Resumos
Estudou-se a biologia de Selenaspidus articulatus (Morgan) em quatro cultivares de Citrus sinensis (Hamlin, Natal, Pêra e Valência), em comparação ao hospedeiro alternativo Citrullus silvestris, cucurbitácea utilizada para manutenção da espécie em outros países e recém-introduzida no Brasil. A cochonilha pardinha desenvolveu-se melhor em 'Hamlin', com alta capacidade de fixação, encurtando o ciclo e propiciando alta sobrevivência no período. Tanto para machos como para fêmeas, 'Natal' e 'Pêra' comportaram-se como intermediárias e 'Valência', como a menos adequada ao desenvolvimento do inseto. Embora C. silvestris tenha proporcionado um alongamento do ciclo em relação às cultivares cítricas, sendo comparável apenas à 'Valência' com relação ao desenvolvimento das fêmeas, esta cucurbitácea pode ser recomendada para manutenção da espécie em laboratório, pois conserva-se em boas condições por longo período (três meses a um ano), é de fácil manipulação com uma grande superfície para ser infestada pela cochonilha, além de possibilitar sobrevivência comparável àquela obtida nas quatro cultivares cítricas estudadas.
Insecta; técnica de criação; cochonilha pardinha; praga de citros
The biology of Selenaspidus articulatus (Morgan) was studied in four Citrus sinensis varieties (Hamlin, Natal, Pêra and Valencia) in comparison with factitious host Citrullus silvestris, a cucurbit used for the species maintenance in other countries and recently introduced into Brazil. The scale was better developed in 'Hamlin', with a high fixing capacity, making the cycle shorter and providing high survival in the period. Both for males and females, 'Natal' and 'Pêra' behaved as intermediaries, and 'Valencia' was less adequate to the insect's development. Although C. silvestris provided an extension of the cycle regarding the citrus varieties, comparable only to 'Valencia' as to female development, this cucurbit can be recommended for the maintenance of the species in laboratory, because it is long lasting (three months to one year), it is easily handled, with a wide surface to be scale-infested, and the survival is comparable to that achieved in the four studied citrus varieties.
Insecta; rearing technique; scale; citrus pest
CROP PROTECTION
Biologia comparada de Selenaspidus articulatus (Morgan) (Hemiptera: Diaspididae) em cultivares de Citrus sinensis e em Citrullus silvestris
Compared biology of Selenaspidus articulatus (Morgan) (Hemiptera: Diaspididae) in Citrus sinensis varieties and in Citrullus silvestris
Rosmarina M. LoayzaI; José R.P. ParraII; José D. VendramimII
IDepto. Entomologia e Fitopatologia, Faculdade de Agronomia, Universidade Nacional Agrária, A.A. 456, Lima, Peru e-mail: rmarin@lamolina.edu.pe
IIDepto. Entomologia, Fitopatologia e Zoologia Agrícola - ESALQ/USP, C. postal 9, 13418-900, Piracicaba, SP
RESUMO
Estudou-se a biologia de Selenaspidus articulatus (Morgan) em quatro cultivares de Citrus sinensis (Hamlin, Natal, Pêra e Valência), em comparação ao hospedeiro alternativo Citrullus silvestris, cucurbitácea utilizada para manutenção da espécie em outros países e recém-introduzida no Brasil. A cochonilha pardinha desenvolveu-se melhor em 'Hamlin', com alta capacidade de fixação, encurtando o ciclo e propiciando alta sobrevivência no período. Tanto para machos como para fêmeas, 'Natal' e 'Pêra' comportaram-se como intermediárias e 'Valência', como a menos adequada ao desenvolvimento do inseto. Embora C. silvestris tenha proporcionado um alongamento do ciclo em relação às cultivares cítricas, sendo comparável apenas à 'Valência' com relação ao desenvolvimento das fêmeas, esta cucurbitácea pode ser recomendada para manutenção da espécie em laboratório, pois conserva-se em boas condições por longo período (três meses a um ano), é de fácil manipulação com uma grande superfície para ser infestada pela cochonilha, além de possibilitar sobrevivência comparável àquela obtida nas quatro cultivares cítricas estudadas.
Palavras-chave: Insecta, técnica de criação, cochonilha pardinha, praga de citros
ABSTRACT
The biology of Selenaspidus articulatus (Morgan) was studied in four Citrus sinensis varieties (Hamlin, Natal, Pêra and Valencia) in comparison with factitious host Citrullus silvestris, a cucurbit used for the species maintenance in other countries and recently introduced into Brazil. The scale was better developed in 'Hamlin', with a high fixing capacity, making the cycle shorter and providing high survival in the period. Both for males and females, 'Natal' and 'Pêra' behaved as intermediaries, and 'Valencia' was less adequate to the insect's development. Although C. silvestris provided an extension of the cycle regarding the citrus varieties, comparable only to 'Valencia' as to female development, this cucurbit can be recommended for the maintenance of the species in laboratory, because it is long lasting (three months to one year), it is easily handled, with a wide surface to be scale-infested, and the survival is comparable to that achieved in the four studied citrus varieties.
Key words: Insecta, rearing technique, scale, citrus pest
Dentre as várias espécies de cochonilhas que ocorrem em citros destaca-se, para o estado de São Paulo, Selenaspidus articulatus (Morgan) (Nakano 1985), diaspidídeo de carapaça e que, juntamente com outros representantes da família, é praga de grande importância na agricultura (Ferris 1938).
Os prejuízos dessa praga, conhecida como pardinha, resultam do seu ataque às folhas e frutos de citros. Causa prejuízos pela injeção de saliva, que resulta em auréolas amareladas em folhas e frutos. Em altas populações, causa a murcha e queda de folhas, com prejuízos à fisiologia da planta. Os frutos não amadurecem uniformemente, perdendo a qualidade (Beingolea 1969, Bartra 1974).
Temperatura, umidade relativa do ar e precipitação pluviométrica têm sido referidas como os principais fatores controladores de populações de S. articulatus. Embora alguns autores relatem que o pico populacional da praga ocorre no período quente e chuvoso (Pinto 1995), é sabido que nesses períodos a ação de fungos entomopatogênicos pode ser limitante à evolução do inseto (Parra 2002). Como conseqüência, períodos de longa estiagem podem determinar o crescimento populacional dessa praga, pela ausência dos patógenos. Dentre os predadores, os coccinelídeos são considerados os mais importantes (Prates et al. 1985). Segundo Watanabe & Yoshii (1992), microimenópteros parasitóides não têm grande ação sobre a praga em São Paulo. Esses aspectos muitas vezes contraditórios resultam justamente do desconhecimento da biologia da cochonilha.
Assim, o objetivo do presente trabalho foi estudar a biologia de S. articulatus em quatro cultivares de Citrus sinensis (laranja): Hamlin, Natal, Pêra e Valência (hospedeiros naturais) comparando-as com o hospedeiro alternativo Citrullus silvestris (cucurbitácea), considerado padrão e utilizado para manutenção contínua da espécie no Peru (R.M. Loayza, observação pessoal).
Material e Métodos
O trabalho foi conduzido no Laboratório de Biologia de Insetos do Departamento de Entomologia, Fitopatologia e Zoologia Agrícola da Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz", da Universidade de São Paulo (USP), Piracicaba, SP.
Comparou-se a biologia de S. articulatus em quatro cultivares de Citrus sinensis (laranja) (Hamlin, Natal, Pêra e Valência) (hospedeiros naturais), em relação ao padrão (testemunha) C. silvestris, hospedeiro alternativo bastante adequado à criação desta espécie (Bartra 1974) e recém-introduzido do Peru para o Brasil para a presente pesquisa.
Infestaram-se laranjas das diferentes cultivares e frutos de C. silvestris com ninfas móveis (migrantes) de S. articulatus, mantendo-se o material infestado em placas de Petri contendo algodão levemente umedecido na parte inferior. Avaliaram-se a duração e a sobrevivência dos ínstares (macho e fêmea) e do ciclo total (ninfa móvel a adulto).
O delineamento experimental foi inteiramente casualizado, com 50 repetições (ninfas móveis) distribuídas em quatro frutos verdes de laranja e de C. silvestris. Os dados foram submetidos à análise da variância, sendo as médias comparadas pelo teste de Duncan, a 5% de probabilidade.
Resultados e Discussão
O desenvolvimento de S. articulatus é variável dependendo do sexo, sendo que a fêmea apresenta dois ínstares ninfais, enquanto os machos passam por quatro ínstares ninfais.
A duração das fases de desenvolvimento de fêmeas foi significativamente afetada pelos genótipos avaliados (Tabela 1). No primeiro ínstar, a cultivar Hamlin propiciou a menor duração (11,6 dias), havendo um alongamento considerável desta fase em C. silvestris (em torno de 21 dias). Entre estes valores extremos, situaram-se as cultivares Pêra com 12,9 dias, Natal com 15,6 dias e Valência com 19,5 dias (Tabela 1). Para o segundo ínstar, constatou-se tendência semelhante ao primeiro ínstar, sendo a duração em torno de 15 dias nas cultivares Hamlin e Pêra . Entretanto, a maior duração foi verificada em 'Valência' (Tabela 1). Portanto, para os dois ínstares, o menor período de desenvolvimento se deu em 'Hamlin', ficando 'Natal' e 'Pêra' numa posição intermediária. Como conseqüência, o período total (fase móvel-adulto) de fêmeas de S. articulatus foi menor em 'Hamlin' com 26,5 dias, e o mais longo período observado em 'Valência' e C. silvestris, com valores de 40,7 e 41,2 dias, respectivamente (Tabela 1).
No caso dos machos (Tabela 2), também foram constatadas diferenças significativas, seguindo a mesma tendência observada para as fêmeas (Tabela 1). Os dois primeiros ínstares foram os mais longos em todos os hospedeiros, com diferenças acentuadas entre eles. Para o terceiro e o quarto ínstares, as durações foram menores, o que levou também a menores variações entre diferentes hospedeiros. Houve encurtamento do ciclo de machos em 'Hamlin', sendo o maior período observado em C. silvestris. A tendência nas demais cultivares foi semelhante aos resultados obtidos para fêmeas (Tabelas 1 e 2).
A sobrevivência das fêmeas de S. articulatus foi diferente entre as cultivares durante o primeiro ínstar (Tabela 3). A menor mortalidade de ninfas móveis ocorreu em 'Hamlin' (demonstrando a adequação nutricional desta cultivar), havendo maior dificuldade de fixação em 'Valência'. Após 'Hamlin', as menores mortalidades foram observadas em 'Pêra', 'Natal' e C. silvestris, em seqüência. Nos demais ínstares, a mortalidade foi semelhante nos diferentes hospedeiros.
Para machos, além da variação na fixação, houve diferença na sobrevivência do último ínstar, ocorrendo tendência de maior mortalidade em 'Valência', embora sem diferir de C. silvestris (Tabela 4).
Embora o desenvolvimento de S. articulatus em C. silvestris tenha sido mais longo do que aquele observado em cultivares de laranja, sua sobrevivência foi semelhante. Bartra (1974) constatou, para S. articulatus, que a fecundidade foi maior em C. silvestris do que em frutos de limão. Marín & Cisneros (1982) observaram, para Pinnaspis aspidistrae (Sing.) e P. strachani (Cooley), que o hospedeiro selvagem (C. silvestris) promoveu o alongamento do ciclo das cochonilhas, em relação aos frutos de laranja e mudas de tangerina. Por outro lado, o número de ovos foi maior para cochonilhas criadas em C. silvestris, demonstrando ser este o melhor hospedeiro para criação.
A mortalidade no ciclo total, de machos e fêmeas (Fig. 1), foi ao redor de 60-65%.
Levando-se em conta a duração e sobrevivência observadas no presente trabalho, para as cultivares de laranja, observou-se que 'Hamlin' comportou-se como a mais adequada, 'Pêra' e 'Natal', como intermediárias e 'Valência', como a menos propícia ao desenvolvimento de S. articulatus. Isso provavelmente se deva à espessura e à textura da casca, pois 'Hamlin' e 'Pêra' apresentam casca fina com superfície lisa, 'Natal' apresenta uma casca de espessura variável, de fina a média e em 'Valência', a casca é espessa e cheia de rugosidades na superfície (González-Sicilia 1960, Rodriguez et al. 1991). As características relacionadas à casca interferem diretamente na capacidade de inserção das peças bucais na superfície dos frutos, isto é, a cochonilha insere os seus estiletes bucais com maior facilidade em frutos que apresentem casca fina e lisa.
C. silvestris é uma planta selvagem não comestível utilizada como hospedeiro alternativo para criação massal de cochonilhas Diaspididae (Bartra 1974). No presente trabalho, constatou-se que a duração do fruto, em condições de laboratório, é de três meses a um ano, dependendo do estágio de desenvolvimento em que é colhido. Frutos de menor tamanho tendem a durar menos do que frutos grandes. Quando comparado a laranjas, que não duram mais do que um mês e meio, e às mudas de laranjeira, cuja obtenção e manipulação é trabalhosa, observa-se que a criação no hospedeiro alternativo é vantajosa, (embora com o ciclo mais longo da cochonilha) aliado à sua maior área infestável, possibilitando maior número de cochonilhas e de gerações, favorecendo a multiplicação do inseto e facilitando,como conseqüência, a produção de parasitóides e predadores em programas de controle biológico.
Os resultados obtidos permitem concluir que 'Hamlin' comportou-se como a cultivar mais adequada, proporcionando, como conseqüência, maior número de gerações de inseto, pela redução considerável do ciclo e pela alta sobrevivência dos insetos, 'Natal' e 'Pêra' se comportaram como intermediárias e 'Valência' como a menos adequada ao desenvolvimento de S. articulatus.
Literatura Citada
Received 29/07/02. Accepted 11/08/03.
- Bartra, P.C.E. 1974. Biologia de Selenaspidus articulatus Morgan y sus principales controladores biológicos. Rev. Per. Entomol. 17: 60-68.
- Beingolea, O.G. 1969. Notas sobre la biologia de Selenaspidus articulatus Morgan (Hom.: Diaspididae), "queresa redonda de los cítricos". Rev. Per. Entomol. 12: 119-129.
- Ferris, G.F. 1938. Atlas of the scale insects of North America. London, Stanford University Press. SII-265: Selenaspidus articulatus (Morgan).
- Gonzales, R.H. 1981. Biologia y ecologia y control de la escama de San Jose en Chile. Publicación en Ciências Agrícolas, 9.
- González-Sicilia de Juan, E.1960. El cultivo de los agrios. Madrid, Ministério de Agricultura, 806p.
- Marin, R.L. & F. Cisneros. 1982. Biología y morfología de las especies de Pinaspis "piojo blanco" en cítricos de la costa central del Perú. Rev. Per. Entomol. 25: 33-44.
- Nakano, O. 1985. Cochonilhas nos laranjais do estado de São Paulo. Agronômico 27: 15-17.
- Parra, J.R.P. 2002. Controle biológico das pragas de citros. Bebedouro, Estação Experimental de Citros de Bebedouro (EECB), 37p. (Boletim Citrícola).
- Pinto, A. de S. 1995. Flutuação populacional de Selenaspidus articulatus (Morgan) (Hemiptera: Diaspididae) em citros e ocorrência de inimigos naturais no município de Taquaritinga SP. Dissertação de Mestrado, FCAVJ, Jaboticabal, SP, 95p.
- Prates, H.S., J.R.M. Cabrita & W.B.S. Pinto. 1985.Selenaspidus articulatus, uma praga em potencial para a citricultura paulista. Campinas, CATI, 14p. (CATI -Comunicado Técnico).
- Rodriguez, O., F. Viégas, J. Pompeu Jr. & A.A. Amaro. 1991. Citricultura brasileira, 2ed., Campinas, Fundação Cargill, 492p.
- Rosen, D. & U. Gerson. 1985. Field studies of Chilocorus bipustulatus (L.) on citrus in Israel. Ann. Epiphyt. 16: 71-76.
- Watanabe, M.A. & C. Yoshii. 1992. Parasitismo em cochonilha pardinha Selenaspidus articulatus (Hemiptera-Homoptera, Diaspididae) por Aphytis sp. (Hymenoptera, Aphelinidae). Rev. Agric. 67: 63-65.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
05 Mar 2004 -
Data do Fascículo
Set 2003
Histórico
-
Aceito
11 Ago 2003 -
Recebido
29 Jul 2002