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Influência climática e antrópica na abundância e riqueza de Calliphoridae (Diptera) em fragmento florestal da Reserva Biológica do Tinguá, RJ

Climatic and anthropic influence on the abundance and richness of Calliphoridae (Diptera) in a forest fragment in the Tinguá Biological Reserve, RJ, Brazil

Resumo

Monthly collections were made using two traps 5 m apart exposed for 48h, containing sardines and installed at points: A at the edge (500 m from the entrance of the Reserve); B 1200 m from the entrance and 1000 m inside the forest; and C 1700 m from the entrance and 500 m inside the forest. The purpose was to evaluate the abundance and richness of calliphorid species as a function of the environmental conditions using Pearson's correlation, compare the richness of the areas using ANOVA and Tukey's test, compare the abundances of the areas by the Kruskal-Wallis test, and also assess the possible influence of the anthropic presence. Rare, intermediary and common species were identified. The collection totalized 8515 Calliphoridae belonging to 26 species, with a predominance of females. None of the 13 species considered common presented a correlation between abundance and temperature: only Cochliomyia hominivorax (Coquerel) and Chrysomya megacephala (Fabricius) were correlated with humidity and only Mesembrinella semihyalina Mello with precipitation. This parameter was the only climatic variable correlated with richness. The greatest abundance and richness of calliphorids occurred in September 2006. From the 13 common species, seven were considered synanthropic, indicating the effect of anthropic action in this site.

Population dynamics; population fluctuation; Muscoid


Population dynamics; population fluctuation; Muscoid

ECOLOGY, BEHAVIOR AND BIONOMICS

Influência climática e antrópica na abundância e riqueza de Calliphoridae (Diptera) em fragmento florestal da Reserva Biológica do Tinguá, RJ

Climatic and anthropic influence on the abundance and richness of Calliphoridae (Diptera) in a forest fragment in the Tinguá Biological Reserve, RJ, Brazil

Adriana C P FerrazI, II; Bárbara Q GadelhaII; Valéria M Aguiar-CoelhoII

IUniv Federal Rural do Rio de Janeiro, Rodovia BR 465 - km 7, 23890-000, Seropédica, RJ, Brasil

IIUniv Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rua Frei Caneca 94, 20211-040, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

ABSTRACT

Monthly collections were made using two traps 5 m apart exposed for 48h, containing sardines and installed at points: A at the edge (500 m from the entrance of the Reserve); B 1200 m from the entrance and 1000 m inside the forest; and C 1700 m from the entrance and 500 m inside the forest. The purpose was to evaluate the abundance and richness of calliphorid species as a function of the environmental conditions using Pearson's correlation, compare the richness of the areas using ANOVA and Tukey's test, compare the abundances of the areas by the Kruskal-Wallis test, and also assess the possible influence of the anthropic presence. Rare, intermediary and common species were identified. The collection totalized 8515 Calliphoridae belonging to 26 species, with a predominance of females. None of the 13 species considered common presented a correlation between abundance and temperature: only Cochliomyia hominivorax (Coquerel) and Chrysomya megacephala (Fabricius) were correlated with humidity and only Mesembrinella semihyalina Mello with precipitation. This parameter was the only climatic variable correlated with richness. The greatest abundance and richness of calliphorids occurred in September 2006. From the 13 common species, seven were considered synanthropic, indicating the effect of anthropic action in this site.

Key words: Population dynamics, population fluctuation, Muscoid

Os califorídeos constituem um grupo de grande importância médico-sanitária, sendo causadores de miíases em seres humanos e animais (Hall 1995) e potenciais veiculadores de agentes patogênicos (Greenberg 1973). São referidos como importantes polinizadores de plantas com flores principalmente brancas, cor-de-rosa, amarelas e verdes (Silva et al 2001). Pelo comportamento necrófago de suas larvas, os califorídeos têm potencial para serem utilizados em terapia larval, auxiliando na cicatrização de feridas necrosadas (Neves 2005) ou, eventualmente, em estudos de entomologia forense (Moura et al 1997).

Os califorídeos são constituídos por espécies típicas de diferentes ambientes, sejam florestais, rurais ou urbanos, muitas delas exibindo alta sinantropia. Dada a grande extensão do Brasil, são necessários estudos sobre a distribuição e ecologia de muscóides, assim como a associação entre espécies e variáveis ambientais. A distribuição sazonal dos califorídeos é fortemente influenciada pela variação das condições climáticas (Ferreira & Lacerda 1993), podendo cada espécie reagir de diferentes formas, não sendo apenas esses os fatores que atuam na dinâmica populacional de dípteros (Marinho et al 2003).

Nas últimas décadas, as matas tropicais têm sofrido um intenso processo de devastação em diferentes regiões do planeta. O crescimento populacional desordenado acarretou a transformação de várias florestas úmidas tropicais em um conjunto de fragmentos isolados (Gascon 1995). Em um remanescente florestal, dada a presença de micro climas e diferentes disponibilidades de recursos, distintos pontos em um mesmo fragmento podem apresentar comunidades com riqueza e diversidade díspares (Begon et al 1996).

Como é impossível conhecer a densidade absoluta dos insetos, a abundância e a flutuação populacional são alternativas para se estimar e avaliar as populações no tempo e espaço (Vianna et al 2004). Esse conhecimento permite ainda a implementação de medidas de controle e o estabelecimento de espécies indicadoras de qualidade ambiental.

Desta forma, procurou-se levantar a fauna de califorídeos da área de preservação ambiental ReBio-Tinguá, avaliando a abundância e riqueza em função das condições climáticas, levando-se em consideração três pontos de coleta, e observando-se a possível influência da presença antrópica.

Material e Métodos

A ReBio-Tinguá é uma área de preservação ambiental com aproximadamente 26.000 ha, que abriga fauna e flora bastante diversificadas, além de mananciais hídricos responsáveis pelo abastecimento de parte do Rio de Janeiro e Baixada Fluminense (Braz et al 2004). É cortada por uma antiga estrada (Estrada do Comércio), hoje denominada Orbel 1, por onde passam dutos subterrâneos de empresa exploradora de petróleo.

Foram realizadas coletas mensais de dípteros, de junho/2006 a maio/2007, utilizando armadilhas de fabricação caseira conforme Mello et al (2007), todas pretas para evitar atração diferenciada pela cor (Ferraz & Aguiar-Coelho 2008), instaladas em três pontos. Foi empregado como atrativo para os insetos sardinha descongelada 24h em geladeira. A escolha dos pontos de coleta se deu após analisar os resultados de Laurence (2000) na Amazônia que considerou que os efeitos de borda podem atingir de 400 m a quilômetros dentro da mata para as comunidades vegetais. Dessa forma, optou-se por pontos acima de 500 m para comparar com a borda.

O ponto A (S 22°58.788' W 43°43.459'), a 500 m do portão da reserva, localizou-se na borda da Estrada do Comércio com cactos (Cactaceae), jaqueiras (Artocarpus heterophyllus) e bromélias (Bromeliaceae) principalmente. O ponto B (S 22°58.523' W 43°44.540'), localizado a 1200 m do portão da reserva e a 1000 m da borda, apresentava sobretudo bambus (Bambusoideae). O ponto C (S 22°58.350' W 43°44.678') localizou-se a 1700 m do portão da reserva e a 500 m da borda, com predominância de bromélias (Bromeliaceae).

Cada um dos pontos recebeu duas armadilhas afastadas 5 m entre si, a 1,5 m do solo (Silveira Neto et al 1995), e ficaram expostas por 48h. Os insetos foram mortos com éter, transferidos para sacos de polietileno transparentes com capacidade de 3 L contendo ar e levados para o Laboratório de Estudo de Dípteros LED, do Departamento de Microbiologia e Parasitologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro UNIRIO, onde foram mantidos em freezer até identificação através da chave publicada por Mello (2003). Os exemplares-testemunha foram depositados na Coleção Entomológica do Laboratório de Estudo de Dípteros da UNIRIO.

A abundância e a riqueza de espécies amostradas foram contabilizadas, assim como proporção de machos e fêmeas. A normalidade dos dados foi testada pelo Teste de Kolomogorov-Smirnov.

Na análise de correlação de Pearson foram utilizados os dados de temperatura, umidade e precipitação média dos três dias em que as armadilhas ficaram expostas, obtidos na Estação Experimental de Itaguaí/PESAGRO (Seropédica, RJ - S 22º 45' W 43º 41'). Os valores de abundância e precipitação foram transformados em logaritmo (x + 1), onde x é o valor de cada uma dessas variáveis (Zar 1999).

Foram realizadas as análises Anova para comparação das riquezas entre as áreas, seguido de Teste de Tukey e Kruskal-Wallis para a comparação das abundâncias entre as áreas, ambos usando o software Systat.

Foram definidas espécies raras, intermediárias e comuns segundo Kruger (2006).

Resultados e Discussão

Foram coletados 8516 dípteros Calliphoridae, sendo as espécies mais frequentes: Hemilucilia semidiaphana (Rondani) representando 21,3%, Laneela nigripes Guimarães com 19,3%, Chrysomya albiceps (Wiedemann) com 17,4% e Mesembrinella bellardiana Aldrich com 16,2%. A proporção de fêmeas capturadas foi superior à de machos, tanto quanto ao total de indivíduos califorídeos (87,1% e 13,0%, respectivamente), como a cada espécie [exceto Eumesembrinella besnoiti (Séguy), Huascaromusca purpurata (Aldrich) e Paralucilia nigrofacialis (Mello)] (Tabela 1). Essa diferença também foi notada por Lomônaco & Almeida (1995), Paraluppi & Castellón (1994) e Marinho et al (2006). É de total concordância que esse fato ocorra devido a uma provável procura do substrato para oviposição. Avancini (1988) sugere ainda que as fêmeas de califorídeos necessitem de proteína para o desenvolvimento ovariano.

Foram coletados 3890 califorídeos no ponto A pertencentes a 23 espécies, 2944 no ponto B com 23 espécies e 1682 no ponto C com 16 espécies (Tabela 1). O maior número de indivíduos coletado nos pontos A e B, mais próximos da sede da reserva, pode ter ocorrido porque esses organismos são exploradores de substâncias e resíduos orgânicos produzidos pela atividade humana (Carrera 1991).

A flutuação populacional de califorídeos por ponto ao longo do estudo mostrou que os meses de setembro e novembro de 2006 foram os que apresentaram picos de captura para a maioria das espécies, enquanto que outubro e dezembro de 2006 foram os meses com os menores índices de captura (Fig 1). A abundância dos califorídeos não se correlacionou com a temperatura (r = 0,349), umidade (r = -0,603) e precipitação (r = -0,483).


Na comparação da abundância das espécies nos três pontos, par a par entre os meses, houve semelhança entre as abundâncias nos pontos A e B (P = 0,425) e A e C (P = 0,151), porém diferença significativa entre os pontos B e C (P = 0,049). A abundância no mês de setembro de 2006 foi considerada out-line nos pontos A e B, enquanto que a de novembro de 2006 foi considerada out-line nos pontos A e C.

No ponto A, a abundância não apresentou correlação com a temperatura (r = 0,584), umidade (r = -0,524) e precipitação (r = -0,296). No ponto B, observou-se correlação da abundância apenas com a precipitação (r = -0,656), de forma negativa, e r = 0,145 para a temperatura e r = -0,526 para a umidade. No ponto C a abundância teve correlação somente com a umidade (r = -0,667) [temperatura (r = 0,461) e precipitação (r = -0,247)]. A abundância não se correlacionou em nenhum dos pontos com a temperatura, o que pode ter ocorrido provavelmente por se tratar de ambiente florestal, onde as oscilações de temperatura são menores que em ambiente urbano, como em Marinho et al (2003).

A riqueza total de espécies de califorídeos não se correlacionou com a temperatura (r = 0,171), tampouco com a umidade (r = -0,478) mas sim, exclusivamente, com a precipitação (r = -0,699) (Fig 1).

A riqueza de espécies não variou nos três pontos (P = 0,058). Pareando entre os meses pode-se observar que a riqueza dos pontos A e B não diferiram entre si (P = 0,694), porém A diferiu significativamente de C (P = 0,001) e B diferiu de C (P = 0,002). Nesse parâmetro, portanto, C mostrou-se mais distinto dos demais pontos. A maior riqueza ocorreu no ponto A no mês de setembro sendo este considerado um out-line. As menores riquezas ocorreram em dezembro/06 e maio/07.

A riqueza no ponto A não se correlacionou com a temperatura (r = 0,490) e umidade (r = -0,478), mas correlacionou-se negativamente com a precipitação (r = -0,699). Da mesma forma ocorreu no ponto B, correlacionando exclusiva e negativamente com a precipitação (r = -0,772) [temperatura (r = -0,028) e umidade (r = -0,478)]. No ponto C, a correlação ocorreu negativa com a umidade (r = -0,803) [temperatura (r = 0,444) e precipitação (r = -0,624)].

Houve menor captura de califorídeos no ponto B com aumento da precipitação, tanto em abundância quanto riqueza, e no ponto A diminuiu a riqueza. Segundo Ibama (2006), o clima na ReBio-Tinguá é tropical úmido, com temperaturas variando entre 15,7°C e 27,7°C em média, e a precipitação máxima ocorre nos meses de dezembro e fevereiro. Dezembro foi o mês com menor abundância de califorídeos no presente estudo, o que pode se justificar pelo aumento da precipitação, comprovada pelos dados metereológicos da estação, dificultando o vôo de dípteros e tornando a isca menos atrativa. Da mesma forma, setembro, que foi o mês de pico para muitas espécies, apresentou alta temperatura, baixa umidade, sem ocorrência de precipitação nos dias de exposição da armadilha.

É possível observar, portanto, um padrão da correlação da abundância e da riqueza com as variáveis climáticas em cada ponto, exceto no ponto A, por esse ponto sofrer maiores oscilações das variáveis em razão da maior exposição.

A riqueza e a abundância nos pontos de coleta mostraram correlação positiva: A (r = 0,885), B (r = 0,935) e C (r = 0,774), assim como a riqueza e a abundância total (r = 0,873), demonstrando que em momentos de maior abundância ocorreu também maior diversidade.

Das 13 espécies consideradas comuns, nenhuma apresentou correlação de suas abundâncias com a temperatura (Tabela 2). Constatou-se correlação da abundância das espécies comuns com a umidade apenas em Cochliomyia hominivorax (Coquerel) (r = -0,647), e Chrysomya megacephala (Fabricius) (r = -0,713). Houve correlação da abundância com a precipitação somente com Mesembrinella semihyalina Mello (r = -0,765).

A flutuação populacional das espécies que foram classificadas como comuns estão representadas nas Figs 2 e 3, sendo na primeira figura as espécies consideradas assinantrópicas e na segunda as sinantrópicas.



Das espécies assinantrópicas comuns, H. semidiaphana, M. bellardiana, Hemilucilia segmentaria (Fabricius) apresentaram picos nos três pontos (A, B e C) em setembro/06. M. semihyalina apresentou pico em setembro/06 (A, C) e em junho/06 (B, C). Laneela nigripes apresentou padrão de abundância divergente entre os pontos com picos em maio/07 (A), fevereiro/07 (B) e janeiro/07 e maio/07 (C). Eumesembrinella pauciseta (Aldrich), apesar de comum, apresentou poucos indivíduos por mês nos pontos de coleta não sendo observado pico de ocorrência (Fig 2).

Com relação às espécies sinantrópicas comuns, C. megacephala apresentou picos em setembro e março (A e B) e março (C) sendo os valores de abundância inferiores nos pontos B e C. Cochliomyia macellaria (Fabricius) apresentou picos em setembro (A e B) e não foi capturada no ponto C. Chrysomya albiceps teve como pico os meses novembro (A), setembro (B), setembro e março (C). Lucilia eximia (Wiedemann) ocorreu em maior número nos meses setembro e janeiro (A e C) e em julho (B) (Fig 3).

As classificadas como intermediárias estão representadas na Tabela 3 e para elas não foram determinados picos em virtude do pequeno número de indivíduos capturados por mês.

As espécies consideradas raras foram: Calliphora vicina Robineau-Desvoidy, H. purpurata, Paralucilia borgmeieri (Mello), Paralucilia fulvinota (Bigot) e Paralucilia paraense (Mello). Nos trópicos úmidos, sem estações bem marcadas, é comum serem encontradas muitas espécies com abundância relativa baixa (Odum 1988). Por essa razão têm grande susceptibilidade à extinção e podem promover o desaparecimento de outras espécies com as quais se interagem (Myers 1987).

Hemilucilia semidiaphana foi a espécie mais capturada na área florestal da Rebio-Tinguá. Em Mello et al (2007) e Marinho et al (2006), H. semidiaphana teve aumento populacional com a diminuição da temperatura e da umidade relativa do ar, porém não apresentou correlação com nenhuma das variáveis climáticas no presente estudo. A espécie foi coletada em todos os meses com menor abundância em outubro/2006 e maio/2007, com apenas um indivíduo em cada mês. Sua maior abundância foi no ponto A, porém esteve presente em elevado número nos três pontos. Rodrigues-Guimarães et al (2001) no Campus da Universidade Iguaçu, Rio de Janeiro, capturaram essa espécie em menor número nos meses de julho, outubro e novembro.

D'Almeida & Lopes (1983) e Ferreira & Barbola (1998) relataram que as espécies do gênero Hemilucilia são essencialmente neotropicais, prevalecendo em áreas florestais. Esposito & Carvalho Filho (2006) coletaram H. semidiaphana em matas e clareiras naturais na Bacia do rio Urucu, Amazonas, representando a segunda espécie mais abundante. Isto condiz com a grande abundância registrada para a espécie no presente estudo, pela semelhança dos habitats.

Laneela nigripes, a segunda espécie mais coletada neste estudo, é exclusivamente Neotropical, da qual pouco se conhece em termos biológicos e ecológicos. Seu habitat normal está intimamente ligado ao ambiente silvestre (Mello 2003), dada sua natureza assinantrópica, o que faz com que suas populações no Brasil sofram com a alta destruição das florestas, podendo os fragmentos de mata funcionarem como verdadeiras prisões para populações de mesembrinelíneos acarretando em endogamia (Mello et al não publicado).

Existem poucos estudos sobre esta espécie. Mello et al (não publicado) capturaram em três anos de coleta na Rebio-Tinguá 1722 indivíduos, número pequeno em relação ao atual trabalho (1641 em um ano), onde esteve presente em todos os pontos, destacando-se com maior abundância no ponto C. Não ocorreu correlação da sua abundância com a temperatura, umidade e precipitação em nosso estudo. No estudo supracitado, L. nigripes foi a espécie mais abundante, coletada em todos os meses de estudo, com picos populacionais em junho e agosto/2002, maio e julho/2003 e junho/2004. No atual estudo, a espécie apresentou-se com pico em fevereiro/2007 e menor abundância em dezembro/2006. Estas divergências podem ser explicadas pelas diferentes áreas de coleta, já que no caso do primeiro autor foram realizadas coletas apenas na borda da mata, em pontos mais próximos da entrada e sede da reserva, ou ainda pelas oscilações climáticas que podem ocorrer nos meses em diferentes anos. Em outro estudo realizado na Rebio-Tinguá por Marinho et al (2006), utilizando-se como atrativo vísceras de frango, não foi observada a ocorrência desta espécie. Sugere-se que o local de coleta e/ou tipo de isca influenciaram na ausência de registro desta espécie por Marinho et al (2006).

C. albiceps foi outra espécie muito abundante, ausente apenas em maio de 2007. Oliveira (1982), em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, teve esta espécie coletada em todos os meses do ano, apresentando ligeira queda em temperaturas abaixo de 20°C, porém crescendo mais rapidamente que as demais do gênero, e ainda apresentando maior influência da temperatura do que da precipitação. Isto diverge dos dados do presente estudo, em que C. albiceps não apresentou correlação com estas variáveis. Ela ocorreu no ponto C em apenas quatro das doze coletas, provavelmente por ser uma área mais distante da sede administrativa da Reserva. Isto pode ser explicado pela preferência de C. albiceps por áreas habitadas pelo homem (Nuorteva 1963, Ferreira & Barbola 1998). Essa espécie pode estar buscando diferentes áreas, além da urbana, pois foi muito abundante na Rebio Tinguá. Ao longo dos anos, essa espécie foi sendo registrada por vários autores em diferentes áreas, entre elas na Faculdade de Veterinária no Rio Grande do Sul (Oliveira 1982); na Bacia do Alto Rio Urucu, Amazônia (Paraluppi 1996); em áreas urbana (Marinho et al 2003) e rural do Rio de Janeiro (Rodrigues-Guimarães 2006), o que demonstra sua alta capacidade de expansão (Prado & Guimarães 1982). Apresentou pico no presente estudo em novembro, enquanto que em Carraro (1995) ocorreu em maior número nos meses de outono, em Lomônaco & Almeida (1995) no verão e Sordillo (1991) na primavera, não demonstrando um padrão sazonal de distribuição.

C. megacephala no presente estudo foi a espécie que apresentou a maior correlação com a umidade, sendo esta correlação negativa. Esta espécie apresentou maior abundância no ponto A, com pico em setembro/06. No ponto C, seu pico foi em março/07. Ambos os meses tiveram queda na umidade. Ferreira & Lacerda (1993) em biótopos como aterro, mercados e feiras-livres coletaram esta espécie como a segunda em abundância. No estudo de Marinho et al (2003) os autores sugerem que esta espécie não sofre influência direta das baixas temperaturas, apresentando atividades tanto no verão quanto inverno. Segundo Prado & Guimarães (1982), C. megacephala é uma espécie r-estrategista, de hábito alimentar generalista, daí a possibilidade de se adaptar em variados ambientes, inclusive em fragmentos de mata.

Chrysomya putoria (Wiedemann) apresentou-se apenas em três dos doze levantamentos e sem forte correlação com as variáveis climáticas. Para D'Almeida & Lopes (1983), no Rio de Janeiro, esta espécie apresentaria preferência por áreas habitadas pelo homem, exibindo alto índice de sinantropia, o que poderia justificar sua baixa incidência no presente estudo.

Após a introdução das espécies do gênero Chrysomya (Robineau-Desvoidy) nas Américas, tem-se observado sua alta capacidade de dispersão o que poderia ser a causa do deslocamento ecológico da espécie Co. macellaria (Aguiar-Coelho & Milward-de-Azevedo 1998). Maiores estudos têm que ser realizados para compreensão dos reais efeitos da presença e expansão das Chrysomya sp. sobre espécies endêmicas de áreas florestais e a influência da presença humana nesses eventos. No presente estudo Co. macellaria apareceu em baixa frequência.

Mesembrinella bellardiana foi a quarta espécie em número de indivíduos coletados e, assim como as demais espécies pertencentes a subfamília Mesembrinellinae, possui poucos estudos a seu respeito. D'Almeida & Lopes (1983) verificaram índice de sinantropia desta espécie na região metropolitana do Rio de Janeiro igual a -100. Em coletas em área florestal, rural e urbana do Rio de Janeiro, Rodrigues-Guimarães (2006) coletou esta espécie apenas no primeiro ecótopo, considerando-a comum neste ambiente e completamente ausente em áreas habitadas, estando de acordo com sua grande representatividade na Reserva Biológica do Tinguá. Esteve presente em menor número no outono, com correlação positiva fraca com temperatura e umidade, enquanto no presente estudo, não houve correlação.

Mesembrinella bellardiana e ainda Eumesembrinella quadrilineata (Fabricius), Eumesembrinella randa (Walker) e Mesembrinella bicolor (Fabricius) foram coletadas por Esposito & Carvalho Filho (2006) no Amazonas, sendo E. randa mais abundante, seguida por M. bellardiana. Esses autores coletaram E. randa predominantemente em matas primárias. Foram capturados apenas três indivíduos desta espécie durante os doze meses de coleta no estudo atual.

Mesembrinella semihyalina apresentou-se mais abundante no ponto B e foi a única espécie comum que apresentou correlação com a precipitação. Existem poucos estudos sobre esta espécie. Encontra-se distribuída pelo Brasil nos estados do Espírito Santo e Rio de Janeiro (Toma & Carvalho 1995).

Nesta pesquisa, adotamos os mesembrinelíneos como pertencentes aos Calliphoridae por seguirmos a chave de Mello (2003) que os classifica desta forma, apesar de haver trabalhos como de Guimarães (1977) afirmando que os mesembrinelíneos deveriam possuir o status de família.

Cochliomyia hominivorax é um díptero de grande importância no Novo Mundo por produzir miíases primárias (Baumgartner & Greenberg 1985), porém foi capturada em pequeno número neste trabalho, devido, provavelmente, ao tipo de isca e armadilha utilizada. Apresentou maior captura em menores valores de umidade.

Lucilia eximia não apresentou correlação com variáveis climáticas. Percebeu-se um deslocamento destas para pontos mais ao interior da borda, observada por outros autores em diferentes locais de estudo (Prado & Guimarães 1982, Madeira et al 1989), que a princípio contradiz seu perfil sinantrópico. Isto também sugere competição com o gênero Chrysomya, tal como Co. macellaria (Guimarães et al 1978; Baumgartner & Greenberg 1985). L. eximia foi a espécie mais capturada nos estudos de Marinho et al (2003) no Rio de Janeiro, principalmente nos meses de verão, diferente do presente estudo.

Destacamos ainda a espécie acessória Chloroprocta idioidea Robineau-Desvoidy que foi coletada nos três pontos, porém em pequeno número. Esta espécie mostrou ser um componente importante em região de clareiras e matas da base de extração petrolífera da bacia do rio Urucu, Amazonas, sendo esta espécie mais abundante nas clareiras artificiais do que nas clareiras naturais e matas (Esposito & Carvalho Filho 2006), o que pode justificar sua presença na Rebio Tinguá devido a fragmentação do local e a presença de clareiras artificiais mantidas.

Esse remanescente sofre ainda com a caça e a retirada de palmito (Euterpe edulis) ilegais.

A diversidade tende a ser reduzida em comunidades bióticas que sofrem estresse, porém também pode ser reduzida pela competição em comunidades antigas e ambientes estáveis (Thomazini & Thomazini 2000). Além dos fatores abióticos, os bióticos também são responsáveis pela flutuação e composição das populações de muscóides sinantrópicos (Nuorteva 1963, Dajoz 1983), porém para Dajoz (1983) os fatores bióticos exerceriam um papel secundário, sendo os primeiros mais importantes. Outros fatores também podem influenciar a distribuição de moscas, como a presença de frutos no solo, principalmente fermentados (D'Almeida 1989). Isso pode justificar a maioria das espécies terem apresentado pico em setembro de 2006, onde foi possível observar frutificações diversas, como grumixama, também evidenciada por Marinho et al (2006).

Das treze espécies comuns na ReBio-Tinguá, sete são consideradas sinantrópicas o que evidencia efeito da ação antrópica neste local.

Agradecimentos

À Dra. Margareth M. C. Queiroz da Fundação Oswaldo Cruz/RJ pelo veículo utilizado nas coletas. A CAPES, CNPQ, FAPERJ, FINEP e UNIRIO pelo apoio financeiro.

Received 14/VIII/08.

Accepted 05/III/09.

Edited by Kleber Del Claro UFU

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Set 2010
  • Data do Fascículo
    Ago 2010

Histórico

  • Recebido
    14 Ago 2008
  • Aceito
    05 Mar 2009
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