Open-access O Lobby de Israel

Resumos

O cerne da política dos Estados Unidos no Oriente Médio deriva das atividades do "Lobby de Israel", que conseguiu desviá-la para longe do interesse nacional e convencer os americanos de que os interesses dos Estados Unidos e os de Israel são idênticos. O artigo sustenta que estratégias comuns ou imperativos morais inarredáveis não são explicações suficientes para explicar o notável nível de apoio material e diplomático fornecido pelos Estados Unidos.

Israel; Estados Unidos; Oriente Médio; relações internacionais


The thrust of US Middle Eastern policy derives from the activities of the "Israel Lobby", which has managed to divert it as far from what the national interest would suggest, convincing Americans that US interests and those of Israel are identical. The article states that neither shared strategic interests nor compelling moral imperatives can account for the remarkable level of material and diplomatic support provided to Israel by US government.

Israel; United States; Middle East; foreign affairs


O Lobby de Israel1

John MearsheimerI; Stephen WaltII

IProfessor Wendell Harrison de Ciência Política em Chicago e autor de The tragedy of great power politics

IIProfessor Robert and Renee Belfer de Assuntos Internacionais na Kennedy School of Government em Harvard. Seu livro mais recente é Taming American power: the global response to US primacy

RESUMO

O cerne da política dos Estados Unidos no Oriente Médio deriva das atividades do "Lobby de Israel", que conseguiu desviá-la para longe do interesse nacional e convencer os americanos de que os interesses dos Estados Unidos e os de Israel são idênticos. O artigo sustenta que estratégias comuns ou imperativos morais inarredáveis não são explicações suficientes para explicar o notável nível de apoio material e diplomático fornecido pelos Estados Unidos.

Palavras-chave: Israel; Estados Unidos; Oriente Médio; relações internacionais.

SUMMARY

The thrust of US Middle Eastern policy derives from the activities of the "Israel Lobby", which has managed to divert it as far from what the national interest would suggest, convincing Americans that US interests and those of Israel are identical. The article states that neither shared strategic interests nor compelling moral imperatives can account for the remarkable level of material and diplomatic support provided to Israel by US government.

Keywords: Israel; United States; Middle East; foreign affairs.

Nas últimas décadas, e especialmente desde a Guerra dos Seis dias em 1967, o componente mais importante da política dos Estados Unidos para o Oriente Médio tem sido sua relação com Israel. A combinação de apoio resoluto a Israel com o esforço a ele relacionado de disseminar a "democracia" por toda a região inflamou a opinião árabe e islâmica e pôs em risco não só a segurança dos Estados Unidos, mas também a de grande parte do resto do mundo. Essa situação não tem equivalente na história política americana. Por que os Estados Unidos se dispuseram a deixar de lado sua própria segurança e a de muitos de seus aliados para promover os interesses de outro Estado? Poder-se-ia supor que o vínculo entre os dois países se baseava em interesses estratégicos comuns ou em imperativos morais inarredáveis, mas nenhuma dessas explicações é suficiente para explicar o notável nível de apoio material e diplomático fornecido pelos Estados Unidos.

O cerne da política dos Estados Unidos na região deriva, antes, quase inteiramente da política interna, em especial das atividades do "Lobby de Israel". Outros grupos de interesse específicos conseguiram influenciar a política externa, mas nenhum lobby conseguiu desviá-la para tão longe do que o interesse nacional indicaria, ao mesmo tempo convencendo os americanos de que os interesses dos Estados Unidos e os do outro país — no caso, Israel — são essencialmente idênticos.

Desde a Guerra de Outubro, em 1973, Washington deu a Israel um nível de apoio imensamente maior do que a qualquer outro Estado. Israel foi o maior receptor anual de assistência direta, econômica e militar, desde 1976, e é o maior receptor no total desde a Segunda Guerra Mundial, no montante de bem mais de US$ 140 bilhões (em dólares de 2004). Israel recebe por ano cerca de US$ 3 bilhões em assistência direta, aproximadamente um quinto do orçamento de ajuda externa, e cerca de US$ 500 por ano para cada israelense. Essa prodigalidade é chocante em particular porque Israel é hoje um Estado industrial rico com uma renda per capita mais ou menos igual à da Coréia do Sul ou à da Espanha. Outros países que recebem ajuda americana obtêm o dinheiro em prestações quadrimestrais, mas Israel recebe sua dotação inteira no início de cada ano fiscal e pode portanto ganhar juros sobre ela. A maioria dos que recebem ajuda para propósitos militares deve gastá-la toda nos Estados Unidos, mas Israel é autorizado a usar cerca de 25% de sua dotação para subsidiar sua própria indústria de defesa. É o único país a receber ajuda americana que não precisa explicar como o dinheiro é gasto, o que torna virtualmente impossível evitar que ele seja usado para propósitos aos quais os Estados Unidos se opõem, como construir assentamentos na Cisjordânia. Além disso, os Estados Unidos forneceram a Israel quase US$ 3 bilhões para o desenvolvimento de sistemas de armamentos, e deram ao país acesso a artefatos avançados como helicópteros Blackhawk e jatos F-16. Finalmente, os Estados Unidos dão a Israel acesso a informações que negam a seus aliados da Otan, e fecharam os olhos para a aquisição por Israel de armas nucleares.

Washington também dá a Israel um apoio diplomático permanente. Desde 1982, os Estados Unidos vetaram 32 resoluções do Conselho de Segurança da ONU críticas a Israel, mais do que o número total de vetos de todos os outros membros do Conselho de Segurança. Eles obstruem os esforços de Estados árabes para incluir o arsenal nuclear de Israel na agenda da AIEA. Os Estados Unidos socorrem Israel em tempo de guerra e tomam seu partido quando negociam a paz. O governo Nixon protegeu Israel da ameaça de intervenção soviética e o reabasteceu durante a Guerra de Outubro. Washington se envolveu profundamente nas negociações que terminaram aquela guerra, assim como no demorado processo "passo a passo" que se seguiu, além de ter cumprido um papel decisivo nas negociações que antecederam e se seguiram aos Acordos de Oslo de 1993. Em todos os casos houve sempre atritos ocasionais entre representantes dos Estados Unidos e de Israel, mas os Estados Unidos sempre apoiaram a posição israelense. Um dos participantes americanos em Camp David em 2000 disse depois: "Com demasiada freqüência, nós funcionamos [...] como advogado de Israel". Por fim, a ambição do governo Bush de transformar o Oriente Médio tem como objetivo, pelo menos em parte, melhorar a situação estratégica de Israel.

Essa extraordinária generosidade talvez fosse compreensível se Israel fosse um ativo estratégico vital ou se houvesse um argumento moral inarredável em favor do apoio dos Estados Unidos. Mas nenhuma dessas explicações é convincente. Poder-se-ia argumentar que Israel era um ativo durante a Guerra Fria. Atuando como substituto dos Estados Unidos depois de 1967, Israel ajudou a conter a expansão soviética na região e infligiu derrotas humilhantes a clientes soviéticos como o Egito e a Síria. Ocasionalmente, ajudou e protegeu outros aliados dos Estados Unidos (como o rei Hussein, da Jordânia), e seus feitos militares obrigaram Moscou a gastar mais para apoiar seus Estados-clientes. Israel também forneceu informações úteis sobre a capacidade militar dos soviéticos. No entanto, sustentar Israel não era barato, e complicava as relações dos Estados Unidos com o mundo árabe. Por exemplo, a decisão de dar US$ 2,2 bilhões em assistência militar de emergência durante a Guerra de Outubro provocou um embargo de petróleo da Opep que causou danos consideráveis a economias ocidentais. Por tudo isso, as forças armadas de Israel não tinham condições de proteger os interesses americanos na região. Os Estados Unidos não puderam, por exemplo, recorrer a Israel quando, em 1979, a Revolução Iraniana suscitou preocupações sobre a segurança do fornecimento de petróleo, e tiveram de criar sua própria Força de Ação Rápida.

A primeira Guerra do Golfo revelou em que medida Israel estava se tornando um fardo estratégico. Os Estados Unidos não podiam usar bases israelenses sem romper a coalizão anti-Iraque, e tiveram de desviar recursos (por exemplo, baterias de mísseis Patriot) para evitar que Tel-Aviv fizesse algo que prejudicasse a aliança contra Saddam Hussein. A história se repetiu em 2003: embora Israel estivesse ansioso para que os Estados Unidos atacassem o Iraque, Bush não podia pedir ajuda israelense sem provocar a oposição dos árabes. Assim, Israel mais uma vez ficou à parte.

Desde a década de 1990, e ainda mais depois do 11 de Setembro, o apoio americano foi justificado pela afirmação de que os dois Estados são ameaçados por grupos terroristas que têm origem no mundo árabe e muçulmano, e por rogue states

E o mais importante: dizer que Israel e os Estados Unidos estão unidos por uma ameaça terrorista comum inverte a relação causal: os Estados Unidos têm um problema terrorista em boa parte porque estão intimamente aliados a Israel, e não o contrário. O apoio a Israel não é a única fonte do terrorismo antiamericano, mas é uma fonte importante, que torna mais difícil vencer a guerra contra o terror. Não há dúvida de que muitos líderes da Al-Qaeda, entre eles Osama bin Laden, são motivados pela presença de Israel em Jerusalém e pela difícil situação dos palestinos. O apoio incondicional a Israel torna mais fácil aos extremistas obter apoio popular e atrair recrutas.

Quanto aos chamados rogue states do Oriente Médio, eles não são uma ameaça muito séria a interesses americanos vitais, a não ser na medida em que são uma ameaça a Israel. Mesmo que esses Estados adquiram armas nucleares — o que é obviamente indesejável —, nem os Estados Unidos nem Israel poderiam ser chantageados, porque o chantageador não poderia levar a cabo a ameaça sem sofrer retaliações devastadoras. O perigo de uma transferência de armas nucleares aos terroristas é igualmente remoto, porque um rogue state não poderia ter certeza de que ela passaria despercebida ou de que ele não seria culpado e punido depois. A relação com Israel na verdade torna mais difícil para os Estados Unidos lidar com esses Estados. O arsenal nuclear de Israel é uma das razões pelas quais alguns de seus vizinhos querem armas nucleares, e ameaçá-los com a mudança de regime só faz aumentar esse desejo. Uma última razão para questionar o valor estratégico de Israel é que ele não se comporta como um aliado leal. Os representantes de Israel freqüentemente ignoram os pedidos dos Estados Unidos e descumprem promessas (entre elas compromissos de parar de construir assentamentos e de se abster de "assassinatos planejados" de líderes palestinos). Israel forneceu tecnologia militar sofisticada a rivais potenciais como a China, no que o inspetor-geral do Departamento de Estado americano chamou de "um padrão sistemático e crescente de transferências não autorizadas". Segundo o General Accounting Office, Israel também "executa as mais agressivas operações de espionagem contra os Estados Unidos feitas por qualquer um de seus aliados". Além do caso de Jonathan Pollard, que passou a Israel grande quantidade de material secreto no começo da década de 1980 (que Israel teria passado para a URSS em troca de mais vistos de saída para judeus soviéticos), uma nova controvérsia surgiu em 2004 quando foi revelado que um importante funcionário do Pentágono chamado Larry Franklin tinha passado informações secretas para um diplomata israelense. Dificilmente Israel é o único país que espiona os Estados Unidos, mas sua disposição para espionar seu principal patrono levanta ainda mais dúvidas sobre seu valor estratégico.

E o valor estratégico de Israel não é a única questão. Seus apoiadores também argumentam que ele merece um apoio irrestrito porque é fraco e está cercado por inimigos; é uma democracia; o povo judeu foi vítima de crimes no passado e portanto merece tratamento especial; e a conduta de Israel tem sido moralmente superior à de seus adversários. Analisados em detalhe, nenhum desses argumentos é convincente. Há um forte argumento moral para apoiar a existência de Israel, mas ela não está em risco. Vista objetivamente, sua conduta passada e presente não oferece nenhuma base moral para privilegiar Israel em relação aos palestinos.

Israel costuma ser retratado como Davi confrontado por Golias, mas o inverso está mais próximo da verdade. Ao contrário da crença popular, os sionistas tinham forças maiores e mais bem equipadas durante a Guerra de Independência de 1947-49, e as forças armadas de Israel obtiveram vitórias rápidas e fáceis contra o Egito em 1956 e contra o Egito, a Jordânia e a Síria em 1967 — tudo isso antes de se iniciar a ajuda em grande escala por parte dos Estados Unidos. Hoje, Israel é a potência militar mais forte do Oriente Médio. Suas forças convencionais são muito superiores às de seus vizinhos, e ele é o único Estado na região que possui armas nucleares. O Egito e a Jordânia assinaram tratados de paz com Israel, e a Arábia Saudita se propôs a fazer o mesmo. A Síria perdeu seu patrono soviético, o Iraque foi devastado por três guerras desastrosas e o Irã está a centenas de quilômetros de distância. Os palestinos mal têm uma força policial eficaz, muito menos um exército que pudesse ameaçar Israel. Segundo uma avaliação feita em 2005 pelo Centro de Estudos Estratégicos Jaffee, da Universidade de Tel-Aviv, "o balanço estratégico decididamente favorece Israel, que continuou a aumentar o hiato qualitativo entre sua capacidade militar e as forças de dissuasão de seus vizinhos". Se apoiar o lado mais fraco fosse um motivo obrigatório, os Estados Unidos estariam apoiando os adversários de Israel. O fato de Israel ser uma democracia amiga cercada por ditaduras hostis não é suficiente para explicar o atual nível de ajuda: há muitas democracias no mundo, mas nenhuma recebe o mesmo apoio generoso. Os Estados Unidos derrubaram governos democráticos no passado e sustentaram ditadores quando julgaram que isso serviria a seus interesses — e têm hoje boas relações com algumas ditaduras. Alguns aspectos da democracia israelense estão em choque com valores americanos. Diferentemente dos Estados Unidos, onde as pessoas devem desfrutar de direitos iguais independentemente de raça, religião ou etnia, Israel foi fundado explicitamente como um Estado judeu e sua cidadania é baseada no princípio do parentesco sanguíneo. Em vista disso, não é de surpreender que seus 1,3 milhão de árabes sejam tratados como cidadãos de segunda classe, ou que uma recente comissão governamental israelense tenha concluído que Israel se comporta de maneira "negligente e discriminatória" em relação a eles. O status democrático de Israel é prejudicado também por sua recusa a conceder aos palestinos um Estado próprio viável ou direitos políticos plenos. Uma terceira justificativa é a história do sofrimento dos judeus no Ocidente cristão, especialmente durante o Holocausto. Como os judeus foram perseguidos durante séculos e só podiam se sentir seguros numa pátria judaica, muitas pessoas acreditam hoje que Israel merece tratamento especial por parte dos Estados Unidos. A criação do país foi sem dúvida uma resposta apropriada ao longo histórico de crimes contra os judeus, mas também acarretou crimes contra uma terceira parte, basicamente inocente: os palestinos.

Isso era bem entendido pelos primeiros líderes de Israel. David Ben-Gurion disse a Naum Goldmann, presidente do Congresso Mundial Judaico:

Se eu fosse um líder árabe, nunca faria um acordo com Israel. Isso é natural: nós tomamos a pátria deles [...] Nós nascemos em Israel, mas isso foi há 2 mil anos, e o que isso significa para eles? Houve anti-semitismo, os nazistas, Hitler, Auschwitz, mas que culpa eles tiveram nisso? Eles só vêem uma coisa: nós viemos para cá e roubamos sua pátria. Por que eles têm de aceitar isso?

Desde então, os líderes israelenses têm buscado repetidamente negar as ambições nacionais dos palestinos. Quando era primeira-ministra, Golda Meir declarou que "não existe palestino". A pressão da violência extremista e o crescimento da população palestina forçaram líderes israelenses subseqüentes a se retirar da Faixa de Gaza e a considerar outros compromissos territoriais, mas nem mesmo Yitzhak Rabin se dispôs a oferecer aos palestinos um Estado viável. A oferta supostamente generosa de Ehud Barak em Camp David teria dado a eles só um conjunto desarmado de bantustões controlados de fato pelos israelenses. A trágica história do povo judeu não obriga os Estados Unidos a ajudar Israel hoje independentemente do que ele faça. Os apoiadores de Israel também o apresentam como um país que sempre buscou a paz e mostrou grande contenção mesmo quando provocado. Os árabes, ao contrário, teriam agido com grande maldade. Contudo, no campo de batalha, o histórico de Israel não é distinguível do de seus adversários. Ben-Gurion reconheceu que os primeiros sionistas estavam longe de ser benevolentes em relação aos árabes palestinos, que resistiam a seus abusos — o que não é de surpreender, dado que os sionistas estavam tentando criar seu próprio Estado em terra árabe. Da mesma forma, a criação de Israel em 1947-48 envolveu ações de limpeza étnica, inclusive execuções, massacres e estupros por parte de judeus, e a conduta subseqüente de Israel foi muitas vezes brutal, contradizendo qualquer reivindicação de superioridade moral. Entre 1940 e 1956, por exemplo, as forças de segurança israelenses mataram entre 2700 e 5 mil árabes infiltrados, cuja esmagadora maioria estava desarmada. As forças armadas israelenses mataram centenas de prisioneiros de guerra egípcios nas guerras de 1956 e 1967, e em 1967 Israel expulsou entre 100 mil e 260 mil palestinos da recém-conquistada Cisjordânia, e obrigou 80 mil sírios a deixar as colinas de Golan.

Durante a primeira intifada, as forças armadas israelenses distribuíram bastões a suas tropas e as estimularam a quebrar os ossos dos manifestantes palestinos. A filial sueca da Save the Children estimou que "entre 23.600 e 29.900 crianças precisaram de tratamento médico para ferimentos de pancadas nos primeiros dois anos da intifada". Quase um terço dessas crianças tinha dez anos de idade ou menos. A resposta à segunda intifada foi ainda mais violenta, levando o Ha'aretz a declarar que "as forças armadas israelenses [...] estão se transformando em uma máquina de matar cuja eficiência é admirável, mas chocante". As forças armadas israelenses dispararam 1 milhão de balas nos primeiros dias do levante. Desde então, para cada israelense perdido, Israel matou 3,4 palestinos, na maioria observadores inocentes; a relação entre crianças palestinas e israelenses mortas é ainda mais alta (5,7:1). Vale a pena lembrar também que os sionistas recorreram a bombas terroristas para tirar os ingleses da Palestina, e que Yitzhak Shamir, ex-terrorista que mais tarde se tornou primeiro-ministro israelense, declarou que "nem a ética judaica nem a tradição judaica podem desqualificar o terrorismo como um meio de combate".

O recurso palestino ao terrorismo é errado, mas não é de surpreender. Os palestinos acreditam que não têm nenhuma outra forma de obrigar Israel a fazer concessões. Como admitiu certa vez Ehud Barak, se tivesse nascido palestino, ele "teria ingressado em uma organização terrorista".

Então, se nem argumentos estratégicos nem argumentos morais justificam o apoio dos Estados Unidos a Israel, como podemos explicá-lo?

A explicação é o poder sem igual do Lobby de Israel. Usamos "o Lobby" como uma forma abreviada de identificar a frouxa coalizão de indivíduos e organizações que trabalham ativamente para empurrar a política externa dos Estados Unidos numa direção pró-Israel. Com isso não queremos sugerir que "o Lobby" seja um movimento unificado com uma liderança central, nem que as pessoas que participam dele não discordam em certas questões. Nem todos os judeus americanos fazem parte do Lobby, porque para muitos deles Israel não é uma questão relevante. Segundo um levantamento feito em 2004, por exemplo, cerca de 36% dos judeus americanos disseram que "não eram muito" ou "não eram nada" ligados emocionalmente a Israel.

Os judeus americanos também diferem a respeito de políticas israelenses específicas. Muitas das principais organizações do Lobby, como o American-Israel Public Affairs Committee (Aipac) e a Conference of Presidents of Major Jewish Organisations, são dirigidas por linha-duras que em geral apóiam as políticas expansionistas do Partido Likud, entre elas a hostilidade ao processo de paz de Oslo. O grosso dos judeus americanos, no entanto, está mais inclinado a fazer concessões aos palestinos, e alguns grupos — como o Jewish Voice for Peace — defendem fortemente esses passos. Apesar dessas diferenças, tanto os moderados quanto os linha-duras aprovam um apoio firme a Israel. Como seria previsível, líderes judeus americanos costumam consultar representantes israelenses, para se certificar de que suas ações contribuem para os objetivos israelenses. Um ativista de uma importante organização judaica escreveu: "para nós é rotineiro dizer: 'Esta é nossa política em certa questão, mas devemos verificar o que os israelenses pensam'. Como comunidade, fazemos isso o tempo todo". Há um forte preconceito contra criticar a política israelense, e pressionar Israel é considerado inaceitável. Edgar Bronfman, presidente do Congresso Judaico Mundial, foi acusado de "perfídia" quando escreveu uma carta ao presidente Bush em meados de 2003 instando-o a convencer Israel a interromper a construção de sua controvertida "cerca de segurança". Os críticos de Bronfman diziam que "seria obsceno que em qualquer momento o presidente do Congresso Mundial Judaico tentasse convencer o presidente dos Estados Unidos a resistir a políticas promovidas pelo governo de Israel". Da mesma forma, quando o presidente do Israel Policy Forum, Seymour Reich, aconselhou Condoleezza Rice, em novembro de 2005, a pedir a Israel que reabrisse uma passagem de fronteira crítica na Faixa de Gaza, seu ato foi denunciado como "irresponsável": "Não há", diziam os críticos, "absolutamente nenhum espaço no mainstream judaico para que se aja vigorosamente contra políticas relacionadas à segurança [...] de Israel". Recuando diante desses ataques, Reich anunciou que "a palavra 'pressão' não faz parte de meu vocabulário quando se trata de Israel".

Os judeus americanos criaram um conjunto impressionante de organizações para influenciar a política externa americana, das quais o Aipac é a mais poderosa e mais conhecida. Em 1997, a revista Fortune pediu a membros do Congresso e a suas equipes que listassem os lobbies mais poderosos de Washington. O Aipac ficou em segundo lugar, atrás da American Association of Retired People mas à frente da AFL-CIO e da National Rifle Association. Um estudo do National Journal de março de 2005 chegou a conclusão semelhante, situando o Aipac em segundo lugar (empatada com a American Association of Retired People) na "lista dos mais influentes" de Washington.

O Lobby também inclui destacados cristãos evangélicos como Gary Bauer, Jerry Falwell, Ralph Reed e Pat Robertson, além de Dick Armey e Tom DeLay, ex-líderes da maioria na Câmara dos Deputados, e todos eles acreditam que o renascimento de Israel é o cumprimento de uma profecia bíblica e apóiam a agenda expansionista de Israel; agir de outro modo, acreditam eles, seria contrariar a vontade de Deus. Gentios neoconservadores como John Bolton; Robert Bartley, ex-editor do Wall Street Journal; William Bennett, ex-secretário de Educação; Jeane Kirkpatrick, ex-embaixadora dos Estados Unidos na ONU; e o influente colunista George Will, também são apoiadores firmes.

A forma de governo dos Estados Unidos oferece aos ativistas muitas maneiras de influenciar o processo político. Grupos de interesse podem pressionar deputados eleitos e membros do Executivo, fazer doações para campanha, votar nas eleições, tentar moldar a opinião pública etc. Eles dispõem de um grau exagerado de influência quando estão comprometidos com uma questão à qual o grosso da população é indiferente. Os responsáveis pelas decisões políticas tendem a contentar aqueles que se importam com a questão, mesmo que o número deles seja pequeno, confiando em que o resto da população não vai penalizá-los por agirem assim.

Em suas operações básicas, o Lobby de Israel não é diferente do lobby da agricultura, do lobby do aço ou dos sindicatos de trabalhadores da indústria têxtil, nem dos lobbies étnicos. Não há nada de impróprio na tentativa dos judeus americanos e de seus aliados cristãos de controlar a política dos Estados Unidos: as atividades do Lobby não são uma conspiração do tipo descrito em tratados como os Protocolos dos Sábios do Sião. Na maioria, os indivíduos e grupos que o compõem estão fazendo apenas o que outros grupos de interesse especial fazem, só que fazem muito melhor. Em contraste, os grupos de interesse pró-árabes, quando existem, são fracos, o que torna ainda mais fácil a tarefa do Lobby de Israel.

O Lobby adota duas estratégias amplas. Primeiro, ele exerce sua influência significativa em Washington, pressionando tanto o Congresso quanto o Executivo. Sejam quais forem as visões políticas de um legislador ou responsável por decisões políticas, o Lobby tenta tornar o apoio a Israel a escolha "inteligente". Em segundo lugar, ele se esforça para assegurar que o discurso público retrate Israel de forma positiva, repetindo mitos sobre sua fundação e promovendo seu ponto de vista nos debates sobre políticas. O objetivo é evitar que comentários críticos obtenham audiência imparcial na arena política. Controlar o debate é essencial para garantir o apoio dos Estados Unidos, porque uma discussão franca das relações entre Estados Unidos e Israel poderia levar os americanos a preferir uma política diferente.

Um dos principais pilares da eficiência do Lobby é sua influência no Congresso, onde Israel é virtualmente imune à crítica. Isso é por si só notável, porque o Congresso raramente evita questões contenciosas. No que diz respeito a Israel, no entanto, críticos potenciais silenciam. Uma das razões para isso é que alguns membros importantes do Congresso são sionistas cristãos, como Dick Armey, que disse em setembro de 2002: "Minha prioridade número um em política externa é proteger Israel". Poder-se-ia pensar que a prioridade número um de qualquer congressista fosse proteger os Estados Unidos. Há também senadores e deputados judeus que trabalham para garantir que a política externa dos Estados Unidos apóie os interesses de Israel. Outra fonte do poder do Lobby é o uso que ele faz de funcionários do Congresso. Como admitiu certa vez Morris Amitay, ex-presidente do Aipac, "há muitas pessoas trabalhando aqui" — no Capitólio — "que são judeus, que estão dispostas [...] a considerar certas questões em termos de sua judaicidade [...] São todas pessoas que têm condições de tomar a decisão nessas áreas pelos senadores [...] É possível fazer um trabalho incrível apenas no nível dos funcionários".

É o próprio Aipac, no entanto, que constitui o núcleo da influência do Lobby no Congresso. Seu sucesso se deve à capacidade de recompensar legisladores e candidatos ao Congresso que apóiam sua agenda, e de punir aqueles que a contestam. O dinheiro cumpre um papel decisivo nas eleições dos Estados Unidos (como nos lembra o escândalo sobre as negociações obscuras do lobista Jack Abramoff), e o Aipac assegura a seus amigos um forte apoio financeiro dos muitos comitês de ação política pró-Israel. Quem for visto como hostil a Israel pode ter certeza de que o Aipac direcionará contribuições de campanha para seus adversários políticos. O Aipac também organiza campanhas de redação de cartas e estimula editores de jornais a apoiar candidatos pró-Israel.

Não há dúvida sobre a eficácia dessas táticas. Eis um exemplo: nas eleições de 1984, o Aipac ajudou a derrotar o senador Charles Percy, de Illinois, o qual, de acordo com uma destacada figura do Lobby, tinha "demonstrado insensibilidade e mesmo hostilidade em relação a nossas preocupações". Thomas Dine, presidente do Aipac na época, explicou o que aconteceu: "Todos os judeus nos Estados Unidos, de costa a costa, se juntaram para expulsar Percy. E os políticos americanos — aqueles que hoje ocupam cargos políticos e aqueles que aspiram a eles — captaram a mensagem".

A influência do Aipac no Capitólio chega ainda mais longe. Segundo Douglas Bloomfield, ex-funcionário do Aipac, "é comum que membros do Congresso e suas equipes recorram primeiro ao Aipac quando precisam de informação, antes de ir à Biblioteca do Congresso, ao Serviço de Pesquisa do Congresso, aos funcionários da comissão ou a especialistas do governo". E o mais importante, ele observa que o Aipac "é solicitado muitas vezes a escrever discursos, elaborar legislação, dar conselhos sobre tática, fazer pesquisas, conseguir co-patrocinadores e angariar votos".

O fundamental é que o Aipac, de fato um agente que trabalha para um governo estrangeiro, tem uma mordaça sobre o Congresso, e o resultado é que a política dos Estados Unidos em relação a Israel não é debatida ali, embora tenha conseqüências importantes para o mundo inteiro. Em outras palavras, um dos três principais ramos do governo está firmemente comprometido com o apoio a Israel. Como observou um ex-senador democrata, Ernest Hollings, ao deixar o cargo, "não se pode ter nenhuma política em relação a Israel que não seja a que o Aipac propõe aqui". Ou, como disse Ariel Sharon a uma platéia americana, "quando as pessoas me perguntam como podem ajudar Israel, eu digo a elas: 'ajudem o Aipac'".

Graças em parte à influência que os eleitores judeus exercem nas eleições presidenciais, o Lobby tem também um efeito importante sobre o Executivo. Embora constituam pouco mais de 3% da população, esses eleitores fazem grandes doações de campanha a candidatos de ambos os partidos. O Washington Post estimou certa vez que os candidatos democratas à Presidência "dependem de apoiadores judeus para obter 60% do dinheiro". E como os eleitores judeus têm altas taxas de comparecimento nas votações e estão concentrados em estados importantes como Califórnia, Flórida, Illinois, Nova York e Pensilvânia, os candidatos à Presidência fazem de tudo para não desagradá-los.

Organizações importantes do Lobby se dedicam a assegurar que críticos de Israel não obtenham cargos importantes na área de política externa. Jimmy Carter queria fazer de George Ball seu primeiro secretário de Estado, mas sabia que Ball era visto como crítico de Israel e que o Lobby se oporia à indicação. Dessa forma, qualquer aspirante a um cargo no governo é encorajado a se tornar um franco apoiador de Israel, e é por esse motivo que os que criticam abertamente a política israelense se tornaram uma espécie em extinção no establishment da política externa.

Quando Howard Dean pediu que os Estados Unidos assumissem um papel mais "imparcial" no conflito árabe-israelense, o senador Joseph Lieberman o acusou de trair Israel e disse que sua declaração era "irresponsável". Praticamente todos os democratas importantes na Câmara assinaram uma carta criticando as observações de Dean, e o Chicago Jewish Star relatou que "atacantes anônimos [...] estão entupindo as caixas de entrada de e-mail de líderes judeus em todo o país, advertindo — sem muitas provas — que Dean seria de alguma forma ruim para Israel".

Essa preocupação era absurda; Dean é de fato bastante truculento quando se trata de Israel: um dos chefes de sua campanha era um ex-presidente do Aipac, e Dean dizia que suas visões sobre o Oriente Médio refletiam mais as do Aipac do que as da mais moderada Americans for Peace Now. Ele havia sugerido simplesmente que para "conciliar os dois lados", Washington devia agir como um intermediário honesto. Essa dificilmente é uma idéia radical, mas o Lobby não tolera a imparcialidade.

Durante o governo Clinton, a política para o Oriente Médio era basicamente elaborada por funcionários que tinham laços estreitos com Israel ou com organizações notoriamente pró-Israel; entre eles, Martin Indyk, ex-vice-diretor de pesquisa do Aipac e co-fundador do pró-israelita Washington Institute for Near East Policy (Winep); Dennis Ross, que ingressou no Winep depois de deixar o governo em 2001; e Aaron Miller, que viveu em Israel e costuma visitar o país. Esses homens estavam entre os conselheiros mais íntimos de Clinton na reunião de cúpula de Camp David em julho de 2000. Embora os três apoiassem o processo de paz de Oslo e a criação de um Estado palestino, faziam isso apenas nos limites do que seria aceitável para Israel. A delegação americana seguiu a orientação de Ehud Barak, coordenou previamente com Israel as posições que adotaria na negociação e não apresentou propostas independentes. Como era de esperar, os negociadores palestinos se queixaram de que estavam "negociando com duas equipes israelenses — uma empunhando uma bandeira israelense, a outra, uma bandeira americana". A situação é ainda mais pronunciada no governo Bush, em cujas fileiras se incluíram defensores tão ardorosos da causa israelense como Elliot Abrams, John Bolton, Douglas Feith, I. Lewis ("Scooter") Libby, Richard Perle, Paul Wolfowitz e David Wurmser. Como veremos, esses funcionários sempre defenderam políticas apoiadas por Israel e sustentadas por organizações do Lobby. É claro que o Lobby não quer um debate aberto, porque isso poderia levar os americanos a questionar o nível de apoio que dão a Israel. Da mesma forma, as organizações pró-Israel se esforçam para influenciar as instituições que têm mais peso na moldagem da opinião popular.

A perspectiva do Lobby prevalece na mídia convencional: o debate entre especialistas em Oriente Médio, escreve o jornalista Eric Alterman, é "dominado por pessoas que não conseguem imaginar criticar Israel". Ele lista 61 "colunistas e comentaristas com quem se pode contar para apoiar Israel de forma reflexiva e irrestrita". Por outro lado, ele encontrou apenas cinco especialistas que sempre criticam as ações israelenses ou endossam posições árabes. Os jornais publicam ocasionalmente textos de articulistas convidados contestando a política israelense, mas o balanço das opiniões favorece claramente o outro lado. É difícil imaginar qualquer órgão da mídia convencional nos Estados Unidos publicando um artigo como este.

"Shamir, Sharon, Bibi — qualquer coisa que esses caras queiram está ótimo para mim", observou uma vez Robert Bartley. Previsivelmente, seu jornal, o Wall Street Journal, ao lado de outros jornais de destaque como o Chicago Sun-Times e o Washington Times, publicam regularmente editoriais que apóiam solidamente Israel. Revistas como Commentary, New Republican e Weekly Standard defendem Israel em todas as ocasiões.

A parcialidade editorial pode ser encontrada também em jornais como o New York Times, que critica ocasionalmente políticas israelenses e às vezes admite que os palestinos têm queixas legítimas, mas não é imparcial. Em suas memórias, Max Frenkel, ex-editor executivo do jornal, reconhece o impacto de sua atitude sobre as decisões editoriais que tomou: "Eu estava muito mais profundamente dedicado a Israel do que ousava declarar [...] Baseado em meu conhecimento de Israel e em meus amigos lá, eu próprio escrevia a maioria de nossos comentários sobre o Oriente Médio. Como mais eleitores árabes do que judeus reconheciam, na época eu adotava uma perspectiva favorável a Israel".

Os relatos dos noticiários são mais imparciais, em parte porque os repórteres se esforçam para ser objetivos, mas também porque é difícil cobrir os acontecimentos nos Territórios Ocupados sem reconhecer as ações de Israel no campo de batalha. Para desestimular relatos desfavoráveis, o Lobby organiza campanhas de redação de cartas, manifestações e boicotes a órgãos noticiosos cujo conteúdo considera contrário a Israel. Um executivo da CNN disse que às vezes recebe 6 mil mensagens de e-mail em um único dia reclamando de uma história. Em maio de 2003, o Committee for Accurate Middle East Reporting in America (Camera) organizou manifestações do lado de fora de estações da National Public Radio em 33 cidades; e tentou também persuadir contribuintes a retirar o apoio à NPR até que sua cobertura do Oriente Médio se torne mais simpática a Israel. A WBUR, estação da NPR em Boston, teria perdido mais de 1 milhão de dólares em contribuições em conseqüência desses esforços. Outras pressões sobre a NPR vêm dos amigos de Israel no Congresso, que pediram, além de mais supervisão, uma auditoria internacional de sua cobertura sobre o Oriente Médio.

O lado israelense também domina os think tanks que cumprem um papel importante na formulação do debate público assim como das políticas. O Lobby criou seu próprio think tank em 1985, quando Martin Indyk ajudou a fundar o Winep. Embora tente menosprezar sua ligação com Israel, afirmando fornecer uma perspectiva "equilibrada e realista" sobre questões do Oriente Médio, o Winep é financiado e dirigido por pessoas profundamente comprometidas com a promoção da agenda de Israel.

Mas a influência do Lobby se estende para muito além do Winep. Nos últimos 25 anos, as forças pró-Israel estabeleceram uma presença poderosa no American Enterprise Institute, na Brookings Institution, no Center For Security Policy, no Foreign Policy Research Institute, na Heritage Foundation, no Hudson Institute, no Institute for Foreign Policy Analysis e no Jewish Institute for National Security Affairs (Jinsa). Esses think tanks empregam, se tanto, poucos críticos do apoio dos Estados Unidos a Israel.

Consideremos a Brookings Institution. Durante muitos anos, seu principal especialista em Oriente Médio foi William Quandt, um ex-funcionário do Conselho de Segurança Nacional com uma merecida reputação de imparcialidade. Hoje, a cobertura da Brookings é feita por meio do Saban Center for Middle East Studies, que é financiado por Haim Saban, um empresário israelita-americano e sionista ardoroso. O diretor do centro é o ubíquo Martin Indyk. O que era antes um instituto de políticas apartidário é hoje parte do coro pró-Israel.

Onde o Lobby tem tido a maior dificuldade é no debate em campi universitários. Na década de 1990, quando estava em curso o processo de paz de Oslo, havia apenas uma crítica moderada a Israel, mas ela ficou mais forte com o colapso de Oslo e a ascensão de Sharon ao poder, tornando-se bastante incisiva quando as forças armadas israelenses reocuparam a Cisjordânia na primavera de 2002 e empregaram forças maciças para dominar a segunda intifada. O Lobby passou imediatamente a "recuperar os campi". Surgiram novos grupos, como a Caravan for Democracy, que levou porta-vozes israelenses para faculdades dos Estados Unidos. Grupos estabelecidos como o Jewish Council for Public Affairs e o Hillel se juntaram, e um novo grupo, Israel on Campus Coalition, foi formado para coordenar os muitos agrupamentos que agora buscavam defender o ponto de vista de Israel. Por fim, o Aipac mais que triplicou seus gastos em programas para monitorar atividades universitárias e treinar jovens defensores, com o objetivo de "expandir enormemente o número de estudantes envolvidos no campus [...] no esforço nacional em favor de Israel".

O Lobby também monitora o que os professores escrevem e ensinam. Em setembro de 2002, Martin Kramer e Daniel Pipes, dois neoconservadores passionalmente pró-Israel, criaram um website (Campus Watch) que postava dossiês sobre acadêmicos suspeitos e estimulava os estudantes a relatar observações sobre comportamento que pudesse ser considerado hostil a Israel. Essa tentativa transparente de chantagear e intimidar acadêmicos provocou uma reação dura, e mais tarde Pipes e Kramer removeram os dossiês, mas o website ainda convida os estudantes a relatar atividades "anti-Israel".

Grupos que fazem parte do Lobby pressionam determinados acadêmicos e universidades. Um dos alvos freqüentes foi Columbia, sem dúvida em razão da presença do falecido Edward Said em seu corpo docente. "Pode-se ter certeza de que qualquer declaração pública em apoio ao povo palestino feita pelo proeminente crítico literário Edward Said provoca centenas de e-mails, cartas e artigos jornalísticos que nos convocam a denunciar Said e a aplicar a ele sanções ou demiti-lo", relatou Jonathan Cole, ex-superintendente de Columbia. Quando a Columbia contratou o historiador Rashid Khalidi, de Chicago, aconteceu a mesma coisa. Esse também foi um problema enfrentado por Princeton alguns anos depois, quando considerou a possibilidade de trazer Khalidi de Columbia.

Uma ilustração clássica do esforço para policiar a academia ocorreu perto do final de 2004, quando o David Project produziu um filme alegando que membros do corpo docente do programa Middle East Studies, de Columbia, eram anti-semitas e estavam intimidando estudantes judeus que apoiavam Israel. Columbia recebeu críticas severas, mas uma comissão docente incumbida de investigar as acusações não encontrou nenhuma prova de anti-semitismo, e o único incidente possivelmente digno de nota constatado foi que um professor tinha "reagido com raiva" à pergunta de um estudante. A comissão também descobriu que os acadêmicos em questão tinham sido alvo de uma franca campanha de intimidação.

Talvez o aspecto mais perturbador de tudo isso sejam os esforços de grupos judeus para forçar o Congresso a estabelecer mecanismos para monitorar o que os professores dizem. Se eles conseguirem aprovar isso, universidades julgadas como adotando um viés anti-Israel deixariam de receber financiamento federal. Os esforços desses grupos ainda não alcançaram sucesso, mas são uma indicação da importância que é dada ao controle do debate.

Alguns filantropos judeus criaram recentemente programas de Estudos Israelenses (que vieram se somar aos cerca de 130 programas de Estudos Judaicos já existentes), de modo a aumentar o número de acadêmicos simpáticos a Israel no campus. Em maio de 2003, a New York University anunciou a criação do Taub Center for Israel Studies; programas semelhantes foram criados em Berkeley, Brandeis e Emory. Administradores acadêmicos ressaltam o valor pedagógico desses programas, mas a verdade é que eles pretendem em grande parte promover a imagem de Israel. Fred Laffer, presidente da Taub Foundation, deixa claro que sua fundação financiou o centro da NYU para ajudar a rechaçar o "ponto de vista arábico [sic]" que ele julga prevalecer nos programas de Oriente Médio da NYU.

Nenhuma discussão sobre o Lobby estaria completa sem um exame de uma de suas armas mais poderosas: a acusação de anti-semitismo. Qualquer pessoa que critique as ações de Israel ou argumente que os grupos pró-Israel exercem uma influência significativa sobre a política dos Estados Unidos para o Oriente Médio — influência esta que o Aipac comemora — tem boas chances de ser rotulada de anti-semita. Na verdade, qualquer pessoa que simplesmente declare que existe um Lobby de Israel corre o risco de ser acusado de anti-semitismo, embora a mídia israelense se refira ao "Lobby Judeu" dos Estados Unidos. Em outras palavras, o Lobby primeiro se gaba de sua influência e depois ataca qualquer um que chame a atenção para ela. É uma tática muito eficaz: o anti-semitismo é algo de que ninguém quer ser acusado.

Os europeus têm mostrado mais disposição do que os americanos para criticar a política israelense, o que algumas pessoas atribuem a um ressurgimento do anti-semitismo na Europa. Estamos "chegando a um ponto", disse no começo de 2004 o embaixador americano na União Européia, "em que ele é tão ruim quanto na década de 1930". Medir o anti-semitismo é uma questão complicada, mas o peso das evidências aponta na direção oposta. Na primavera de 2004, quando acusações de anti-semitismo na Europa inundaram os Estados Unidos, levantamentos separados de opinião pública européia feitos pela Anti-Defamation League, baseada nos Estados Unidos, e pelo Pew Research Center for the People and the Press concluíram que ele estava de fato declinando. Na década de 1930, ao contrário, o anti-semitismo era não apenas disseminado entre europeus de todas as classes, mas considerado bastante aceitável.

O Lobby e seus amigos costumam retratar a França como o país mais anti-semita da Europa. Mas em 2003, o presidente da comunidade judaica francesa disse que "A França não é mais anti-semita do que os Estados Unidos". De acordo com um artigo publicado recentemente no Ha'aretz, a polícia francesa relatou que os incidentes anti-semitas sofreram uma redução de quase 50% em 2005; e isso apesar de a França ter a maior população muçulmana de todos os países europeus. Finalmente, quando um judeu francês foi assassinado em Paris no mês passado

Ninguém negaria que há anti-semitismo entre os muçulmanos europeus, parte dele provocada pela conduta de Israel em relação aos palestinos e parte francamente racista. Mas esse é outro assunto, que pesa pouco na avaliação de se a Europa de hoje é semelhante à Europa da década de 1930. Ninguém negaria também que ainda há alguns anti-semitas autóctones virulentos na Europa (como há nos Estados Unidos), mas o número deles é pequeno e suas visões são rejeitadas pela vasta maioria dos europeus.

Os defensores de Israel, quando pressionados a ir além da mera declaração, afirmam que há um "novo anti-semitismo", que eles igualam à crítica a Israel. Em outras palavras, criticar a política israelense torna alguém por definição um anti-semita. Quando o sínodo da Igreja da Inglaterra aprovou recentemente vender sua participação acionária na Caterpillar Inc baseado no fato de que ela fabrica os tanques usados pelos israelenses para demolir casas palestinas, o Rabino Chefe reclamou que isso teria "as repercussões mais adversas sobre [...] as relações judaico-cristãs na Inglaterra", enquanto o rabino Tony Bayfield, chefe do movimento de Reforma, disse: "Há um problema claro de atitudes anti-sionistas — que beiram o anti-semitismo — surgindo nas bases, e mesmo nos escalões intermediários da Igreja". Mas a igreja era culpada simplesmente de protestar contra a política do governo israelense.

Os críticos também são acusados de enquadrar Israel em um padrão injusto ou de questionar seu direito à existência. Mas essas acusações também são falsas. Os críticos ocidentais de Israel praticamente nunca questionam seu direito a existir: eles questionam seu comportamento em relação aos palestinos, como fazem os próprios israelenses. E Israel não está sendo julgado injustamente. O tratamento israelense dos palestinos suscita críticas porque é contrário a noções amplamente aceitas de direitos humanos, à legislação internacional e ao princípio de autodeterminação nacional. E certamente Israel não é o único Estado que enfrentou críticas severas por causa disso.

No outono de 2001, e especialmente na primavera de 2002, o governo Bush tentou reduzir o sentimento antiamericano no mundo árabe e solapar o apoio a grupos terroristas como a Al-Qaeda detendo as políticas expansionistas de Israel nos Territórios Ocupados e defendendo a criação de um Estado palestino. Bush tinha à disposição meios muito importantes de persuasão. Ele podia ter ameaçado reduzir o apoio econômico e diplomático a Israel, e é quase certo que o povo americano o teria apoiado. Uma pesquisa de maio de 2003 constatou que mais de 60% dos americanos estavam dispostos a suspender a ajuda se Israel resistisse às pressões americanas para resolver o conflito, e esse número subia para 70% entre os "politicamente ativos". Na verdade, 73% diziam que os Estados Unidos não deveriam favorecer nenhum dos lados.

Mas o governo não conseguiu mudar a política israelense e Washington terminou por apoiá-la. Com o passar do tempo, o governo também adotou as justificativas de Israel para sua posição, de maneira que a retórica dos Estados Unidos começou a imitar a retórica israelense. Em fevereiro de 2003, uma manchete do Washington Post resumiu a situação: "Bush e Sharon quase idênticos sobre a política para o Oriente Médio". A principal razão para essa mudança foi o Lobby. A história começa no final de setembro de 2001, quando Bush começou a pressionar Sharon para afrouxar as rédeas nos Territórios Ocupados. Ele também o pressionou a permitir que o primeiro-ministro de Israel, Shimon Peres, se encontrasse com Yasser Arafat, embora ele (Bush) fosse extremamente crítico da liderança de Arafat. Bush chegou a dizer publicamente que apoiava a criação de um Estado palestino. Alarmado, Sharon o acusou de tentar "satisfazer os árabes à nossa custa", advertindo que Israel "não será a Tchecoslováquia".

Bush teria ficado furioso ao ser comparado a Chamberlain, e o secretário de imprensa da Casa Branca chamou as declarações de Sharon de "inaceitáveis". Sharon ofereceu uma desculpa pró-forma, mas logo juntou forças com o Lobby para convencer o governo e o povo americano de que os Estados Unidos e Israel enfrentavam uma ameaça comum do terrorismo. Membros do governo israelense e representantes do Lobby insistiram que não havia nenhuma diferença real entre Arafat e Osama bin Laden: os Estados Unidos e Israel, diziam eles, deviam isolar o líder eleito dos palestinos e não ter nada a ver com ele.

O Lobby também trabalhou no Congresso. Em 16 de novembro, 89 senadores mandaram a Bush uma carta elogiando-o por se recusar a encontrar-se com Arafat, mas também exigindo que os Estados Unidos não impedissem Israel de fazer retaliações contra os palestinos; o governo, escreveram eles, devia declarar publicamente que apoiava Israel. Segundo o New York Times, a carta "teve origem" em uma reunião duas semanas antes entre "líderes da comunidade judaica americana e senadores importantes", acrescentando que o Aipac estava "particularmente ativo no fornecimento de conselhos para a carta".

No final de novembro, as relações entre Tel-Aviv e Washington tinham melhorado consideravelmente. Isso se deu em parte graças aos esforços do Lobby, mas também à vitória inicial dos Estados Unidos no Afeganistão, que aparentemente reduziu a necessidade de apoio árabe para lidar com a Al-Qaeda. Sharon visitou a Casa Branca no começo de dezembro e teve uma reunião amistosa com Bush.

Em abril de 2002 surgiram novos problemas, depois que as forças armadas israelenses lançaram a Operação Escudo de Defesa e retomaram o controle de praticamente todas as áreas palestinas importantes na Cisjordânia. Bush sabia que as ações de Israel causariam danos à imagem dos Estados Unidos no mundo islâmico e minariam a guerra ao terrorismo, portanto ele exigiu que Sharon "interrompesse as incursões e começasse a retirada". Ele sublinhou essa mensagem dois dias depois, dizendo que queria que Israel "se retirasse sem demora". Em 7 de abril, Condoleezza Rice, na época conselheira de Segurança Nacional de Bush, disse aos repórteres: "'sem demora' significa sem demora. Significa agora". No mesmo dia, Colin Powell partiu para o Oriente Médio para persuadir todos os lados a parar de lutar e começar a negociar.

Israel e o Lobby agiram sem demora. Funcionários favoráveis a Israel no gabinete do vice-presidente e no Pentágono, assim como especialistas neoconservadores como Robert Kagan e William Kristol, intimidaram Powell. Eles chegaram mesmo a acusá-lo de ter "praticamente apagado a distinção entre terroristas e aqueles que combatem os terroristas". O próprio Bush foi pressionado por líderes judeus e cristãos evangélicos. Tom DeLay e Dick Armey foram particularmente francos sobre a necessidade de apoiar Israel, e DeLay e o líder na minoria do senado, Trent Lott, visitaram a Casa Branca e aconselharam Bush a recuar.

O primeiro sinal de que Bush estava cedendo veio em 11 de abril — uma semana depois de ele ter dito a Sharon para retirar suas forças —, quando o secretário de imprensa da Casa Branca disse que o presidente acreditava que Sharon era "um homem de paz". Bush repetiu essa declaração publicamente por ocasião da volta de Powell de sua malsucedida missão, e disse aos repórteres que Sharon tinha reagido satisfatoriamente a sua exigência de uma retirada total e imediata. Sharon não fizera nada disso, mas Bush não estava mais disposto a insistir nessa questão.

No meio-tempo, o Congresso também se movimentava para apoiar Sharon. Em 2 de maio, ele sobrepujou as objeções do governo e aprovou duas resoluções reafirmando o apoio a Israel. (A votação no Senado foi de 94 a 2; a versão da Câmara dos Deputados foi aprovada por 352 a 21.) As duas resoluções sustentavam que os Estados Unidos "mantêm a solidariedade a Israel" e que os dois países, citando a resolução da Câmara, estavam "agora envolvidos em uma luta comum contra o terrorismo". A versão da Câmara também condenava "o permanente apoio ao terror e sua coordenação por parte de Yasser Arafat", que era retratado como uma peça central do problema do terrorismo. As duas resoluções foram redigidas com a ajuda do Lobby. Alguns dias depois, uma delegação bipartidária do Congresso enviada a Israel em missão de levantamento de informações declarou que Sharon devia resistir à pressão dos Estados Unidos para que negociasse com Arafat. Em 9 de maio, uma subcomissão de dotações da Câmara se reuniu para discutir a concessão a Israel de mais US$ 200 milhões para o combate ao terrorismo. Powell se opôs ao pacote, mas o Lobby o apoiou e Powell perdeu.

Em resumo, Sharon e o Lobby jogaram contra o presidente dos Estados Unidos e ganharam. Hemi Shalev, um jornalista do jornal israelense Ma'ariv, relatou que os auxiliares de Sharon "não conseguiam esconder sua satisfação em vista do fracasso de Powell. Sharon esperou o melhor momento para agir, eles se gabaram, e o presidente piscou primeiro". Mas foram os defensores de Israel nos Estados Unidos, não Sharon nem Israel, que desempenharam o papel principal na derrota de Bush.

A situação mudou pouco desde então. O governo Bush se recusou repetidas vezes a fazer acordos com Arafat. Depois de sua morte, o governo americano aceitou o novo líder palestino, Mahmoud Abbas, mas pouco fez para ajudá-lo. Sharon continuou a desenvolver seu plano de impor uma solução unilateral aos palestinos, baseado numa "desocupação" de Gaza combinada a uma expansão contínua na Cisjordânia. Ao se recusar a negociar com Abbas e tornar impossível para ele apresentar benefícios palpáveis ao povo palestino, a estratégia de Sharon contribuiu diretamente para a vitória eleitoral do Hamas. Com o Hamas no poder, no entanto, Israel tem mais uma desculpa para não negociar. O governo americano apoiou as ações de Sharon (e as de seu sucessor, Ehud Olmert). Bush endossou até mesmo as anexações israelenses unilaterais dos Territórios Ocupados, invertendo a política declarada de todos os presidentes desde Lyndon Johnson.

Os representantes americanos dirigiram críticas moderadas a algumas das ações israelenses, mas pouco fizeram para ajudar a criar um Estado palestino viável. Sharon consegue que Bush "faça tudo que ele quer", disse o ex-conselheiro de segurança nacional Brent Scowcroft em outubro de 2004. Se Bush tentar distanciar os Estados Unidos de Israel, ou mesmo criticar as ações israelenses nos Territórios Ocupados, certamente enfrentará a ira do Lobby e de seus apoiadores no Congresso. Os candidatos democratas à Presidência entendem isso como ossos do ofício, e é essa a razão pela qual John Kerry fez de tudo para exibir apoio irrestrito a Israel em 2004, e Hillary Clinton está fazendo o mesmo hoje. Manter o apoio dos Estados Unidos às políticas de Israel contra os palestinos é essencial para o Lobby, mas suas ambições não param aí. Ele quer também que os Estados Unidos ajudem Israel a continuar sendo a potência regional dominante. O governo israelense e grupos pró-Israel nos Estados Unidos trabalharam juntos para moldar a política do governo americano em relação ao Iraque, à Síria e ao Irã, assim como seu grandioso esquema para reordenar o Oriente Médio.

As pressões de Israel e do Lobby não foram o único fator responsável pela decisão de atacar o Iraque em março de 2003, mas foram um fator decisivo. Alguns americanos acreditam que aquela foi uma guerra por petróleo, mas dificilmente há uma evidência direta que sustente essa afirmação. Antes, a guerra foi motivada em boa parte por um desejo de tornar Israel mais seguro. Segundo Philip Zelikow, ex-membro do Foreign Intelligence Advisory Board do presidente, diretor executivo da Comissão do 11 de Setembro, e hoje assessor de Condoleezza Rice, a "ameaça real" do Iraque não era uma ameaça aos Estados Unidos. A "ameaça não declarada" era a "ameaça contra Israel", disse Zelikow a uma platéia na Universidade da Virginia em setembro de 2002. "O governo americano", ele acrescentou, "não quer insistir demais nisso retoricamente, porque não é algo que tenha muita aceitação popular".

Em 16 de agosto de 2002, onze dias antes de Dick Cheney iniciar a campanha pela guerra com um discurso linha-dura aos Veterans of Foreign Wars, o Washington Post relatou que "Israel está exigindo que os representantes americanos não adiem um ataque militar contra Saddam Hussein, do Iraque". Nessa altura, de acordo com Sharon, a coordenação estratégica entre Israel e os Estados Unidos alcançou "dimensões sem precedentes", e funcionários da inteligência israelense passaram a Washington uma variedade de relatos alarmantes sobre programas de desenvolvimento de armas de destruição em massa do Iraque. Como disse mais tarde um general israelense aposentado, "a inteligência israelense teve participação plena na elaboração do quadro apresentado pela inteligência americana e britânica em relação à capacidade militar não-convencional do Iraque".

Os líderes israelenses estavam profundamente tensos quando Bush decidiu seguir os termos da autorização do Conselho de Segurança para a guerra, e se preocuparam ainda mais quando Saddam concordou em permitir o retorno ao país dos inspetores da ONU. "A campanha contra Saddam Hussein é inevitável", disse Shimon Peres aos repórteres em setembro de 2002. "Inspeções e inspetores são bons para pessoas decentes, mas pessoas desonestas conseguem enganar facilmente inspeções e inspetores."

Ao mesmo tempo, Ehud Barak escreveu um artigo para o New York Times advertindo que "o maior risco agora é a inação". Seu antecessor como primeiro-ministro, Binyamin Netanyahu, publicou um artigo semelhante no Wall Street Journal, intitulado: "O argumento para derrubar Saddam". "Hoje nada menos do que desmontar seu regime funcionará", ele declarou. "Creio que falo pela esmagadora maioria dos israelenses ao apoiar um ataque preventivo contra o regime de Saddam." Ou, como relatou o Ha'aretz em fevereiro de 2003, "a liderança militar e política anseia pela guerra no Iraque".

Como sugeriu Netanyahu, no entanto, o desejo de guerra não se restringia aos líderes de Israel. Além do Kuwait, que Saddam invadiu em 1990, Israel era o único país no mundo onde tanto os políticos como o público apoiavam a guerra. Como observou na época o jornalista Gideon Levy, "Israel é o único país no Ocidente cujos líderes apóiam irrestritamente a guerra e onde nenhuma opinião alternativa é expressada". De fato, os israelenses estavam tão animados que seus aliados nos Estados Unidos disseram a eles para moderarem sua retórica, senão pareceria que a guerra seria travada em benefício de Israel.

Nos Estados Unidos, a principal força propulsora da guerra era um pequeno bando de neoconservadores, muitos com ligações com o Likud. Mas líderes das principais organizações do Lobby emprestaram suas vozes à campanha. "Quando o presidente Bush tentou vender a [...] guerra no Iraque", relatou o Forward, "as organizações judaicas mais importantes dos Estados Unidos se manifestaram em uníssono em sua defesa. Numa declaração atrás da outra os líderes da comunidade enfatizaram a necessidade de livrar o mundo de Saddam Hussein e de suas armas de destruição em massa". O editorial diz ainda que "a preocupação com a segurança de Israel influenciou justificadamente as deliberações dos principais grupos judeus".

Embora os neoconservadores e outros líderes do Lobby estivessem ansiosos para invadir o Iraque, a comunidade judaica americana em geral não estava. Logo depois do início da guerra, Samuel Freedman relatou que "uma compilação de pesquisas de opinião de âmbito nacional feita pelo Research Center mostra que os judeus apóiam menos a guerra do Iraque do que a população em geral, 52% a 62%". Evidentemente, seria errado atribuir a culpa pela guerra no Iraque à "influência judaica". Antes, ela se deveu em grande parte à influência do Lobby, especialmente à dos neoconservadores que fazem parte dele.

Os neoconservadores estavam determinados a derrubar Saddam mesmo antes de Bush se tornar presidente. Eles causaram alvoroço no início de 1998 ao publicar duas cartas abertas a Clinton, exigindo a remoção de Saddam do poder. Os signatários, muitos deles com laços estreitos com grupos pró-Israel como o Jinsa e o Winep, e entre os quais estavam Elliot Abrams, John Bolton, Douglas Feith, William Kristol, Bernard Lewis, Donald Rumsfeld, Richard Perle e Paul Wolfowitz, não tiveram dificuldade para persuadir o governo Clinton a adotar a meta geral de desalojar Saddam. Mas eles não conseguiram vender a idéia de uma guerra para alcançar esse objetivo. E nos primeiros meses do governo Bush foram igualmente incapazes de gerar entusiasmo pela invasão do Iraque. Eles precisavam de ajuda para alcançar seu objetivo, e ela chegou com o 11 de Setembro. Especificamente, os acontecimentos daquele dia levaram Bush e Cheney a inverter o curso e tornar-se fortes proponentes de uma guerra preventiva.

Numa reunião decisiva com Bush em Camp David, em 15 de setembro, Wolfowitz defendeu atacar o Iraque antes do Afeganistão, embora não houvesse nenhuma prova de que Saddam estava envolvido nos ataques aos Estados Unidos e se soubesse que bin Laden estava no Afeganistão. Bush rejeitou o conselho e preferiu atacar o Afeganistão, mas a guerra ao Iraque era agora considerada uma possibilidade séria, e em 21 de novembro o presidente encarregou planejadores militares de desenvolver planos concretos para uma invasão.

Enquanto isso, outros neoconservadores trabalhavam nos corredores do poder. Ainda não dispomos da história completa, mas pesquisadores como Bernard Lewis, de Princeton, e Fouad Ajami, da Johns Hopkins, teriam cumprido papéis importantes no convencimento de Cheney de que a guerra era a melhor opção, embora neoconservadores da equipe dele — Eric Edelman, John Hannah e Scooter Libby, chefe de gabinete de Cheney e uma das pessoas mais poderosas do governo — também tenham cumprido seu papel. No começo de 2002, Cheney tinha convencido Bush; e com o engajamento de Bush e Cheney a guerra era inevitável.

Fora do governo, especialistas neoconservadores apressaram-se a apresentar o argumento de que invadir o Iraque era essencial para ganhar a guerra contra o terrorismo. Seus esforços se destinavam em parte a manter a pressão sobre Bush, e em parte a superar a oposição à guerra dentro e fora do governo. Em 20 de setembro, um grupo de importantes neoconservadores e seus aliados publicou mais uma carta aberta: "Mesmo que as evidências não liguem diretamente o Iraque ao ataque," dizia ela, "qualquer estratégia que tenha por objetivo a erradicação do terrorismo e de seus patrocinadores deve incluir um esforço determinado para remover Saddam Hussein do poder no Iraque". A carta também lembrava a Bush que "Israel tem sido e continua a ser o aliado leal dos Estados Unidos contra o terrorismo internacional". No número de 1º de outubro da Weekly Standard, Robert Kagan e William Kristol exigiam a mudança do regime no Iraque tão logo o Talibã fosse derrotado. No mesmo dia, Charles Krauthammer argumentou no Washington Post que, depois que os Estados Unidos tivessem terminado com o Afeganistão, o próximo deveria ser a Síria, seguida pelo Irã e pelo Iraque: "A guerra contra o terrorismo vai se concluir em Bagdá", quando pusermos fim ao "regime terrorista mais perigoso do mundo".

Esse foi o começo de uma campanha implacável de relações públicas para conquistar apoio a uma invasão do Iraque, que tinha como uma de suas partes cruciais a manipulação de informações de modo a fazer parecer que Saddam era uma ameaça iminente. Por exemplo, Libby pressionou analistas da CIA a encontrar provas que sustentassem o argumento em favor da guerra e ajudassem a preparar o hoje desacreditado relato de Colin Powell ao Conselho de Segurança da ONU. Dentro do Pentágono, o Policy Counterterrorism Evaluation Group foi encarregado de encontrar ligações entre a Al-Qaeda e o Iraque que a comunidade de inteligência supostamente deixara escapar. Seus dois principais membros eram David Wurmser, um neoconservador empedernido, e Michael Maloof, um libanês-americano estreitamente ligado a Perle. Outro grupo do Pentágono, o chamado Office of Special Plans, recebeu a tarefa de descobrir provas que pudessem ser usadas para vender a guerra. Ele era chefiado por Abram Shulsky, um neoconservador com laços antigos com Wolfowitz, e tinha entre seus membros pessoas recrutadas de think tanks pró-Israel. Esses órgãos foram criados depois do 11 de Setembro e se reportavam diretamente a Douglas Feith. Como praticamente todos os neoconservadores, Feith está profundamente comprometido com Israel e também tem laços antigos com o Likud. Ele escreveu artigos na década de 1990 apoiando os assentamentos e argumentando que Israel devia manter os Territórios Ocupados. Mais importante, juntamente com Perle e Wurmser, ele redigiu em junho de 1996 o famoso relatório "Clean Break" para Netanyahu, que acabara de se tornar primeiro-ministro. Entre outras coisas, o relatório recomendava que Netanyahu "se concentrasse em remover Saddam Hussein do poder no Iraque — um objetivo estratégico israelense importante por si só". Também exigia que Israel tomasse medidas para reordenar todo o Oriente Médio. Netanyahu não seguiu o conselho deles, mas Feith, Perle e Wurmser logo estavam pressionando o governo Bush para que adotasse os mesmos objetivos. O colunista Akiva Eldar, do Ha'aretz, advertiu que Feith e Perle "estão caminhando sobre uma linha estreita entre sua lealdade aos governos americanos [...] e aos interesses israelenses".

Wolfowitz está igualmente comprometido com Israel. O Forward o descreveu uma vez como "a mais belicosa voz pró-Israel no governo", e o escolheu em 2002 como o primeiro entre cinqüenta notáveis que "adotaram conscientemente o ativismo judeu". Mais ou menos na mesma época, o Jinsa concedeu a Wolfowitz o "Henry M. Jackson Distinguished Award" por ele ter promovido uma forte parceria entre Israel e os Estados Unidos; e o Jerusalem Post, descrevendo-o como "fortemente pró-Israel", o indicou como "Homem do Ano" em 2003.

Finalmente, cabe um breve comentário sobre o apoio dado antes da guerra pelos neoconservadores a Ahmed Chalabi, o inescrupuloso exilado iraquiano que dirigia o Iraqi National Congress (INC). Eles apoiaram Chalabi porque ele tinha estabelecido laços estreitos com grupos judeu-americanos e prometido fomentar boas relações com Israel quando conquistasse o poder. Isso era precisamente o que os proponentes da mudança de regime favoráveis a Israel queriam ouvir. Matthew Berger expôs a essência do pacto no Jewish Journal: "O INC via uma melhora das relações como um modo de tirar proveito da influência judaica em Washington e Jerusalém e ganhar maior apoio para sua causa. De sua parte, os grupos judeus viam uma oportunidade de criar condições para melhorar as relações entre Israel e o Iraque, se e quando o INC estiver envolvido na substituição do regime de Saddam Hussein".

Dada a dedicação dos neoconservadores a Israel, sua obsessão com o Iraque e sua influência no governo Bush, não é de surpreender que muitos americanos suspeitassem que a guerra tinha por objetivo promover interesses israelenses. No mês de março passado, Barry Jacobs, do American Jewish Committee, reconheceu que a crença de que Israel e os neoconservadores tinham conspirado para levar os Estados Unidos a uma guerra no Iraque estava "disseminada" na comunidade de inteligência. Mas poucas pessoas diriam isso em público, e a maioria das que o fizeram — entre elas o senador Ernest Hollings e o deputado James Moran — foi condenada por levantar a questão. Michael Kinsley escreveu no final de 2002 que "a falta de discussão pública sobre o papel de Israel [...] é o proverbial elefante na sala". A razão para a relutância a falar sobre isso, observou ele, era o medo de ser rotulado de anti-semita. Há pouca dúvida de que Israel e o Lobby foram fatores fundamentais na decisão de ir à guerra. Trata-se de uma decisão que os Estados Unidos teriam muito menos probabilidade de tomar sem os esforços desenvolvidos por eles. E se pretendia que a guerra fosse só o primeiro passo. Uma manchete de primeira página do Wall Street Journal logo depois do início da guerra diz tudo: "O sonho do presidente: mudar não só o regime mas uma região: uma área democrática pró-EUA é uma meta que tem raízes israelenses e neoconservadoras".

As forças pró-Israel estão há muito tempo interessadas em que as forças armadas dos Estados Unidos se envolvam mais diretamente no Oriente Médio. Mas tiveram pouco sucesso durante a Guerra Fria, porque os Estados Unidos agiram como um "equilibrador off-shore" na região. A maioria das forças criadas para o Oriente Médio, como a Rapid Deployment Force, foi mantida "no horizonte" e fora de alcance. A idéia era jogar potências locais uma contra a outra — e foi por isso que o governo Reagan apoiou Saddam contra o Irã revolucionário durante a guerra Irã-Iraque — com o objetivo de manter um balanço favorável aos Estados Unidos.

Essa política mudou depois da Guerra do Golfo, quando o governo Clinton adotou uma estratégia de "contenção dual". Forças americanas substanciais ficavam estacionadas na região para conter tanto o Irã como o Iraque, em vez de um ser usado para controlar o outro. O pai da contenção dual foi ninguém menos que Martin Indyk, o primeiro a esboçar a estratégia em maio de 1993 no Winep e quem depois a implementou como diretor do Near East and South Asian Affairs no Conselho de Segurança Nacional. Em meados da década de 1990 havia uma considerável insatisfação com a contenção dual, porque ela tornava os Estados Unidos o inimigo mortal de dois países que se odiavam, e obrigava Washington a carregar o peso de conter ambos. Mas era uma estratégia que o Lobby apoiava e trabalhava ativamente no Congresso para preservar. Pressionado pelo Aipac e por outras forças pró-Israel, Clinton endureceu a política na primavera de 1995 ao impor um embargo econômico ao Irã. Mas o Aipac e os outros queriam mais. O resultado foi o Iran and Libya Sanctions Act, de 1996, que impôs sanções a qualquer empresa estrangeira que investisse mais de US$ 40 milhões para desenvolver recursos petrolíferos no Irã ou na Líbia. Como notou na época Ze'ev Schiff, correspondente militar do Ha'aretz, "Israel é apenas um minúsculo elemento do grande esquema, mas não se deve concluir que ele não é capaz de influenciar aqueles que estão em Washington".

No entanto, no final da década de 1990, os neoconservadores argumentavam que a contenção dual não era suficiente e que a mudança de regime no Iraque era essencial. Ao derrubar Saddam e transformar o Iraque em uma democracia, eles argumentavam, os Estados Unidos deflagrariam um processo de mudança de longo alcance em todo o Oriente Médio. A mesma linha de raciocínio era evidente no estudo "Clean Break", que os neoconservadores redigiram para Netanyahu. Em 2002, quando uma invasão do Iraque estava na ordem do dia, a transformação regional era um artigo de fé em círculos neoconservadores. Charles Krauthammer descreve esse esquema grandioso como fruto da imaginação de Natan Sharansky, mas israelenses de todo o espectro político acreditavam que derrubar Saddam alteraria o Oriente Médio em favor de Israel. Aluf Benn relatou no Ha'aretz (17 de fevereiro de 2003):

Oficiais de alto escalão das forças armadas israelenses e aqueles próximos do primeiro-ministro Ariel Sharon, como o conselheiro de Segurança Nacional Ephraim Halevy, pintam um quadro cor-de-rosa do maravilhoso futuro que Israel pode esperar depois da guerra. Eles imaginam um efeito-dominó, com a queda de Saddam Hussein seguida pela de outros inimigos de Israel [...] Com o desaparecimento desses líderes, desaparecerão o terror e as armas de destruição em massa.

Quando Bagdá caiu em meados de abril de 2003, Sharon e seus tenentes começaram a pressionar Washington para se voltar contra Damasco. Em 16 de abril, Sharon, entrevistado no Yedioth Ahronoth, pediu que os Estados Unidos fizessem uma pressão "muito forte" sobre a Síria, enquanto Shaul Mofaz, seu ministro da Defesa, entrevistado pelo Ma'ariv, disse: "Temos uma longa lista de questões que pensamos em exigir do sírios, e é adequado que isso seja feito por meio dos americanos". Ephraim Halevy disse a uma platéia da Winep que agora era importante que os Estados Unidos endurecessem com a Síria, e o Washington Post relatou que Israel estava "alimentando a campanha" contra a Síria ao fornecer à inteligência americana relatórios sobre as ações de Bashar Assad, o presidente sírio.

Membros importantes do Lobby usaram os mesmos argumentos. Wolfowitz declarou que "é preciso haver uma mudança de regime na Síria", e Richard Perle disse a um jornalista que "uma mensagem curta, de poucas palavras" podia ser enviada a outros regimes hostis no Oriente Médio: "Vocês são os próximos". No começo de abril, a Winep divulgou um comunicado bipartidário declarando que a Síria "não deve esquecer a mensagem de que países que adotam o comportamento temerário, irresponsável e desafiador de Saddam podem ter o mesmo destino que ele". Em 15 de abril, Yossi Klein Halavi escreveu um artigo no Los Angeles Times intitulado "Depois, apertar a Síria", enquanto no dia seguinte Zev Chafets escreveu um artigo para o New York Daily News intitulado "A Síria, amiga do terror, também precisa de uma mudança". Insuperável, Lawrence Kaplan escreveu na New Republic em 21 de abril que Assad era uma séria ameaça aos Estados Unidos.

No Capitólio, o congressista Eliot Engel havia reapresentado o Syria Accountability and Lebanese Sovereignty Restoration Act. Ele ameaçava com sanções contra a Síria se o país não se retirasse do Líbano, desistisse de suas armas de destruição em massa e parasse de apoiar o terrorismo, e também exigia que a Síria e o Líbano tomassem medidas concretas para fazer as pazes com Israel. Essa legislação era fortemente apoiada pelo Lobby — especialmente pelo Aipac — e "arquitetada", segundo a Jewish Telegraph Agency, "por alguns dos melhores amigos de Israel no Congresso". O governo Bush tinha pouco entusiasmo por ela, mas o decreto anti-Síria foi aprovado por uma maioria esmagadora (398 a 4 na Câmara; 89 a 4 no Senado), e Bush o sancionou em 12 de dezembro de 2003.

O governo ainda estava dividido a respeito da sensatez de atacar a Síria. Embora os neoconservadores estivessem ansiosos para começar uma briga com Damasco, a CIA e o Departamento de Estado se opunham à idéia. E mesmo depois de Bush ter sancionado a nova lei, ele enfatizou que a implementaria lentamente. Sua ambivalência é compreensível. Primeiro, o governo sírio não só estava fornecendo informações importantes sobre a Al-Qaeda desde o 11 de Setembro: tinha também avisado Washington sobre um possível ataque terrorista no Golfo e dado a interrogadores da CIA acesso a Mohammed Zamar, o suposto recrutador de alguns dos seqüestradores do 11 de Setembro. Visar o regime de Assad poria em risco essas valiosas ligações, e portanto prejudicaria a guerra geral contra o terrorismo. Em segundo lugar, as relações da Síria com Washington antes da guerra do Iraque não eram ruins (o país tinha até votado a favor da resolução 1441 da ONU), e ela não era uma ameaça aos Estados Unidos. Jogar pesado com ela faria os Estados Unidos parecerem um valentão com uma propensão insaciável por derrotar Estados árabes. Em terceiro lugar, colocar a Síria na lista de alvos daria a Damasco um poderoso incentivo para criar problemas no Iraque. Mesmo que se quisesse pressionar, era melhor primeiro terminar o trabalho no Iraque. Mas o Congresso insistia em apertar Damasco, basicamente em resposta à pressão de representantes israelenses e grupos como o Aipac. Se não houvesse o Lobby, não teria havido o Syria Accountability Act, e a política dos Estados Unidos para Damasco estaria mais alinhada com o interesse nacional.

Os israelenses tendem a descrever qualquer ameaça nos termos mais tenebrosos, mas o Irã é visto em geral como seu inimigo mais perigoso, porque é o que tem maior probabilidade de adquirir armas nucleares. Praticamente todos os israelenses consideram um país islâmico do Oriente Médio com armas nucleares uma ameaça à sua existência. "O Iraque é um problema [...] mas você deve entender que, em minha opinião, hoje o Irã é mais perigoso que o Iraque", observou o ministro da Defesa, Binyamin Ben-Eliezer, um mês antes da guerra do Iraque.

Sharon começou a empurrar os Estados Unidos para o confronto com o Irã em novembro de 2002, em uma entrevista ao Times. Descrevendo o Irã como "centro do terror mundial", e propenso a adquirir armas nucleares, ele declarou que o governo Bush devia se voltar contra o Irã "no dia seguinte" à conquista do Iraque. No final de abril de 2003, o Ha'aretz relatou que o embaixador israelense em Washington estava exigindo uma mudança de regime no Irã. A derrubada de Saddam, ele observou, "não é suficiente". Em suas palavras, os Estados Unidos "têm de continuar. Ainda temos grandes ameaças da mesma magnitude vindas da Síria, vindas do Irã".

Também os neoconservadores se apressaram a argumentar em favor da mudança de regime em Teerã. Em 6 de maio, o American Enterprise Institute co-patrocinou uma conferência de dia inteiro sobre o Irã com a Foundation for the Defense of Democracies e o Hudson Institute, ambos defensores de Israel. Os conferencistas eram todos muito favoráveis a Israel, e muitos exigiram que os Estados Unidos substituíssem o regime iraniano por uma democracia. Como sempre, um grande número de artigos de neoconservadores proeminentes apresentou argumentos para atacar o Irã. "A libertação do Iraque foi a primeira grande batalha pelo futuro do Oriente Médio [...] mas a próxima grande batalha — não, esperamos, uma batalha militar — será pelo Irã", escreveu William Kristol na Weekly Standard em 12 de maio.

O governo reagiu à pressão do Lobby trabalhando exaustivamente para interromper o programa nuclear do Irã. Mas Washington tem tido pouco sucesso, e o Irã parece determinado a criar um arsenal nuclear. Em conseqüência, o Lobby intensificou sua pressão. Artigos de opinião e outros artigos agora chamam a atenção para os perigos iminentes de um Irã nuclear, advertem contra qualquer conciliação com um regime "terrorista", e insinuam sombriamente uma ação preventiva se a diplomacia fracassar. O Lobby está pressionando o Congresso para a aprovação do Iran Freedom Support Act, que ampliaria as sanções existentes. Representantes israelenses também advertem que podem empreender a ações dissuasivas caso o Irã continue no caminho nuclear, ameaças que pretendem em parte manter a atenção de Washington sobre o assunto.

Poder-se-ia argumentar que Israel e o Lobby não tiveram muita influência na política para o Irã, porque os Estados Unidos têm suas próprias razões para evitar que o Irã adquira armamentos nucleares. Há alguma verdade nisso, mas as ambições nucleares do Irã não são uma ameaça direta aos Estados Unidos. Se Washington conseguiu viver com uma União Soviética nuclear, uma China nuclear ou mesmo uma Coréia do Norte nuclear, pode também viver com um Irã nuclear. E é por isso o que o Lobby precisa manter uma pressão constante para que os políticos confrontem Teerã. O Irã e os Estados Unidos dificilmente seriam aliados mesmo que o Lobby não existisse, mas a política dos Estados Unidos seria mais moderada e a guerra preventiva não seria uma opção séria. Não é de surpreender que Israel e seus defensores americanos queiram que os Estados Unidos lidem com toda e qualquer ameaça à segurança de Israel. Se seus esforços para moldar a política dos Estados Unidos forem bem-sucedidos, os inimigos de Israel serão enfraquecidos ou derrubados, Israel terá liberdade para fazer o que quiser com os palestinos, e os Estados Unidos travarão a maioria dos combates, morrendo, reconstruindo e pagando. Mas mesmo que os Estados Unidos não consigam transformar o Oriente Médio e se vejam em conflito com um mundo árabe e islâmico cada vez mais radicalizado, Israel terminará protegido pela única superpotência do mundo. Esse não é um resultado perfeito do ponto de vista do Lobby, mas é obviamente preferível ao distanciamento de Washington, ou ao uso pelos Estados Unidos de sua influência para obrigar Israel a fazer a paz com os palestinos.

O poder do Lobby pode ser reduzido? Seria de se pensar que sim, dadas a derrocada do Iraque, a óbvia necessidade de reconstruir a imagem dos Estados Unidos no mundo árabe e islâmico e as recentes revelações sobre a passagem a Israel, por funcionários do Aipac, de informações secretas do governo americano. Poder-se-ia pensar também que a morte de Arafat e a eleição do mais moderado Mahmoud Abbas levariam Washington a pressionar vigorosamente e de forma mais isenta por um acordo de paz. Em resumo, há amplas bases para que os líderes se distanciem do Lobby e adotem uma política para o Oriente Médio mais coerente com os interesses americanos gerais. Em particular, usar o poder americano para alcançar uma paz justa entre Israel e os palestinos ajudaria a avançar a causa da democracia na região.

Mas isso não vai acontecer — de qualquer maneira, não logo. O Aipac e seus aliados (entre eles os sionistas cristãos) não têm oponentes sérios no mundo do lobby. Eles sabem que ficou mais difícil defender Israel hoje, e reagem contratando pessoal e expandindo suas atividades. Além disso, os políticos americanos permanecem extremamente sensíveis a contribuições de campanha e outras formas de pressão política, e os órgãos mais importantes da mídia provavelmente continuarão a ser simpáticos a Israel independentemente do que Israel faça.

A influência do Lobby causa problemas em várias frentes. Aumenta o perigo terrorista que todos os Estados enfrentam — inclusive os aliados europeus dos Estados Unidos. Tornou impossível pôr fim ao conflito israelense-palestino, uma situação que dá aos extremistas uma poderosa ferramenta de recrutamento, aumenta a reserva de potenciais terroristas e simpatizantes, e contribui para o radicalismo islâmico na Europa e na Ásia. Igualmente preocupante, a campanha do Lobby em favor da mudança de regime no Irã e na Síria pode levar os Estados Unidos a atacar esses países, com efeitos potencialmente desastrosos. Não precisamos de mais um Iraque. No mínimo, a hostilidade do Lobby em relação à Síria e ao Irã torna quase impossível para Washington recrutá-los para a luta contra a Al-Qaeda e a insurgência iraquiana, na qual a ajuda deles é extremamente necessária.

Há aqui também uma dimensão moral. Graças ao Lobby, os Estados Unidos se tornaram na prática o capacitador da expansão israelense nos Territórios Ocupados, o que fez deles cúmplices nos crimes perpetrados contra os palestinos. Essa situação debilita os esforços do governo americano para promover a democracia no exterior e o faz parecer hipócrita quando pressiona outros Estados a respeitar os direitos humanos. Os esforços americanos para limitar a proliferação nuclear parecem igualmente hipócritas dada a sua disposição de aceitar o arsenal nuclear de Israel, o que só estimula o Irã e outros a buscar uma capacidade semelhante.

Ademais, a campanha do Lobby para reprimir o debate sobre Israel é perniciosa para a democracia. Silenciar os céticos organizando listas negras e boicotes — ou sugerindo que os críticos são anti-semitas — viola o princípio do debate aberto do qual a democracia depende. A incapacidade do Congresso para conduzir um debate genuíno dessas questões importantes paralisa todo o processo de deliberação democrática. Os apoiadores de Israel devem ter liberdade para apresentar seus argumentos e contestar aqueles que discordam deles, mas os esforços para abafar o debate por meio de intimidação devem ser vigorosamente condenados.

Por fim, a influência do Lobby tem sido ruim para Israel. Sua capacidade de convencer Washington a apoiar uma agenda expansionista desestimulou Israel a aproveitar oportunidades — entre elas um tratado de paz com a Síria e uma pronta e plena implementação dos acordos de Oslo — que teriam poupado vidas israelenses e encolhido as fileiras de extremistas palestinos. Negar aos palestinos seus direitos políticos legítimos por certo não tornou Israel mais seguro, e a longa campanha para matar ou marginalizar uma geração de líderes palestinos reforçou grupos extremistas como o Hamas, e reduziu o número de líderes palestinos dispostos a aceitar um acordo justo e capazes de pô-lo em prática. Até Israel estaria provavelmente melhor se o Lobby fosse menos poderoso e a política dos Estados Unidos mais imparcial.

Contudo, há um raio de esperança. Embora o Lobby continue sendo uma força poderosa, os efeitos adversos de sua influência são cada vez mais difíceis de esconder. Estados poderosos podem manter políticas errôneas por muito tempo, mas a realidade não pode ser ignorada para sempre. O que é necessário é uma discussão franca da influência do Lobby e um debate mais aberto sobre os interesses dos Estados Unidos nessa região vital. O bem-estar de Israel é um desses interesses, mas sua ocupação continuada da Cisjordânia e sua agenda regional mais ampla não são. O debate aberto exporá os limites do argumento estratégico e moral em favor do apoio americano unilateral e poderia levar os Estados Unidos a uma posição mais coerente com seus interesses nacionais, com os interesses de outros Estados da região e também com os interesses de longo prazo de Israel.

Referências bibliográficas

  • [1] Artigo publicado na London Review of Books em 23 de março de 2006.
  • 2
    que sustentam esses grupos e procuram obter armas de destruição em massa. Considera-se que isso significa não só que Washington deve dar a Israel liberdade para lidar com os palestinos e não pressioná-lo a fazer concessões até que todos os terroristas palestinos estejam presos ou mortos, mas também que os Estados Unidos devem perseguir países como o Irã e a Síria. Israel é visto, portanto, como um aliado decisivo na guerra contra o terror, porque seus inimigos são inimigos dos Estados Unidos. De fato, Israel é um fardo na guerra contra o terror e no esforço mais amplo de lidar com "Estados patifes". O "terrorismo" não é um adversário único, mas uma tática empregada por um amplo conjunto de grupos políticos. As organizações terroristas que ameaçam Israel não ameaçam os Estados Unidos, a não ser quando estes intervêm contra elas (como no Líbano em 1982). Além disso, o terrorismo palestino não é uma violência aleatória dirigida contra Israel ou "o Ocidente"; é basicamente uma resposta à prolongada campanha de Israel para colonizar a Cisjordânia e a Faixa de Gaza.
  • 3
    por uma gangue muçulmana, dezenas de milhares de manifestantes saíram às ruas para condenar o anti-semitismo. Jacques Chirac e Dominique Villepin compareceram à cerimônia em memória da vítima para demonstrar solidariedade.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Fev 2007
    • Data do Fascículo
      Nov 2006
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