharia genética se transforma no elemento central que permite o patenteamento da vida, convertendo-a em inovação vendável. Vale notar que este seria o primeiro elemento identificável no padrão de aniquilação. Aqui se deve enfatizar que a engenharia genética, exatamente por não criar vida, necessita de um repositório de dados e informações genéticas amplo, completo e variado para manipular e criar OGMs. Quanto maior o acesso a um amplo conjunto de dados e de bancos genéticos, maior a chance de criar inovação. Assim, a variedade genética é um elemento fundamental para a própria atividade da biotecnologia. Contudo, o resultado da atividade inovadora decorrente desta manipulação conduz a aniquilação de suas próprias condições de existência. Temos então um padrão irreversível, cuja força motriz está justamente em alimentar-se daquilo que destrói.

A criação de sementes geneticamente modificadas depende da existência de diferentes variedades naturais, como recurso a ser manipulado geneticamente. Ao mesmo tempo, como inovação, a produtividade aumentada dos OGMs se torna elemento central do avanço da monocultura e, consequentemente, aparece como mecanismo de aniquilação de variedades biológicas naturais, como assinalado por Shutte et al. (2017SCHUTTE, Gesine et al. 2017. “Herbicide resistance and biodiversity: agronomic and environmental aspects of genetically modified herbicide-resistant plants”. Environmental Sciences Europe, 29 (5). :9): “From the data collected and assessed, HR [Herbecide Resistance] cropping systems seem to be no option for a sustainable agriculture that focuses also on protection of biodiversity. On the contrary, HR crops rather seem to be part of the problem.”11 11 Ver Schmeller e Henle (2008) para uma discussão aprofundada dos diversos impactos das OGMs e as possibilidades de seu monitoramento.

O patenteamento da natureza surge, portanto, como elemento contraditório que determina o funcionamento do dispositivo inovação/aniquilação no que se refere à sua relação com a biodiversidade. Como input, a biodiversidade é fundamental para a ação da corporação de biotecnologia, como output, a sua inovação em formato de OGM é nociva à própria biodiversidade, aniquilando-a.

No próximo item buscaremos apresentar o mesmo dispositivo em ação, agora a partir da relação entre o chamado mainstream econômico e a heterodoxia econômica. Veremos que, apesar de uma discussão metodológica que passa pela história do pensamento econômico, é possível identificar os mesmos elementos inovação-aniquilação-contradição aqui discutidos.

Mainstream econômico e heteorodoxia

O padrão de aniquilação de uma sociedade capitalista pode se apresentar sob diversas conformações, ou seja, o fenômeno estudado é o que vai determinar a maneira como a contradição dos processos de inovação e extermínio se apresenta. Obviamente, quando enfrentados como um fenômeno que se destina diretamente à valorização do capital, como o caso da biotecnologia, o padrão de aniquilação se torna bastante evidente. Por outro lado, existem campos onde esse padrão pode aparecer de maneira menos clara devido a uma certa refração entre o que são os determinantes do capital e a própria lógica do campo.12 12 Para uma discussão sobre a autonomia do campo científico e a refração dos interesses externos em sua constituição, ver Bourdieu (2004). Neste sentido, buscaremos selecionar e avaliar um desses casos, a saber: a disciplina Economia.

Qualquer olhar mais detido acerca do que se produz no campo da Economia perceberá não apenas a existência de uma ampla diversidade de perspectivas, mas também o convívio (nem sempre pacífico) de visões totalmente contraditórias sobre os processos econômicos. Não é de se estranhar que a História do Pensamento Econômico seja um campo de grande interesse aos pesquisadores curiosos por compreender os caminhos e os descaminhos desta disciplina um tanto quanto caótica que almeja ser ciência paradigmática, mas que muitas vezes adquire contornos altamente dogmáticos. Desta forma, é importante salientar que, apesar de haver muitas possibilidades para levar à frente as pesquisas no campo da economia, alguns destes caminhos foram sendo entendidos como mais legítimos que outros ao longo do tempo. Esta legitimação de certas linhas de investigação se deu menos pelos seus resultados evidentes e mais pela história da mescla entre interesses políticos, econômicos e a própria força institucional de universidades e centros de pesquisas.

Assim como muitos campos disciplinares, a economia como ciência é plural, mas também extremamente hierarquizada, havendo certa hegemonia de algumas perspectivas em face de outras. Buscaremos trabalhar aqui com uma determinada classificação das abordagens da disciplina, diferenciando a abordagem hegemônica, denominada de mainstream econômico (muitas vezes erroneamente identificada como economia neoclássica), e as abordagens alternativas, que possuem um reconhecimento menor, denominada de heterodoxia (em grande medida formada pela escola pós-keynesiana, o marxismo, o institucionalismo original e o neo-schumpeterianismo). A partir desta classificação, buscar-se-á defender a diferenciação entre mainstream econômico e economia neoclássica, que nos permitirá verificar como a primeira se estabelece através de uma interface com as escolas heterodoxas fundadas em um padrão de aniquilação específico.

Se em um passado não distante as definições de mainstream econômico e economia neoclássica significavam basicamente a mesma coisa, ou seja, a perspectiva fundada no individualismo metodológico instruído pela ideia de ser humano calculador hedonista que se organiza socialmente por meio de mercados, na virada do XX para os XXI, alguns metodólogos da economia começaram a questionar esta definição como válida para os dois termos. Um exemplo importante é Dequech (2007DEQUECH, David. 2007. “Neoclassical, Mainstream, Orthodox, and Heterodox Economics”. Journal of Post Keynesian Economics, 30 (20):279-302.), que assinala que o termo mainstream deve ser entendido como um conceito de cunho sociológico, que busca delimitar aquele conjunto de ideias que possui maior aceitação e prestígio no meio dos economistas em um momento específico da história da disciplina. Assim, o mainstream corresponderia àquilo que é ensinado nos cursos mais prestigiosos de economia, aquilo que recebe os prêmios mais importantes no campo e, com efeito, aquilo que é financiado pelos centros científicos mais concorridos. Neste sentido, o mainstream estaria condicionado ao tempo e ao espaço. Consequentemente, aquilo que foi mainstream num período poderia não ser num momento posterior, assim como aquilo que é mainstream num certo país poderia não ser em outro.13 13 Para uma descrição histórica acerca da consolidação das escolas de economia e seu convívio no Brasil, indicamos Fernádez e Suprinyak (2018).

Por outro lado, se o mainstream seria considerado um conceito sociológico, a economia neoclássica teria uma definição completamente diversa. O termo economia neoclássica foi criado por um de seus maiores detratores, o institucionalista Thorstein Veblen (1857-1929) em seu célebre artigo “The Preconceptions of Economic Science III” (1900). Veblen utilizou o termo para designar a teoria econômica sintetizada por Alfred Marshall no final do século XIX, a qual se baseava fundamentalmente na ideia de racionalidade substantiva, cálculo marginal e equilíbrio de mercado. Assim, podemos entender que a economia neoclássica seria a designação das ideias que compõem esta escola. Não é de se estranhar, portanto, que a mais famosa definição de economia oferecida pelo campo neoclássico entende economia como “the Science which studies human behaviour as a relationship between ends and scarce means which have alternative uses.” (Robbins 1935ROBBINS, Lionel. 1935. An Essay on the Nature and Significance of Economic Science. London: Macmillan. :16). As críticas do pensamento antropológico à economia geralmente se atêm às ideias da economia neoclássica. Vale lembrar, então, como Godelier caracteriza esta escola: “For Robbins and Samuleson, and so are linked with the conservative majority of of the conomists of the capiltaist countries, economics studies merely the forms of behavior of individuals seeking to maximize their satisfactions” (1972:xv). No mesmo sentido, Sahlins (1972SAHLINS, Marshall. 1972. “Sociedade afluente original. In: Edgar A. Carvalho (org.), Antropologia. Econômica. São Paulo: Ed. Ciências Humanas Ltda.) assinala que a teoria neoclássica seria essencialmente uma teoria da escolha que formaliza uma compreensão do mundo que naturaliza a escassez como fundamento da humanidade, uma vez que teoricamente os agentes sempre estão escolhendo algo e, consequentemente, de forma marginal não escolhendo algo de que também gostariam, caso não tivessem alguma restrição (geralmente orçamentária). Seria a formalização da estranha ideia de que os humanos são seres naturalmente insaciáveis.

O que devemos assinalar, portanto, é que o termo economia neoclássica se direciona a um conteúdo teórico específico, ou seja, se mainstream se apresenta como categoria social, a economia neoclássica seria uma categoria fundamentalmente intelectual.

Entendemos aqui que essa distinção entre economia neoclássica e mainstream é a chave que permite qualificar a disciplina econômica obedecendo a um padrão de aniquilação. É a flexibilidade da concepção de mainstream diante da rigidez da definição de economia neoclássica que nos permite jogar luz sobre o processo que buscamos descrever. Se recorrermos a Colander (2000COLANDER, David. 2000. “The Death of Neoclassical Economics”. Journal of the History of Economic Thought, 22 (2):127-143.), iremos encontrar um interessante posicionamento acerca da natureza do mainstream econômico. Segundo o autor, chamar a economia moderna de neoclássica - algo que o autor sugere ser prática de desinformados economistas heterodoxos - seria não só inútil, mas também prejudicial àqueles interessados em entender o que os economistas estão fazendo (Colander 2000COLANDER, David. 2000. “The Death of Neoclassical Economics”. Journal of the History of Economic Thought, 22 (2):127-143.:129). A economia mainstream seria eclética e inovadora, usaria métodos diversos e não poderia ser classificada de maneira alguma nos mesmos termos da economia praticada no final do século XIX e início do século XX. Alocação de recursos escassos, utilitarismo, cálculo marginal, racionalidade substantiva, individualismo metodológico e equilíbrio geral seriam conceitos superados pelo mainstream. Para Colander (2000COLANDER, David. 2000. “The Death of Neoclassical Economics”. Journal of the History of Economic Thought, 22 (2):127-143.), teríamos agora uma miríade de perspectivas novas que incluem a teoria dos jogos, economia comportamental, nova economia institucional e economia da complexidade, apenas para mencionar algumas vertentes. Tal variedade de perspectivas nos informaria que na fronteira da disciplina econômica haveria flexibilidade e que esta seria justamente a característica do trabalho de fronteira, ou mainstream.14 14 Segundo o Colander: “At the edge, ideas that previously had been considered central to economics are being modified and broadnede, and the process is changing the very nature of economics” (Colander et al., 2004:487). Davis (2006) segue Colander (2000) e assinala que a partir dos anos 1980 o programa de pesquisa neoclássico teria sido substituído por “programmes that share realtively little in common either with each other or wiht neolclassical economics.” (Davis 2006:1). Para Davis, esta economia moderna teria sido alimentada por conteúdos originalmente provenientes de abordagens heterodoxas e de outros campos disciplinares. O autor sugere que a economia neoclássica não existe mais e discute as possíveis justificativas para essa perda de hegenomia, apoiando-se na visão “breakdown”, que entende que a economia neoclássica foi superada devido ao fato de se mostrar problemática para lidar com os fenômenos econômicos.

Davis (2006DAVIS, John. 2006. “The Turn in Economics: From Neoclassical Dominance to Mainstream Pluralism?”. Journal of Institutional Economics, 2 (1):1-20.) aponta na mesma direção de Colander, mas ponderando sobre alguns detalhes importantes. O autor ressalta que muitos temas estudados no mainstream moderno têm sua origem na heterodoxia econômica, especialmente no institucionalismo, uma vez que: “Evolutionary and institutional themes have been primarily associated with heterodox economics during the period of neoclassical dominance, but there is good reason to think they may be emerging as central themes in recent mainstream economics.” (Davis 2006DAVIS, John. 2006. “The Turn in Economics: From Neoclassical Dominance to Mainstream Pluralism?”. Journal of Institutional Economics, 2 (1):1-20.:3). O autor assinala que a economia comportamental teria reintroduzido muitos dos conceitos associados à ideia de hábitos do institucionalismo original; que a economia experimental estaria reintroduzindo a visão de que as instituições importam e, finalmente, a economia evolucionária estaria associada à concepção de processo de cunho vebleniano.15 15 Colander et al. (2004:489) assinalam no mesmo sentido: “The work at the edge is generally begun by younger researchers, and in some cases those who are doing heterodox work.”

Apesar de Davis (2006DAVIS, John. 2006. “The Turn in Economics: From Neoclassical Dominance to Mainstream Pluralism?”. Journal of Institutional Economics, 2 (1):1-20.:10) entender que o mainstream teria se aproximado das contribuições heterodoxas, o autor enfatiza que poderia existir um viés de seleção no mainstream quanto à heterodoxia, ou seja, poderia existir um “selective appropriation process that systematically excludes certain types of heterodox contents.”16 16 Colander (2009) aponta que os atributos centrais do mainstream levariam à convergência quanto ao uso de modelos empíricos direcionados a solução de problemas via modelos matemáticos econométricos. Neste sentido, o autor enfatiza que “it is not beliefs that separate mainstream from heterodoxy; it is an attitude and willingness to compete within a given set of rules and institutional structures.” (Colander 2009:37). Desta maneira, utilizando os termos de Davis (2006DAVIS, John. 2006. “The Turn in Economics: From Neoclassical Dominance to Mainstream Pluralism?”. Journal of Institutional Economics, 2 (1):1-20.), é relevante enfatizar que o mainstream se desenvolve a partir de um “appropriation process”. Isto se aproxima daquilo que Lari (2021LARI, Teemu. 2021. “When does complementarity support pluralism about schools of economic thought?”. Journal of Economic Methodology, 28 (3):322-335;) apontou como “complementaridade fraca”, isto é, a ideia de que normas metodológicas podem ser emprestadas de outras escolas, mas sem que isto implique “further research efforts by that school” (2021:7). Claramente observamos, portanto, que a percepção destes metodólogos indica que o mainstream absorve contribuições heterodoxas, mas é uma absorção interessada, que seleciona e transforma aquilo que lhe convém.

A história dos “empréstimos” heterodoxos ao mainstream é longa e merece um estudo à parte. De maneira simplificada, podemos assinalar alguns momentos-chave como: o conceito de “emulação” e “consumo conspícuo” de Veblen do que viria a ser absorvido como “bandwagon” or “Veblen effect” (Duesenberry 1949DUESENBERRY, James. 1949. Income, Saving, and the Theory of Consumer Behavior. Cambridge: Harvard University Press.); a tentativa de tradução de Keynes pelo modelo Hicks-Hansen, denominado de “keynesianismo bastardo” por Robinson (1973ROBINSON, Joan. 1949. “Mr. Harrod’s Dynamics”. The Economic Journal, 59 (233):68-85.); e, finalmente, no contexto da crise de 2007, a redução da amplitude das contribuições de Ryaman Minsky para a compreensão das crises financeiras por meio de sua Financial Instabilty Hipothesis, ou “Minsky moment.”17 17 Segundo Wray (2016:39): “Unfortunately, most analyses relied on his FIH [Financial Instability Hipothesis] rather than on his “stages” approach. As such, they did not understand that this was a crash of the entire financial system - not a garden variety crisis.” Neste sentido, para Minsky: “The only way to cure the problem is fundamental - New Deal style - reforms. Anything less would just set the economy up for another crash.”

Devemos nos ater ao fato de o mainstream ser exatamente aquilo que promove a inovação dentro da economia hegemônica. Ao permitir a incorporação de contribuições heterodoxas adaptadas, ele é capaz de manipular essas ideias e incorporá-las como inovação. Por outro lado, o suposto caráter eclético do mainstream na economia atual não é contraditório em relação à sua tendência à aniquilação da própria heterodoxia. Nesse aspecto, defende-se aqui que a economia, como disciplina, se estabelece em grande medida através da contínua tensão da variedade que existe fora do mainstream e o encapsulamento de elementos heterodoxos manipulados. O mainstream assumiria, portanto, o papel de mecanismo de seleção capaz de implementar esta interface entre o que está fora e o que está dentro, ou seja, o mainstream teria a capacidade de ao mesmo tempo elaborar inovações a partir da heterodoxia e exterminar a própria heterodoxia. Não é à toa que uma das estratégias que Colander (2000COLANDER, David. 2000. “The Death of Neoclassical Economics”. Journal of the History of Economic Thought, 22 (2):127-143.) vislumbra para a sobrevivência da heterodoxia na disciplina econômica seria sua transformação em “incubadora de ideias” para serem repassadas ao mainstream.

É muito difícil oferecer uma visão completa dos critérios de seleção e adaptação utilizados pelo mainstream, mas acreditamos que seja pelo impacto das ideias da disciplina econômica na geração de instrumentos para a valorização do capital e na construção da própria justificativa ideológica de sua existência. Mirowski (2013MIROWSKI, Philip. 2012. “The Modern Commercialization of Science is a Passel of Ponzi Schemes”. Social Epistemology, 26 (3-4):285-310.) é enfático em assinalar que aquilo que se produz no mainstream está em relação direta com as necessidades de valorização do capital no seu estágio financeiro e suas consequentes crises. Neste sentido, é preciso assinalar que muitas inovações financeiras atuais, responsáveis inclusive pela crise de 2008, foram desenvolvidas pela academia e implementadas pelos economistas do mainstream. A “hipótese dos mercados eficientes”; a “escolha pública”; entre outras, as características da financeirização contemporânea são desenvolvimentos do mainstream. Para Mirowski, bastaria observar que o principal centro mainstream do mundo, a Escola de Chicago,

was the prime initial incubator for modern finance theory, which has indeed provided direct intellectual inspiration and justification for most of the so-called innovation an financial derivatives and automated equity trading in the las three decades. […] Chicago was the intellectual godfather of modern “securitization” and privatized regulation among other activities (2013MIROWSKI, Philip. 2013. Never Let a Serious Crisis Go to Waste. Londres: Verso Books.:86).

A natureza aniquiladora do mainstream deve ser enfatizada aqui no seu componente social. Um dos casos de maior repercussão nos últimos anos foi o da Universidade de Notre Dame que, em 2003, após dividir o reconhecidamente plural Departamento de Economia em dois departamentos distintos, o Department of Economics and Policy Studies (DEPS) e o Department do Economics and Econometrics (DEE), acabou por fechar o DEPS e recriar o Departamento de Economia em 2010, agora totalmente dedicado às pesquisas mainstream. Em 2021, observou-se um caso semelhante, dentre os muitos registrados, na University of Leicester School of Business (ULSB), que decretou a "redundância" de 16 professores do Critical Management Studies (CMS) e Political Economy (PE), áreas caraterizadas por concentrarem as pesquisas heterodoxas.18 18 Para mais informações sobre este caso veja: https://www.uculeicester.org.uk/ulsb16/briefing-to-colleagues Esse processo de aniquilação na produção de um conhecimento econômico que diverge de ou critica aquele endossado pelo mainstream é bem reportado por Lee (2010LEE, Frederic. 2010. “Pluralism in Heterodox Economics”. In: Robert Garnett, Erik K. Olsen & Martha Starr, Economic Pluralism.New York: Routledge. pp. 19-35.), e remonta à própria ação deliberada do Estado na perseguição e na censura de perspectivas econômicas críticas à sociabilidade capitalista nos EUA e na Inglaterra no contexto da guerra fria (Macartismo nos EUA). Esse processo teve consequências graves para a heterodoxia naquele momento e alimentou desenvolvimentos posteriores, justificados agora nos assépticos termos do método neoclássico e permitindo que o mainstream limpasse “their departments of heterodox economists, not hire heterodox economists, and to restrict and constrain teaching to mainstream economics and research to mainstream topics.” (Lee 2010:20). Do lado do ensino, esse processo culminou numa homogeneização da disciplina na graduação e na pós-graduação em torno dos tópicos do mainstream, especialmente nos EUA e na Inglaterra. A seleção e a manipulação de teorias heterodoxas do mainstream conferem, por um lado, uma imagem convivência plural, mas, por outro, estas inovações andam lado a lado com o extermínio da própria heterodoxia, como Mirowski (2013MIROWSKI, Philip. 2013. Never Let a Serious Crisis Go to Waste. Londres: Verso Books.) ironicamente assinala:

All this putative open-minded tolerance and catholic heedfulness was acoompanied by a bald attack on and excommungation of any last vestige of heterodox economics in top-ranked universities throughout the world, and the redoubled exclusivity of top-ranked economics journals. History of doctrines was banished, and scattered ghettos of heterorodox thought were unceremounously leveled (2013MIROWSKI, Philip. 2013. Never Let a Serious Crisis Go to Waste. Londres: Verso Books.:16).

A definição flexível de mainstream, como conceito sociológico, nos permite entender o movimento que ele implementa no pensamento e nas práticas econômicas. Neste aspecto é possível compreender como o mainstream estabelece um padrão de aniquilação específico. O mainstream promove a inovação a partir daquilo que consegue selecionar da heterodoxia econômica. Esta inovação incorre em um recorte, uma adaptação e uma adequação ao que lhe era externo. Ocorre que esse processo é acompanhado por um esforço do próprio mainstream na direção de eliminar estas ideias heterodoxas, evidenciando claramente o caráter contraditório desse processo. Obviamente, a valorização do capital seria um dos elementos responsáveis tanto por fornecer os critérios de seleção e inovação quanto de construção de um quadro deliberado de extermínio da heterodoxia.

Se a heterodoxia for eliminada, como objetivamente tem ocorrido, o próprio mainstream se tornaria monolítico e não teria mais nada a dizer além do que já foi dito. A dinâmica do mainstream depende da seleção e da aniquilação da heterodoxia, da asfixia do pensamento divergente. É o padrão de aniquilação levado à frente pela economia dominante que nos conduziria, enfim, à própria eutanásia dessa mesma economia. Neste aspecto, os paralelismos entre a biotecnologia e o meio ambiente são fundamentais e merecem um encaminhamento que retoma as ideias iniciais deste artigo.

Considerações finais

O padrão de aniquilação e sua inerente contradição não aparecem no campo da disciplina econômica e da biotecnologia como mera comparação ou analogia. Há um elemento que dá significado, orientando este padrão, e que explica a sua ação, alimentando um tipo de intervenção no mundo que sujeita praticamente toda a existência humana. Neste aspecto é necessário que enfatizemos que a sociabilidade capitalista em seu modo de acumulação neoliberal e neocolonial deve ser entendida como o elemento unificador e explicativo para a recorrência do padrão de aniquilação. O aprofundamento do neoliberalismo em sua esfera humana e ambiental ao longo do século XX e no início do XXI pode ser pensado como resultado da própria universalização do padrão aniquilação como eixo dos interesses empresariais e financeiros no mundo contemporâneo. Assim, o nosso olhar sobre a biotecnologia e sobre o mainstream econômico só é completo se considerarmos a conexão destes dois campos com a ordem econômica vigente.

Os interesses econômicos que animam um padrão de aniquilação podem ser mais explícitos, como no caso da biotecnologia, ou menos explícitos, como no caso da economia mainstream. Seguindo Lacey (2006LACEY, Hugh. 2006. “O Princípio de Precaução e a Autonomia da Ciência”. Scientiae Studia. v. 4, n. 3:373-92.), poderíamos dizer que a descontextualização maior ou menor desses campos em relação à sua imbricação com a variação do capital é apenas um epifenômeno que muitas vezes nos distrai dos interesses econômicos e políticos que os anima. É relevante assinalar, como uma alternativa analítica, que encontramos naqueles que foram aniquilados o diagnóstico mais claro acerca da ação deste padrão.

Debates que envolvem os estudos sociais de ciência e tecnologia enfatizam que a chamada bioeconomia - ou seja, a articulação do capitalismo e da biotecnologia - é construída sobre noções de produção de mercadorias, mercantilização e materialidade, enfatizando que é possível obter valor de partes do corpo, tecidos moleculares e celulares, processos biológicos ou, simplesmente, informação genética, como no caso dos OGMs.

Como buscamos deixar evidente, em nossa perspectiva, a bioeconomia seria um outro nome para a implementação de um padrão de aniquilação contraditório no campo da manipulação da vida. Neste sentido, vale assinalar que, desde 2021, o Brasil legalizou sete variedades de eucaliptos transgênicos para uso em plantações industriais de larga escala. As árvores transgênicas são geneticamente modificadas para envenenar insetos, resistir a herbicidas tóxicos e crescer rapidamente. Muitas delas serão elegíveis para projetos de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação. As plantações de árvores transgênicas podem ter impactos devastadores e irreversíveis sobre os povos indígenas, florestas, cerrado e a biodiversidade. Os impactos incluem a apropriação maciça de terras, comunidades deslocadas, incêndios florestais e água doce contaminada e esgotada. Tudo isso ocorre sob a rubrica do reflorestamento e das “plantações sustentáveis”. Tomemos como exemplo a empresa brasileira Aracruz Celulose, a maior produtora mundial de celulose branqueada de eucalipto. As três fábricas de celulose da Aracruz produzem um total de 2 milhões de toneladas de celulose por ano. As plantações de eucalipto da empresa foram estabelecidas nas terras de povos indígenas e de outras comunidades locais. As árvores de eucalipto que alimentam as fábricas de celulose da Aracruz estão entre as árvores de crescimento mais rápido do mundo. O padrão aniquilação aparece também nas muitas modalidades de manter sustentável a economia vigente, suas possibilidades de inovação, crescimento e aceleração, algo que sempre ocorre às custas do extermínio.

Por via diversa, buscamos mostrar que um padrão de aniquilação se apresenta de maneira distinta no campo da disciplina econômica. A história do último século da disciplina pode ser caraterizada pela contínua seleção, absorção e esterilização de ideias do campo heterodoxo para dentro do mainstream. As inovações que advêm destes empréstimos também resultariam num contínuo processo de extermínio da própria heterodoxia. Novamente, assim como no caso da biotecnologia, este padrão de aniquilação está ligado aos interesses ideológicos e objetivos do capital em sua fase financeira neoliberal. Vale assinalar que diversos pensadores do campo heterodoxo refletiram sobre a dinâmica aniquiladora de um mundo governado por corporações, algo que pode ser aplicado à própria dinâmica de desenvolvimento da disciplina econômica. Vale mencionar que o economista heterodoxo Paul Dale Bush (1987) assinala que boa parte das possibilidades de mudança tecnológica e institucional é controlada por interesses cerimoniais e econômicos bem definidos, ou seja, são deliberadamente “domesticadas”, ou selecionadas, no sentido de não alterarem o status quo. Curiosamente, seriam as próprias ideias heterodoxas o objeto deste contraditório processo de seleção e eliminação.

Em “feral Atlas”, Anna Tsing (2021TSING, Anna et al. 2021. Feral Atlas The more-than-human Anthropocene. Satanford: Stanford University Press. Disponível em: https://feralatlas.org/ . Acesso em 05/04/2024
https://feralatlas.org/...
) mostra como os remendos ou retalhos da destruição não podem ser entendidos como autônomos. Ao contrário, eles surgem em projetos globais de poder e lucro, se interpenetram e se sobrepõem, se moldam uns aos outros. Contudo, do ponto de vista das ciências sociais, é importante entender a sua dinâmica separadamente. Este foi um dos esforços deste trabalho, olhar para a biotecnologia e para economia compreendendo suas especificidades e os efeitos de suas estratégias de transformação, bem como seus modos de interconexão menos evidentes. Reconhecemos, contudo, que ambos os padrões de aniquilação reduzem o escopo da existência: de ideias, abordagens e perspectivas, como também de plantas, espécies botânicas e coletivos vivos, levados ao extermínio em nome da homogeneização lucrativa e contraditória da vida.

A título de encerramento, é importante assinalar que povos indígenas desde muito lutam contra os efeitos de um padrão de aniquilação específico, colocado em marcha de maneira direta pelos processos e planos ditos desenvolvimentistas, pelo trabalho servil, pela integração à economia mercantil e, finalmente, pela dizimação de inúmeras etnias. Ailton Krenak tem sido muito enfático a este respeito em seus textos, conferências e entrevistas. Afirmou (2020KRENAK, Ailton. 2020. A vida não é útil. São Paulo: Companhia das Letras .) que a “próxima missão do capitalismo é se livrar de metade da população do planeta”, considerando a crescente desigualdade e falência da proteção social para aqueles que “não são úteis.” Os povos aniquilados bem sabem que “o poder e o capital entraram em um grau de acúmulo que não há mais separação entre a gestão política e financeira do mundo.” (Krenak 2020KRENAK, Ailton. 2020. A vida não é útil. São Paulo: Companhia das Letras .:15). Diante desse panorama, conhecer e compreender os padrões que insistentemente nos aniquilam nos fornecerão elementos para contestações e levantes, bem como maior consciência acerca de nossas alianças e projetos de futuro.

Agradecimentos:

Esta pesquisa foi realizada com o apoio da Fapemig e com o suporte oferecido pelo CNPq, bolsa produtividade em pesquisa 309984/2021-1 e chamada universal processo 402726/2023-5.

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  • WRAY, Randall. 2016. Why Minsky Matters New Jersey: Princeton University Press.
  • 1
    O extermínio é enfatizado por Marx (1990 MARX, Karl. 1990 [1867]. O Capital. Vol. 1. London: Penguin.[1867]MARX, Karl. 1990 [1867]. O Capital. Vol. 1. London: Penguin.) como elemento central que caracterizou esse processo: “The discovery of gold and silver in America, the extermination, enslavement and imprisonment of the native population in mines, the beginning of the conquest and plunder of the East Indies, the transformation of Africa into a hunting enclosure to trade black skins, mark the dawn of the era of capitalist production” (1990MARX, Karl. 1990 [1867]. O Capital. Vol. 1. London: Penguin. [1867]MARX, Karl. 1990 [1867]. O Capital. Vol. 1. London: Penguin.:285).
  • 2
    Mirowski (2013MIROWSKI, Philip. 2013. Never Let a Serious Crisis Go to Waste. Londres: Verso Books.) assinala que o coletivo de pensamento neoliberal se funda na articulação de uma “dupla verdade”. Por um lado, os arquitetos do neoliberalismo (think tanks, grupos políticos e corporativos) defendem e divulgam o neoliberalismo como o reino da livre concorrência, onde todos estariam sujeitos à impessoalidade do mercado, constituindo assim um neoliberalismo como uma verdade para as massas, ou “exotérica”. Por outro lado, haveria também um outro neoliberalismo que articula este grupo de arquitetos e passa longe da defesa do sistema de preços. Este neoliberalismo restrito seria a sua versão “esotérica”, que estaria preocupada em tomar os espaços de decisão política e econômica, incluindo o próprio Estado, e as pessoas comuns.
  • 3
    Sobre esse aspecto, as teorias econômicas localizam muito bem os escritos de Schumpeter (1911SCHUMPETER, Joseph A. 1911. The Theory of Economic Development. Cambridge: Harvard University Press.), para quem a separação entre invenção e inovação, de um lado, inventor e empreendedor, de outro, assume um lugar crucial. O segundo entende o potencial de algo novo como necessariamente passível de venda, enquanto o primeiro não.
  • 4
    Muito embora antropologia e economia carreguem uma larga tradição no estabelecimento de diálogos frutíferos para ambas as disciplinas (Sahlins 1972SAHLINS, Marshall. 1972. “Sociedade afluente original. In: Edgar A. Carvalho (org.), Antropologia. Econômica. São Paulo: Ed. Ciências Humanas Ltda.; Clastres 1976CLASTRES, Pierre. 1976. “A Economia primitiva”. In: ___, Arqueologia da Violência. São Paulo: Cosac & Naify. pp. 175-195.; Graeber 2011GRAEBER, David. 2011. “Breve tratado sobre os fundamentos morais das relações econômicas”. In: D. Graeber, Dívida: os últimos 5.000 anos. São Paulo: Editora três estrelas. ; Douglas 1979DOUGLAS, M. & ISHERWOOD, B. C. 1979. The world of goods. New York: Basic Books. etc.), o esforço deste texto aproxima-se mais de uma antropologia da economia, no sentido de que busca explicitar e discutir aspectos constitutivos do pensamento e das práticas econômicas.
  • 5
    O tema tem sido de interesse e reflexão particular de Magda Ribeiro desde 2018RIBEIRO, Magda dos Santos. 2018. “Capitalisme vert: Les populations locales sur les marchés mondiaux.” CONFINS, Paris:02-31, quando realizou trabalho de campo no MIB - Manchester Institute of Biotechnology, no Reino Unido, especificamente sobre a biologia voltada para a sintetização de espécies botânicas em laboratório, visando atender aos mercados de produtos que se utilizam de “fragrâncias e sabores” artificiais, como a menta e a baunilha, por exemplo. A biologia sintética é uma prática exemplar na articulação entre engenharia genética, biologia e fluxos de capital por meio da inovação.
  • 6
    A própria Genentech foi adquirida pela Roche em 2009.
  • 7
    Glick e Patten (2023GLICK, Bernard & PATTEN, Cheryl. Molecular Biotechnology: Principles and Applications of Recombinant DNA. Washington: ASM Press. ) escreveram o mais importante livro de referência introdutória à biotecnologia molecular, publicado pela primeira vez em 1994 e hoje apresentado na sua sexta edição.
  • 8
    Segundo Dubey et Al. (2016DUBEY, Abhishek; SINGH, Manika & JAIN, Vikas. 2016. “Rapid and Robust PCR-Based All-Recombinant Cloning Methodology”. PLoS ONE, 11 (3):0152106.), “Polymerase chain reaction (PCR) has revolutionized the recombinant DNA technology. Generally, to construct a recombinant molecule, the desired DNA fragment is prepared in large quantity using PCR and the amplicon (the PCR-amplified DNA) thus obtained is cloned in the vector of choice.”
  • 9
    Para uma descrição pormenorizada do caso Diamond v. Chakrabarty e suas repercussões legais e sociais, indica-se Lumelsky (2005LUMELSKY, Anna. 2005. “Diamond v. Chakrabarty: Gauging Congress's Response to Dynamic Statutory Interpretation by the Supreme Court”. University of San Francisco Law Review, v. 39:641-692.).
  • 10
    Cooper (2008COOPER, Melinda. 2008. Life as Surplus: Biotechnology and Capitalism in Neoliberal Era. Seattle: University of Washington Press.) diz que as técnicas da biotecnologia atenderam às demandas de um regime de acumulação dominado pelas finanças e inerentemente especulativo, ou seja, um mundo neoliberal fundado na transformação de uma velha economia de escala e produção em massa de mercadorias para uma realidade pós-fordista em que a própria antecipação de valores futuros dos ativos acaba por definir a lucratividade e os preços hoje. Para a autora, a biotecnologia é peça-chave deste novo regime de acumulação, pois “what counts here is the variable code source from which innumerable life forms can be generated, rather than the life form per se” (2008COOPER, Melinda. 2008. Life as Surplus: Biotechnology and Capitalism in Neoliberal Era. Seattle: University of Washington Press.:24). Neste sentido, a própria possibilidade de gerar inúmeros seres vivos dada pela tecnologia supre a necessidade de gerar ativos especulativos da etapa financeirizada do capitalismo global.
  • 11
    Ver Schmeller e Henle (2008SCHMELLER, Dirk; HENLE, Klaus. 2008. “Cultivation of genetically modified organisms: Resource needs for monitoring adverse effects on biodiversity”. Biodiversity and Conservation, 17 (14):3551-3558. ) para uma discussão aprofundada dos diversos impactos das OGMs e as possibilidades de seu monitoramento.
  • 12
    Para uma discussão sobre a autonomia do campo científico e a refração dos interesses externos em sua constituição, ver Bourdieu (2004BOURDIEU, Pierre. 2004. Os Usos Sociais da Ciência. São Paulo: UNESP.).
  • 13
    Para uma descrição histórica acerca da consolidação das escolas de economia e seu convívio no Brasil, indicamos Fernádez e Suprinyak (2018FERNANDEZ, Ramon Garcia & SUPRINYAC, Carlos. 2019. “Manufacturing Pluralism in Brazilian Economics”. Journal of Economic Issues, 53 (3):749-774.).
  • 14
    Segundo o Colander: “At the edge, ideas that previously had been considered central to economics are being modified and broadnede, and the process is changing the very nature of economics” (Colander et al., 2004COLANDER, David; HOLT, Richard & ROSSER. Jr, Brakley. 2004. “The Changing Face of Mainstream Economics”. Review of Political Economy, 16 (4): 485-499. :487). Davis (2006DAVIS, John. 2006. “The Turn in Economics: From Neoclassical Dominance to Mainstream Pluralism?”. Journal of Institutional Economics, 2 (1):1-20.) segue Colander (2000COLANDER, David. 2000. “The Death of Neoclassical Economics”. Journal of the History of Economic Thought, 22 (2):127-143.) e assinala que a partir dos anos 1980 o programa de pesquisa neoclássico teria sido substituído por “programmes that share realtively little in common either with each other or wiht neolclassical economics.” (Davis 2006DAVIS, John. 2006. “The Turn in Economics: From Neoclassical Dominance to Mainstream Pluralism?”. Journal of Institutional Economics, 2 (1):1-20.:1). Para Davis, esta economia moderna teria sido alimentada por conteúdos originalmente provenientes de abordagens heterodoxas e de outros campos disciplinares. O autor sugere que a economia neoclássica não existe mais e discute as possíveis justificativas para essa perda de hegenomia, apoiando-se na visão “breakdown”, que entende que a economia neoclássica foi superada devido ao fato de se mostrar problemática para lidar com os fenômenos econômicos.
  • 15
    Colander et al. (2004COLANDER, David; HOLT, Richard & ROSSER. Jr, Brakley. 2004. “The Changing Face of Mainstream Economics”. Review of Political Economy, 16 (4): 485-499. :489) assinalam no mesmo sentido: “The work at the edge is generally begun by younger researchers, and in some cases those who are doing heterodox work.”
  • 16
    Colander (2009COLANDER, David. 2009. “Moving Beyond the Rhetoric of Pluralism: Suggestions for an ‘Inside-the-Mainstream’ Heterodoxy”. Middlebury College Economics Discussion Paper, n. 09-1.) aponta que os atributos centrais do mainstream levariam à convergência quanto ao uso de modelos empíricos direcionados a solução de problemas via modelos matemáticos econométricos. Neste sentido, o autor enfatiza que “it is not beliefs that separate mainstream from heterodoxy; it is an attitude and willingness to compete within a given set of rules and institutional structures.” (Colander 2009COLANDER, David. 2009. “Moving Beyond the Rhetoric of Pluralism: Suggestions for an ‘Inside-the-Mainstream’ Heterodoxy”. Middlebury College Economics Discussion Paper, n. 09-1.:37).
  • 17
    Segundo Wray (2016WRAY, Randall. 2016. Why Minsky Matters. New Jersey: Princeton University Press.:39): “Unfortunately, most analyses relied on his FIH [Financial Instability Hipothesis] rather than on his “stages” approach. As such, they did not understand that this was a crash of the entire financial system - not a garden variety crisis.” Neste sentido, para Minsky: “The only way to cure the problem is fundamental - New Deal style - reforms. Anything less would just set the economy up for another crash.”
  • 18
    Para mais informações sobre este caso veja: https://www.uculeicester.org.uk/ulsb16/briefing-to-colleagues

Editado por

Editora-Chefe:

María Elvira Díaz Benítez

Editor Adjunto:

John Comeford

Editor Associado:

Luiz Costa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    13 Mar 2023
  • Aceito
    03 Jun 2024
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social - PPGAS-Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ Quinta da Boa Vista s/n - São Cristóvão, 20940-040 Rio de Janeiro RJ Brazil, Tel.: +55 21 2568-9642, Fax: +55 21 2254-6695 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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