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POTENCIALIDADES E LIMITAÇÕES DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO ENSINO REMOTO: O EFEITO PANDEMIA NO COMPONENTE CURRICULAR

PHYSICAL EDUCATION’S POTENTIALS AND LIMITATIONS IN REMOTE TEACHING: THE PANDEMIC EFFECT ON PE AS A CURRICULAR COMPONENT

POTENCIALES Y LIMITACIONES DE LA EDUCACIÓN FÍSICA EN LA EDUCACIÓN REMOTA: EL EFECTO DE LA PANDEMIA SOBRE EL COMPONENTE CURRICULAR

Resumo

O presente ensaio traz uma reflexão teórico-conceitual sobre as possibilidades de enfrentamentos realizados pela Educação Física Escolar nesse período de ensino remoto. Para isso, valoriza e ressignifica o lugar e o saber da experiência para o quem se ensina (sujeito da experiência), uma vez que este não pode ser universalizado, devido ao seu caráter de historicidade. A perda do lócus tradicional para a práxis pedagógica em Educação Física, substituído pelo espaço abstrato viável do aluno, nos desvela uma janela de renovação dos processos de ensino e aprendizagem em nosso campo de tematização. Concluímos que, para além do objeto, as intencionalidades pedagógicas e o conjunto “como, quando e onde ensinar” são questões indissociáveis que exigem o nosso protagonismo enquanto docentes da/na condição do ensino remoto. Disso é fundamental a compreensão de que não há possibilidade de substituição do tempo e espaço aula e que este é condição elementar da experiência.

Palavras-chave:
Educação a distância; Aprendizagem; Professores escolares

Abstract

This essay provides a theoretical and conceptual reflection on the potential confrontations faced by school Physical Education in this period of remote teaching. It considers and re-interprets the place of and knowledge about the experience taught (the subject of the experience) since this cannot be universalized due to its historicity character. The loss of the traditional locus for pedagogical praxis in Physical Education, replaced by the student’s viable abstract space, reveals a window of renewal for teaching and learning processes in our thematic field. We conclude that, in addition to the object, pedagogical intentions and the whole - how, when, and where to teach - are inseparable issues that demand our action as teachers of/in the condition of remote education. It is essential to understand that it is not possible to replace time and class space, and that this is an elementary condition of the experience.

Keywords:
Education, distance; Learning; School teachers

Resumen

El presente ensayo trae una reflexión teórico-conceptual sobre las formas de enfrentamiento que realiza la Educación Física en la escuela en este período de educación remota. Para eso, valora y resignifica el lugar y el saber de la experiencia hacia quien es enseñado (sujeto de la experiencia), ya que éste no puede ser universalizado, debido a su carácter de historicidad. La pérdida del locus tradicional para la praxis pedagógica en Educación Física, sustituido por el espacio abstracto posible del alumno, nos revela una ventana de renovación de los procesos de enseñanza y aprendizaje en nuestro campo temático. Concluimos que, más allá del objeto, las intenciones pedagógicas y el conjunto: cómo, cuándo y dónde enseñar son cuestiones inseparables que exigen nuestro protagonismo como docentes de/en la condición de la enseñanza remota. Es fundamental entender que no hay posibilidad de una sustitución de tiempo y espacio clase, que es una condición elemental de la experiencia.

Palabras clave:
Educación a distancia; Aprendizaje; Maestros

1 INTRODUÇÃO

Apesar de ser um tema extremamente atual, uma vez que acontece em nível mundial, sem precedentes na contemporaneidade e que se desdobra em várias dimensões de nossas vidas (histórica, social, política, econômica), enfrentar o desafio de fazer uma reflexão sobre a “Educação Física (EF) em tempos de pandemia” não é uma tarefa simples, mas nos leva a fazer algumas escolhas ou recortes pontuais, devido a sua amplitude e aos possíveis caminhos a serem trilhados para responder (mesmo que provisoriamente) as diferentes questões que nos são apresentadas nesse período de isolamento social.

O enfrentamento de algumas dessas questões em períodos de “normalidade” não são nenhuma novidade, uma vez que possuem raízes históricas que se confundem com a constituição da própria EF enquanto campo de conhecimento. Estas estão vinculadas a vários desafios, dentre eles: o tratamento da incontornável relação teoria e prática, presente em todas as áreas do conhecimento, mas que se acentua na EF devido ao seu estreito vínculo com as práticas corporais; a motivação à prática das aulas de EF; os dilemas conteudistas ou a falta de uma proposição curricular coerente com as especificidades de nosso campo de tematização e os propósitos da escola enquanto instituição democrática e republicana, para os diferentes contextos, níveis e modalidades de ensino em que atuamos.

Aqui parece estar “um” dos pontos centrais de nossa reflexão, tendo em vista que a falta de uma organização curricular agravou ou potencializou ainda mais nossas angústias em relação ao tratamento dado ao conhecimento em nosso campo de tematização no período remoto. E agora, professor? E a aula de EF no ensino remoto?

O presente texto não tem a pretensão de apresentar respostas “categóricas” e/ou “definitivas” para essas questões, mas objetiva trazer para a reflexão algumas possibilidades de enfrentamentos delas, afinal, cabe enfatizar, o cenário que estamos vivendo não tem precedentes e sua resolução depende dos envolvidos (ARENDT, 2011ARENDT, Hannah. A crise na educação. In: Entre o passado e o futuro. 7. ed. São Paulo: Perspectiva, 2011.). Nossos referenciais anteriormente ancorados em supostas certezas caíram por terra com a pandemia, revelando-nos o seu caráter de imprevisibilidade.

Entender ou recuperar o conceito de experiência pode nos possibilitar uma chave de leitura, dentre as muitas possíveis, para amenizar as nossas angústias e incertezas para enfrentarmos esses novos desafios postos por esse cenário pandêmico.

Apesar de encontrarmos a expressão “experiência” em várias obras e até mesmo nas situações cotidianas, segundo Gadamer (2008GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método I: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Tradução Flávio Paulo Meurer; revisão da tradução de Enio Paulo Giachini. 10. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.), o conceito de experiência é um dos menos elucidados que temos, uma vez que sempre esteve associado ou submetido a uma esquematização epistemológica que mutilou seu conteúdo originário, com o intuito de eliminar o caráter de historicidade que há na experiência, como se fosse possível analisar o mundo “de fora” (tarefa destinada aos “deuses”, que não estão “encharcados” de mundanidade devido ao seu caráter imaculado).

Entender a experiência em uma perspectiva hermenêutica amplia nossos horizontes e nos permite perceber e valorizar o que nos acontece na contingência de nossas ações, uma vez que ela necessita da credencial de vivência própria e não pode ser conhecida em uma universalidade prévia sem a participação dos sujeitos, como simples descrição. Essa afirmação fica mais evidente ainda nesse período pandêmico, tendo em vista que a situação vivida não tem precedentes e/ou referenciais e necessita do protagonismo dos envolvidos. Não seria esse um ponto de partida para repensarmos a nossa práxis pedagógica e nosso campo de tematização em todas as suas dimensões? Não seria esse um momento oportuno para assumirmos (de fato) o nosso protagonismo e encontrarmos algumas respostas (mesmo que parciais) para os problemas do nosso tempo (em especial agora)?

Enfatizamos mais uma vez a necessidade de assumirmos o nosso protagonismo tendo em vista que precisamos participar mais efetivamente e qualificadamente na resolução dos problemas junto às nossas instituições de ensino em seus diferentes níveis e modalidades (Educação Básica e Ensino Superior). Resolução essa que depende de toda a comunidade acadêmica e profissional envolvida em seus diferentes contextos.

Com essas notas iniciais, passamos a expor algumas considerações sobre os possíveis caminhos para a EF no espaço escolar. Ao longo do texto estará engendrada a relação entre os espaços das aulas de EF, os quais foram transpostos para o ambiente virtual (no sentido apenas não presencial), e o lugar que materializa a EF (o lócus escolar, que representa a construção anterior, no sentido presencial). Nesta perspectiva, cabe compreender as relações entre espaço e lugar em que as aulas se apresentam. Assim, podemos aceitar que, “o espaço é o efeito produzido pelas operações que o orientam, o circunstanciam, o temporalizam e o levam a funcionar em unidade polivalente de programas conflituais ou de proximidades contratuais” (CERTEAU, 1994CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano I: as artes do fazer. Petrópolis: Vozes, 1994., p. 202). Portanto, esta transposição induzida pelo ensino remoto nos provoca o questionamento sobre e se o espaço das aulas é preservado.

Quando pensamos em Educação Física na escola, prontamente temos lembranças relacionadas aos espaços (enquanto lugares praticados), como o pátio e o ginásio, que devido a fatores oriundos do imaginário social construído ao longo de sua história, que enquanto campo do conhecimento conectam a relação da práxis pedagógica com os espaços onde ela se materializa. No contexto atual (pandêmico) houve uma sumária ruptura dessa ligação estruturante1 1 Cabe destacar aqui que nos referimos a ruptura com o espaço presencial do pátio ou da quadra e não com uma tentativa de universalização da experiência (racionalidade técnica) dos sujeitos em seus diferentes contextos, sem considerar o caráter de historicidade que há nessa experiência. , a qual desafia todo o processo contínuo de ressignificação emergente da própria EF das últimas décadas.

A abrupta, fundamental e necessária interrupção das atividades presenciais provocou um movimento unificado de busca por alternativas metodológicas para uma manutenção, ainda dúbia de significância, das atividades escolares. Esta relativa dúvida está na raiz da legitimidade da própria Educação Física, que, por sua vez, repousa na gênese de seu reconhecimento social. Este, podemos perceber, carece ainda de um explícito interesse social para tal reconhecimento. Assim nos apontam Fensterseifer e González (2010GONZÁLEZ, Fernando Jaime; FENSTERSEIFER, Paulo Evaldo. Entre o “não mais” e o “ainda não”: pensando saídas do não lugar da EF escolar II. Cadernos de Formação RBCE, v.1, n.2, p. 10-21, 2010.), um conjunto de questionamentos, ainda ausentes, ou até mesmo pendentes de resposta sobre o que significa a existência da EF na escola2 2 A saber, o conjunto de questionamentos citados, proposto por Fensterseifer e González (2010): Não teríamos atividade física sem EF na escola?; Não nos exercitaríamos em EF na escola?; Não nos socializaríamos sem EF na escola?; Não haveria lazer sem EF na escola? Não teríamos aptidão física sem EF na escola?; Não haveria esporte, ginástica, dança, lutas, jogos… sem EF na escola?; Não teríamos saúde sem EF na escola? .

Dentro deste contexto, apresentam-se inúmeros conflitos, que vão desde a transposição didática de conteúdos até o clássico embate entre teoria e prática. Muito do que se assiste nos debates relativos a esse dueto tem como palco o espaço, por vezes controverso, em que a aula se realiza. Recebe uma representação de espaço teórico na sala de aula padrão, aquele mesmo com as classes, cadeiras, mesa do professor e o grande quadro (branco ou verde) em uma das laterais, ainda algumas decoradas com um armário de apoio e o famoso “mural de recados”. Contudo, quando pensamos em prática, a imagem imediata registra a rua (no sentido de sair da referida sala), e encontra o espaço aberto, pátio, cancha, quadra e, com sorte, o ginásio. Esses espaços, até então fundamentais para a materialização das aulas, foram substituídos pelo espaço virtual das plataformas digitais e pelos espaços disponíveis das/nas casas dos estudantes.

2 O GINÁSIO SUBSTITUÍDO POR ENCONTROS VIRTUAIS

Historicamente, os planejamentos frutos das sistematizações dos conteúdos são recheados de intencionalidades pedagógicas e metodológicas que se aplicam diretamente aos espaços [externos] destacados aqui. Suas relações com as práticas esportivas, jogos e brincadeiras, bem como as atividades rítmicas e expressivas, apresentam uma espécie de simbiose natural in loco, ou seja, com o espaço disponível é, então, possível aquela aula. Sem dúvida que muitas limitações conhecidas em nosso campo de atuação, tais como a ausência de infraestrutura, materiais e até mesmo algumas intempéries, promovem um movimento criativo, às vezes inovador, que impressiona. Porém, não é assim que se consolida a disciplina em sua prática cotidiana. Raramente vemos tais práticas acopladas de forma permanente aos currículos, sejam associadas às características de determinada faixa etária, ou outros pressupostos que não os paliativos referentes à perda do lócus.

Atualmente, o que temos é um componente que tem importante característica polissêmica (CARMO JR, 2010). Esta característica, que sempre o acompanhou, pode ser observada como uma faceta aplicada na busca de alternativas para o problema em questão. A capacidade de interlocução com outros componentes curriculares, áreas da ciência e segmentos da sociedade conferem as particularidades da EF. Enquanto disciplina escolar é preciso entender e acreditar que o componente é independente do espaço comum da sua existência e carrega enorme potência educativa e formativa. Aqui cabe destacar, para impedir a redução ao absurdo, que não defendemos uma indiferença ao espaço, nem aos diferentes níveis valorativos que espaços distintos para a mesma prática possam apresentar. A intenção é pontuar a existência de uma disciplina que sim, é constructo que carrega em si a capacidade de criar espaços para proporcionar às novas gerações a sua inserção no universo da cultura corporal de movimento na tentativa de potencializar (não como garantia) uma participação qualificada no espaço público (quando adultas), para além da dependência de infraestrutura para se materializar. Ora, mas há quem traga inconsistência nesta leitura. Aqui não trazemos a promoção, potencializada e muito idealizada da prática pedagógica em EF, mas sim um olhar de ancestralidade e gênese do componente. A ancestralidade e gênese aqui estão relacionadas ao sentido histórico e social. Resta perceber que, no sentido original, inúmeros fatores contribuíram para os movimentos de inclusão da Educação Física na escola, saída e retorno aos currículos, em muitas instituições, ao longo do século XX, como, por exemplo, o que ocorreu na Escola Federal de Porto Alegre/RS (SILVA; FRAGA, 2014SILVA, Eduardo Marczwski da; FRAGA, Alex Branco. A história da Educação Física na educação profissional: entrada, saída e retorno à Escola Federal de Porto Alegre. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, v.28, n.2, p. 263-72, 2014. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1807-55092014000200263
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) e continua ocorrendo na contemporaneidade com a reforma do ensino médio e a implementação da Base Nacional Comum Curricular (BELTRÃO; TAFFAREL; TEIXEIRA, 2020BELTRÃO, José Arlen; TAFFAREL, Celi Nelza Zulke; TEIXEIRA, David Romão. A educação física no novo ensino médio: implicações e tendências promovidas pela reforma e pela BNCC. Revista Práxis Educacional, v. 16, n. 43, p. 656-680, ed. Esp., 2020.). Isto posto, ancoramos a intencionalidade focada em para quem e por que a EF está presente no currículo escolar.

Vejamos agora a realidade imposta pelo ensino remoto, lembrando ser condicionante para a manutenção, sem valoração, daquelas atividades exequíveis nos encontros presenciais dentro dos espaços garantidos pelas escolas. Sumariamente, o lugar para ser o viável, e muitas vezes o possível para a prática, é aquele que a família ou representação social que acolhe o estudante consegue oferecer. Esta oferta está completamente atrelada às condições particulares de cada família, estrato social, e anseios alheios ao momento escolar, que, quase sempre, restavam isolados (no sentido de preservação) quando o aluno estava na escola. Pensemos então que tal oferta, ou melhor, disponibilidade do lócus se dá ou dará à mercê da realidade individual, não parametrizada, e ainda facultativa dentro deste cenário em especial. Assim, podemos avançar para a aceitação de que tal condição é composta por elementos que não são controláveis, porém, hipoteticamente previsíveis.

As mudanças provocadas por esse cenário nos convocam a assumir o nosso protagonismo e estimularmos nossa capacidade de reaprender a ver a EF, a partir de um entendimento ou redefinição das especificidades deste componente curricular “no mundo”, na produção do conhecimento e nas práticas pedagógicas (FENSTERSEIFER, 2006FENSTERSEIFER, Paulo Evaldo. Esporte na contemporaneidade: uma experiência de fronteira In: REZER, R. (Org.) O fenômeno esportivo: ensaios crítico-reflexivos. Chapecó, Argos, 2006. p. 21-31.), em especial, nesse período pandêmico e em seus desdobramentos. Esse entendimento encontra uma possibilidade de interpretação na afirmação de que qualquer posição "nova", com a pretensão de substituir uma outra (mesmo que provisoriamente ou não?), "segue necessitando da 'antiga', já que ela não pode se explicitar enquanto não souber a que nem por que ela se opõe" (GADAMER, 2006GADAMER, Hans-Georg. O problema da consciência histórica. Tradução Paulo César Duque Estrada. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006., p. 69).

Nesse caso em questão, a “nova” posição se refere ao enfrentamento dessa situação inesperada que acometeu a população mundial e necessita apresentar algumas respostas (provisórias ou parciais) para os problemas causados pela pandemia, na contingência do vivido em tempo real, já que as referências para elas não existem a priori. Portanto, aqui não se trata de nos opormos a uma posição anterior (mesmo que a situação nos dê subsídios para repensá-la), mas produzirmos um entendimento compartilhado acerca das possíveis saídas para essa crise sem precedentes que estamos vivenciando.

Como não temos (ainda) um aporte teórico que nos forneça algumas pistas para lidarmos com os problemas relacionados ao isolamento social (pandemia), vamos construindo referenciais a partir do enfrentamento das situações cotidianas. Algo que exige uma releitura de nossa organização e planejamento, tendo em vista que nossas certezas (provisórias) foram desafiadas pelas incertezas e passam a ser uma condição (algo concreto) com o que podemos trabalhar.

Por mais que alguns contextos escolares sempre tenham apresentado a falta de um espaço ideal para o trabalho docente com as práticas corporais na Educação Física, em especial em sua dimensão procedimental (ou no tratamento dado aos “saberes corporais”); mesmo que precariamente eles sempre tenham existido (no ginásio, na quadra, no pátio, no estacionamento3 3 Devido à falta de estrutura em nossas instituições de ensino pelo Brasil, também enfrentamos o desafio de planejar nossas aulas (dimensão procedimental e/ou “saberes corporais”) para serem realizadas no estacionamento de nossos campi (em sua fase inicial de implantação). …) e “indicaram caminhos para” o planejamento dos professores desse campo do conhecimento, cabe destacar que não foi o ensino remoto que retirou o espaço das aulas de EF, mas potencializou um deslocamento de sentido do espaço presencial (disponível da escola), para o espaço virtual e do lar (disponível do aluno).

Nesse novo cenário, além de enfrentar os desafios históricos da constituição da EF enquanto campo do conhecimento dentre os quais, enfatizamos, a relação teoria/prática, a motivação para as aulas de EF, a falta de uma proposição curricular coerente com as especificidades de nosso campo de tematização e os propósitos da escola, dentre outros; passamos a enfrentar também, os novos desafios impostos pelo ensino remoto, como o distanciamento social, a falta de interação entre os sujeitos (“salas virtuais com câmeras e microfones desligados”), dificuldades no uso das tecnologias da informação e comunicação (TICs), falta de acesso à internet, aulas síncronas e assíncronas, uma valorização dos “saberes conceituais”, além de outros, algo que vem ao encontro do estudo realizado por Machado et al. (2020MACHADO, Roseli Belmonte; FONSECA, Denise Grosso da; MEDEIROS, Francine Muniz; FERNANDES, Nícolas. Educação física escolar em tempos de distanciamento social: panorama, desafios e enfrentamentos curriculares. Movimento (ESEFID/UFRGS), p. e26081, dez. 2020. DOI: https://doi.org/10.22456/1982-8918.106233.
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).

Desta forma, entendemos que a questão do para quem (sujeito da experiência) e por que se ensina (justificativa a partir das especificidades da EF e da escola) assume condição privilegiada, uma vez que dá início a um novo conjunto de independências que podem assegurar a materialização de um espaço que, sensível ao contexto e particularidades de cada ciclo social (escola, turma, fragmento escolar - nível de ensino), avança para perspectivas para contribuir no percurso formativo de modo robusto, durante e para além do ensino remoto (pós-pandemia).

3 O LUGAR DA EXPERIÊNCIA

Com a ausência do espaço tradicional da aula (presencial), fomos convocados a pensar em uma ampliação dos pilares operacionais de nossa práxis pedagógica, para além das obrigações (horários, períodos, conteúdos e carga horária), para os pilares da sensibilização e motivação às aulas de EF (alcançar/tocar os sujeitos em suas casas de forma virtual). Nesse sentido, pensar na experiência e no saber da experiência como algo que nos acontece e nos toca (BONDÍA, 2002BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Revista Brasileira de Educação, n. 19, p. 20-28, jan./abr. 2002.), na contingência de nossa ação interventiva e reflexiva (mesmo que virtualmente), parece merecer um olhar atento e cauteloso, em sua dimensão de abertura e fluidez, que não pode ser (não deveria ser) definido em uma universalidade prévia (racionalidade técnica), nem desconsiderar o caráter de historicidade que há na experiência.

A partir desta percepção, temos a possibilidade de pensar na experiência promovida, no lócus possível, ou viável como o destacado, considerando os limites da segurança do sujeito que experimenta, sem privá-lo do experienciar (em sentido gadameriano), sentir e viver o que pode ser aprendido. Ao tratar dos objetos de estudos, amplamente, e ainda atualmente debatidos (BETTI; GOMES-DA-SILVA, 2019BETTI, Mauro; GOMES-DA-SILVA, Pierre N. Corporeidade, jogo, linguagem: a educação física nos anos iniciais do ensino fundamental. São Paulo: Cortez, 2019.; BETTI, 2020), estes no sentido estrito das tematizações assumem caráter secundário, não menos importante, uma vez que são necessários para a materialização da EF.

Aceitando este conjunto de objetos, todo o saber envolvido na práxis da EF transmite elementos formativos por si mesmo, porém dependentes de intencionalidades. Isto permanece presente no ensino remoto da EF. As relações entre o sujeito e o objeto que gera o conhecimento percebido durante as aulas apenas mudam de padrão, o contato tradicional no espaço escolar. Agora temos, nos encontros virtuais, novas metodologias, talvez novos objetos, mas ainda os mesmos sujeitos, em transformação constante, fruto de uma sociedade dinâmica, com suas relações em constantes ressignificações (BAUMAN, 2001BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.)

Tais proposições permitem um momento único e individual que consegue, incondicionalmente, promover o ato da experiência (aqui, a aula em si). Portanto, é fundamental compreender o saber da experiência, enfatizamos, como uma chave de leitura (dentre as muitas possíveis) para a compreensão do fenômeno complexo da experiência com as práticas corporais em nosso campo de tematização, já que estas não podem ser entendidas como “lócus” de manipulação e controle, mas como espaço de participação e abertura (ALMEIDA; FENSTERSEIFER, 2011ALMEIDA, Luciano; FENSTERSEIFER, Paulo. O lugar da experiência no âmbito da Educação Física. Movimento, v. 17, n. 04, p. 247-263, out/dez de 2011. DOI:https://doi.org/10.22456/1982-8918.20918
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), nas palavras de Palmer (1989PALMER, Richard. Hermenêutica. Tradução Maria Luísa Ribeiro Ferreira. Lisboa: Edições 70, 1989., p. 216), “não é o conhecimento, mas sim a experiência, não é a metodologia mas sim a dialéctica”.

Deste modo, a experiência de aprender, experienciando a superação do adverso, contudo, do lócus já é, em si mesmo, válido. Em outro momento podemos ver isso como limitante, porém, haja vista a bilateralidade do processo de promover a experiência dentro do percurso formativo, comum à prática da EF, todas as proposições para o remoto carregam este pré-requisito. Claro que os parâmetros estão e sempre estiveram enlaçados com as dimensões do desenvolvimento humano: do moral, do cognitivo, do sexual, até o motor propriamente dito. Logo, qualquer que seja a dimensão intencional (de desenvolvimento), pela caracterização metodológica empregada e fruto da sistematização, podem materializar a EF em tempos de pandemia. Estas produzem aproximações intersubjetivas, nas quais podem ser apoiados os objetos tematizados, com suas práticas (no sentido de objeto vivencial) centradas no educando, ou seja, para quem.

Podemos dizer que o para quem no ensino remoto é o mesmo sujeito do ensino presencial? Sim e não! Sim, porque é o sujeito com características próprias de sua faixa etária (desejos, percepções, interesses) e não, porque essas percepções foram modificadas pelos efeitos do isolamento social e alçadas ao plano da virtualidade. Esse deslocamento de sentido (no para quem) promove/exige uma mudança significativa para repensarmos o próprio processo pedagógico de forma mais ampla, tendo em vista que historicamente ele esteve “ancorado” nos ditames de uma cientificização que tentou “objetificá-lo”, sem considerar o caráter de historicidade do sujeito da experiência. Essa relação acabou tentando manipular e controlar o processo pedagógico (ou educativo) produzindo um saber discursivo meramente instrumental e sua aplicação “não se reflete absolutamente acerca da postura dos indivíduos nele envolvidos” (FLICKINGER, 2010FLICKINGER, Hans-Georg. A caminho de uma pedagogia hermenêutica. Campinas, SP: Autores Associados, 2010., p. 119).

A revisão dessa relação em seu caráter de imprevisibilidade, que não pode ser confundida com a falta de uma intencionalidade (pedagógica), em especial neste período de pandemia, traz para a debate o confronto entre as dimensões da práxis pedagógica: o quê, o como e o para quem; dentro do universo do onde. Essas dimensões carecem de uma revisão, uma vez que as características do ensino remoto não são as mesmas do ensino presencial e nem mesmo da educação a distância4 4 Gostaríamos de chamar a atenção para o fato de que o ensino remoto e a educação a distância não podem (ou não deveriam) ser tratados como sinônimos. O ensino remoto é uma modalidade de ensino emergencial/temporária, que pressupõe um distanciamento geográfico entre alunos e professores e foi adotada em diferentes níveis de ensino e em instituições educacionais do mundo inteiro, para a continuidade das atividades escolares, devido ao isolamento social ocasionado pela pandemia da covid-19 (a presença física foi substituída pelas aulas online). A educação a distância, por sua vez, é uma modalidade educacional com uma proposta voltada aos ambientes virtuais de aprendizagem, desde a sua concepção, na qual “a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes, tutores e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos” (BEHAR, 2020). .

Cabe enfatizar que essas dimensões estão diretamente relacionadas entre si e não podem simplesmente ser transpostas do plano presencial para o plano virtual do ensino remoto, tendo em vista que apresentam peculiaridades distintas entre esses planos. Para exemplificar tal afirmação, pensemos no conjunto de elementos dessas dimensões que estão diretamente interligadas e que não podem (ou não deveriam) ser analisados de forma fragmentada e/ou transpostas de um plano ao outro. Como pensar em uma simples transposição (do quê, do como, do onde e para quem ensinar?) se a organização e planejamento de nossas aulas foi elaborada a partir de critérios da presença física dos autores/atores sociais e não de seu distanciamento (virtualidade)?

Pensar nessa questão nos leva a reconhecer as mudanças ocorridas nesse novo contexto, que aparentemente tinha um caráter emergencial e provisório, mas que se estendeu mais do que esperávamos e sem um fim previsível. Passamos a nos relacionar com os alunos por meio das plataformas digitais, das salas virtuais, na maioria das vezes sem vê-los nem ouvi-los, uma vez que seus microfones e câmeras, na maioria dos encontros, estavam desligados. O barulho, o contato, a troca de olhares e a interação da aula presencial foram substituídos pelo silêncio ensurdecedor das salas virtuais, assim como as metodologias utilizadas no presencial também foram substituídas pelos ambientes virtuais de aprendizagem (videoaulas, videoconferências, chats, fóruns…).

Nesse cenário, presenciamos uma espécie de confronto entre a aproximação do “antigo” (modelo-presencial), baseado nas estruturas institucionais e a interação física dos sujeitos, e do “novo” (modelo-virtual), que transita nas particularidades e privacidades do residencial (ou lugar definido pelo aluno) que recebe e acolhe a aula de EF. Recorrendo a Gadamer (2006GADAMER, Hans-Georg. O problema da consciência histórica. Tradução Paulo César Duque Estrada. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006., p. 14), mais uma vez, percebemos que toda experiência é confronto, “já que ela opõe o novo ao antigo, e, em princípio, nunca sabe se o novo prevalecerá, quer dizer, tornar-se-á verdadeiramente uma experiência, ou se o antigo, costumeiro e previsível reconquistará finalmente a sua consistência” (p. 14).

Mesmo que esse “novo” aparentemente transitório tenha um término hipoteticamente previsível, deixará algumas marcas profundas na forma de pensar a EF, tendo em vista que nos permitirá um olhar mais atento, cauteloso e criterioso para as contradições, desafios, limites e possibilidades que cercam o nosso campo de tematização.

Neste ponto conseguimos pensar em uma abertura de possibilidades para a construção de um novo espaço para a EF, no qual poderemos nos apoiar para o desenvolvimento dos hábitos associados às práticas corporais do cotidiano, que, de certo modo, são apresentadas nas aulas de EF, já em momentos anteriores à pandemia. Assim, houve um recorte de possibilidade que pode potencializar a chegada da EF em um de seus propósitos, que versa no desenvolvimento do status saudável do indivíduo pelas práticas experimentadas e incorporadas à rotina.

Os limites, principalmente de comunicação, entre a intenção de quem intervém [o professor] e o sujeito intervindo [o aluno] ocorrem quando elementos de uma mesma intencionalidade buscam, ou deveriam buscar, a construção de um espaço, hora subjetivo, de constituição do indivíduo. Assim, quando este espaço, aqui tratado como lócus, é posto em evidência, e como campo de experiência, e outrossim sujeito a incertezas (característica do processo pedagógico), que pode não atender expectativas, por vezes planejadas para as aulas presenciais, a experiência assume posição relevante. Neste sentido, a expectativa projetada para as aulas de EF no ensino remoto podem estar ancoradas no desenvolvimento socioafetivo e cognitivo-comportamental, para além do domínio motor. Desta forma, os limites de comunicação no processo de intervenção, no ensino remoto, devem ser ressignificados para domínios subjetivos, talvez negligenciados nos encontros presenciais, pré-pandemia da covid-19.

Encontramos alento nas palavras de Gadamer (2008GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método I: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Tradução Flávio Paulo Meurer; revisão da tradução de Enio Paulo Giachini. 10. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.) ao pensarmos em nossa prática pedagógica e na possibilidade de não termos nossas expectativas atendidas. De acordo com o autor, a experiência acontece em um duplo sentido: a experiência que atende nossas expectativas e as confirma (o que poderíamos chamar de experimento) e a experiência que realmente se “faz”; esta, a verdadeira experiência, demonstra um caráter de imprevisibilidade, pois nos expõe aos riscos e às incertezas que a tarefa educativa proporciona. Assim, esta realidade imposta pela pandemia apresenta para a Educação Física, no ensino remoto, um novo repertório de riscos e incertezas. Este conjunto de elementos presentes no processo educativo, de ensinar e aprender, mostrou que a experiência per se ampliou a dinâmica criativa de ambos atores, professores e alunos. Nesta nova atmosfera, passamos a ver premissas comportamentais que serão a base de novas relações educativas, desde a abertura para uma ancoragem teórica estruturada, bem como uma real ressignificação de muitas tematizações enfraquecidas pelo tempo.

4 IMPLICAÇÕES PARA A PRÁXIS PEDAGÓGICA

Seguidos dos interesses, dentre eles os de compensar/minimizar os prejuízos, ainda incalculáveis da pandemia contemporânea, devemos contrapor a intencionalidade de um novo contexto, o ensino remoto. A posição de ataque às modificações, às vezes possibilitadas de transposição podem desfocar a capacidade natural de intervenção potencializada da EF, enquanto componente formativo, através da construção de loci de experiências. Aproxima-se aqui um tempo, um momento em que a multiplicidade e a diversidade de espaços, sempre na posição de variável interveniente, nos sugerem fortemente olhar no primeiro plano para quem é o sujeito, o que ele está recebendo (sentido formativo) no lócus que ele consegue dispor. Desta forma, o centro do contexto, que se torna objeto de si mesmo, reforça que o momento experiencial se torna o foco do planejamento. Engajada no contexto de superação, ainda em continuidade, e registremos que já estamos a um longo período de “confinamento residencial” escolar (ao tempo da construção deste texto), passamos a repensar os planos, e caminhos, que o componente curricular da EF deve percorrer.

Percebem-se claros traços de desconforto com a situação [Educação Física no ensino remoto]. Interessante estudo (MACHADO et al., 2020MACHADO, Roseli Belmonte; FONSECA, Denise Grosso da; MEDEIROS, Francine Muniz; FERNANDES, Nícolas. Educação física escolar em tempos de distanciamento social: panorama, desafios e enfrentamentos curriculares. Movimento (ESEFID/UFRGS), p. e26081, dez. 2020. DOI: https://doi.org/10.22456/1982-8918.106233.
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) já mostra que, em regra geral, os professores de Educação Física apresentam dificuldades de diferentes ordens em suas práticas pedagógicas cotidianas. Com a pandemia, as dificuldades permaneceram, porém com modificações em suas características. Os limites tecnológicos, de acesso à rede e às plataformas, bem como o mínimo de organização familiar para prover o momento da aula, são dificuldades relevantes.

A tarefa agora resta de forma propositiva, um repensar nas diferentes possibilidades de enfrentamentos para o percurso formativo cabível à EF. Isto é fundamental, pois os processos, os objetos, as metodologias e linguagens foram concebidos para o universo do real, hora até ideal no que tange à vivência, à experiência vivida, e jamais para o virtual. Daqui podemos nos apoiar no pensamento de Zygmunt Bauman (lastro de sua obra), que acenava para a necessidade do olhar sobre uma sociedade que se movimenta e vive no mundo [contexto] líquido-moderno (BAUMAN, 2001BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.), bem como a luz de um capitalismo parasitário (BAUMAN, 2009), e nos apresenta uma nova relação entre professor e aluno, que traz a corporeidade em contradição constante, regada pelo egocentrismo e pelo consumismo. Neste contexto, pensemos que a aula já está sobre um desafio de ressignificação, reestruturação, ademais, reinvenção. Ela precisa agora, urgentemente, receber atenção em sua estrutura, concepção, bem como em seus indicadores (lembremos que também, e importantes, os intersubjetivos) que figuram de forma transitória como objetos. Neste sentido, a EF no ensino remoto trouxe a luz de práticas corporais, muitas vezes, mercantilizadas nas redes sociais, pois de fato há um universo à disposição da sociedade para o fazer em casa sob um aspecto de orientação, muitas vezes desqualificada.

Cabe enfatizar que as aulas de EF (historicamente) foram pensadas e planejadas com base em um formato “tradicional” ou disciplinar de ensino (dividido em partes), referenciada apenas em elementos técnicos (das práticas corporais), sem uma preocupação maior com o sujeito da experiência (ALMEIDA; FENSTERSEIFER, 2011ALMEIDA, Luciano; FENSTERSEIFER, Paulo. O lugar da experiência no âmbito da Educação Física. Movimento, v. 17, n. 04, p. 247-263, out/dez de 2011. DOI:https://doi.org/10.22456/1982-8918.20918
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). O deslocamento de sentido que estamos propondo neste texto para o quem da experiência e a valorização dos saberes produzidos nela revelam a necessidade de um olhar mais alargado para o caráter dinâmico, de abertura e de fluidez da própria experiência, que foge ao controle e à previsão da ciência em sua pretensão de universalização (já dada a priori) (ALMEIDA; FENSTERSEIFER; BRACHT, 2014), que se materializam na EF (geralmente) com base nos movimentos já realizados por terceiros (KUNZ, 2014KUNZ, Elenor. Se-movimentar. In: GONZÁLEZ, F. J.; FENSTERSEIFER, P. E. (Org.). Dicionário crítico de educação física. 3. ed rev amp. Ijuí: Ed. Unijuí, 2014. p. 608-610.).

Isso não quer dizer que estamos propondo um superdimensionamento da experiência com a ausência de uma intencionalidade pedagógica ou supervalorizando as “vivências de experiências” (ALMEIDA; FENSTERSEIFER; BRACHT, 2014ALMEIDA, Luciano de; FENSTERSEIFER, Paulo E.; BRACHT, Valter. Experiência. In: GONZÁLEZ, F. J.; FENSTERSEIFER, P. E. (Org.). Dicionário crítico de educação física. 3. ed. rev. ampl.. Ijuí: Ed. Unijuí, 2014. p. 297-302.). Para tentar evitar equívocos, ou mal-entendidos, chamamos a atenção para o fato de que não podemos reduzir o conceito de experiência (ou confundi-lo) com as chamadas vivências (que são pré-reflexivas). Esse reducionismo, segundo Jay (2009JAY, Martin. Cantos de experiencia: variaciones modernas sobre um tema universal. Buenos Aires: Paidós, 2009.), pode não promover uma narrativa holisticamente integrada de experiências ricas e totalizadoras, mas criar um aglomerado de vivências sem sentido algum, algo que poderíamos chamar de “estetização da vida” (ALMEIDA; FENSTERSEIFER; BRACHT, 2014), e na EF de “estetização da pedagogia” (BRACHT, 2012).

Atentos a esse “alerta”, ao mesmo passo em que buscamos uma espécie de reconciliação com a existência, que não se esgota em explicações conceituais ou deriva de uma causalidade única e considera o sujeito da experiência (que se movimenta) (ALMEIDA; FENSTERSEIFER; BRACHT, 2014ALMEIDA, Luciano de; FENSTERSEIFER, Paulo E.; BRACHT, Valter. Experiência. In: GONZÁLEZ, F. J.; FENSTERSEIFER, P. E. (Org.). Dicionário crítico de educação física. 3. ed. rev. ampl.. Ijuí: Ed. Unijuí, 2014. p. 297-302.), não podemos esquecer das intencionalidades pedagógicas que “configuram” uma aula de EF. Lembremos que nosso campo de tematização (recentemente em sua constituição) recebeu o status de disciplina, algo que exigiu uma responsabilidade de passar de um espaço de “atividades” (fazer por fazer) ou de um “exercitar-se para” (FENSTERSEIFER; GONZÁLEZ, 2007; GONZÁLEZ; FENSTERSEIFER, 2009; 2010), para um campo de tematização capaz de tratar pedagogicamente os temas relacionados às práticas corporais e produzir um saber acerca desses temas, diferentemente de outras instituições sociais (ALMEIDA; FENSTERSEIFER, 2019).

Essa “nova” responsabilidade em tratar do conhecimento nas aulas de EF, com intencionalidades pedagógicas e diferentemente de outros espaços sociais (escolinhas, clubes, academias, associações), é anterior ao período pandêmico e do ensino remoto, assim intensificam o debate em tratar de um dos maiores desafios da EF Escolar, como lembram Almeida e Fensterseifer (2019ALMEIDA, Luciano; FENSTERSEIFER, Paulo. Educação física e linguagem: aproximações com a hermenêutica gadameriana. Revista Contrapontos, v. 19, n.01, p. 287-300, jan./jun. 2019.), a saber,

[…] ocupar-se da tematização da cultura corporal de movimento mantendo uma tensão permanente entre: o fazer (se-movimentar), o saber com esse fazer, que nem sempre é conceitual (ideia geral e abstrata); e, ainda, com um saber (não conceitual) que considere as dimensões estéticas (sensíveis e subjetivas) e éticas (sociais e intersubjetivas), e que são difíceis de ser conceituadas (a partir de uma objetividade meramente descritiva); fato que nos leva a repensar a relação teoria-prática que, embora presente em todas as áreas do conhecimento, exacerba-se na Educação Física pelo seu estreito vínculo com a prática (ALMEIDA; FENSTERSEIFER, 2019ALMEIDA, Luciano; FENSTERSEIFER, Paulo. Educação física e linguagem: aproximações com a hermenêutica gadameriana. Revista Contrapontos, v. 19, n.01, p. 287-300, jan./jun. 2019., p. 288).

Essa complexidade em tratar da relação teoria e prática (ou do conhecimento) nas aulas de EF na escola, já enfrentada em tempos de “normalidade” (presencial), foi exponencializada no ensino remoto (virtual), devido, entre outros fatores (mas não únicos), à dificuldade de tratamento dos “saberes corporais”5 5 Os “saberes corporais” são aqui entendidos como conhecimentos de “carne e osso” que se “sentem na pele”; somente acessíveis por via da experimentação das práticas corporais, uma vez que necessitam passar pela credencial de vivência corporal (GONZÁLEZ; FRAGA, 2009). (ou procedimentais) no espaço da casa dos alunos. Além disso, soma-se a sutil problemática tecnológica de acesso e manutenção da interação virtual, a qual se apresenta como um dos vínculos de relação entre o professor e o aluno para consolidar os saberes corporais (MACHADO et al., 2020MACHADO, Roseli Belmonte; FONSECA, Denise Grosso da; MEDEIROS, Francine Muniz; FERNANDES, Nícolas. Educação física escolar em tempos de distanciamento social: panorama, desafios e enfrentamentos curriculares. Movimento (ESEFID/UFRGS), p. e26081, dez. 2020. DOI: https://doi.org/10.22456/1982-8918.106233.
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).

Essa constatação nos leva a reafirmar a valorização da experiência e do saber da experiência como condição indispensável das relações do sujeito com aquilo que deseja compreender, independentemente do objeto (práticas corporais). Algo que fica na dependência da relação estabelecida, com base na interlocução, para que o constructo da EF seja capitaneado pelo seguinte objetivo: experiência dos sujeitos. Todo o entorno imediato à aula (via plataformas interativas) no ensino remoto mantém a essência dialógica entre os atores, e esta manutenção que diferencia, em tese, do ensino a distância é também alicerce desta materialização, a saber: a aula de EF. Como espaço que pode potencializar a constituição de sujeitos dotados de capacidade crítica para uma aparição qualificada no espaço público (exercício da cidadania), através de momentos de experiências, dentre tantas as intersubjetivas, como norteadoras e fundamentais para o ensino remoto pela potência e capacidade de sensibilizar, motivar e acender o ser humano ao mundo social.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concluímos que não há fórmula que privilegie o objeto de educar. Que não há, mesmo que repleto da garantia subjetiva do bom planejar, ausente de garantia absoluta de sucesso ao empregar, seja o que for para tocar, no ser humano durante e após o percurso formativo, senão pela experiência de viver o pleno do agora, que é a aula. E sem excesso, também entendemos que o processo educativo enquanto experiência hermenêutica continua exigindo "a exposição ao risco, às situações abertas e inesperadas, coincidindo com a impossibilidade de assegurar a tais práticas educativas uma estrutura estável, que garanta o êxito da ação interventiva" (HERMANN, 2002HERMANN, Nadja. Hermenêutica e educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2002., p. 86).

Percebemos hoje, durante o ensino remoto das aulas de Educação Física, que nossas supostas certezas foram postas “à prova” e alçadas ao plano da “imprevisibilidade”, tendo em vista que não podem (ou não conseguem) ter a pretensão de alcançar um saber concludente “de vez”, mas a “cada vez”, na contingência de nossas ações interventivas e reflexivas. Isto posto, surge algo que leva a experiência e o saber da experiência a ocupar um lugar fundamental no âmbito das práticas corporais na Educação Física, tanto no presencial, quanto no ambiente virtual, “para os quais não há substituto”.

REFERÊNCIAS

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    » http://dx.doi.org/10.1590/1807-55092014000200263
  • LICENÇA DE USO

    Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional (CC BY 4.0), que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, desde que o trabalho original seja corretamente citado. Mais informações em: https://creativecommons.org/licenses/by/4.0
  • FINANCIAMENTO

    O presente trabalho foi realizado sem o apoio de fontes financiadoras.
  • 1
    Cabe destacar aqui que nos referimos a ruptura com o espaço presencial do pátio ou da quadra e não com uma tentativa de universalização da experiência (racionalidade técnica) dos sujeitos em seus diferentes contextos, sem considerar o caráter de historicidade que há nessa experiência.
  • 2
    A saber, o conjunto de questionamentos citados, proposto por Fensterseifer e González (2010GONZÁLEZ, Fernando Jaime; FENSTERSEIFER, Paulo Evaldo. Entre o “não mais” e o “ainda não”: pensando saídas do não lugar da EF escolar II. Cadernos de Formação RBCE, v.1, n.2, p. 10-21, 2010.): Não teríamos atividade física sem EF na escola?; Não nos exercitaríamos em EF na escola?; Não nos socializaríamos sem EF na escola?; Não haveria lazer sem EF na escola? Não teríamos aptidão física sem EF na escola?; Não haveria esporte, ginástica, dança, lutas, jogos… sem EF na escola?; Não teríamos saúde sem EF na escola?
  • 3
    Devido à falta de estrutura em nossas instituições de ensino pelo Brasil, também enfrentamos o desafio de planejar nossas aulas (dimensão procedimental e/ou “saberes corporais”) para serem realizadas no estacionamento de nossos campi (em sua fase inicial de implantação).
  • 4
    Gostaríamos de chamar a atenção para o fato de que o ensino remoto e a educação a distância não podem (ou não deveriam) ser tratados como sinônimos. O ensino remoto é uma modalidade de ensino emergencial/temporária, que pressupõe um distanciamento geográfico entre alunos e professores e foi adotada em diferentes níveis de ensino e em instituições educacionais do mundo inteiro, para a continuidade das atividades escolares, devido ao isolamento social ocasionado pela pandemia da covid-19 (a presença física foi substituída pelas aulas online). A educação a distância, por sua vez, é uma modalidade educacional com uma proposta voltada aos ambientes virtuais de aprendizagem, desde a sua concepção, na qual “a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes, tutores e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos” (BEHAR, 2020BEHAR, Patrícia Alejandra. O ensino remoto emergencial e a educação a distância. Jornal da Universidade, Porto Alegre, 02 de jul. de 2020. Disponível em: <https://www.ufrgs.br/coronavirus/base/artigo-o-ensino-remoto-emergencial-e-a-educacao-a-distancia/>. Acesso em: 02 jun. 2020.
    https://www.ufrgs.br/coronavirus/base/ar...
    ).
  • 5
    Os “saberes corporais” são aqui entendidos como conhecimentos de “carne e osso” que se “sentem na pele”; somente acessíveis por via da experimentação das práticas corporais, uma vez que necessitam passar pela credencial de vivência corporal (GONZÁLEZ; FRAGA, 2009GONZÁLEZ, Fernando Jaime; FRAGA, Alex Branco. Referencial curricular de Educação Física. In: RIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Estado da Educação. Departamento pedagógico (org.). Referências curriculares do Estado do Rio Grande do Sul: Linguagens, códigos e suas tecnologias: Arte e Educação Física. Porto Alegre: SE/DP, 2009. v. 2, p. 111-181.).

Editado por

RESPONSABILIDADE EDITORIAL

Alex Branco Fraga *, Elisandro Schultz Wittizorecki *, Ivone Job *, Mauro Myskiw *, Raquel da Silveira *
* Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Porto Alegre, RS, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    19 Fev 2021
  • Aceito
    29 Jul 2021
  • Publicado
    18 Set 2021
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