Open-access PRODUTIVIDADE ESPACIAL E COMMODITY, MATO GROSSO DO SUL - BRASIL

PRODUCTIVIDAD ESPACIAL Y COMMODITY, MATO GROSSO DO SUL - BRASIL

RESUMO

Este texto objetiva promover uma reflexão sobre o tema da localização geográfica privilegiada que é creditada ao Estado de Mato Grosso do Sul, analisando o ponto de vista de suas relações comerciais, baseadas nas exportações de commodities. Este ensaio não considera a "eficiência logística" como um dado absoluto, como um valor em si. As relações de produção não atingiram um nível de maturidade de forma a projetar, definir e financiar o aparato técnico que possa ser chamado de "eficiente" em seus custos de deslocamento. Há uma materialidade insatisfatória que, se não compromete a inserção internacional do estado, ao menos a enfraquece. Metodologicamente, utiliza a noção de produtividade espacial desenvolvido por Milton Santos. As reflexões neste texto apresentadas podem ser apropriadas também para casos de outras unidades da federação que tem sua dinâmica econômica baseada na produção de commodities.

Palavras-chave: Produtividade espacial; Eficiência logística; Commodities; Localização geográfica

RESUMEN

Este texto tiene el objetivo de promover una reflexão sobre o tema de la ubicación geográfica privilegiada que es acreditada al Estado de Mato Grosso do Sul, analizando el punto de vista de sus relaciones comerciales, basadas en las exportaciones de commodities. Este ensayo no considera la "eficiencia logística" como un dato absoluto, como un valor en si mismo. Las relaciones de producción no alcanzaron maturidad de forma a proyectar, defender y financiar el aparato técnico que pueda ser llamado de "eficiente" en sus costos de displazamiento. Hay una materialidad insatisfactoria que, si no compromete la inserción internacional del estado, al menos la debilita. Metodologicamente, utiliza la noción de productividad espacial desarrollada por Milton Santos. Las reflexiones presentadas em este texto pueden ser apropiadas también para casos de otras unidades de la federación que tiene su dinámica económica basada en la producción de commodities.

Palabras claves: productividad espacial; eficiencia logística; commodities; ubicación geográfica

ABSTRACT

This text aims to promote a reflection on the subject of the privileged geographical location that is credited to the State of Mato Grosso do Sul, analyzing the point of view of its trade relationships, based on the exports of commodities. This essay does not consider "logistic efficiency" as a given, as a value in itself. The relationships of production have not reached a level of maturity in a way that designs, defines and funds a technical apparatus that can be called "efficient" in its displacement costs. There is an unsatisfactory materiality that, if it does not compromise the international insertion of the state, at the very least weakens it. Methodologically, the notion of spatial productivity developed by Milton Santos is used. The reflections presented in this text may also be appropriate for cases in other units of the federation whose economic dynamics are based on the production of commodities.

Keywords: Spatial productivity; Logistic efficiency; Commodities; Geographic location

INTRODUÇÃO

Sempre que se faz necessário uma caracterização do estado de Mato Grosso do Sul é comum comparecer, com destaque, a menção a uma economia que tem como eixo principal de acumulação as atividades do agronegócio, frisando a pecuária e produção de grãos. As generalizações são úteis embora mesmo elas precisem, de tempos em tempos, alguma atualização para confirmar ou propor uma reinterpretação dos dados. Algumas afirmações sobre o estado são enfatizadas com freqüência e nos acostumamos a elas, às vezes, com pouco cuidado. Este texto, construído no formato de um ensaio, assim o é justamente, por propor que a compreensão da realidade também ocorre de outras formas, principalmente produzindo interrogações e contra-argumentos (MENEGHETTI, 2011).

O objetivo deste ensaio é interrogar afirmações cristalizadas sobre a geografia regional sul-matogrossense, com o intuito de subsidiar uma atualização da interpretação sobre o Estado, para além dos estereótipos propagados por ações de marketing e por trabalhos de pouco levantamento empírico. São duas as afirmações que são problematizadas no desenvolvimento deste texto e, a partir delas, atualizamos algumas informações sobre infraestrutura e inserção internacional da produção estadual. As reflexões são permeadas pela leitura do econômico, priorizando a análise das atividades econômicas derivadas da produção agropecuária e do processo de industrialização, circulação e comercialização como fatores produtores do espaço geográfico.

A primeira problematização diz respeito à "posição geográfica privilegiada" do estado, expressão utilizada para caracterizar a vizinhança com Paraguai e Bolívia, estados do Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Goiânia e Mato Grosso. É usada também como uma referência a sua relativa proximidade com os países do Mercosul. Ao considerar essas condições como posição geográfica privilegiada, associando-a ao potencial econômico para o comércio internacional e para intercâmbio interestadual, incorre-se em um equívoco que desconhece o direcionamento dos fluxos de comércio do estado e desconsidera o processo de expansão da rede urbana no oeste brasileiro. Quais critérios são utilizados para afirmar que o estado possui uma "posição privilegiada"?

Uma segunda problematização trata da "eficiência logística" que estaria presente na região nordeste do estado - município de Três Lagoas e seu entorno - pela presença de um trecho da Ferrovia Ferronorte, do eixo da Ferrovia administrada pela América Latina Logística (ALL - Malha Oeste) e pela MS 262, todas ligando Mato Grosso do Sul ao estado de São Paulo. Há "eficiência logística" na porção nordeste do estado?

As duas questões norteadoras (problematizações) compõem esse ensaio, no qual mobilizamos os conceitos de Produtividade Geográfica e Logística, além da definição de commodity, pela qual iniciamos a discussão.

Commodity refere-se a mercadorias com baixa transformação industrial, de pouco valor agregado cuja competição se estabelece em preços e não na diferenciação do produto, visto ser uma de suas características a padronização como, por exemplo, soja e minério de ferro, que são commodities presentes nas exportações de Mato Grosso do Sul. O volume das exportações1 está atrelado indiretamente ao grau de competitividade regional. Castillo (2011) trabalha a competitividade como expressão geográfica da produção, obediente a parâmetros internacionais de qualidade e custos e da circulação corporativa.

A comercialização das commodities exige uma rede técnica de infraestrutura que ofereça suporte estável, regular e de custos compatíveis à plena movimentação da carga pelas corporações internacionalizadas ou agentes que participam do circuito produtivo. Essa rede técnica apresenta diferentes densidades pelo território e ajuda a construir a competitividade das regiões.2 Isso não significa que não possam incorporar desenvolvimento tecnológico. O entendimento, neste ensaio, é que mesmo economias baseadas em commodities podem ser impulsionadoras de investimentos em P&D, não apenas no produto em si como em toda cadeia que envolve transporte e armazenamento, com técnicas cada vez mais modernas em busca de ganhos de eficiência.

A variação dos preços das commodities responde diretamente às demandas internacionais, aos fluxos financeiros e também ao interesse das corporações do setor. "Nos espaços produtores de commodities os vetores da globalização estão intensamente presentes". (LAMOSO, 2011, p.597). É necessário ressaltar que sua comercialização é, preferencialmente, determinada e executada pelas corporações mesmo que, para determinados produtos relevantes da produção sul-matogrossense, as corporações não necessariamente produzam os bens básicos, apenas se encarregando de sua comercialização, transporte e financiamento, caso típico das tradings de grãos. As grandes empresas estão organizadas em rede, focadas em sua rentabilidade financeira, são detentoras da variável chave do período (SANTOS, 1996), a informação. Em regiões produtoras de commodities, como é o caso do Mato Grosso do Sul, objeto deste ensaio, não podemos ignorar as estratégias e ações desse agente sobre pena de vermos mutilada nossa compreensão sobre a produção do espaço geográfico.

No complexo produtor de commodities (entendido como o processo de produção e circulação da mercadoria) há um hiato entre a eficiência da produção e a eficiência da circulação (lembrando novamente da importância dos custos de transporte para o produtor de commodity). Há uma expressão do senso comum que exemplifica esse hiato como "a produção é competitiva da porteira para dentro e perde competitividade da porteira para fora". Esse hiato é mais presente para agentes de médio porte visto que as corporações tem uma capacidade de pressionar por investimentos públicos de grande monta ou mesmo implementá-los, no escoamento da produção de grãos do Estado de Mato Grosso.

Apesar de capitalizadas, é parte da estratégia de acumulação das grandes corporações subordinar o planejamento estatal a seus interesses na definição de eixos de circulação e implantação de infraestruturas de transporte e energia, principalmente. Esse adensamento do aparato técnico é útil às corporações por aumentar ainda mais as especializações produtivas, segundo interesses desses agentes hegemônicos.3 Castillo propõe que além do significado econômico-financeiro, há também uma concepção política "que enfraquece e submete o produtor local - pelo menos quando se trata de commodity agrícola - a uma lógica única ou global e a uma situação sobre a qual não se exerce nenhum controle, favorecendo os compradores ou as grandes empresas de comercialização (tradings)" (CASTILLO, 2011, p.340). Além disso, contribui com uma síntese que reúne uma definição geográfica para Logística:

Conjunto de competências materiais (infraestruturas e equipamentos relacionados ao transporte, ao armazenamento, à distribuição, à montagem de produtos industriais, aos recintos alfandegários, etc.), normativas (contratos de concessão, regimes fiscais, leis locais de tráfego, pedágios, regulações locais para carga e descarga, etc.) e operacionais (conhecimento especializado detido por prestadores de serviços ou por operadores logísticos) que, reunidas em um subespaço, conferem fluidez e competitividade aos agentes econômicos e aos circuitos espaciais produtivos. Trata-se da verdadeira circulação corporativa. (CASTILLO, 2011, p.339-340). (grifo nosso).

Outra noção que os interessa incorporar à discussão é a de Produtividade Geográfica ou Produtividade Espacial é complexa, pois não faz referência apenas a dados naturais ou a vantagens comparativas clássicas como terras férteis, clima, condições edáficas favoráveis, nem à localização geométrica no espaço físico. Trata-se de um conceito formulado por Santos (1996, p.197) para observar que "os lugares se distinguiriam pela diferente capacidade de oferecer rentabilidade aos investimentos". O autor afirma que a rentabilidade pode ser maior ou menor de acordo com as condições locais de ordem técnica e organizacional, citando, os equipamentos, infraestrutura, acessibilidade, leis locais, impostos, relações trabalhistas e tradição laboral. A força da noção de produtividade geográfica está em reconhecer a importância das condições naturais, mas também acrescenta o peso das condições artificialmente construídas. Santos (1996) acrescenta sobre a produtividade geográfica a possibilidade dela não ser duradoura, pois outros lugares podem se tornar dotados de condições superiores para rentabilizar o capital e, em função disso, a admissão do pressuposto de que "vivemos em um mundo onde os lugares mostram uma tendência a um mais rápido envelhecimento (de um ponto de vista técnico e socioeconômico), com ritmos diversos e mesmo, inesperados, segundo regiões e países." (SANTOS, 1996, p.198).Essa rentabilidade, também segundo a proposta teórica do autor, não é um dado absoluto, mas é variável para determinados produtos ou atividades e, com a aceleração das transformações econômicas, o mundo é o espaço disponível para as grandes corporações, que são agentes hegemônicos na produção das commodities.

Definidos esses conceitos, que nortearão nossas reflexões sobre duas problematizações apontadas, prosseguimos este texto que está dividido em dois itens além dessa introdução e das considerações finais, por ordem: Posição geográfica privilegiada e Eficiência logística. Ao refletir sobre esses dois pontos, este texto optou por investir na apresentação de informações, dados, com forte apelo empírico, com o intuito de operacionalizar os conceitos.

POSIÇÃO GEOGRÁFICA PRIVILEGIADA

A primeira reflexão trata de uma qualificação sobre a posição geográfica: "Mato Grosso do Sul ocupa uma posição privilegiada para as trocas comerciais. No centro da América do Sul, faz limites com Paraná, São Paulo, Goiás e Mato Grosso e fronteira com Bolívia e Paraguai, além de possuir oportunidades de comércio com os países do Mercosul". Nesse ou em outros termos semelhantes, é afirmação recorrente que adjetiva a localização geográfica e permeia, não apenas o senso comum como textos que partem de uma caracterização pretensamente geográfica.

O "privilégio" parece fazer referência a um dado geométrico baseado na quilometragem da distância e na variedade da vizinhança, mesmo quando o tema é comércio exterior. Qual o parâmetro para se considerar um "privilégio"? A localização do Estado? Seria sua centralidade na geometria do continente?

Se considerarmos o processo histórico de ocupação e povoamento do território sul-americano, temos que o predomínio da população e suas principais atividades econômicas ocorrem nas costas tanto do Oceano Pacífico quanto do Oceano Atlântico. Estar no centro nem sempre pode ser considerado privilégio, do ponto de vista estritamente econômico4 ainda que o Rio Paraguai tenha servido de canal de interiorização pela navegação fluvial já no século XVIII.

Tomando as características de uma economia primário-exportadora, os principais portos de escoamento da produção sul-matogrossense são o Porto de Paranaguá, Porto de Santos, Porto de São Francisco do Sul e Porto de Sobramil (Corumbá). Apenas o último revela uma vantagem de transporte por se utilizar da Hidrovia do Paraguai para atingir o mercado platino e o mercado asiático, após transbordo da mercadoria no Porto de Nueva Palmira (Uruguai) ou em Concepción (Argentina).

A área continental reduz o lucro ao incluir o gasto com o frete terrestre e os custos portuários que são recolhidos nos estados de Paraná e São Paulo. Guardadas as devidas proporções, é o que passa Minas Gerais quando se ocupa do sistema portuário do Espírito Santo ou do Rio de Janeiro. Tomando um exemplo - o transporte de grãos do município de Dourados (MS) para o Porto de Paranaguá (PR), percorre 981km com custo médio de R$1.500,00 de combustível mais R$562,15 de pedágio, que somados resultam em algo em torno de R$2.062,15 fora as demais despesas (seguro, tarifa portuária, motorista, depreciação/manutenção veículo, etc.).5 Registramos que o estado não conta com transporte ferroviário entre as regiões produtoras e os principais portos oceânicos, já que a Ferrovia sob concessão da América Latina Logística foi desativada entre Corumbá-Bauru (passando por Campo Grande e Três Lagoas) no ano, primeiro semestre de 2015.

Também teríamos dificuldade em considerar que a posição geográfica privilegiada serve ao comércio com os países vizinhos porque há uma similaridade na pauta exportadora dos países do Cone Sul. Paraguai, Argentina exportam soja, assim como Mato Grosso do Sul. Uruguai e Argentina6 exportam carne bovina, assim como Mato Grosso do Sul. Os principais produtos exportados pelo Paraguai, em 2014, foram semente de soja, óleo vegetal, carne bovina e cereais (CENTRO DE ANÁLISIS Y DIFUSIÓN DE LA ECONOMIA PARAGUAYA, 2015). Pela Argentina, no mesmo ano, foram soja e subprodutos (farelo, óleo de soja), veículos, milho, pedras e metais preciosos, petróleo cru, material plástico e carne bovina (AGÊNCIA BRASILEIRA DE PROMOÇÃO DE EXPORTAÇÕES E INVESTIMENTOS, 2015). A Bolívia tem exportado petróleo, gás e derivados bem como minerais (que são os produtos mais tradicionais da pauta) e a soja, em primeiro lugar entre os não-tradicionais. (INSTITUTO BOLIVIANO DE COMÉRCIO EXTERIOR, 2015). A relação comercial do Mato Grosso do Sul com a Bolívia é dada pela importação de gás natural, que circula pelo Gasoduto Bolívia-Brasil (GASBOL) com destino à região sudeste, pouco aproveitado em território sul-matogrossense. A Bolívia tem sido o primeiro país no rol das importações de Mato Grosso do Sul, representando 67% no ano de 2014. (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO, 2015). O segundo foi a China (9,33%), Chile (4,28%) e Paraguai (2,55%) do total das importações (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO, 2015). Vemos que a importação do gás natural distorce a composição, achatando a participação chinesa, que efetivamente representa produtos utilizados no estado. Com relação às exportações do estado, em 2014, 28,23% do valor total foi destinado para a China, 10,04% para a Argentina (minério de ferro) e 7,22% para a Federação Russa (carne bovina) (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO, 2015). Tanto na importação quanto nas exportações, a presença da China é determinante.

Sintetiza-se a discussão, três reflexões sobre a "posição geográfica privilegiada". A primeira diz respeito à afirmação que parte de uma interpretação estática da localização geográfica e considera privilégio o fato de compartilhar limites internacionais, estar no centro do continente sul-americano e fazer divisa com quatros estados brasileiros. O privilégio da localização não é um dado absoluto; é dinâmico e avaliado de acordo com o critério de interesse. Para relações comerciais estabelecidas com as estruturas produtivas presentes, a centralidade continental não tem peso favorável. O estado está distante do sistema portuário que utiliza e pouco comercializa com Paraguai. Tem exportações voltadas para a China que saem pelo Porto de Paranaguá ou Porto de Rio Grande, o comércio com a Argentina é bastante limitado às exportações de minério de ferro pelo Rio Paraguai; com a Bolívia há uma relação de importação de gás natural como território de passagem, visto que a demanda maior está nos estados de São Paulo e Rio Grande do Sul. A métrica dos quilômetros pouco diz sobre a localização se não compreendermos as relações e o direcionamento dos fluxos dos quais participam as estruturas produtivas do estado. As estruturas produtivas são dependentes da implantação de redes técnicas que sejam eficientes e, na maioria das vezes, exigem investimentos elevados com retorno de longo prazo. São exigentes de definições econômicas e políticas que articulam as demandas corporativas. A tradição de olharmos o espaço contínuo não é mais suficiente porque a lógica da contiguidade espacial deve ser substituída pela lógica da descontinuidade, pela organização em rede, na qual pontos do território se relacionam a outros distantes, que nem mesmo pertencem a uma dada região.7

EFICIÊNCIA LOGÍSTICA

A segunda problematização deste ensaio trata de um recorrente equívoco conceitual quando encontramos referências à "infraestrutura logística". Consideramos infraestrutura por os objetos técnicos que dão suporte físico aos serviços. Logística representa estratégia, planejamento e gestão (SILVEIRA, 2011). Segundo Silveira (2011, p.23) "A logística representa as estratégias (que podem ser competitivas), o planejamento e a gestão de transportes (que podem ser intermodais) assim como o armazenamento".8 Neste sentido, há que se considerar eficiência como uma qualidade que pertence a um conjunto de estratégias, geralmente corporativas, com o intuito de reduzir os custos de transferência das mercadorias. O estado, além das corporações, também tem papel protagonista na formulação de políticas públicas e alocação de recursos que contribuem para custos menores.

A infraestrutura disponível para a circulação das mercadorias em território sul-matogrossense é limitada, necessita ampliação, permanente manutenção e novos investimentos para expansão da rede técnica. Algumas empresas, como veremos, fazem uso da mesma, dentro das possibilidades concretas existentes e de uma adaptação de suas necessidades mediadas pela lucratividade que o produto transportado oferece. Podemos apresentar como exemplo dessa interpretação, o caso do minério de ferro. Quando o preço estava em alta,9 houve iniciativa de formação de uma associação de empresas para utilizar a malha da Ferrovia Novoeste (atual Malha Oeste da América Latina Logística). Quando os preços caíram, o transporte foi desarticulado. Isso levanta a recorrente discussão sobre a necessidade de intervenção do Estado enquanto agente indutor do processo de desenvolvimento econômico, organizando a tecnificação do território e não o deixando refém de interesses exclusivamente corporativos. Nos territórios monopolizados por commodities, os investimentos na infraestrutura seguem o interesse dos agentes; não há um plano de longo prazo para desenvolvimento de condições competitivas e diversificação produtiva, o plano é ocasional e de curto prazo.

Não é raro uma referência equivocada ao que seja "logística". Isso ocorre quando, por exemplo, se afirma que as regiões nordeste e leste do Mato Grosso do Sul possuem "infraestrutura logística eficiente", na tentativa de se referir à presença de um pequeno trecho da Ferronorte e à passagem dos trilhos da América Latina Logística (ALL) como canal de comunicação com o estado de São Paulo.

A presença de ferrovias, rodovias ou hidrovias não é, por si só, fato definidor da redução de custos de transporte. Cada mercadoria exige um tipo de modal (rodoviário, ferroviário, aeroviário, fluvial ou marítimo e, principalmente, uma combinação entre eles) e equipamentos que lhe são mais apropriados. Embora não sendo definidores, quanto maior a densidade de infraestrutura, maior a possibilidade que se abre para a logística. Estar próximo ao estado de São Paulo não representa uma eficiência logística, significa apenas que é possível acessar o mercado paulista e, principalmente, o Porto de Santos, percorrendo uma distância menor e não necessariamente de forma mais eficiente. Não fosse assim, teríamos que considerar a velocidade média de vinte quilômetros por hora dos vagões da ALL uma "eficiência logística"!

A presença da ferrovia não é condição absoluta para a redução dos custos de transporte. Além da existência física em determinada região, a principal questão é conhecer as ligações que ela permite. Ela liga qual ponto a qual ponto? Possui integração com rodovias em boas condições? Há pátios e armazéns para armazenagem? As ferrovias estão mais cristalizadas como objetos que foram traçados em momentos pretéritos, quando a atividade econômica dependia de outras mercadorias e outras relações de mercado. No território brasileiro, extensa malha está traçada entre regiões econômicas que eram produtoras de café, açúcar, minério de ferro, ligando o interior a portos no Oceano Atlântico. São pouco integradoras dos "arquipélagos econômicos" cujo papel posteriormente será cumprido pela expansão do sistema rodoviário.

No Mato Grosso do Sul, a principal ferrovia corta no sentido de leste a oeste, vindo do Estado de São Paulo, no trecho Bauru-SP a Corumbá - MS, passando por Três Lagoas e a capital Campo Grande. É um traçado importante porque está mais na parte central do estado e interioriza para fazer a ligação do Brasil com a Bolívia, até Santa Cruz de La Sierra.

Além da existência deste trecho, a eficiência pressupõe que o transporte por ele primeiro, funcione e, segundo, que tenha custos competitivos. Quando tomamos o caso da ferrovia em questão, nenhum desses pré-requisitos é alcançado satisfatoriamente, resultando na equação circular de que as empresas não utilizam a ferrovia porque as condições são ruins e as condições são ruins porque não há demanda de carga.

Apesar de reconhecer a possibilidade de uma gestão corporativa resolver a equação, se isto não acontecer, o Estado tem papel fundamental como regulador e interventor, se for o caso.

A Figura 1 apresenta os principais eixos rodoviários (em vermelho) e ferroviários (em linha tracejada, quase acompanhando o traçado da BR 262). Nela podemos perceber o curto traçado da Ferronorte, em território sul-matogrossense, no leste do estado, entrando no estado pelo município de Chapadão do Sul e saindo por Três Lagoas, atravessando o Rio Paraná, para adentrar no estado de São Paulo. Possui bitola de 1,60 e pontos de conexão com as Ferrovias Centro-Atlântica S.A. em Uberlândia (MG) e Ferrovias Bandeirantes (FERROBAN), em Santa Fé do Sul (SP).

Figura 1
MATO GROSSO DO SUL - Principais eixos rodoviários e ferroviários - 2015

A principal é a Ferrovia ALL Malha Oeste (no sentido leste-oeste na Figura 1). Esta Ferrovia (antiga Novoeste) está concessionada e operada pela empresa América Latina Logística (ALL) até 2026, com bitola métrica mais estreita, percorrendo 1.180 quilômetros entre a cidade de Bauru (SP) a Corumbá (MS), seguindo em direção a Santa Cruz de La Sierra (Bolívia). Foi o primeiro trecho oferecido em concessão de serviço público, ainda em 1996, a um grupo de investidores norte-americanos - Noel Group, Fundo de Investimentos de Nova Iorque, associado a Edward Moyers, ex-presidente da Southern Pacific. Este grupo venceu a licitação concorrendo com a Companhia Vale do Dio Doce (à época ainda uma estatal) por ter pago um ágio de 2,5 milhões de reais sobre o preço inicialmente fixado em 59 milhões de reais, com concessão por trinta anos. Os déficits operacionais e o pouco investimento na reestruturação da linha foram creditados, pelo concessionário, à perda de sua principal fonte de renda à época, que era o transporte de combustível (60% do faturamento).

Nestas condições, o concessionário associou-se à Ferronorte, dando origem à Ferronorte Participações - Ferropasa, ficando com 20,8% do capital total. A holding Ferropasa foi formada com 91% do capital para Ferronorte e 9% do capital para a Novoeste, em 1998. O contrato de concessão da Novoeste foi sub-rogado para a Ferropasa. A participação do grupo norte-americano foi vendida para os acionistas da Ferropasa e dessa forma o grupo inicial, primeiro concessionário, saiu juridicamente do negócio da concessão, de forma jurídica. A Ferropasa, por sua vez, pleiteou junto ao Ministério dos Transportes, a suspensão da dívida com a intenção de tomar um empréstimo no BNDES para aplicar em investimentos na reforma da estrutura a fim de aumentar a velocidade e reduzir o número de acidentes. Os efeitos das soluções jurídicas permaneceram até que nova concessão foi realizada em nome da América Latina Logística (ALL), o que renovou as expectativas de que a via tivesse sua utilização retomada, com transportes de carga. A ALL, por sua vez, associou-se à Rumo Logística (do Grupo Cosan) e teve sua fusão aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) aprovada em fevereiro de 2015, para administração da América Latina Logística Malha Oeste S. A (antiga Novoeste, cujo nome original foi Noroeste do Brasil). Desde a fusão, o planejamento privado decidiu desativar o trânsito no trecho Bauru - Três Lagoas - Campo Grande - Corumbá sob alegação de riscos às comunidades lindeiras e ao meio ambiente, por causa da precariedade da via férrea que suportava o transporte de combustível (do município de Paulínea-SP para Mato Grosso do Sul).

No último relatório do Ministério dos Transportes (2013), a relação e quantidade de produtos transportados era bastante elucidativa das dificuldades de composição de carga para a Malha Oeste, porque do total transportado em Tonelada Útil (TU) estavam sendo transportados pela mesma 76% de minério de ferro, 16,7% de celulose, 2,5% de combustíveis (gasolina, álcool e óleo diesel), 4% de produtos siderúrgicos e 0,8% dos demais produtos. O minério de ferro é extraído no Maciço do Urucum, em Corumbá.

Essa distribuição de cargas, embora todas adequadas ao modal ferroviário, merece alguns comentários com o intuito de explanar as condições da circulação de mercadorias do estado. O minério de ferro de Corumbá, quando transportado por ferrovia, o faz para atingir o mercado interno, siderúrgicas localizadas no Sudeste, mas ao contrário da Estrada de Ferro Carajás ou da Estrada de Ferro Vitória-Minas, sofre transbordos antieconômicos em seu percurso, da mina ao destino final. Antes de embarcar nos vagões, é carregado em caminhões- fora-de-estrada, que levam o minério até o pátio da Estação Ferroviária Maria Coelho. Em Bauru, vai ser novamente transbordado para caminhões para chegar até as usinas siderúrgicas. Esse processo não permite nomear como eficiência logística o uso da ferrovia e ela representa 76% das cargas. O ferroviário é funcional quando o preço do minério e seus derivados está em alta, compensando o transporte e seus transbordos.

A celulose já está praticamente na barranca do Rio Paraná e não utiliza a ferrovia no interior do Mato Grosso do Sul; o faz para entrar na malha paulista. Os combustíveis são cargas de São Paulo para Mato Grosso do Sul mas dadas as condições de aperfeiçoamento do transporte rodoviário de cargas (caminhões bitrem) e a frota de terceirizados das distribuidoras, tem preferencialmente vindo da Refinaria de Paulínia (REPLAN) de caminhão e não pelo trem. O combustível, quando vem pelos caminhões, tem a praticidade da entrega nos postos de combustível, o que não seria possível com a carga pela ferrovia já que a mesma exigiria o transbordo para caminhões ou o armazenamento em tanques específicos até a descarga. Entre os produtos siderúrgicos, está o ferro gusa produzido em Corumbá e bobinas e demais produtos da Sitrel, localizada em Três Lagoas, com pouca circulação pela ferrovia no Mato Grosso do Sul. A produção busca o mercado paulista.Os caminhões tem uma velocidade média de percurso de 80 quilômetros por hora enquanto as composições da Malha Oeste fazem 13,5 km por hora, em média, muito semelhante as demais malhas da América Latina Logística (Tabela 1).

Tabela 1
Características da velocidade média comercial e de percursos das concessionárias ferroviárias - 2013

A condição da malha é objeto de estudos de viabilidade econômica. Um deles foi realizado pela consultoria Instituto de Logística e Supply Chain que estimou o transporte de 6 milhões de toneladas/ano mas para que a operação se torne competitiva estima ser necessário o volume de 14,5 milhões de toneladas por ano para sustentar a viabilidade da operação e investimentos estimados da ordem de 1,4 bilhão de reais.10 Em que pese o fato de estudos estratégicos como este não sejam realizados pelos órgãos de planejamento do estado mas por consultorias privadas, é provável que a estimativa seja próximo da expectativa que grupos privados tenham para sustentar investimentos de longo prazo, na recuperação da malha e na aquisição de novos equipamentos.Isso significa que o volume de carga ainda é baixo para os padrões da iniciativa privada e alto o investimento para a disponibilidade de recursos do poder público. Uma equação ainda em construção, de longa negociação política, e que exige uma arquitetura financeira.

Quando voltamos a atenção para o sistema portuário fluvial, citar que o Estado é "servido" pelo Rio Paraguai do lado oeste e pelo Rio Paraná do lado leste pouco qualifica em termos de logística ou de transporte fluvial. Para haver transporte fluvial é necessário hidrovia, um aparato técnico que refuncionaliza o dado natural, que é a presença do rio, para que se torne possível e sustentável ambiental e economicamente, a utilização do mesmo como meio de transporte.

No Rio Paraguai, em Corumbá, está o Porto Fluvial de Ladário (importante base operacional da Marinha brasileira no Centro-oeste) e os Terminais de Uso Privativo (TUP) de Cimento Itaú Portland S/A, Porto Sobramil, Granel Química, Gregório Curvo, Porto Murtinho e, no Rio Paraná, o TUP de Três Lagoas. A operação dos TUP já indica a base produtiva que lhe dá suporte, de forma muito didática. O TUP da Cimento Itaú Portland tem demanda do próprio produto, cuja fabricação em Corumbá se vale da disponibilidade da matéria prima, além da política de proteção do mercado nacional que foi envidada durante o fortalecimento do processo de substituição de importações. Sobramil e Gregório Curvo estão sobre operação da Vale,11 com pátios de minério de ferro e manganês, para atender ao mercado platino. Gregório Curvo era da Mineração Corumbaense (Rio Tinto), que foi adquirida pela Vale. Granel Química faz movimentação de grãos e o TUP de Murtinho esteve desativado. Foi reaberto em outubro de 2015, depois de investimentos de 1 milhão de reais. Este é o mais diversificado em carga, pois a localização na porção meridional do estado possibilita a atração de cargas de açúcar, soja e milho. É operado pela Agência Portuária de Porto Murtinho (APPM), que aproveita o reflexo da cotação do dólar para a obtenção de melhores preços para as commodities produzidas no estado. O TUP de Três Lagoas serve ao setor de celulose, que alcança o Rio Tietê (SP) para colocar a carga no Porto de Santos. Tem comprometimentos do déficit hídrico mas demanda cativa para sustentar suas operações.

Voltando ao subtítulo que dá nome a essa discussão, "eficiência logística" ainda é algo em construção, não pode ser lida apenas com o mapa do estado, mas deve contextualizar no mapa do Centro-oeste, no mapa mundi e observar o acesso aos principais portos marítimos. Se concordarmos com isso, percebemos que o acesso a Paranaguá, por ferrovia, é um projeto prioritário em busca de eficiência logística e para isso falta: construção do terminal de grãos nos municípios de Maracaju e Dourados, extensão da ferrovia entre os municípios de Maracaju e Dourados e o percurso Dourados - Cascavel - Paranaguá (projeto da Ferroeste, ainda em estudos de viabilidade econômica). Sem a ligação ferroviária ao porto, que é um projeto estruturante para o planejamento de escoamento da safra, os produtos de Mato Grosso do Sul (e a própria arrecadação do estado) ficam comprometidos pelos custos de frete; consequentemente, reduzem a competitividade. As condições apresentadas permitem o funcionamento por causa do preço dos grãos no mercado internacional e está atrelada à variação cambial. Câmbio e mercado externo são vetores diretos no arranjo das estruturas produtivas e na rede técnica do estado.12

O principal eixo rodoviário do estado é a BR 163, que o atravessa de norte a sul, fazendo a ligação entre os estados de Mato Grosso e Paraná, dois importantes produtores de grãos, sendo o Paraná, através do Porto de Paranaguá, destino de boa parte das exportações de soja e milho dos estados produtores do Sul e Mato Grosso do Sul. Esta importante rodovia de integração nacional esteve, até o ano de 2014, com trechos em mal estado de conservação, pista simples. Apenas em 2015, as obras de sua concessão para a CCR MS Vias avançaram e trechos no estado passaram a serem duplicados, consequentemente, pedagiados. Considerando que o estado utiliza a rodovia para escoamento da safra e que a mesma apenas tornou-se rentável para uma concessão particular no ano de 2013, pode se ter uma ideia da deficiência na infraestrutura de transportes até então vigente.

A BR 262, de leste a oeste, entre Corumbá - Campo Grande - Três Lagoas não é duplicada. Seu trecho de maior movimento, que é da capital do estado em direção ao estado de São Paulo passando por Três Lagoas, não recebeu ofertas de concessão ou qualquer grupo privado nacional interessado na sua duplicação, mesmo considerando o movimento do setor de celulose e papel, no nordeste do estado, Região do Bolsão.

Em síntese, há que se relativizar as informações sobre "eficiência logística" porque a rede técnica implantada que é o que efetivamente permite a fluidez, possui questões não resolvidas, que perpetuam seu grau de estrangulamento: são os casos da Malha Oeste, da insuficiência dos fixos fluviais e da BR 262.13

Além da produção agropecuária, o estado de Mato Grosso do Sul tem a atividade extrativa mineral de ferro e manganês consolidada no município de Corumbá, no Pantanal sul-matogrossense, na Morraria do Urucum. As reservas mundiais de minério de ferro totalizam 170 bilhões de toneladas e o Brasil tem 13,6% desse total, com teor médio14 de 49,0% de ferro. (DEPARTAMENTO NACIONAL DE PRODUÇÃO MINERAL, 2014).

A participação do Mato Grosso do Sul no total das reservas nacionais de minério de ferro é de 13,1% (Minas Gerais - 72,5% e Pará 10,7%). A proporção se altera quando se trata da produção, que fica distribuída na seguinte proporção: Minas Gerais (68,8%), Pará (27,3%), Mato Grosso do Sul (2,0%) e Amapá (1,6%). (DEPARTAMENTO NACIONAL DE PRODUÇÃO MINERAL, 2014). Com relação ao manganês, a distribuição da produção nacional fica com 15% em Minas Gerais, 14,6% para Mato Grosso do Sul e 70% para o estado do Pará. (DEPARTAMENTO NACIONAL DE PRODUÇÃO MINERAL, 2014). (Tabela 2).

Tabela 2
Percentual da distribuição da produção brasileira de minério de ferro e manganês - 2013

Para a atividade da exploração mineral, enquanto fornecedora de minério com pouco beneficiamento, é imprescindível a Hidrovia do Rio Paraguai e, da forma como grãos, que o preço da commodity compense seus custos de extração e transporte.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sintetizando, entendemos que não há densidade técnica, disponibilidade de infraestrutura satisfatória para qualificar como "eficiência logística" qualquer das mesorregiões ou o estado como um todo. O traçado dos principais eixos modais é bastante razoável, pois a capital está no centro do território, com três municípios importantes em extremos no oeste (Corumbá), leste (Três Lagoas) e sul (Dourados), com o serviço da BR 163 (de norte a sul), BR 262 (leste a oeste), Ferrovia da ALL (leste a oeste) e trecho da Ferronorte (região leste). Hidrovia do Paraguai (leste) e do Paraná (oeste). Esta distribuição física, quase geométrica/simétrica é um potencial pouco aproveitado dadas suas condições de funcionamento estarem comprometidas ou limitadas pela ausência de investimentos.

Na Hidrovia do Paraguai, as condições de navegabilidade oscilam com os períodos naturais de cheias e secas, reduzindo a capacidade dos comboios, a BR 163 ainda não está totalmente duplicada, as demais são pistas simples, a ferrovia (mesmo sob a concessionária) não tem serviço eficiente e a hidrovia do Paraná é subutilizada pelo transporte de cargas originárias do Mato Grosso do Sul. A escala de produção de mercadorias ainda não atingiu e talvez não atinja, volume suficiente para atrair investimentos da iniciativa privada, mesmo na modalidade de parcerias público-privadas e a capacidade de investimentos em infraestrutura por parte do poder público nos parece comprometida tanto pela ausência de uma engenharia financeira quanto pela incapacidade de planejamento territorial nacional, cuja fragmentação compromete o planejamento (VAINER, 2007), atualmente movido pelo balcão de emendas parlamentares e pela visão das empresas privadas de consultoria, sempre acionadas para desenhar o uso do território para práticas corporativas.

A posição geográfica não é um dado absoluto, um valor em si. É uma qualidade estabelecida a partir de critérios e parâmetros de comparação para os quais as medidas de distância ou de vizinhança são relativas; dependem de qual é o interesse econômico predominante. Se há uma intensa integração econômica no sentido de exportar e importar para a China, para os países atingidos pelo sistema portuário instalado na costa do Atlântico, não há posição geográfica privilegiada em estar no interior do continente. Em termos de comércio exterior e estritamente sobre ele, a posição geográfica privilegiada é uma possibilidade, um vir a ser que poderia se concretizar caso a integração econômica com os países platinos fosse fortalecida.

A rede técnica, aquela formada pela infraestrutura que torna possível o transporte, não impõe ao território ou às regiões um caráter de superioridade produtiva. As relações de produção, as relações sociais é que projetam e executam a rede técnica em função de seus interesses de acumulação. Quanto mais consolidadas em torno de um projeto de acumulação estiverem as relações sociais, mais o território no qual elas [as relações sociais] estão inseridas será dotado de objetos técnicos capazes de aumentar a produtividade espacial deste.

Por isso não compreendemos a "eficiência logística" como um dado absoluto, como um valor em si, mas como uma construção social e, como tal, ainda não consolidada no território sul-matogrossense. As relações de produção não atingiram um nível de maturidade de forma a projetar, defender e financiar o aparato técnico que possa ser chamado de eficiente para o planejamento de transportes. Há uma materialidade insatisfatória que se não compromete a inserção internacional do estado, ao menos lhe enfraquece. Trata-se de um estado do agronegócio, produtor de commodities, que participa com menos de 2% do total das exportações brasileiras.

  • (1)
    Uma discussão sobre as exportações de Mato Grosso do Sul pode ser encontrada em Lamoso (2010).
  • (2)
    Para Castillo e Frederico (2010, p.18), "A distribuição desigual de densidades materiais e normativas no território confere diferentes graus de competitividade às regiões para determinados tipos de produtos e, por conseguinte, a alguns agentes produtivos que nelas atuam e que delas fazem parte."
  • (3)
    Para maiores informações, consultar Frederico (2010), que apresenta densa discussão sobre as características das grandes empresas exportadoras de grãos que atuam no Brasil.
  • (4)
    Este texto recorta, deliberadamente, uma fração da totalidade ao priorizar a discussão sobre o processo de desenvolvimento econômico em função das relações comerciais que são estabelecidas pelo estado com outros países e do estado com outros estados brasileiros.
  • (5)
    Custos calculados para caminhão bitrem, com duas carretas de 27 toneladas cada, com 9 eixos. Transportadoras cobram um custo médio entre R$160,00 a R$180,00 por tonelada, não menos que R$8.000,00 para o transporte de 54 toneladas, que é a carga mais comum em trânsito. (dados de janeiro de 2016, obtidos em trabalho de campo).
  • (6)
    Para mais informações sobre as exportações Argentinas, consultar Instituto Nacional de Estadística y Censos, 2015.
  • (7)
    Souza (2014) elabora uma didática e enriquecedora discussão sobre os conceitos e escalas de análise, entre eles o conceito de rede.
  • (8)
    Para aprofundar o conceito de logística e logística corporativa, cf. Silveira (2011).
  • (9)
    Por exemplo, em fevereiro de 2011, a tonelada de minério de ferro era cotada a 187 dólares e em julho de 2015, ao preço de 54 dólares.
  • (10)
    Valores veiculados na reportagem do Governo Estadual de Mato Grosso do Sul, disponível em http://www.noticias.ms.gov.br/governo-reune-bancada-federal-para-apresentacao-de-estudos-de-viabilidade-da-malha-oeste-da-rumo-all/<Acesso em 28 out. 2015>.
  • (11)
    Trata-se da Companhia Vale do Rio Doce, que foi privatizada em 1997, uma das maiores empresas de extração de minério de ferro do mundo.
  • (12)
    Prates e Marçal (2008) exploram em detalhes a relação entre commodities e exportações, registrando importância a dois elementos: efeito China e condições macroeconômicas globais.
  • (13)
    Trabalhos de Andrade (2016) e Pareja (2016) apresentam detalhes sobre o transporte da produção de celulose das fábricas instaladas em Três Lagoas e de minério de ferro e manganês, da mineração em Corumbá, respectivamente.
  • (14)
    O teor do minério de ferro de Minas Gerais está em torno de 46,5%, de Mato Grosso do Sul 55,3% e do Pará em 64,8%. (DNPM, 2014).

AGRADECIMENTOS

A autora agradece ao CNPq pela Bolsa de Estudos e aos pesquisadores Cristóvão Ribeiro da Silva e Giovane Silveira da Silveira pelo apoio com o trabalho cartográfico.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jun 2018
  • Data do Fascículo
    2018

Histórico

  • Recebido
    23 Fev 2018
  • Aceito
    19 Abr 2018
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