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A viagem de Exu: transferência de autoridade e descolonização da matéria no Museu do Homem do Nordeste, em Recife - PE1 1 Agradeço à equipe de museologia do Museu do Homem do Nordeste - Muhne/FUNDAJ, no Recife, por fornecerem acesso ao arquivo institucional e às coleções do museu durante o processo de pesquisa realizada em 2019. Uma primeira versão deste artigo venceu o Prêmio de Ensaios Aécio de Oliveira (2021), promovido por esta instituição. Este trabalho contou, ainda, com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, por meio de Bolsa Produtividade em Pesquisa.

Exu’s journey: transfer of authority and decolonization of matter at the Museu do Homem do Nordeste, in Recife - PE

El viaje de Exu: transferencia de autoridad y descolonización de la materia en el Museu do Homem do Nordeste, en Recife - PE

Resumo

O artigo analisa a materialização de um assentamento de Exu musealizado no Museu do Homem do Nordeste (Muhne), em Recife - PE, visando tecer considerações sobre o papel desempenhado pelo museu na descolonização dos seus saberes e procedimentos internos, expandindo a ação museal ao terreiro de candomblé conhecido como Sítio de Pai Adão. A transferência de autoridades, dos especialistas, curadores e técnicos ao Pai de Santo conhecido como Manuel Papai (Manoel do Nascimento Costa) permitiu legitimar perspectivas e saberes inéditos sobre o patrimônio e a musealidade produzida pela engrenagem museal. Tomando o trabalho de Exu como metáfora, o texto busca lançar um olhar decolonial sobre as coleções de objetos da cultura afro-brasileira no Muhne, de modo a suscitar uma reflexão crítica sobre a cadeia museológica, propondo novos caminhos interpretativos e práticos para a matéria presente nos museus.

Palavras-chave:
Museu; Musealização; Exu; Matéria; Descolonização

Abstract

The article examines the materialization of an Exu settlement (assentamento) musealized at the Museu do Homem do Nordeste (Muhne), in Recife - PE, aiming to reflect on the role played by the museum in the decolonization of its knowledge and internal procedures, expanding the museum action to the terreiro of candomblé known as Sítio de Pai Adão. The transfer of authorities, from specialists, curators, and technicians to the Pai de Santo known as Manuel Papai (Manoel do Nascimento Costa) allowed for the legitimization of new perspectives and knowledge on heritage and the museum value. Taking Exu's work as a metaphor, the text seeks to cast a decolonial look at the collections of Afro-Brazilian objects at the Muhne, to raise a critical reflection on the museological chain, proposing new interpretative and practical paths for the matter present in museums.

Keywords:
Museum; Musealization; Exu; Matter; Decolonization

Resumen

El artículo examina la materialización de un asentamiento (assentamento) de Exu musealizado en el Museu do Homem do Nordeste (Muhne), en Recife - PE, con el fin de tejer consideraciones sobre el papel desempeñado por el museo en la descolonización de sus conocimientos y procedimientos internos, ampliando la acción museística al terreiro de candomblé conocido como Sítio de Pai Adão. El traslado de autoridades, de los especialistas, conservadores y técnicos al Pai de Santo conocido como Manuel Papai (Manoel do Nascimento Costa) permitió legitimar nuevas perspectivas y conocimientos sobre el patrimonio y la musealidad producida por la maquinaria museística. Tomando la obra de Exu como metáfora, el texto pretende lanzar una mirada decolonial sobre las colecciones de objetos de la cultura afrobrasileña en el Muhne, para plantear una reflexión crítica sobre la cadena museológica, proponiendo nuevos caminos interpretativos y prácticos para la materia presente en los museos.

Palavras-chave:
Museo; Musealización; Exú; Materia; Descolonización

“Exu faz o erro virar acerto e o acerto virar erroÉ numa peneira que ele transporta o azeite que compra no mercado; e o azeite não escorre dessa estranha vasilhaEle matou um pássaro ontem, com uma pedra que somente hoje atirou. Se ele se zanga, pisa nessa pedra e ela põe-se a sangrarAborrecido, ele senta-se na pele de uma formigaSentado, sua cabeça bate no teto; de pé, não atinge nem mesmo a altura do fogareiro” (Louvor tradicional a Exu2 2 Recuperado por Pierre Verger (1981:38). )

Abrindo caminhos

No Xangô de Pernambuco3 3 O Xangô é um culto do candomblé e uma modalidade específica da religião afro-brasileira, assim reconhecido nos estados de Pernambuco, Alagoas e Sergipe, além de parte da Paraíba e Rio Grande do Norte. , Exu é o primeiro orixá a receber a oferenda, um presente material que representa uma mediação entre o filho de santo e o seu orixá, dando início aos trabalhos das obrigações. Como narra o babalorixá da tradição Nagô, Manuel Papai, por meio das cantigas e sacrifícios de bodes, pintos e galos, estes alimentados pelas folhas das plantas que contêm axé (Costa 2017COSTA, Manoel Nascimento da. 2017 [1982]. “Sacrifício de animais e distribuição da carne no ritual afro-pernambucano”. In: Roberto Motta (coord.), Os afro brasileiros. Anais do III Congresso Afro-Brasileiro. Recife: Fundação Joaquim Nabuco / Massangana . p. 243-249. [1982]), abrem-se as vias de comunicação entre os humanos e as divindades. Exu é o orixá que permite este trânsito; com sua indisciplina e insubordinação, ele burla as fronteiras entre a vida e a morte, a ordem e a desordem, o bem e o mal.

Na matança, a primeira gota de sangue é oferecida à Terra, sendo Exu, em seguida, convidado a receber as oferendas. “Nada mais apto do que o sangue para exprimir o movimento e o fluxo da vida”, afirma o babalorixá (Costa 2017COSTA, Manoel Nascimento da. 2017 [1982]. “Sacrifício de animais e distribuição da carne no ritual afro-pernambucano”. In: Roberto Motta (coord.), Os afro brasileiros. Anais do III Congresso Afro-Brasileiro. Recife: Fundação Joaquim Nabuco / Massangana . p. 243-249. [1982]:247). O sacrifício, para Manuel Papai, significa essencialmente uma doação de vida. E sendo o sangue uma oferenda primeira, tudo aquilo que ele toca é revestido de axé. O sangue faz brotar o divino nas coisas, potente de uma vitalidade ritual que ativa a matéria para uma fruição desobediente, que é característica de Exu. O sacrifício, no culto afro-brasileiro - segundo interpretado pelo babalorixá -, reanima a matéria e ritualiza a vida, ao elevar o terreiro e aproximar os filhos de santo de suas divindades. Tal aproximação, um tipo de reencenação das coisas materiais que transitam entre a vida e a morte, depende de um morrer que é, ao mesmo tempo, um renascer.

Um assentamento de orixá, suporte material por meio do qual o fiel alimenta a divindade, é um objeto liminar. Sua potência ritual provém de seu caráter intersticial - uma certa “inbetweenness” das coisas, segundo Paul Basu (2017BASU, Paul. 2017. “The inbetweenness of things”. In: ___ (ed.). The inbetweenness of things. Materializing mediation and movement between worlds. London: Bloomsbury Academic. p. 1-20.) - uma vez que o assentamento existe materialmente entre dois mundos distintos. Esta liminaridade4 4 Segundo Victor Turner (1988), em seus estudos sobre rituais e performances culturais, o estado de liminaridade produzido por uma performance ou ritual se caracteriza por dissolver os fatos e os sistemas do senso comum em seus componentes, permitindo “brincar” com eles de formas inéditas na vida social e no costume. dos objetos de culto é útil para pensar os objetos de museu. Ela nos fornece um modo de escapar ao essencialismo metodológico presente nas formas dominantes de organização das coisas e dos saberes, segundo o paradigma racionalista moderno adotado pelos museus coloniais, ao menos, desde o Iluminismo. O caráter liminar de objetos do candomblé em museus brasileiros também advém de sua existência numa rede de saberes e interpretações que não se limita a uma ideia essencial da cultura religiosa; como propõe Roger Sansi (2007SANSI, Roger. 2007. Fetishes and Monuments. Afro-Brazilian Art and Culture in the Twentieth Century. New York and Oxford: Berghahn Books.:2), eles são “o resultado de um processo dialético de trocas entre os líderes do candomblé e uma elite cultural de escritores, artistas e antropólogos”.

Rompendo com os modos dominantes de produzir saberes e legitimar objetos-testemunhos, o candomblé nos ensina que é na experiência de transe, no limiar entre dois mundos, entre distintas formas de ser, que podemos aprender com a matéria produzida nos terreiros. É por meio de uma “ciência encantada das macumbas” (Simas & Rufino 2018SIMAS, Luiz Antonio & RUFINO, Luiz. 2018. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula.) que nos propomos a ver aquilo que está para além da matéria das coisas, nos entremeios produzidos pelo ritual - seja ele religioso ou o ritual laico da musealização, do qual iremos tratar no presente artigo. Nossos itinerários de investigação envolveram o contato recorrente com os técnicos e museólogos do Museu do Homem do Nordeste (Muhne), incluindo a pesquisa documental nessa instituição, entre os anos de 2019 e 2021, bem como a observação dos procedimentos de preservação adotados no Sítio de Pai Adão em seus processos de musealização de objetos religiosos. É neste sentido que propomos a ideia da “viagem de Exu” para pensar o transe dos objetos nos terreiros e nos museus. Aqui nos preocupamos menos com a linearidade presumida da biografia de um objeto do que com a complexidade do trânsito de matérias entre distintos regimes de valor.

Inspirados pela liberdade liminar dos objetos de culto nos rituais do candomblé, poderíamos colocar a pergunta: para que servem, então, as vitrines dos museus? Enquanto para alguns dos críticos dos enquadramentos museais os “objetos capturados” nas vitrines deveriam ser libertados de sua escravidão (a metáfora aqui não se faz ao acaso), outros são levados a questionar, em primeiro lugar, a capacidade dos museus de conter as coisas ao transfigurá-las em objetos (Basu 2017BASU, Paul. 2017. “The inbetweenness of things”. In: ___ (ed.). The inbetweenness of things. Materializing mediation and movement between worlds. London: Bloomsbury Academic. p. 1-20.). Defendemos, entretanto, que ao invés de capturar os objetos em suas teias epistemológicas e regimes de normatividade, os museus podem, contrariando a sua função original, revelar as tessituras sociais da cultura material. Nesse processo de descolonização, essas instituições colocam em questão a dicotomia tradicional entre sujeitos e objetos, isto é, a transformação reflexiva de suas práticas e a desestabilização de saberes.

A análise considera os processos constitutivos da materialização de um assentamento de Exu no Muhne, em Recife - PE, visando compreender como o museu se abriu para a possibilidade de descolonizar os seus saberes e procedimentos, expandindo a ação museal do instituto que o abrigava ao terreiro de candomblé. Compreendemos que a constituição de um objeto não tem início no momento de sua entrada no museu, mas em todos os “emaranhados” e nos fluxos de vida (Ingold 2011INGOLD, Tim. 2011 . Being alive: essays on movement, knowledge and description. Abington: Routledge.) que antecedem a materialização. Assim, entendendo as formas materiais em museus como “uma maneira de encontrar estabilidade em meio ao fluxo” (Menezes 2019MENEZES, Renata de Castro. 2019. “Os objetos religiosos cabem em quais vitrines?”. In: Manuel Lima Filho & Nuno Porto. (orgs.), Coleções étnicas e museologia compartilhada. Goiania: Editora da Imprensa Universitária. p. 102-132.:108), observamos a transferência de autoridades, dos especialistas, curadores e pesquisadores dessa instituição - principalmente antropólogos e museólogos - ao Pai de Santo, que permitiu legitimar conhecimentos outros, perspectivas outras sobre o patrimônio e sobre a musealidade5 5 Conceito operatório da museologia, que compreende a qualidade ou o valor museal atribuído às coisas que passam pela musealização. produzida pela engrenagem museal.

Quando é concebido no ano de 1979, o museu encomenda um vasto conjunto de objetos de culto afro-brasileiro do terreiro Ilê Obá Ogunté, mais conhecido como Sítio de Pai Adão, por meio de Manuel Papai, babalorixá que viria a se tornar um dos principais agentes de uma cadeia museológica que se propunha a materializar “o negro” no museu pernambucano. No ato dessa compra, diretamente negociada com o Pai de Santo-curador, os profissionais do museu adquirem um conjunto de 11 assentamentos dos principais orixás do candomblé de tradição Nagô6 6 O Ilê Obá Ogunté é reconhecido como o mais antigo terreiro do ritual Nagô na cidade de Recife, reconhecimento este reforçado pelo próprio Pai de Santo que frequentemente se refere à fidelidade do culto praticado às suas raízes africanas, e notadamente ao candomblé da nação Nagô proveniente dos povos iorubá da região de Queto. . O primeiro deles, segundo o inventário organizado por Manuel Papai, era um assentamento de Exu, a ser fabricado pelo próprio babalorixá. A peça, entretanto, só entraria na instituição muitos anos depois, quando seria reconhecida como um dos objetos mais marcantes nas sucessivas concepções da exposição de longa duração.

O assentamento que transita entre diversos mundos e regimes de valor é um objeto desobediente, que em sua liminaridade e indefinição desafia as concepções tradicionais do museu e seus procedimentos prescritos, promovendo, em sua viagem incerta, a desconstrução de autoridades, a reivindicação de autorias e a elevação de uma imagem até então abjeta, reprimida e sem materialização nos regimes museais e patrimoniais brasileiros.

A musealização, isto é, o processo que leva um objeto a ser valorado como patrimônio e comunicado como musealia, consiste numa troca, que é, ao mesmo tempo, material e imaterial, entre um mundo social e outro museal - este último, plano elevado da cultura, socialmente produzido e simbolicamente valorado. Essa troca que faz de um objeto, objeto de museu, pode ser percebida como uma negociação material e política, que define um laço entre as partes envolvidas. O momento de uma transação, como aponta Nicholas Thomas (1991THOMAS, Nicholas. 1991. Entangled objects. Exchange, material culture, and colonialism in the Pacific. Cambridge & London: Harvard University Press.:7), é quando emerge a avaliação das entidades, pessoas, grupos e relações. Neste sentido, as coisas que recebemos, aquilo que chega ao museu, nunca estão completamente alienadas do contexto ou da pessoa de que provêm. De forma análoga, as coisas que damos incorporam parte de nosso contexto pessoal, ou do contexto da dádiva em si mesmo, como concebida no reconhecido estudo de Marcel Mauss (2005MAUSS, Marcel. 2005. “Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão da troca nas sociedades arcaicas”. In: MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosacnaify. p. 185-314.). Assim, a musealização instaura um ato que estabelece uma relação dupla entre a pessoa que dá e a pessoa que recebe, valorando, num só gesto, coisas e pessoas.

Exu é o orixá mensageiro e sem ele não há troca; sem que oferendas lhes sejam feitas, não há comunicação. Ao entrar no museu, Exu inverte a ordem definida pela própria musealização. Inclassificável, o assentamento fabricado por Manuel Papai testemunha o trânsito e a indeterminação. Ele estabelece no altar expositivo do museu uma “consciência diaspórica” (Basu 2017BASU, Paul. 2017. “The inbetweenness of things”. In: ___ (ed.). The inbetweenness of things. Materializing mediation and movement between worlds. London: Bloomsbury Academic. p. 1-20.:2) que performa a mediação entre a experiência do terreiro, lugar de manifestação do sagrado pelo sacrifício da carne e do sangue, e a experiência patrimonial de elevação da matéria a um outro plano da cultura. Desse modo, nos permite perceber que as materialidades liminares podem ensinar que o museu é lugar de movimento, de fluxo e da subversão da ordem dos saberes estabelecidos, onde Exu faz do altar, encruzilhada, e da morte, uma via para a criação de nova vida.

O museu-terreiro

Nos museus, um objeto ofertado ao público deve passar por uma cadeia operatória (Bruno 2013BRUNO, Maria Cristina Oliveira. 2013. “Musealização da Arqueologia: Caminhos percorridos”. Revista de Arqueologia, 26 (2):4-15.) que conjuga saberes e transforma experiência em matéria sedimentada. Por meio do trabalho nessa “cadeia museológica” (Brulon Soares 2012BRULON SOARES, Bruno. 2012. Máscaras guardadas: musealização e descolonização. Tese de Doutorado em Antropologia - Programa de Pós-Graduação em Antropologia, Universidade Federal Fluminense - Niterói.), as pessoas atuam sobre as coisas tanto quanto as coisas atuam sobre as pessoas. Quando o Museu do Homem do Nordeste (Muhne) foi idealizado pelos cientistas do então Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais (Ijnps), o seu acervo seria constituído a partir das coleções preexistentes dos três museus que compunham a estrutura daquele instituto: o Museu de Arte Popular (criado em 1955), o Museu de Antropologia (criado em 1961) e o Museu do Açúcar (criado em 1963), todos eles delineados a partir dos interesses e pela chancela do antropólogo e sociólogo Gilberto Freyre.

No entanto, por incentivo do próprio Freyre, o novo museu iria demandar a aquisição de outras peças para configurar a representação do “homem nordestino” em sua diversidade cultural e étnica. É importante notar que a musealização não se limita ao universo físico dos museus: ela tem início no campo (terrain), onde os diversos atores produzem sentidos e disputam o sentido sobre os valores enquanto informam os especialistas e técnicos dos museus sobre os objetos que serão coletados. Em 1979, quando o Muhne estava sendo concebido, uma necessidade de envolver outros atores no processo - e não apenas os especialistas do Ijnps - moveu aquela instituição muito além do instituto que a engendrou. No que se refere à aquisição de materiais da cultura afro-brasileira para compor as suas coleções, esta seria motivada pela elaboração de um novo projeto expositivo que pretendia incluir, desde a sua concepção, a proposta de curadoria do babalorixá Manoel do Nascimento Costa - conhecido no meio religioso de Pernambuco como Manuel Papai. Contando com o apoio e a interlocução do museólogo Aécio de Oliveira,7 7 Aécio de Oliveira foi diretor do Muhne entre 1979 e 1981, e, novamente, entre 1985 e 1986, períodos que coincidem com a atuação mais próxima de Manuel Papai junto ao museu. o Pai de Santo passou a prestar serviços formais ao instituto desde janeiro de 1979, para desenvolver a exposição Cultura Afro-Brasileira. Em 18 de janeiro daquele ano, é encaminhado pelo Departamento de Museologia do Ijnps o primeiro contrato para a realização da compra de objetos que iriam compor a coleção que viria a se chamar, na década seguinte, coleção de “Culto Afro-Brasileiro”. A confecção dos itens propostos pelo babalorixá iria custar ao instituto o total estimado de 128.035,00 cruzeiros.8 8 Com os devidos impostos, esse valor representava, para a instituição pagadora, um montante de 149.165,00 cruzeiros. Cf. CUSTO estimativo de roupas e materiais. Documentação do Processo Administrativo nº 289/1979 do Departamento de Museologia, de 25 de janeiro de 1979, assinada por Manoel do Nascimento Costa. Arquivo Institucional do Museu do Homem do Nordeste.

No inventário dos objetos a serem produzidos para a exposição, elaborado pelo próprio Manuel Papai, o primeiro item listado é o assentamento de Exu, descrito nos seguintes termos pelo Pai de Santo: “Um vulto feito em barro especial, no qual são colocados os achés, entre os quais obí, orobó, etc. Este vulto é decorado com búzios e colocado dentro de um alquidá. Mede em média 50cm”.9 9 Mesmos dados informados na nota anterior. Seguia-se assim a descrição de todos os demais assentamentos. A menção à “vulto”, em lugar da classificação religiosa de “assentamento”, atesta a perspectiva do Pai de Santo em relação a essa materialidade produzida para ser apresentada como objeto de museu. A primeira descrição que ele confere à peça demarca o sentido não-religioso atribuído por Manuel Papai, o que permite compreender a própria história desse objeto até o momento da sua entrada no Muhne. Diferentemente de outros casos de colaborações entre Pais e Mães de Santo em processos de patrimonialização, em que a autoridade religiosa tem o papel de certificar o sagrado (ver, por exemplo, Carneiro & Pinheiro 2015CARNEIRO, Sandra de Sá & PINHEIRO, Márcia Leitão. 2015. “Cais do Valongo: patrimonialização de locais, objetos e herança africana.” Religião & Sociedade, 35 (2):384-401.), no caso analisado o babalorixá assume o papel de tradutor do sagrado por meio de sua “profanação” no contexto de uma exposição em um museu, e logo, os objetos produzidos não apresentam função sagrada para ele.

No que dizia respeito à sua composição material, os assentamentos geralmente eram compostos de elementos de ferro ou de louças com adereços e suas roupas apropriadas - todos os elementos identificados na listagem de Manuel Papai. O assentamento de Exu era o único que demandava maior trabalho manual, visto se tratar de uma escultura em barro com os axés em seu interior, o que iria requerer mais tempo de trabalho do babalorixá. Apesar de aparecer na listagem inicial apresentada ao instituto, as evidências indicam que o assentamento do orixá das encruzilhadas não teria ficado pronto para a exposição inaugural do museu, sendo incorporado apenas muito mais tarde à exposição de longa duração.

Considerando a data da primeira encomenda, em meados de janeiro de 1979, e a data da inauguração da exposição do Muhne, que se deu em 21 de julho daquele ano, é possível supor que o tempo para a constituição do acervo adquirido para a ocasião tenha sido demasiadamente curto, o que teria feito com que o assentamento de Exu, o primeiro dos orixás arrolados, não houvesse sido produzido. Em entrevista realizada para a produção deste texto, Manuel Papai afirma que, com a data marcada para a inauguração, o processo de produção “foi um corre-corre” e o pessoal do terreiro, no atelier improvisado em sua casa para a fabricação das roupas dos orixás, “costurou dia e noite” (Costa 2019COSTA, Manoel do Nascimento. Entrevista concedida a Bruno Brulon Soares no dia 8 de maio de 2019. Ilê Obá Ogunté - Sítio de Pai Adão, Recife, 2019.).

No espaço expositivo seria encenado, com as minúcias rituais de um terreiro de candomblé, um Bori completo - o lugar onde se faz o santo, a iniciação dos filhos de santo no Xangô pernambucano. Os objetos de culto foram dispostos do modo mais fiel possível ao seu papel ritual no terreiro. A performance criada por Manuel Papai, investido de autoridade curatorial, incluía esteiras, tecidos, louças, carnes e frutas cenográficas, flores e instrumentos musicais (os ilús de cordas, instrumentos de percussão, o agogô e o batá, utilizados nas festas dos orixás), cada item confeccionado segundo os requisitos da fé.

Buscando compor “um harmonioso conjunto com a representação dos principais orixás, com suas roupas e assentamentos característicos e reconstituídos, para efeito didático” (Lody & Batista 1987LODY, Raul & MARTINS BATISTA, Maria Regina. 1987. Coleção Maracatu Elefante e de objetos afro-brasileiros: Museu do Homem do Nordeste. Rio de Janeiro: FUNARTE/Instituto Nacional do Folclore; Recife: Fundação Joaquim Nabuco.:14), Manuel Papai colaborou com a construção de uma imagem nordestina menos marcada por uma “morenice”10 10 A noção de “museologia morena” que seria explorada pelo museólogo Aécio de Oliveira nos anos seguintes à inauguração do Muhne pode ser vista como uma tentativa de traduzir museograficamente a assimilação étnica e a mestiçagem características da cultura do Norte e Nordeste do Brasil. Cf. Chagas, 2003. amenizante e composta por diferenças culturais que se faziam evidentes. Para dar conta da apresentação ambiciosa, as costureiras e ferreiros do terreiro de Pai Adão, sob a coordenação do babalorixá, foram os responsáveis por confeccionar, dentro dos rigores do uso ritualístico e simbólico de cada objeto, “os turbantes (Adê), as saias (Atacã ou Ojá), os colares (Kelê ou Chumbetas), adereços de cabeça e de mão (Paxorô, Adjá) e os instrumentos musicais (Ilus)” (Costa 2019COSTA, Manoel do Nascimento. Entrevista concedida a Bruno Brulon Soares no dia 8 de maio de 2019. Ilê Obá Ogunté - Sítio de Pai Adão, Recife, 2019..). Manuel Papai se encarregou de encomendar os materiais e produzir os assentamentos, também obedecendo aos preceitos da religião. Ainda que os objetos não fossem ter uso religioso no terreiro, o babalorixá se preocupou em manter a autenticidade ritualística em sua confecção.

Em exposição no museu, os objetos de culto se viam revestidos de musealidade, mas desprovidos do axé que circula apenas no terreiro, segundo o Pai de Santo. A força religiosa que dá vida aos orixás não havia sido ativada nas partes daquela encomenda. Aquilo que aparece descrito como “aché” na listagem original do babalorixá, se refere a frutos africanos específicos, tais como obi, orobo, bejorocum, lelecún, ossún, óssun, fava da costa, limo da costa, quiqui, pena de clódidé, pembas, banha de ori, sabão da costa e atim11 11 Cf. CUSTO estimativo de roupas e materiais. Documentação do Processo Administrativo nº 289/1979 do Departamento de Museologia, de 25 de janeiro de 1979, assinada por Manoel do Nascimento Costa. Arquivo Institucional do Museu do Homem do Nordeste. , elementos rituais utilizados para confeccionar alguns dos objetos fabricados para o museu. Apesar de seguirem as receitas da tradição Nagô, e da sua disposição em exposição mimetizar o terreiro, os objetos produzidos não são depositários da força vital dos orixás. “Porque eles lá não têm axé. No museu não tem axé,” afirma o babalorixá (Costa 2019COSTA, Manoel do Nascimento. Entrevista concedida a Bruno Brulon Soares no dia 8 de maio de 2019. Ilê Obá Ogunté - Sítio de Pai Adão, Recife, 2019.).

Para Manuel Papai, ao ser questionado sobre a coleção que criara, os objetos produzidos para o museu, por nunca terem sido inseridos nos rituais do candomblé, não têm axé, pois ali não foram dados poderes aos santos - estes não foram alimentados por meio das obrigações. O museu, portanto, encena o axé “enquanto representação da religião”, visto que aquele espaço, na percepção do babalorixá, estaria desprovido “de poder” (2019). A materialização da fé no museu é, neste sentido, uma apropriação de referências culturais que se faz mais autêntica na medida em que envolve a autoridade conferida ao Pai de Santo-curador. Ainda que representando apenas uma interpretação possível da cultura afro-brasileira no museu, a visão de Manuel Papai seria eleita devido ao reconhecimento do seu terreiro como espaço tradicional da religião, desempenhando papel de lugar exemplar, assim reconhecido pelos etnólogos e técnicos do Muhne.12 12 A predominância da perspectiva de Manuel Papai na exposição inaugural do Muhne seria questionada posteriormente por outras lideranças religiosas ao reconhecerem que a coleção produzida não representava todas as matrizes ou mesmo a complexidade da religião afro-brasileira no contexto de Pernambuco. Ainda assim, ao longo das décadas seguintes, a coleção constituída pelo babalorixá permanece sendo aquela mais significativa, em número de itens e nas informações acumuladas, na coleção do museu. Seu olhar autorizado, não o de especialista, mas àquele da transmissão de um saber etnográfico reconhecido, faz do museu-terreiro lugar de representação e laboratório de descolonização.

Aqui podemos compreender a “objetificação” da cultura afro-brasileira em museus, segundo propõe Sansi (2007SANSI, Roger. 2007. Fetishes and Monuments. Afro-Brazilian Art and Culture in the Twentieth Century. New York and Oxford: Berghahn Books.:4), como o resultado de “processos nos quais coisas, pessoas e lugares são reconhecidos como portadores de formas específicas e variadas de valor ou qualidade”, o que nos aponta para as transformações mútuas entre as categorias de “sujeito” e “objeto” como constitutivas da materialidade observada. A transferência do seu saber do terreiro ao museu se viu condicionada por uma mudança de posição institucional em relação à própria fabricação do saber. Ao convidar um Pai de Santo para figurar como curador e “assistente” dos profissionais de um museu de antropologia, os pesquisadores do Ijnps reconhecem uma transformação progressiva da figura do detentor de conhecimentos tradicionais com potencial etnográfico à conceptor e transmissor de materiais culturais suscetíveis à patrimonialização (Ciarcia 2011CIARCIA, Gaetano. 2011. “Introduction”. In : CIARCIA, Gaetano (dir.), Ethnologues et passeurs de mémoires. Paris-Montpellier: Karthala-Maison des sciences de l’homme de Montpellier. p. 7-30.:11-12). O que iremos defender a partir da materialização do assentamento de Exu na exposição do Muhne é a ideia de que a atuação de Manuel Papai nos fluxos que compõem a musealização permitiu a subversão dos procedimentos museológicos tradicionais em nome da entrada de novos atores no palco consagrado do museu.

A entrada “do negro” no museu

Ao olharmos para a musealização de Exu no museu pernambucano somos levados a constatar que o seu ajustamento a um regime de valor culturalmente determinado e no interior de um sistema classificatório estruturado com base na cultura dos etnógrafos dependia da assimilação de códigos e saberes da cultura e das religiões afro-brasileiras em grande parte marginalizados nos processos de materialização de coleções museológicas no Brasil.

A formação de uma coleção de “cultura afro-brasileira” no Muhne, no final dos anos 1970, testemunhava uma tendência e uma resistência por parte daquela instituição contra as exclusões tradicionalmente produzidas pelos museus e traduzidas nas políticas culturais responsáveis por erguer o patrimônio da Nação. Tal tendência estava diretamente ligada à presença de Gilberto Freyre naquele instituto e a sua intenção de criar uma “contranarrativa científica” sobre a raça, que tinha por finalidade a valorização do negro na sociedade pernambucana (Skolaude 2014SKOLAUDE, Mateus Silva. 2014. “Identidade nacional e historicidade: o 1º Congresso Afro-Brasileiro de 1934”. In: Anais do XII Encontro Estadual de História Anpuh/RS. Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos. São Leopoldo. p. 1-16.). Com este propósito, o cientista havia organizado, em novembro de 1934, na cidade de Recife, o I Congresso Afro-Brasileiro em que reuniu, além de artistas e intelectuais renomados do país,13 13 Participaram do I Congresso Afro-Brasileiro personalidades como os pintores Cícero Dias, Noemia e Di Cavalcante, o maestro Ernani Braga, os escritores José Lins do Rego, Jorge Amado, além de Mario de Andrade, o folclorista Câmara Cascudo, o antropólogo Roquete Pinto, o psiquiatra Arthur Ramos e o etnólogo Edison Carneiro. lideranças religiosas e os “transmissores” de uma memória tradicional ligada à cultura afro-brasileira da região Nordeste. Aquele encontro, que o antropólogo descreveria como apenas uma “conversa” entre estudiosos das questões afro-brasileiras na época de um arianismo em ascensão, reuniu “cientistas, artistas e eruditos de renome” e, também “babalorixás, cozinheiras, operários, trabalhadores negros de engenho” (Freyre 1934FREYRE, Gilberto. O Afro-brasileiro. Diário de Pernambuco, N. 250, Ano 109, Recife, 11 de novembro de 1934. p.3.:3), buscando romper com a autoridade científica concentrada na figura do especialista letrado.

A causa racial de Freyre foi retomada no final dos anos 1970, quando a criação do Muhne seria justificada pelo museólogo Aécio de Oliveira com base em um projeto institucional mais amplo de se fazer representar a cultura negra em um museu antropológico de escopo regional. Tal projeto abarcava a organização de congressos e o desenvolvimento de pesquisas no instituto que recebera o nome de um abolicionista, sem ter até então colocado em prática uma política sistemática de aquisição de referências afro-brasileiras da região. Como ressaltava Aécio de Oliveira em memorando de janeiro de 1979 ao presidente do instituto, Fernando de Mello Freyre, a compra do material do babalorixá Manuel Papai era de “grande importância”, sobretudo considerando os interesses da organização do III Congresso Afro-Brasileiro14 14 O II Congresso Afro-Brasileiro foi realizado em 1937, na cidade de Salvador, Bahia, três anos após a primeira edição idealizada por Freyre, e desde então não havia sido reeditado - até a iniciativa da Fundação Joaquim Nabuco de organizar a terceira edição em 1982. a ser realizado naquela casa no ano de 1982.15 15 Cf. MEMORANDO nº 13/79 encaminhado ao Presidente da Diretoria Executiva do Ijnps. Documentação do Processo Administrativo nº 249/1979, Memorando nº 13/1979 do Departamento de Museologia, de 18 de janeiro de 1979, subscrito pelo museólogo Aécio Oliveira. Arquivo Institucional do Museu do Homem do Nordeste.

As primeiras aquisições de objetos da cultura afro-brasileira pelo instituto teriam se dado por meio de coleta pelo antropólogo Waldemar Valente, a partir de pesquisas de campo em terreiros realizadas desde a década de 1950 (Lody & Batista 1987LODY, Raul & MARTINS BATISTA, Maria Regina. 1987. Coleção Maracatu Elefante e de objetos afro-brasileiros: Museu do Homem do Nordeste. Rio de Janeiro: FUNARTE/Instituto Nacional do Folclore; Recife: Fundação Joaquim Nabuco.). Tendo visitado terreiros em Recife e Maceió, Valente reuniu inúmeras peças, como duplos machados de Xangô (axés), abebés de Oxum e Iemanjá, tambores e agogôs, colares e outras ferramentas - constituindo o princípio de uma coleção precursora. Em 1964, foram coletados por Aécio de Oliveira, sob a supervisão de Valente, os objetos que passariam a constituir a coleção do Maracatu Elefante, mais conhecido como Maracatu de Dona Santa16 16 Os Maracatus atuam como Nações e perpetuam as tradições africanas no Brasil, utilizando, de forma sincrética, uma simbologia que apresenta características europeias, particularmente portuguesas, como na indumentária, nos símbolos heráldicos nos estandartes e nos adornos. , tendo recebido o nome da última e mais famosa rainha daquele grupo. A terceira coleção afro-brasileira a ser adquirida foi aquela produzida e certificada por Manoel do Nascimento Costa, como parte do projeto museológico de implantação do Muhne. Diferentemente das anteriores, essa coleção de objetos de culto do candomblé não foi o resultado de uma coleta etnográfica, mas teve seus itens selecionados, encomendados e confeccionados pelo Pai de Santo do Sítio de Pai Adão, local de importância religiosa e etnográfica para os pesquisadores do Ijnps.

Foi a partir do contato de Gilberto Freyre com Pai Adão, babalorixá reconhecido na tradição do candomblé nordestino, que surgiu o envolvimento do terreiro nos processos de aquisição museológica. O Ilê Obá Ogunté, localizado no bairro de Água Fria, em Recife, foi um dos primeiros terreiros no Nordeste a ensinar a tradição Nagô. Há indícios de que fora criado em 1875, pela Mãe de Santo Ifátinuké, também chamada de Inês Joaquina da Costa, ou Tia Inês, de origem nigeriana da cidade de Oyó. Pai Adão assume a casa em 1919, após a morte da ialorixá, período em que o terreiro ganha maior visibilidade. Assumindo a figura de um místico cujo mistério aguçava a sua fama na sociedade recifense, conhecedor da fé em suas raízes e mantenedor de seus segredos (Halley 2019HALLEY, B. M. 2018. “Nas verdades e lugares de um catimbolado: geomemórias de Pai Adão no Recife, em Salvador e na África (1878-1936)”. In: Anais do XIX Encontro Nacional de Geógrafos. Disponível em http://www.eng2018.agb. org.br/site/anaiscomplementares . Acesso em 8/08/2019.
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), Pai Adão teve proximidade particular com Gilberto Freyre, cuja familiaridade com o terreiro fez daquele espaço um “lugar etnográfico”.17 17 A expressão “lugar etnográfico” designa, nas obras de Gaetano Ciarcia, “os contextos que são feitos objeto de uma intensa atividade de pesquisa científica e, por vezes, de uma notoriedade livresca”. Cf. Ciarcia, 2002.

Tendo buscado conhecimento na Nigéria para se tornar um babalorixá, Pai Adão transmitia, na oralidade dos cantos e nos ensinamentos dos rituais, a tradição ancestral que despertou o interesse de pesquisadores e antropólogos para o terreiro. Freyre considerava o Pai de Santo como uma das “últimas grandes vozes da África no Brasil”, mas também um “ortodoxo terrível” que entendia dos mistérios de Xangô, tendo-os aprendido diretamente com os africanos. O babalorixá que frequentava a casa do antropólogo e contribuía com seus estudos teria sido, segundo relatou Freyre, um dos maiores entusiastas do Congresso de 1934, e seu “melhor inspirador”.18 18 Em razão de sua ortodoxia, Pai Adão decide não comparecer ao congresso que contaria com a participação de outros babalorixás, o que não abala a sua “amizade” com o antropólogo.

A importância etnográfica conferida ao terreiro marcava uma época de grande força para o Ilê que receberia o nome de sua principal liderança, propagando uma tradição com a ajuda da ciência. Algumas décadas depois, buscando transmitir o legado de seu avô, Manuel Papai chamava a atenção para as dificuldades da preservação do candomblé em Pernambuco. Em 1977, antes de ser convidado para atuar no museu, relata que poucos eram os espaços que “conseguem manter a riqueza de sua tradição, em decorrência da omissão ou falta de pais-de-santo bem formados”, e, completa, “a nação nagô é muito difícil e ninguém quer ensinar”.19 19 Cf. MANUEL Nascimento quer reviver os antigos rituais da nação Nagô. Diário de Pernambuco, N. 33, Ano 152, Recife, 3 de fevereiro de 1977. p.25. De um lugar etnográfico, que seria marcado pela presença mítica do antropólogo, o terreiro se transformaria em uma espécie de lugar museográfico por meio da atuação de Manuel Papai. Ao se tornar, em 1979, o principal fornecedor de objetos de candomblé para compor a exposição de longa duração do Muhne, o Sítio de Pai Adão se configura como um lugar para além do museu, onde irá se desenvolver uma intensa atividade museológica.

Como relata Manuel Papai, Gilberto Freyre foi o responsável pela ideia da exposição que envolveu o terreiro na construção museográfica. Em conversa com o babalorixá que ele também chamava de “Adão”, depois do seu avô, o antropólogo teria dito: “Eu quero botar nesse museu alguma coisa que marque definitivamente a passagem do negro aqui em Pernambuco. E tem que ser através de candomblé” (Costa 2019COSTA, Manoel do Nascimento. Entrevista concedida a Bruno Brulon Soares no dia 8 de maio de 2019. Ilê Obá Ogunté - Sítio de Pai Adão, Recife, 2019.). O projeto da exposição Cultura Afro-Brasileira seria originário dessa conversa entre o acadêmico especialista e o transmissor de uma tradição ameaçada. Dali em diante, o projeto envolveria os técnicos do instituto, incluindo os museólogos Aécio de Oliveira e Fátima Quintas, e posteriormente os antropólogos Regina Batista e Raul Lody. Meses depois, na inauguração da exposição, com a presença de importantes babalorixás e ialorixás do Nordeste, “a passagem do negro” se tornava matéria passível de transmissão na performance museal do terreiro de Pai Adão.

A matéria sagrada das coisas

Um assentamento de Exu (Figura 1) deve ser “constituído de um pedaço de pedra porosa, chamada Yangi” ou, como descreve Pierre Verger (1981VERGER, Pierre Fatumbi. 1981. Orixás: deuses iorubás na África e no novo mundo. São Paulo: Currupio.:37), “por um montículo de terra grosseiramente modelado na forma humana, com olhos, nariz e boca assinalados com búzios”. De acordo com esta descrição, há uma intenção sagrada na figura de barro que se assemelha a um busto quase humano, quase disforme, produzida para se tornar objeto de exposição no museu.

Figura 1.
Assentamento de Exu. Autor: Manoel do Nascimento Costa (Manuel Papai); Número de registro na coleção do Muhne: 2005.1.1; Data de produção: c. a. 1989-1990; Local: Ilê Obá Ogunté (Sítio de Pai Adão), Água Fria, Recife.

Segundo informou recentemente Manuel Papai aos técnicos do Muhne, o assentamento de sua autoria é uma “escultura em tabatinga (massapê, barro)”, em forma de busto humano com incrustações de búzios, tendo sido depositado, dentro do alguidar (panela de barro usada comumente para oferendas) inúmeros axés, elementos vegetais e minerais que investem um objeto de energia vital: “o Axé sagrado foi produzido com obi (fruto africano), orobó (fruto africano), pimenta da costa, pimenta malagueta, otá (pedra), otim (cachaça), êpô (azeite de dendê), oim (mel de abelha)” (Braga 2021BRAGA, Cláudia. 2021. “Assentamento de Exu”. In: Henrique de Vasconcelos Cruz & Marília Bivar (orgs.), Museu do Homem do Nordeste em 40 objetos. Recife: Fundação Joaquim Nabuco / Massangana. p. 190-194.:193). Aqui vale ressaltar uma especificidade dos objetos religiosos, reconhecidos, segundo apontamentos da antropóloga Renata Menezes (2019MENEZES, Renata de Castro. 2019. “Os objetos religiosos cabem em quais vitrines?”. In: Manuel Lima Filho & Nuno Porto. (orgs.), Coleções étnicas e museologia compartilhada. Goiania: Editora da Imprensa Universitária. p. 102-132.), por suas modulações constitutivas, incluindo a transformação de substâncias, suas construções e desconstruções.

Apesar de afirmar que os objetos produzidos para o museu segundo a tradição religiosa não receberam axé - definido, em seu sentido imaterial, como a força ou o valor do santo (Costa 2017COSTA, Manoel Nascimento da. 2017 [1982]. “Sacrifício de animais e distribuição da carne no ritual afro-pernambucano”. In: Roberto Motta (coord.), Os afro brasileiros. Anais do III Congresso Afro-Brasileiro. Recife: Fundação Joaquim Nabuco / Massangana . p. 243-249. [1982]) - visto que os orixás, naquele local, não foram investidos de “poder”, o curador e Pai de Santo não nega a presença, no assentamento, de elementos materiais cujo simbolismo é sensível para aqueles que conhecem os ritos do candomblé. Recentemente, o babalorixá rememorou as ocasiões em que foi chamado às pressas pela equipe do Muhne para atender visitantes que estavam manifestando sinais de possessão ou transe religioso diante do assentamento em exposição.20 20 Informação verbal em palestra proferida no Seminário 40 anos do Museu do Homem do Nordeste, em 11 de dezembro de 2019. Esse objeto sensível, musealizado pelas mãos daquele mesmo que detém os conhecimentos sobre o seu contexto de produção, para além de mimetizar efeitos religiosos no público, prolonga a vida do terreiro no espaço expositivo do museu, fazendo do Pai de Santo um profissional que atua na fronteira entre o trabalho técnico e o espiritual.

Aqui podemos retomar uma questão levantada por Crispin Paine (2013PAINE, Crispin. 2013. Religious Objects in Museums: Private Lives and Public Duties. London: Bloomsbury Academic .), que concerne às “vidas” dos objetos religiosos em instituições culturais: uma vez que um objeto atravessa a fronteira do museu, qual é a responsabilidade do profissional ou curador para com ele e com o seu contexto de origem? Tal pergunta evoca o fato de que o saber técnico não detém o controle dos enunciados produzidos por objetos religiosos em museus, uma concepção que pode ter levado os profissionais do Muhne a recorrer à expertise religiosa para lidar com questões sagradas no interior da instituição.

O novo cuidado conferido aos objetos produzidos a partir do conhecimento religioso do candomblé leva a equipe técnica do Muhne a reinventar alguns dos procedimentos estabelecidos pela museologia para permitir a entrada de uma visão do sagrado em sua exposição e coleções. Ainda segundo Menezes, a experiência com materialidades provenientes de contexto religioso “pode balançar nossa compreensão tanto do que é objeto quanto do que é religioso e, consequentemente, pode desestabilizar nossas taxionomias, nossos thesauri” (2019:123), levando os profissionais de museus a repensarem os métodos estabelecidos para a prática museológica.

Quanto à natureza sagrada dessa matéria recriada para o museu, é possível considerar que o babalorixá concorda com a vertente antropológica defendida por Tim Ingold (2011INGOLD, Tim. 2011 . Being alive: essays on movement, knowledge and description. Abington: Routledge.:29), segundo a qual, “para se trazer uma coisa à vida” é preciso “restaurá-la aos fluxos geradores das suas materialidades”, ou seja, fazendo-as circular nos regimes de valor que as produziram ou em que foram ressignificadas. A musealidade, nesta perspectiva, poderia ser definida como a força regeneradora que recria a vida dos objetos que passam pela musealização. Logo, em seu sentido prático, a musealidade pode ser entendida como o axé do museu.

Os efeitos dessa força performativa se exercem sobre o público devido à própria encenação do sagrado realizada pelo museu. Em diversos momentos da musealização do objeto produzido por Manuel Papai, o museu irá tentar recriar os efeitos religiosos do assentamento, por meio da enunciação do sagrado simbólico. Em um dos catálogos do Muhne, publicado no ano 2000, o assentamento é descrito como “composto pelo conjunto do material sagrado - insígnias, símbolos e utensílios - no qual reside a divindade e sua força mágica”.21 21 Cf. ASSENTAMENTO de Exu. In: O Museu do Homem do Nordeste. São Paulo: Banco Safra, 2000. p.204. Aqui o sagrado se confunde com a sua representação, e os axés, a energia vital, estariam presentes “dentro do alguidar modelado em barro”, mas também na força intangível produzida pela escultura ritual no ambiente do museu-terreiro.

Ao se interrogar sobre o estatuto ontológico das coisas sagradas nos rituais africanos, Bazin (2008BAZIN, Jean. 2008. “Retour aux choses-dieux”. In : ___, Des clous dans la joconde. L’anthropologie autrement. Toulouse: Anacharsis. p. 493-520.) denomina de “coisas-deus” aqueles objetos de culto que representam o divino. Esses objetos dependem menos de sua materialidade constitutiva do que dos efeitos que produzem sobre os humanos ao desempenharem o seu papel de intermediários com o Deus. Uma vez extraídas dessa relação de mediação no ritual religioso, as “coisas-deus” podem ser “fetichizadas” - isto é, revestidas de um outro feitiço - pelos antropólogos e pelos museus.

A noção de “fetiche”, excessivamente apropriada em estudos antropológicos e de cultura material, tem seu sentido histórico recuperado por Paul Basu, a partir de Pietz, para quem o termo é originário “da problemática do valor social de objetos materiais que foram revelados em situações constituídas pelo encontro entre sistemas sociais radicalmente heterogêneos” (Pietz 1985:7 apud Basu 2017BASU, Paul. 2017. “The inbetweenness of things”. In: ___ (ed.). The inbetweenness of things. Materializing mediation and movement between worlds. London: Bloomsbury Academic. p. 1-20.:8-9). O termo “fetiche” provém do vocábulo da língua portuguesa “feitiço” que era empregado no século XVI na costa oeste da África. O fetiche, em seu sentido determinado no contexto da colonização, é o resultado de um encontro entre culturas e logo não apresenta um significado material preciso, podendo o objeto fetiche ser percebido como um objeto liminar, sem qualquer fixação e desprovido de uma significação única. Em outras palavras, como um objeto colonial, sua descolonização deve passar pelo reconhecimento de sua ambiguidade e hibridismo fundantes.

Para Bazin (2008BAZIN, Jean. 2008. “Retour aux choses-dieux”. In : ___, Des clous dans la joconde. L’anthropologie autrement. Toulouse: Anacharsis. p. 493-520.:498-499), longe de configurar uma religião propriamente, o “fetichismo” poderia ser percebido como “uma projeção do imaginário ocidental” sobre aquelas formas de culto que não se explicam sem uma autocrítica necessária ao próprio etnocentrismo. Assim, ao se pensar criticamente o “fetiche” como um objeto liminar, somos levados a questionar: o que, de fato, diferencia o culto das coisas no contexto religioso do culto das coisas no contexto museal?

O assentamento no museu é suporte material para o encantamento do mundo anunciado por sua intransponível liminaridade como objeto diaspórico. O assentamento, “chão sacralizado” sobre o qual se dá o primeiro contato com Exu, evidencia em uma só matéria a “inventividade dos povos negro-africanos desterritorializados” (Rufino 2019RUFINO, Luiz. 2019. Pedagogia das encruzilhadas. Rio de Janeiro: Mórula Editorial.:100-101) e a assimilação colonial da criação espontânea dos orixás. Lugar de ancestralidade onde são mantidos os segredos passados pela descendência, aquele conjunto de matéria sagrada guarda mais segredos do que revela verdades. Sua agência prolonga o terreiro no museu, distende os tempos e requalifica a apropriação cultural do negro na instituição de origem colonial. Fetichizado no museu, o objeto soberano do assentamento produz no mundo um efeito de devir-terreiro, deixando de fazer a mediação entre Terra e Céu para mediar culturas mutuamente incompreendidas. Em sua situação de musealização, o assentamento é, ao mesmo tempo, representação e trânsito entre representações; ele evoca a memória de uma África desmaterializada, cuja reinvenção no presente depende da magia regeneradora própria dos museus.

Mais do que “a manifestação de uma herança africana fielmente conservada” (Souty 2007SOUTY, Jérôme. 2007. Pierre Fatumbi Verger. Du regard détaché à la connaissance initiatique. Paris: Maisonneuve & Larose.:214), o assentamento fabricado por Manuel Papai materializa “as estratégias e mecanismos de adaptação, os reajustamentos e as substituições culturais que operam no seio dos cultos iorubá transportados ao Novo Mundo” (:224). Como o próprio candomblé brasileiro, ele é testemunho da mudança enquanto atesta aquilo que Jérôme Souty denominou de uma “fidelidade africana” que mobiliza os agentes da musealização dos cultos afro-brasileiros no presente. É neste sentido que a sua “autenticidade” está mais atrelada ao contexto de sua produção (o terreiro) do que à certificação museológica.

Produzido na passagem ritual e simbólica da musealização, o objeto de culto não é um objeto fabricado por um trabalho - a não ser o trabalho do próprio Exu, evocado pelos cantos e pelos gestos dos fiéis nos terreiros. Ele é o resultado da apropriação de uma história local concreta, a da diáspora africana no Brasil, e da acumulação de saberes produzidos por sucessivas gerações de “experts”. É essa matéria liminar que atravessa terreiro e museu que produz tais “coisas-orixás”, providas de um axé que é musealidade, e às quais atribuímos o termo técnico de musealia.

A viagem incerta de Exu: performance e insubordinação à “cadeia” do museu

As encruzilhadas, como nos lembram Simas e Rufino (2018SIMAS, Luiz Antonio & RUFINO, Luiz. 2018. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula.), são lugares onde habitam incertezas. Espaço ao ar livre onde geralmente se colocam as oferendas a Exu, a encruzilhada é o ponto de encontro entre dois ou mais mundos, onde se produz o objeto liminar, objeto-devir (Brulon 2015BRULON, Bruno. 2015. “Os objetos de museu, entre a classificação e o devir”. Informação & Sociedade: Estudos, 25 (1):25-37.), que pode ser muitas coisas ao mesmo tempo e conjugar muitos tempos em uma só coisa. Por sua liminaridade incerta, seu devir-humano, devir-orixá, o objeto produzido no cruzamento de saberes e experiências pode induzir ao erro e causar algum desconforto no mundo não religioso. A busca pelos caminhos desconhecidos percorridos pelo assentamento de Exu em nossa análise desvela um abalo no conjunto de procedimentos que compõem a “cadeia” da musealização, em seu sentido estrito e na sua perspectiva linear - composta por procedimentos técnicos encadeados para produzir uma ordem sobre o mundo material.

A noção de “cadeia operatória” foi introduzida na antropologia por André Leroi-Gourhan (1993LEROI-GOURHAN, André. 1993. Gesture and Speech. Cambridge: MIT Press.) para conceber operações essencialmente técnicas e concatenadas, onde “técnicas e formas caminham juntas, de ponto a ponto” (Ingold 2012INGOLD, Tim. 2012. “Toward an Ecology of Materials”. Annual Review of Anthropology, 41:427-42.:434). Tal modelo foi mais recentemente questionado em sua utilização nos estudos de cultura material, contrapondo-se ao fluxo contínuo e variante de movimento e forma (deformação) que constitui os materiais (2011INGOLD, Tim. 2011 . Being alive: essays on movement, knowledge and description. Abington: Routledge.:2012INGOLD, Tim. 2012. “Toward an Ecology of Materials”. Annual Review of Anthropology, 41:427-42.) observados nos “objetos de museu”. Na materialização do assentamento de que trata a presente análise, mistérios e incertezas compõem a viagem de Exu ao museu, de sua produção tradicional no terreiro até alcançar o estado liminar de objeto performado em uma exposição.

Embora aparecesse discriminado na documentação administrativa do Muhne desde 1979, o assentamento de Exu não figurou na exposição inaugural junto aos demais objetos adquiridos pelo instituto a pedido do Departamento de Museologia. Sua entrada na coleção do museu seria muito posterior à abertura da exposição Cultura Afro-Brasileira. Tendo sido o primeiro item cuja compra foi indicada para a exposição de longa duração, o assentamento, a ser fabricado de acordo com os materiais já descritos, iria custar o valor estimado de 1.200,00 cruzeiros - de todos, o assentamento de mais baixo custo, segundo o orçamento apresentado por Manuel Papai. Somos levados a supor que, no momento da confecção, foram priorizados os itens mais caros e que envolviam maior quantidade de materiais, de modo que, a partir do início da confecção das roupas pelas filhas e filhos de santo do terreiro, não se falou mais no assentamento de Exu e ele não aparece nas fotos da exposição presentes na documentação do Muhne.

Entre 1979 e 1985, Manuel Papai continuou a dar assistência ao museu, prestando serviços ligados à manutenção da exposição I, por ele idealizada em colaboração com antropólogos e museólogos, bem como orientando novas aquisições que aconteceram com certa frequência no início dos anos 1980. Apesar da liberdade relativa concedida sobre a gestão da coleção de objetos afro-brasileiros do museu, aos poucos a museologia de Manuel Papai, marcada por sua inventividade cotejada pelo discurso da fidelidade à tradição, suscitou algumas fricções na cadeia de operações museológicas praticadas pelos técnicos do Muhne.

No início de 1982, seguindo uma preocupação com a documentação e conservação dos objetos, a equipe de museologia realizou uma revisão da coleção exposta em que detectou a necessidade de substituições e inclusões de peças, além de problemas relacionados aos números de registro. Entre os problemas diagnosticados, os museólogos ressaltavam os “registros ilegíveis”, “peças sem nº de registro” e “peças cujo registro e descrição não conferem com o catálogo e livro de tombo”.22 22 Cf. REVISÃO da exposição do culto afro realizada por Elizabeth Carneiro e Edeildo Virgínio. Exposição de Antropologia - Módulo A. Documentação do Departamento de Museologia, sem data, com orçamento assinado por Manoel do Nascimento Costa. Arquivo Institucional do Museu do Homem do Nordeste. Foram ainda apontados problemas de conservação com a maior parte dos objetos da coleção, que na ocasião se encontravam “ruídos, empoeirados e manchados”, logo necessitando de intervenção. Agravando o problema da ausência de numeração, foi observado que algumas peças que compõem os assentamentos dos orixás haviam sido trocadas de posição na exposição, o que é corroborado pela fala do próprio Manuel Papai, que em sua função de “assistente”,23 23 Título que ele mesmo confere à função desempenhada no museu. ia periodicamente ao museu para reparar os equívocos encontrados:

Um dia na semana eu ia lá no museu, ver as roupas, ver as coisas, mudar de posição. Na exposição, sempre alguém acha que é mais bonito se botar assim ou assado e eu fazia apenas cumprir a questão religiosa: “Não, isso não é aqui, é aqui. Não, isso não é aqui, é aqui.” E isso eu passei 7 anos na fundação (Costa 2019COSTA, Manoel do Nascimento. Entrevista concedida a Bruno Brulon Soares no dia 8 de maio de 2019. Ilê Obá Ogunté - Sítio de Pai Adão, Recife, 2019.).

Segundo um levantamento dos objetos presentes na coleção de “Culto Afro-Brasileiro”24 24 Cf. CHAGAS, Mário de Souza; OLIVEIRA, Vania Dolores E. de; SILVA, Maria de Guadalupe Viana e. Levantamento de peças de culto afro-brasileiro. Setor de Documentação Museológica. Arquivo Institucional do Museu do Homem do Nordeste, Recife. Sem data. [Supõe-se que o levantamento foi feito após o ano de 1982.] também realizado no início dos anos 1980 pelo Setor de Documentação Museológica, a maioria das peças não apresentava informação sobre procedência, origem e autor, ainda que estes campos estivessem presentes nas fichas. Em alguns casos, o nome de Manoel do Nascimento Costa aparece no campo “procedência”, mesmo quando a “autoria” permanece em branco e a “origem” indica apenas a cidade de Recife - PE, sem mencionar o Sítio de Pai Adão. No mesmo levantamento, os assentamentos não aparecem como “objetos” na coleção, mas são desmembrados como “peças”, tendo suas partes classificadas como “tigelas”, “louça” e outras peças documentadas como unidades singulares sem relação indicada entre si (tais como “tridente”, “colar”, “caveira de bode”, “faca”, “insígnia” etc.). O assentamento de Exu não aparece na listagem.

A documentação disponível no Arquivo Institucional do Muhne nos informa, portanto, que apesar do interesse contínuo por aquisições de objetos afro-brasileiros, a produção de conhecimento específico para documentar e propiciar a comunicação daquela cultura não se dava no mesmo ritmo. A trajetória dessa coleção se vê marcada por informações parciais e pela ausência de dados sobre os objetos adquiridos, o que pode indicar a difícil coexistência entre formas de saber que oscilam entre a oralidade do candomblé e a erudição das fontes acadêmicas escritas.

Nos documentos que indicam a compra de materiais e a prestação de serviços pelo Pai de Santo à instituição, não há indícios que nos apontem o momento exato em que o assentamento de Exu tenha entrado para o museu (isto é, quando ele foi efetivamente adquirido, documentado e exposto). É provável que o assentamento ainda não estivesse na coleção do museu até pelo menos 1987, quando é publicado um inventário detalhado dos objetos afro-brasileiros, incluindo aqueles que compunham a “Coleção Manoel Nascimento Costa” (Lody & Batista 1987LODY, Raul & MARTINS BATISTA, Maria Regina. 1987. Coleção Maracatu Elefante e de objetos afro-brasileiros: Museu do Homem do Nordeste. Rio de Janeiro: FUNARTE/Instituto Nacional do Folclore; Recife: Fundação Joaquim Nabuco.:23). No levantamento de peças da coleção, o assentamento não aparece.

Em entrevista, Manuel Papai afirma que o assentamento não foi entregue ao museu antes do início dos anos 1990, quando ele finalmente entra em exposição. Conta o Pai de Santo que, a caminho do museu, a peça de barro teria rachado. Sem atribuir qualquer significado religioso a tal evento, ele voltou a trabalhar nela antes de entregá-la aos técnicos do Muhne (Costa 2019COSTA, Manoel do Nascimento. Entrevista concedida a Bruno Brulon Soares no dia 8 de maio de 2019. Ilê Obá Ogunté - Sítio de Pai Adão, Recife, 2019.). Uma vez exposto, o objeto de origem misteriosa e aparência distinguível entre os demais assentamentos reunidos seria, por muito tempo, ignorado pelos técnicos da instituição no que diz respeito aos procedimentos museológicos. Foi exposto antes de ser documentado, e não há nenhum documento que se refira ao assentamento antes do ano de 2005, quando seria feito o primeiro empréstimo para uma instituição de arte francesa.25 25 Em setembro de 2005, é solicitado o empréstimo do assentamento para a exposição Brésil, l’héritage africain (Brasil, a herança africana) a ser apresentada no Musée Dapper, em Paris, França, entre 21 de setembro de 2005 e 26 de março de 2006.

Nessa mesma ocasião, o objeto em exposição no museu recebeu pela primeira vez um número de tombo, passando a existir simbolicamente na coleção do Muhne. Em sua ficha catalográfica, de número 2005.1.1, o nome “Manuel Papai (Manoel do Nascimento Costa)” aparece no campo “autor/colecionador”, um estatuto que não é conferido a outros babalorixás. Na mesma ficha, o objeto passa a ser reconhecido como “peça”, definida como “Assentamento de Exu”26 26 Cf. FICHA catalográfica do Arquivo Institucional do Museu do Homem do Nordeste, Fundação Joaquim Nabuco. Assentamento de Exu. Registro 2005.1.1. Recife, Pernambuco. . Além disso, o documento indica 1979 como o ano de sua entrada na coleção do museu, validando a informação que aparece no primeiro documento de compra, apesar dos indícios que a contrariam.

Atuando na cruza entre mundos e saberes distintos, Exu é percebido, na mitologia, como um ser de difícil definição, inclassificável nos regimes profanos. No candomblé, há uma função primordial para a matéria que transita entre mundos distintos e que, ao mesmo tempo, está lá e está aqui. Ela é, simultaneamente, presença e ausência, e chama a atenção para os processos que produzem matéria e significado sobre a matéria no mundo não religioso. Como um objeto viajante entre mundos distintos - o do terreiro e o do museu etnográfico - o assentamento de barro mimetiza a viagem mitológica de Exu. Sua matéria é ela mesma significada em trânsito, sendo ele simultaneamente percebido como objeto ritual e objeto tomado pela performance museal.

Objetos que transitam entre uma cultura e outra, entre um culto e outro, são objetos em transe. Sobre sua viagem desse mundo para um outro, é preciso considerar que conforme contribui para a produção de novos saberes e promove a crítica aos saberes estabelecidos, a sua liminaridade também abre um espaço relacional indefinível que se reproduz nas ações e procedimentos dos museus, assim como nos enunciados que ela permite. O Exu performado na exposição do Muhne desde sua inauguração é, em um só tempo, agente e símbolo da ruptura instaurada pelo Pai de Santo na “cadeia” de saberes técnicos da musealização. Com efeito, a ausência do seu assentamento na apresentação inicial de Manuel Papai revela a despreocupação ritual daquele babalorixá com o espaço do museu, onde se podia promover um tipo de profanação do sagrado do candomblé, visando a divulgação da fé e a transmissão da tradição.

A exposição inaugural do Muhne, segundo a visão museográfica de Aécio de Oliveira, buscava romper com a estética das exposições etnográficas tradicionais, tendo como principal característica a ausência de vitrines, inspirada em feiras e mercados populares do Nordeste (Cruz & Castro 2016CRUZ, Henrique de Vasconcelos & CASTRO, Eduardo. 2016. “Dona Santa e Maracatu Elefante: memórias e musealização de um reinado”. In: Maria Elisabete Arruda de Assis & Tais Valente dos Santos (orgs.), Memória feminina: mulheres na história, história de mulheres. Recife: Fundação Joaquim Nabuco / Massangana . p. 194-219.). Com este propósito, foram criadas duas instalações museográficas: uma representando o Bori (ou Ebori); outra para o “trono” da rainha do Maracatu Elefante. Ambas foram supervisionadas por Manuel Papai, reconhecido como a principal autoridade no que dizia respeito às coleções afro-brasileiras do museu.

Exu estava no museu muito antes de seu assentamento. A musealização de referências da cultura afro-brasileira ligadas ao culto dos orixás no Muhne produz uma performance museal que confere a esses objetos um outro tipo de encantamento não religioso. Para que tal “magia” museal aconteça, se faz necessária a abertura de brechas discursivas entre a performance “clássica” do museu e a comunicação do terreiro desconhecido, representada segundo a imagem criada pelo babalorixá, ao mesmo tempo, espetacular e estranha nos olhos da maior parte dos visitantes da exposição. Ainda que o seu assentamento não houvesse se materializado na primeira exposição de objetos religiosos pelo museu, seu curador e babalorixá não deixou de considerar a presença de Exu, abrindo o caminho para a comunicação entre os orixás e o público. Sem ter finalizado o assentamento que comporia o conjunto dos orixás representados, Manuel Papai teria produzido uma escultura menor de Exu Elegbara.27 27 Mencionada, em entrevista, por Manuel Papai, a escultura não pode ser identificada na documentação disponível no Muhne e nos catálogos disponíveis. Cf. COSTA, Manoel do Nascimento. Entrevista concedida a Bruno Brulon Soares no dia 8 de maio de 2019. Ilê Obá Ogunté - Sítio de Pai Adão, Recife, 2019. Esta seria exposta junto a outras esculturas coletadas em terreiros do Nordeste pelo antropólogo Waldemar Valente, todas presas a um painel com fundo branco enfatizando as suas formas características: geralmente pintadas de preto, ressaltando-se o sexo, os braços em postura de defesa, a cauda alongada em forma de seta e os chifres.

Em uma das primeiras aparições do assentamento produzido por Manuel Papai, já no ano 2000, no catálogo da exposição do Muhne,28 28 Cf. ASSENTAMENTO de Exu. In: O Museu do Homem do Nordeste. São Paulo: Banco Safra, 2000. p.204. a sua disposição na imagem simula as obrigações a Exu segundo os preceitos da religião. No sacrifício a Exu, uma parte da carne é mantida nos pejis, enquanto a carcaça passa a compor os assentamentos. Na imagem, a composição incluía outros Exus feitos com galhos de árvores e uma ossada da cabeça de gado caprino, representando os vestígios de um sacrifício. Enquanto encenava o mistério do ritual na performance museal, o assentamento, que, para o seu autor, não tinha efeitos religiosos, inventava um imaginário sobre as religiões afro-brasileiras que causava espanto no público e encantamento nos etnógrafos.

Como relatado por técnicos do Muhne, tantas são as histórias envolvendo o assentamento de Exu sobre o “impacto” que causa nas pessoas de maior sensibilidade: “Senti um arrepio danado ao vê-la”, “passei mal”, “não sei o que houve comigo, quase desmaiei” (Braga 2021BRAGA, Cláudia. 2021. “Assentamento de Exu”. In: Henrique de Vasconcelos Cruz & Marília Bivar (orgs.), Museu do Homem do Nordeste em 40 objetos. Recife: Fundação Joaquim Nabuco / Massangana. p. 190-194.:194), são reações comuns a esse objeto enigmático que toca o imaginário popular. Segundo relata Regina Batista, que atuava no museu no período em que a exposição foi inaugurada, a “entronização” de Exu gerou estranhamento e “situações de temor” no público:

[...] as estórias eram contadas de forma reservada, principalmente pelos guardas de exposição e pelo pessoal da faxina, em dias de segundas-feiras. Diziam ter visto e ouvido estranhos ruídos na sala próxima ao Exu. Também os guardas relatavam que algumas pessoas em visita à exposição se benziam e passavam distante evitando proximidade com a peça, que ficava na entrada da exposição. (Batista 2020BATISTA, Regina. Registros das práticas museológicas e museográficas do MUHNE. Entrevista concedida à Bruno Brulon Soares. Texto enviado por e-mail em 16 de fevereiro de 2020.).

O objeto liminar criado a partir da inspiração do sacrifício a Exu, tem o efeito de fazer estranhar o próprio museu como lugar não religioso, onde são profanados objetos sagrados para serem cultuados como ícones da diferença colonial. Ao perseguirmos os seus fluxos na musealização, podemos deflagrar os efeitos discursivos produzidos por sua performance intersticial. Esses objetos desobedientes, que escapam aos instrumentos tradicionais de produzir sentidos e erguer verdades incontestáveis nos museus, muitas vezes são responsáveis por criar confusões epistêmicas e atrapalhar - beneficamente - o trabalho de técnicos e museólogos.

Transitando entre o “religioso” e o “etnográfico”, o “sagrado” e o “profano”, esses não-objetos caem num limbo classificatório que faz com que existam materialmente sem nunca terem sido reconhecidos simbolicamente como objetos de museu. Isto porque o objeto-devir, em sua ambiguidade e liminaridade, provoca questões; por vezes, cria problemas estruturais para toda a cadeia da musealização em seu sentido prescritivo. Ao ser inclassificável, como o fetiche, ele coloca em causa o próprio sistema de classificação no qual não pode ser enquadrado, domesticado, ou seja, recusando-se, como faz Exu, à servidão museal.

O terreiro-museu, ou a museologia experimental de Manuel Papai

Os grandes rituais de sacrifício nos Xangôs de Pernambuco e, principalmente, nas casas de tradição Nagô, se separam em três fases, como nos ensina Manuel Papai, em uma conferência proferida na Fundação Joaquim Nabuco, em 1982. Os momentos do ritual, que se dividem em primeiro dia, terceiro dia e sétimo dia, compõem um processo por meio do qual as carnes são minuciosamente selecionadas, esquartejadas e preparadas na cozinha para serem ofertadas aos deuses do candomblé. A aquisição dos materiais, seleção e identificação das carnes e suas partes a serem divididas entre os humanos e os orixás, e a apresentação nos assentamentos fazem parte de “um processo muito complicado, cheio de minúcias previstas no ritual” (Costa 2017COSTA, Manoel Nascimento da. 2017 [1982]. “Sacrifício de animais e distribuição da carne no ritual afro-pernambucano”. In: Roberto Motta (coord.), Os afro brasileiros. Anais do III Congresso Afro-Brasileiro. Recife: Fundação Joaquim Nabuco / Massangana . p. 243-249. [1982]:248-249). O axé, contido no sangue derramado, confere a vida necessária para o orixá e, logo, permite uma comunicação essencial à manutenção da fé no terreiro. Para além de suas dimensões físicas, esse espaço liminar onde acontece o culto aos orixás também pode ser percebido como “campo inventivo” (Rufino 2019RUFINO, Luiz. 2019. Pedagogia das encruzilhadas. Rio de Janeiro: Mórula Editorial.:101) que emerge da criatividade e da necessidade de reinvenção da memória ancestral.

A presença de Exu no museu etnográfico pernambucano não se deu sem que obedecesse a um ritual específico, ainda que burlando as suas regras presumidas e desafiando o trabalho especializado que regia, naquele momento, a musealização. Tal transgressão do paradigma da separação entre sujeitos e objetos - fundador, justamente, do processo de musealização - permitiu a entrada do sagrado afro-brasileiro nas exposições do Muhne, o que fez do museu a arena de uma “tensão peculiar às existências fronteiriças” (Bhabha 2019BHABHA, Homi K. 2019 [1994]. O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG. [1994]:344-345).

Essa tensão pode ser percebida desde a negociação do contrato de compra dos primeiros objetos a serem produzidos pelo babalorixá, até o momento da exposição de seu assentamento de Exu. Em 1979, sem qualquer garantia de que o conjunto entregue mediante contrato faria jus ao que se esperava de uma exposição feita para um museu de etnografia, o instituto depositava confiança inédita no “vendedor” das peças. A credibilidade conferida ao Pai de Santo se pautava na chancela atribuída pela figura mítica de Gilberto Freyre, reconhecida pelos técnicos e gestores do museu.

Atuando no limiar entre a religião e o conhecimento etnográfico, Manuel Papai conquistou o seu espaço por meio de um tipo de sincretismo museal alcançado graças à abertura de caminhos institucionais inovadores para a musealização das referências afro-brasileiras no Nordeste. Produziu meticulosamente a performance do terreiro no museu - seu Bori, entre a musealidade e a sacralidade do axé. Tal sincretismo só foi possível por meio de uma experiência mediadora que pode ser identificada com o próprio trabalho de Exu. Operando, ao mesmo tempo, de forma íntima e pública, o Pai de Santo-curador instaurou um discurso liminar por meio do qual soube oscilar “entre aculturação (isto é, a adequação a um registro científico ou oficial) e inculturação (isto é, a busca/investigação sobre as suas próprias origens em vias de se perder e de se reinventar)” (Ciarcia 2011CIARCIA, Gaetano. 2011. “Introduction”. In : CIARCIA, Gaetano (dir.), Ethnologues et passeurs de mémoires. Paris-Montpellier: Karthala-Maison des sciences de l’homme de Montpellier. p. 7-30.:21). Como consequência do reconhecimento dessa luta pelos agentes periféricos aos regimes museais hegemônicos, o Muhne burla a distinção ontológica entre sujeitos e objetos, obscurecendo fronteiras historicamente definidas para a produção de um saber neutro e de verdades incontestáveis, tornando-se ele mesmo uma instituição mistificatória.

Se os museus e etnógrafos tradicionalmente exerceram o papel de profanar o sagrado nas coisas retiradas da situação religiosa, revelando os segredos e por vezes equiparando-os a anedotas lendárias (Bazin 2008BAZIN, Jean. 2008. “Retour aux choses-dieux”. In : ___, Des clous dans la joconde. L’anthropologie autrement. Toulouse: Anacharsis. p. 493-520.:506), o trabalho de mediação museológica realizado no Muhne instaurou um reconhecimento de autoridade que promove uma abertura da musealização para formas plurais de objetificação da matéria e de produção de saberes. O trabalho acadêmico, neste caso, foi o de assumir as limitações da pesquisa predatória para conferir ao “expert” religioso uma especialidade museal. Essa nova especialidade atribuída seria descrita por Manual Papai nos seguintes termos:

Eu não tenho um anel de universidade nos dedos, mas me conformo com as palavras de Gilberto Freyre. Quando eu comecei questionando que tinha que ir pra universidade, ele disse pra mim: “Adão, você não precisa de anel de universidade. Se você botar um anel no dedo você bota o da universidade de Pai Adão, que aquela casa é uma universidade.” Aí eu me aquietei, fui na dele, e não fui mais pra canto nenhum (Costa 2019COSTA, Manoel do Nascimento. Entrevista concedida a Bruno Brulon Soares no dia 8 de maio de 2019. Ilê Obá Ogunté - Sítio de Pai Adão, Recife, 2019.).

Em 1984, quando assume a liderança espiritual do Sítio de Pai Adão, Manuel Papai estabelece uma nova consciência de preservação aliada à musealização do espaço do terreiro. Identificando a herança transmitida como “patrimônio”, atentou para a necessidade de formar os futuros fiéis que viriam a conduzir aquela casa depois dele. “Em dado momento,” diria o Pai de Santo, “eu cantava e muitos filhos não respondiam”. Desde que fez daquele espaço um lugar museográfico, os mais jovens estão aprendendo as canções mais antigas, recuperadas por Pai Adão e depois por seu neto da tradição africana.

O Ilê Obá Ogunté foi reconhecido em 1986 como Patrimônio Histórico e Cultural de Pernambuco. Em setembro de 2018, o terreiro recebeu o título de Patrimônio Cultural do Brasil, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Hoje, no terreiro-museu, o espaço onde acontecem os ritos do candomblé se vê revestido de retratos de antigas lideranças e mesmo de fiéis que não se encontram mais na casa, além da imagem de Iemanjá, orixá que mantém o axé no terreiro. Na pequena capela de Santa Inês, construída ao lado do recinto onde se realizam as obrigações, o espaço sincrético que guarda imagens de santos católicos e algumas insígnias do candomblé recebeu o nome de “museu”. A partir de sua experiência no museu etnográfico, o babalorixá pratica um tipo de museologia doméstica, experimental, que poderia ser definida como a profanação da musealização no terreiro - neste caso, simetricamente contraposta à profanação do sagrado no museu tradicional.

O axé do museu, por sua vez, é mantido por Manoel Papai. O Pai de Santo aprendeu a falar à sociedade, entendendo a preservação como uma forma de proteção física e simbólica da religião. A performance do terreiro, então, além de religiosa, como nas salas destinadas aos rituais ou nos quartos reservados à reclusão dos iniciados, é museal. O museólogo amador se orgulha de manter a memória dos ritos por meio do rito da musealização: “Meu objetivo é o de transmitir os costumes, as músicas, os ritos, instrumentos, roupa, há muitas coisas que não posso falar, mas outras eu posso” (Costa 2019COSTA, Manoel do Nascimento. Entrevista concedida a Bruno Brulon Soares no dia 8 de maio de 2019. Ilê Obá Ogunté - Sítio de Pai Adão, Recife, 2019.). Entre o dito e o não dito na tradição religiosa, o mistério do candomblé se mistura ao mistério do próprio museu. A viagem que fez Exu, do terreiro ao museu, tem como efeito uma retribuição de musealidade, isto é, a atribuição de valor museal ao próprio espaço sagrado, lugar musealizado pela ação do Pai de Santo.

Entre 1979 e 1985, o terreiro conhecido como Sítio de Pai Adão, sob a curadoria de Manuel Papai, produziu ou encomendou para a venda ao Muhne um total de 338 peças, incluindo todas aquelas que compunham os 10 assentamentos de orixás, com a exceção de Exu,29 29 O número de peças levantadas se baseia na listagem cronológica produzida em 1987 por Lody e Batista, a partir da coleção de objetos de culto afro-brasileiro. Cf. Lody & Batista, 1987. que seria entregue mais de uma década após a exposição que o evocou. Nos anos 1980, o número significava mais de 60% da coleção de objetos afro-brasileiros no acervo do museu. Na presente análise, não foi nosso propósito investigar a constituição da coleção em si mesma, mas o processo de atribuição de valor aos objetos de culto que chegam ao museu por intermédio de um “expert” da religião. Concluímos que a descolonização da musealização não implica em se desfazer dos métodos herdados pela tradição museológica; a antidisciplina de Exu transferida para os objetos do museu significaria a incorporação de uma outra magia, ou o reencantamento desses objetos que passam a fazer parte do acervo museológico. Essa prática, que se define pelo cruzamento de saberes distintos, não implica a negação dos saberes que estão postos, mas a sua “rasura” ou re-afetação, visando uma reordenação de elementos na engrenagem museal.

Ao investir um objeto de significados divinos, ao elevar a matéria para produzir uma transição aspirando uma comunicação, o terreiro contribui para a produção de uma musealidade que rompe com a colonialidade do museu. Neste sentido, fazendo da encruzilhada lugar museográfico no qual se pode aprender sobre a conexão entre saberes distintos e planos de existência diferenciados, poderíamos conceber a significação investida nas coisas de culto do candomblé como um tipo particular de musealização para além do museu, dependendo dos atores e das negociações envolvidas no ato religioso. Finalmente, ao revelar que os objetos investidos de axé também podem se musealizar, o terreiro demonstra que a musealidade não depende necessariamente da dissolução dos laços com o divino, podendo, essa qualidade museal, se alimentar do sagrado religioso.

Exu nos ensina que, mediante o seu trabalho, um só objeto, uma mesma matéria, pode ser muitas coisas ao mesmo tempo, assumindo diferentes papéis para fazer confundir os limites artificialmente criados pelos humanos que os separam dos deuses e das coisas ofertadas ao sagrado. Atualmente, o próprio Manuel Papai conjuga em sua fala os fundamentos da tradição Nagô e a musealidade construída a partir de um lugar museográfico que encena religiosidade e a produção de conhecimentos sobre a fé. Ele mesmo é um ator liminar, operando entre a produção de conhecimentos técnicos (museológicos) e a performance do sagrado religioso. Sua autoridade no plano museal conjuga mundos tradicionalmente separados, e demonstra que a matéria dos museus pode habitar a fronteira: não como testemunho às divisões coloniais, mas como a abertura necessária para se recriar o próprio sentido da objetificação.

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  • 1
    Agradeço à equipe de museologia do Museu do Homem do Nordeste - Muhne/FUNDAJ, no Recife, por fornecerem acesso ao arquivo institucional e às coleções do museu durante o processo de pesquisa realizada em 2019. Uma primeira versão deste artigo venceu o Prêmio de Ensaios Aécio de Oliveira (2021), promovido por esta instituição. Este trabalho contou, ainda, com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, por meio de Bolsa Produtividade em Pesquisa.
  • 2
    Recuperado por Pierre Verger (1981VERGER, Pierre Fatumbi. 1981. Orixás: deuses iorubás na África e no novo mundo. São Paulo: Currupio.:38).
  • 3
    O Xangô é um culto do candomblé e uma modalidade específica da religião afro-brasileira, assim reconhecido nos estados de Pernambuco, Alagoas e Sergipe, além de parte da Paraíba e Rio Grande do Norte.
  • 4
    Segundo Victor Turner (1988TURNER, Victor. 1988. “Images and reflections: ritual, drama, carnival, film, and spectacle in cultural performance”. In: TURNER, Victor. The anthropology of performance. New York: PAJ Publications. p. 21-32.), em seus estudos sobre rituais e performances culturais, o estado de liminaridade produzido por uma performance ou ritual se caracteriza por dissolver os fatos e os sistemas do senso comum em seus componentes, permitindo “brincar” com eles de formas inéditas na vida social e no costume.
  • 5
    Conceito operatório da museologia, que compreende a qualidade ou o valor museal atribuído às coisas que passam pela musealização.
  • 6
    O Ilê Obá Ogunté é reconhecido como o mais antigo terreiro do ritual Nagô na cidade de Recife, reconhecimento este reforçado pelo próprio Pai de Santo que frequentemente se refere à fidelidade do culto praticado às suas raízes africanas, e notadamente ao candomblé da nação Nagô proveniente dos povos iorubá da região de Queto.
  • 7
    Aécio de Oliveira foi diretor do Muhne entre 1979 e 1981, e, novamente, entre 1985 e 1986, períodos que coincidem com a atuação mais próxima de Manuel Papai junto ao museu.
  • 8
    Com os devidos impostos, esse valor representava, para a instituição pagadora, um montante de 149.165,00 cruzeiros. Cf. CUSTO estimativo de roupas e materiais. Documentação do Processo Administrativo nº 289/1979 do Departamento de Museologia, de 25 de janeiro de 1979, assinada por Manoel do Nascimento Costa. Arquivo Institucional do Museu do Homem do NordesteCUSTO estimativo de roupas e materiais. Documentação do Processo Administrativo nº 289/1979 do Departamento de Museologia, de 25 de janeiro de 1979, assinada por Manoel do Nascimento Costa. Arquivo Institucional do Museu do Homem do Nordeste..
  • 9
    Mesmos dados informados na nota anterior.
  • 10
    A noção de “museologia morena” que seria explorada pelo museólogo Aécio de Oliveira nos anos seguintes à inauguração do Muhne pode ser vista como uma tentativa de traduzir museograficamente a assimilação étnica e a mestiçagem características da cultura do Norte e Nordeste do Brasil. Cf. Chagas, 2003CHAGAS, Mário. 2003. A imaginação museal: museu, memória e poder em Gustavo Barroso, Gilberto Freyre e Darcy Ribeiro. Tese de Doutorado em Ciências Sociais, Universidade Estadual do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro..
  • 11
    Cf. CUSTO estimativo de roupas e materiais. Documentação do Processo Administrativo nº 289/1979 do Departamento de Museologia, de 25 de janeiro de 1979, assinada por Manoel do Nascimento Costa. Arquivo Institucional do Museu do Homem do Nordeste.CUSTO estimativo de roupas e materiais. Documentação do Processo Administrativo nº 289/1979 do Departamento de Museologia, de 25 de janeiro de 1979, assinada por Manoel do Nascimento Costa. Arquivo Institucional do Museu do Homem do Nordeste.
  • 12
    A predominância da perspectiva de Manuel Papai na exposição inaugural do Muhne seria questionada posteriormente por outras lideranças religiosas ao reconhecerem que a coleção produzida não representava todas as matrizes ou mesmo a complexidade da religião afro-brasileira no contexto de Pernambuco. Ainda assim, ao longo das décadas seguintes, a coleção constituída pelo babalorixá permanece sendo aquela mais significativa, em número de itens e nas informações acumuladas, na coleção do museu.
  • 13
    Participaram do I Congresso Afro-Brasileiro personalidades como os pintores Cícero Dias, Noemia e Di Cavalcante, o maestro Ernani Braga, os escritores José Lins do Rego, Jorge Amado, além de Mario de Andrade, o folclorista Câmara Cascudo, o antropólogo Roquete Pinto, o psiquiatra Arthur Ramos e o etnólogo Edison Carneiro.
  • 14
    O II Congresso Afro-Brasileiro foi realizado em 1937, na cidade de Salvador, Bahia, três anos após a primeira edição idealizada por Freyre, e desde então não havia sido reeditado - até a iniciativa da Fundação Joaquim Nabuco de organizar a terceira edição em 1982.
  • 15
    Cf. MEMORANDO nº 13/79 encaminhado ao Presidente da Diretoria Executiva do Ijnps. Documentação do Processo Administrativo nº 249/1979, Memorando nº 13/1979 do Departamento de Museologia, de 18 de janeiro de 1979, subscrito pelo museólogo Aécio Oliveira. Arquivo Institucional do Museu do Homem do Nordeste.DOCUMENTAÇÃO do Processo Administrativo nº 249/1979, Memorando nº 13/1979 do Departamento de Museologia, de 18 de janeiro de 1979, subscrito pelo museólogo Aécio Oliveira. Arquivo Institucional do Museu do Homem do Nordeste.
  • 16
    Os Maracatus atuam como Nações e perpetuam as tradições africanas no Brasil, utilizando, de forma sincrética, uma simbologia que apresenta características europeias, particularmente portuguesas, como na indumentária, nos símbolos heráldicos nos estandartes e nos adornos.
  • 17
    A expressão “lugar etnográfico” designa, nas obras de Gaetano Ciarcia, “os contextos que são feitos objeto de uma intensa atividade de pesquisa científica e, por vezes, de uma notoriedade livresca”. Cf. Ciarcia, 2002CIARCIA, Gaetano. 2002. “Notes autour de la memoire dans les lieux ethnographiques”. Ethnologies comparées, 4. Centre d’etudes et de recherches comparatives en ethnologie. Disponível em http://www.lahic.cnrs.fr/spip.php?article5 . Acesso em 20/10/2009.
    http://www.lahic.cnrs.fr/spip.php?articl...
    .
  • 18
    Em razão de sua ortodoxia, Pai Adão decide não comparecer ao congresso que contaria com a participação de outros babalorixás, o que não abala a sua “amizade” com o antropólogo.
  • 19
    Cf. MANUEL Nascimento quer reviver os antigos rituais da nação Nagô. Diário de Pernambuco, N. 33, Ano 152, Recife, 3 de fevereiro de 1977MANUEL Nascimento quer reviver os antigos rituais da nação Nagô. Diário de Pernambuco, N. 33, Ano 152, Recife, 3 de fevereiro de 1977. p. 25.. p.25.
  • 20
    Informação verbal em palestra proferida no Seminário 40 anos do Museu do Homem do Nordeste, em 11 de dezembro de 2019.
  • 21
    Cf. ASSENTAMENTO de Exu. In: O Museu do Homem do Nordeste. São Paulo: Banco Safra, 2000ASSENTAMENTO DE EXU. 2000. In: O Museu do Homem do Nordeste. São Paulo: Banco Safra.. p.204.
  • 22
    Cf. REVISÃO da exposição do culto afro realizada por Elizabeth Carneiro e Edeildo Virgínio. Exposição de Antropologia - Módulo A. Documentação do Departamento de Museologia, sem data, com orçamento assinado por Manoel do Nascimento Costa. Arquivo Institucional do Museu do Homem do Nordeste.REVISÃO da exposição do culto afro realizada por Elizabeth Carneiro e Edeildo Virgínio. Exposição de Antropologia - Módulo A. Documentação do Departamento de Museologia, sem data, com orçamento assinado por Manoel do Nascimento Costa. Arquivo Institucional do Museu do Homem do Nordeste.
  • 23
    Título que ele mesmo confere à função desempenhada no museu.
  • 24
    Cf. CHAGAS, Mário de Souza; OLIVEIRA, Vania Dolores E. de; SILVA, Maria de Guadalupe Viana e. Levantamento de peças de culto afro-brasileiro. Setor de Documentação Museológica. Arquivo Institucional do Museu do Homem do Nordeste, Recife. Sem data. [Supõe-se que o levantamento foi feito após o ano de 1982CHAGAS, Mário de Souza; OLIVEIRA, Vania Dolores E. de; SILVA, Maria de Guadalupe Viana e. Sem data. “Levantamento de peças de culto afro-brasileiro”. Setor de Documentação Museológica. Arquivo Institucional do Museu do Homem do Nordeste, Recife. [Supõe-se que o levantamento foi feito após o ano de 1982.].]
  • 25
    Em setembro de 2005, é solicitado o empréstimo do assentamento para a exposição Brésil, l’héritage africain (Brasil, a herança africana) a ser apresentada no Musée Dapper, em Paris, França, entre 21 de setembro de 2005 e 26 de março de 2006.
  • 26
    Cf. FICHA catalográfica do Arquivo Institucional do Museu do Homem do Nordeste, Fundação Joaquim Nabuco. Assentamento de Exu. Registro 2005FICHA catalográfica do Arquivo Institucional do Museu do Homem do Nordeste, Fundação Joaquim Nabuco. Assentamento de Exu. Registro 2005.1.1. Recife, Pernambuco. .1.1. Recife, Pernambuco.
  • 27
    Mencionada, em entrevista, por Manuel Papai, a escultura não pode ser identificada na documentação disponível no Muhne e nos catálogos disponíveis. Cf. COSTA, Manoel do Nascimento. Entrevista concedida a Bruno Brulon Soares no dia 8 de maio de 2019. Ilê Obá Ogunté - Sítio de Pai Adão, Recife, 2019.
  • 28
    Cf. ASSENTAMENTO de Exu. In: O Museu do Homem do Nordeste. São Paulo: Banco Safra, 2000ASSENTAMENTO DE EXU. 2000. In: O Museu do Homem do Nordeste. São Paulo: Banco Safra.. p.204.
  • 29
    O número de peças levantadas se baseia na listagem cronológica produzida em 1987 por Lody e Batista, a partir da coleção de objetos de culto afro-brasileiro. Cf. Lody & Batista, 1987.

Editado por

Editora-Chefe:

María Elvira Díaz Benítez

Editor Adjunto:

John Comeford

Editor Associado:

Luiz Costa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    13 Jun 2022
  • Aceito
    09 Abr 2024
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