Open-access COMO O CRESCIMENTO EVANGÉLICO SE TRANSFORMA EM REPRESENTAÇÃO POLÍTICA? Comparando Brasil, Colômbia e Chile

How Does the Evangelical Growth Transform into Political Representation? Comparing Brazil, Colombia and Chile

RESUMO

Por que a representação política evangélica nos parlamentos latino-americanos varia tanto? A partir de um estudo dos casos de Brasil, Colômbia e Chile, argumento que o crescimento da população evangélica, por si só, não se traduz necessariamente em maior número de evangélicos eleitos. A transformação do crescimento evangélico em representação política é mediada pelas instituições políticas e pela estrutura interna das igrejas.

PALAVRAS-CHAVE: evangélicos; pentecostais; igrejas; eleições; América Latina

ABSTRACT

Why does the evangelical political representation in Latin American parliaments vary so much? Based on a study of the cases of Brazil, Colombia and Chile, I argue that the growth of the evangelical population, per se, does not necessarily translate into a greater number of elected evangelicals. The transformation of evangelical growth into political representation is mediated by political institutions and the internal structure of the churches.

KEYWORDS: evangelicals; pentecostals; churches; elections; Latin America

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, a expansão da população evangélica ocorreu por quase toda a América Latina. Essa expansão, porém, deu-se de modo desigual. Se em 2019, no Uruguai, apenas um décimo da população se declarava evangélica, os evangélicos em Honduras perfaziam mais de 50% da população.1 Nos parlamentos latino-americanos, há uma presença cada vez mais expressiva de representantes evangélicos. No entanto, essa presença se dá de modo variado nos diferentes países da região. Apesar do número crescente de estudos de caso, ainda há poucos estudos comparados sobre a representação política evangélica na América Latina.2

O objetivo deste artigo é explicar como o crescimento da população evangélica se transforma em representação política na América Latina. Para tanto, ofereço uma comparação entre Brasil, Colômbia e Chile. Sob muitos aspectos, o Brasil é um dos casos mais conhecidos e de maior sucesso eleitoral evangélico latino-americano. Na Colômbia, a presença evangélica na política vem se tornando expressiva, tendo alcançado particular destaque com o papel dos evangélicos no plebiscito para o acordo de paz com as Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia (FARC). Em termos eleitorais, a presença de evangélicos no Congresso colombiano também vem crescendo, ainda que em grau menor do que no brasileiro. O Chile possui um dos movimentos protestantes mais antigos da região. Além disso, a população evangélica chilena é, em termos percentuais, maior do que a colombiana. No entanto, o número de candidatos evangélicos eleitos para o Parlamento chileno é menor do que para o colombiano.3 A escolha desses três casos se justifica pela variação do sucesso eleitoral evangélico em cada um dos países, mas também pela disponibilidade de dados e bibliografia. A maior parte dos países latino-americanos possui poucos dados disponíveis sobre candidaturas evangélicas e nem todos têm uma literatura desenvolvida sobre o tema.

Este trabalho contribui para uma melhor compreensão da representação política evangélica e do modo como fatores institucionais moldam essa representação. Nesse sentido, ele se perfila na esteira de trabalhos como os de Taylor C. Boas (2021, 2020), Claudia Cerqueira (2021), Amy Erica Smith (2019), José Luis Pérez Guadalupe (2020) e Fabio Lacerda (2018), entre outros. Apresento evidências de que o crescimento da população evangélica, por si só, não se traduz necessariamente em maior número de evangélicos eleitos para o Parlamento. A transformação desse crescimento em representação política é mediada tanto pelas instituições políticas quanto pela estrutura interna das igrejas. Mais especificamente, este artigo é, salvo engano, o primeiro estudo comparado a mostrar que a expansão da representação política evangélica na América Latina se deve ao sucesso de poucas grandes igrejas pentecostais centralizadas.

O pentecostalismo é um ramo do protestantismo que surge no início do século XX, nos Estados Unidos, e enfatiza os dons do Espírito Santo (dons de cura, expulsão de demônios, profecias, falar em línguas). O sucesso eleitoral evangélico brasileiro está, em grande medida, baseado no sucesso de igrejas pentecostais como as Assembleias de Deus (AD) e a Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd). A partir da década de 1980, essas igrejas adotaram um modo corporativo de representação política, apoiando “candidatos oficiais” para as eleições legislativas. Elas foram favorecidas pela relativa abertura do sistema partidário brasileiro (e dos partidos brasileiros), pela eleição para a Assembleia Constituinte de 1986 e pela alta magnitude dos distritos eleitorais.

Na Colômbia, a incursão pentecostal começou na década de 1990, na esteira da Assembleia Constituinte de 1991. Candidatos evangélicos buscavam igualdade religiosa, já que a Igreja Católica gozava de status privilegiado em relação às demais. O sistema partidário colombiano, embora menos aberto do que o brasileiro à entrada de novos partidos, ainda assim viu a criação de diversos partidos evangélicos. Porém, cláusulas de barreira criadas por reformas eleitorais na década de 2000 acabaram com todos eles. A única exceção foi o Movimiento Independiente de Renovación Absoluta (Mira), braço político da Iglesia de Dios Ministerial de Jesucristo Internacional (IDMJI).

Por fim, o Chile é um caso de baixo sucesso eleitoral evangélico. Embora tenha um movimento protestante tão antigo quanto o brasileiro, o pentecostalismo chileno é um dos mais autóctones e se formou em grande medida a partir de uma única igreja, a Iglesia Metodista Pentecostal. Não surgiram, no país, igrejas pentecostais com o perfil e o tamanho da Iurd ou da IDMJI. Além disso, o sistema partidário chileno é comparativamente menos aberto a novos partidos. Os distritos eleitorais chilenos possuem baixa magnitude, o que também dificultaria a entrada de representantes minoritários nas listas partidárias.

Embora não apresente um mecanismo causal que explique o sucesso eleitoral das igrejas pentecostais, argumento que as variáveis mencionadas - estrutura da igreja, sistema partidário, regras eleitorais e realização de uma Assembleia Constituinte - estão associadas ao sucesso eleitoral evangélico. A interação entre, de um lado, tamanho e organização interna das igrejas e, de outro, as regras do sistema político faz com que evangélicos consigam aumentar sua representação política em certos países latino-americanos mais do que em outros.

SUCESSO ELEITORAL EVANGÉLICO

Na literatura da ciência política é possível encontrar diferentes medidas de “sucesso eleitoral”, a depender do desenho da pesquisa, da unidade de análise empregada e da disponibilidade de dados. Nesta pesquisa, entendo o sucesso eleitoral evangélico como o grau de congruência entre a população evangélica de um país e o número de evangélicos eleitos para o Legislativo nacional. Quanto mais a proporção de legisladores evangélicos espelhar a proporção de evangélicos na população, maior será seu sucesso eleitoral. Essa forma de medir o sucesso eleitoral parece apropriada porque, primeiro, permite a comparação entre países, e, segundo, enfatiza a capacidade da população evangélica de se fazer representar politicamente. “Sucesso”, nesse sentido, seria o grau de representação descritiva obtido, e não necessariamente o número absoluto de evangélicos eleitos.4

Para medir o grau de sucesso eleitoral dos países analisados, tomei como base o número de cadeiras de seus respectivos congressos, ou seja, das duas câmaras. Brasil, Colômbia e Chile possuem congressos bicamerais. No caso brasileiro, a grande maioria dos candidatos evangélicos ao Legislativo tem sido eleita para a Câmara dos Deputados. Poucos evangélicos são eleitos para o Senado. No caso colombiano, no entanto, ocorre o inverso: a maioria dos evangélicos tem sido eleita para o Senado, e a minoria para a Câmara de Representantes. No caso chileno, a maior parte dos poucos evangélicos eleitos se elege para a Câmara dos Deputados, embora alguns se elejam para o Senado. Por conta disso, parece importante que a análise não seja restrita apenas à câmara baixa, mas que abarque também a câmara alta.

A Tabela 1 apresenta o grau de representação evangélica nos três países no ano de 2018. Os dados sobre a população evangélica são do AmericasBarometer, feito pelo Lapop. Dos três, o Brasil é o caso de maior sucesso eleitoral. Em 2018, a proporção de evangélicos eleitos para o Congresso foi de 15,1%, o que representa quase metade da proporção de evangélicos na população (31,2%). No caso colombiano, a fração de evangélicos eleitos foi de 3,9%, o que representa menos de um quarto da fração de evangélicos na população (17,5%). No caso do Chile, o sucesso eleitoral evangélico é ainda menor: a proporção de evangélicos eleitos foi de 2,5%, o que representa um oitavo da proporção de evangélicos na população (20,6%).

TABELA 1
Representação evangélica (2018)

Fonte: Para os percentuais de população evangélica em cada país, ver Lapop (2018). Para o número de evangélicos eleitos na Colômbia e no Chile, ver, respectivamente, Juan D. V. Montoya (2018) e Guillermo Sandoval (2018).

A Tabela 1 também apresenta o número absoluto de evangélicos eleitos para o Congresso de cada país. O maior sucesso eleitoral dos evangélicos no Brasil não se dá apenas em termos proporcionais como também em termos absolutos. O número de evangélicos eleitos para o Legislativo brasileiro vem crescendo de modo consistente, como pode ser visto no Gráfico 1. Assim, parece seguro afirmar que, entre os países analisados, o Brasil possui o maior sucesso eleitoral evangélico; a Colômbia apresenta um sucesso intermediário; e o caso chileno é o de menor sucesso eleitoral.

GRÁFICO 1
Número de evangélicos eleitos para os Congressos do Brasil, da Colômbia e do Chile

ASSEMBLEIAS CONSTITUINTES

Uma Assembleia Constituinte é uma convenção eleita com o propósito de adotar uma nova Carta Constitucional. A atual Constituição brasileira foi promulgada em 1988 a partir dos trabalhos de uma Assembleia Constituinte eleita em 1986, ao fim de duas décadas de ditadura militar. A atual Constituição colombiana foi publicada em 1991, após uma Asamblea Nacional Constituyente ter sido eleita em 1990 para tal fim. Ao contrário da brasileira e da colombiana, a atual Constituição chilena não foi criada por uma Assembleia Constituinte: ela foi promulgada em 1980, durante o regime militar de Pinochet, e elaborada por uma comissão criada pelo regime.

As eleições para as assembleias constituintes contribuíram para que igrejas evangélicas se engajassem no processo de competição política no Brasil e na Colômbia. A ausência de oportunidade para influenciar o processo constituinte no Chile não incentivou os líderes evangélicos do país a explorar a identidade política evangélica (Boas, 2021). Foi apenas em outubro de 2019 que manifestações de rua passaram a pressionar o governo chileno e exigir uma nova Assembleia Constituinte democrática.

O primeiro representante evangélico do Legislativo federal brasileiro foi eleito em 1933. Em 1982, doze evangélicos foram eleitos para a Câmara dos Deputados. Nas eleições de 1986, esse número saltou para 32. Foi essa eleição que formou o Congresso Constituinte do qual resultaria, anos depois, a Constituição de 1988, vigente até hoje. Cabe notar também que em 1986 foi eleito um grande número de evangélicos oriundos de igrejas pentecostais (treze das AD, dois da Igreja do Evangelho Quadrangular e um da Iurd). O crescimento do número de parlamentares evangélicos em 1986 pode ser explicado em parte pelo impulso de líderes evangélicos para buscar igualdade de status com a Igreja Católica na vida pública brasileira (Freston, 1993). Porém, esse impulso foi fortalecido pela conjuntura favorável criada pela redemocratização e pelas eleições para a Constituinte.

No que se refere à Colômbia, os evangélicos colombianos começaram a ganhar visibilidade e a se mobilizar politicamente a partir das eleições para a Assembleia Constituinte em 1991. A incursão política evangélica nos anos 1990 foi baseada em demandas por igualdade religiosa e um Estado que protegesse as diferentes expressões religiosas, e não apenas o catolicismo (Ortega, 2018a). Assim, entre 1989 e 1990, foi criado o primeiro partido evangélico colombiano, o Partido Nacional Cristiano (PNC), liderado pela pastora Claudia Rodríguez de Castellanos, da igreja Misión Carismática Internacional. Um ano depois, o pastor norte-americano Colin Crawford, naturalizado colombiano, criou outro partido, o Movimiento Unión Cristiana (MUC), que obteve duas cadeiras na Assembleia Constituinte (Montoya, 2018). Ainda em 1991, foi criada a Frente de Esperanza (FE), e, em 1992, o Compromiso Cívico y Cristiano por la Comunidad (C4), que chegou ao Senado em 1994 com a eleição do líder evangélico Jimmy Chamorro.

Além da luta pela laicidade do Estado (formalmente católico até a Constituição de 1991), a mobilização evangélica foi favorecida também pelas reformas introduzidas no sistema eleitoral colombiano, em particular pela adoção da circunscrição nacional para o Senado, que diminuiu o número de votos necessários para a obtenção de uma cadeira na câmara alta, e pela flexibilização da cláusula de barreira, que caiu para 1% (Montoya, 2018). Essas mudanças facilitaram a entrada das igrejas evangélicas no Legislativo colombiano.

No que se refere ao Chile, do fim do século XIX até a década de 1970, nove evangélicos foram eleitos para o Parlamento: seis luteranos, um presbiteriano, um batista e um anglicano (Sandoval, 2018). Com o golpe militar de 11 de setembro de 1973, as Igrejas Católica e Luterana se mobilizaram - não sem divisões internas - para assumir a defesa dos direitos humanos sob a ditadura nascente. Isso levou o regime militar a buscar legitimidade religiosa nas igrejas evangélicas. É possível também que a recíproca seja verdadeira: algumas igrejas evangélicas teriam visto no apoio ao regime militar a possibilidade de obter legitimidade política (Fediakova, 2004). A aproximação entre Pinochet e os evangélicos contribuiu para a inauguração, em 1974, da Catedral Evangélica. Embora a literatura tenha enfatizado o apoio do pentecostalismo chileno à ditadura militar (Bastian, 1994; Stoll, 1990), a caracterização do comportamento político pentecostal no Chile deve ser matizada. Segundo Hans Tennekes (1985), 77% dos pentecostais entrevistados em Santiago votaram na Unidad Popular, a aliança política de Salvador Allende, em 1970. Mesmo após o golpe, alguns líderes pentecostais se opuseram ao regime militar (Mansilla; Orellana, 2016).

Após a redemocratização, evangélicos continuaram ocupando cadeiras no Congresso chileno. No entanto, seu perfil mudou. Entre 1990 e 2018, quatro evangélicos foram eleitos para o Senado e sete para a Câmara, totalizando onze congressistas evangélicos. Desse número, seis são oriundos de igrejas pentecostais (Sandoval, 2018).

REPRESENTAÇÃO CORPORATIVA PENTECOSTAL5

A eleição para a Assembleia Constituinte brasileira de 1986 foi o marco para a adoção, por parte de certas igrejas pentecostais, de um modelo corporativo de representação política. As igrejas passaram a adotar candidatos oficiais e promovê-los junto aos fiéis (Freston, 1993). No entanto, a representação corporativa pentecostal foi um fenômeno circunscrito a umas poucas grandes igrejas: aquelas altamente centralizadas, controladas de forma hierárquica por um líder e que não encorajam a participação política de leigos - exceto aqueles oficialmente apoiados pela igreja. O Brasil é conhecido por possuir grandes igrejas pentecostais centralizadas, das quais a mais emblemática é a Iurd. Tal fenômeno também ocorre na Colômbia, ainda que em grau não tão desenvolvido quanto o brasileiro. A IDMJI é, tal qual a Igreja Universal no Brasil, responsável por grande parte do sucesso eleitoral evangélico colombiano. No Chile, ao contrário, o desenvolvimento do pentecostalismo não levou ao surgimento de igrejas pentecostais nesses moldes.

O Brasil tem um grande número de igrejas evangélicas, mas relativamente poucas lançam candidatos ao Congresso. E, entre elas, um número ainda menor consegue eleger um representante. O crescimento do número de parlamentares evangélicos no Brasil se deve, pois, ao sucesso de um pequeno número de igrejas pentecostais grandes e com estrutura centralizada. Entre as mais bem-sucedidas estão a Iurd e as AD. Essas igrejas são responsáveis por boa parte dos deputados federais evangélicos eleitos nas últimas décadas. Nas eleições de 2018, aproximadamente 60% deles eram provenientes da Iurd ou das ad.6

Fundada em 1977 no Rio de Janeiro por Edir Macedo, a Iurd pode ser considerada o caso prototípico de sucesso eleitoral evangélico no Brasil. Os candidatos apoiados pela igreja apresentam uma alta taxa de sucesso. Entre 1998 e 2018, em cada uma das eleições para a Câmara dos Deputados, mais de 50% dos candidatos apoiados pela Universal foram eleitos. A única exceção foi 2006, quando a taxa de sucesso caiu para 25%. A estrutura centralizada da Iurd lhe permite coordenar as candidaturas de modo a evitar competição interna. Além disso, a Iurd controla um partido político, o Republicanos, que é formalmente laico, mas cujas principais instâncias decisórias são dominadas por membros da igreja (Cerqueira, 2021; Gutierrez, 2016). Assim, a grande maioria dos candidatos fica concentrada no partido, ao contrário de outras igrejas, que dispersam seus candidatos em vários partidos.7

O mesmo modelo de representação corporativa pentecostal pode ser encontrado na Colômbia, ainda que de forma menos desenvolvida. Conforme mencionado na seção anterior, a Assembleia Constituinte colombiana de 1991 impulsionou a mobilização política dos evangélicos. Essa mobilização se deu pela criação de partidos políticos: em 2000, foi criado o Mira, braço político da IDMJI, fundada em 1972 por Luis Eduardo Moreno, em Bogotá. A IDMJI é um exemplo de igreja que adota o modelo de representação corporativa pentecostal.

Deve-se sublinhar que as igrejas evangélicas colombianas possuem muito menos fiéis do que as brasileiras (Beltrán, 2013). Apesar das reformas eleitorais da década de 2000, o número de representantes evangélicos na Colômbia cresceu a partir de 2010. Esse crescimento é, em grande medida, tributário do sucesso do Mira. Desde a sua fundação, o Mira obteve catorze cadeiras no Congresso colombiano (nove para o Senado e seis para a Câmara de Representantes). Considerando-se que, desde 2002, evangélicos obtiveram 31 cadeiras no Congresso, o Mira foi responsável por quase metade dos evangélicos eleitos no período.

O modelo de representação corporativa pentecostal, que se disseminou no Brasil e em menor medida na Colômbia, não ocorre no Chile. O pentecostalismo chileno surgiu no início do século XX. O catolicismo foi religião oficial do Estado até 1925 e, ainda assim, apenas em outubro de 1999, com a lei n. 19.638, promulgada pelo presidente Eduardo Frei Ruiz-Tagle (PDC), estabeleceu-se a igualdade legal entre a Igreja Católica e as demais igrejas presentes no país. Segundo Paul Freston (2001), o Chile tem o protestantismo mais pentecostalizado da América Latina, e esse pentecostalismo, por sua vez, é um dos mais autóctones e populares da região (Fediakova, 2004). A divisão entre protestantes históricos e protestantes pentecostais no país se sobrepôs, grosso modo, à divisão entre missionários e nacionalistas, que se deu em 1909, com o cisma da Igreja Metodista.

O pentecostalismo chileno é fruto dessa cisão. Dela surgiram duas igrejas: a Iglesia Metodista Pentecostal (IMP) e a Iglesia Evangélica Pentecostal (IEP). Houve outras rupturas mais tarde, das quais nasceram a Iglesia Pentecostal Apostólica, a Iglesia Pentecostal de Chile (que rompeu com a IMP em 1947) e a Misión Iglesia Pentecostal (que rompeu com a IEP em 1952). É importante ressaltar que o pentecostalismo chileno parte quase inteiramente de um tronco único, a IMP.

A história do pentecostalismo chileno contribuiu para sua fraca incursão política (Freston, 2001). A primeira igreja pentecostal chilena, a IMP, era liderada pelo pastor e missionário metodista Willis C. Hoover. Em 1932, após um cisma, Hoover fundou a IEP. A IMP ficou sob a liderança de Manuel Umaña, que quis acabar com o isolacionismo político da igreja, e, mais tarde, de Javier Vásquez. A IEP manteve a posição de Hoover de separação com o mundo, assemelhando-se, nesse sentido, à Congregação Cristã no Brasil.

É importante ressaltar que, tal qual o dos outros países, o pentecostalismo chileno é caracterizado por estruturas centralizadas e verticais. Contudo, ele não seguiu os passos da Iurd brasileira e da IDMJI colombiana, que são as principais representantes do modelo bem-sucedido de representação corporativa pentecostal em seus países. Ainda que seis candidatos pentecostais tenham sido eleitos para o Legislativo chileno entre 1990 e 2018, não há evidências de que tenham recebido apoio oficial de igrejas nos moldes do que ocorre no Brasil ou na Colômbia.

PARTIDOS E SISTEMAS PARTIDÁRIOS

Nas democracias contemporâneas, os partidos políticos detêm o monopólio da representação política. Eles auxiliam os candidatos, diminuindo o custo do voto e oferecendo apoio organizacional e financeiro. Por conta disso, os partidos exercem um papel crucial na estruturação da competição eleitoral. Um aspecto importante desse papel é a seleção dos candidatos (Bolognesi, 2013). Antes das eleições, os partidos políticos devem selecionar os candidatos que serão apresentados aos eleitores. Essa seleção se baseia nas regras da legislação eleitoral e dos estatutos dos partidos: quem pode ser candidato, quem seleciona os candidatos e qual o método de seleção (Braga, 2008).

Se os partidos políticos são importantes para estruturar a competição eleitoral e para selecionar os candidatos, as igrejas evangélicas têm um papel relevante na seleção de líderes evangélicos que possam galvanizar o voto das congregações. No entanto, a relação entre partido e igreja pode assumir várias formas e ser influenciada por diferentes fatores. Entre eles, podem ser mencionados os custos para a criação de novos partidos, o tipo de seleção de candidatos feito pelos partidos e a expectativa de votos do candidato da igreja. Grosso modo, pode-se supor que, num cenário com regras pouco restritivas, igrejas evangélicas vão preferir criar seus próprios partidos. Porém, se os custos forem muito altos, elas vão negociar a possibilidade de lançar seu representante por um partido já existente.

Na política comparada, o sistema partidário de um país é avaliado por seu grau de institucionalização, que é medido, por exemplo, pela estabilidade dos principais partidos competidores e pela volatilidade eleitoral. Porém, meu interesse aqui não reside na institucionalização, e sim no grau de abertura do sistema partidário, isto é, na possibilidade de evangélicos criarem novos partidos e/ou lançarem candidaturas por partidos já existentes. Nesse sentido, Brasil e Colômbia possuem sistemas partidários mais abertos aos evangélicos do que o Chile.

A literatura aponta o Brasil como um caso de multipartidarismo no qual os partidos são relativamente fracos e pouco ideológicos (Mainwaring, 1992; Samuels; Zucco Jr., 2014). Não há partidos propriamente evangélicos no Brasil, mas isso não impediu o crescimento da representação evangélica na política. Dois partidos concentram maior número de candidatos evangélicos aos legislativos: o Partido Social Cristão (PSC), registrado em 1990, e o Republicanos (antigo Partido Republicano Brasileiro ou PRB), registrado em 2005. Nenhum dos dois é formalmente evangélico.

As igrejas que adotaram o modelo de representação corporativa utilizam estratégias distintas em relação aos partidos. Se, por um lado, a Iurd logrou controlar um partido, as AD vêm dispersando seus candidatos. A opção das ad costuma ser procurar legendas com poder centralizado nas lideranças partidárias e poucas restrições às candidaturas (Tanaka, 2018). Esse perfil partidário tornaria mais fácil a inclusão de candidatos na lista do partido e, em troca, as ad ofereceriam candidatos supostamente competitivos. É possível que a alta fragmentação partidária brasileira favoreça legendas com estrutura mais centralizada e pouco restritivas aos candidatos.

Na Colômbia, a Constituição de 1991 instaurou um sistema multipartidário no país. O processo constituinte representou uma oportunidade para os evangélicos colombianos. Em uma reunião em Cali, em 1990, a Confederación Evangélica de Colombia (Cedecol) decidiu se organizar para participar das eleições constituintes (Ortega, 2018b). Como consequência, no mesmo ano foi criado o MUC. No ano anterior, os pastores César Castellanos e Claudia Rodríguez, da Misión Carismática Internacional, criaram o PNC. Em 1992, foi criado outro partido evangélico, o C4, promovido pela Cruzada Estudantil y Profesional de Colombia (CEPC). Em 1994, o MUC sofreu uma cisão que originou o Movimiento Independiente Frente de Esperanza y FE (FEF), de Vivian Morales. Em 2000, membros da IDMJI criaram o Mira. Em 2007, foi criado outro partido evangélico, o Partido Cristiano de Transformación y Orden (Pacto), e, em 2018, o Colombia Justa Libres (CJL).

Desde 1989, foram criados sete partidos evangélicos na Colômbia, número que supera o de qualquer outro país latino-americano (Ortega, 2018b). Esse dado é digno de nota, sobretudo se considerarmos que a Colômbia não está entre os países com maior população evangélica da região. O alto número de partidos evangélicos colombianos parece se explicar pela relativa facilidade de criação de novos partidos, o que fez com que, no início dos anos 2000, houvesse 69 partidos políticos na Colômbia.

A Constituição colombiana de 1991 reduziu os thresholds (limites) para a criação de novos partidos e encorajou novas forças a entrar na arena eleitoral, de modo a democratizar o sistema político (Albarracín; Gamboa; Mainwaring, 2018). De 1991 até 2003, apenas 50 mil assinaturas (ou um número de votos equivalente em eleições anteriores) eram necessárias para um partido ser reconhecido legalmente. Isso diminuiu os custos de criação de novos partidos. Além do mais, a Constituição de 1991 determinou uma circunscrição nacional para a eleição das cem cadeiras do Senado (ou seja, criou um distrito com magnitude = 100).

Em 2003, uma reforma política feita pelo Congresso estabeleceu um umbral electoral (cláusula de barreira) de 2% de votos e, posteriormente, 3%. A reforma passou a valer a partir de 2006 e teve impacto considerável sobre o sistema partidário colombiano. Segundo William Mauricio Beltrán e Jesús David Quiroga (2017), enquanto em 2002 se apresentaram 66 partidos para as eleições legislativas, em 2006 esse número caiu para 20. A reforma eleitoral atingiu em cheio a maioria dos partidos evangélicos, os quais não resistiram e se dissolveram. A única exceção foi o Mira, que conseguiu ultrapassar a cláusula de barreira nas eleições de 2018, elegendo três senadores e um deputado (cabe lembrar que o CJL foi criado em 2018, após a introdução das cláusulas de barreira). A reforma eleitoral e a dissolução dos partidos evangélicos fizeram com que muitas igrejas adotassem a estratégia de lançar candidatos por partidos maiores, garantindo dessa forma sua sobrevivência política (Montoya, 2018).

O sistema partidário chileno, que costuma ser caracterizado como estável e institucionalizado, ainda que seu grau de institucionalização possa ser debatido (cf. Luna; Altman, 2011), parece ser menos aberto a novos partidos. Em que pese o fato de ter um dos movimentos pentecostais mais antigos da América Latina, até recentemente havia apenas um partido evangélico no Chile, o Movimiento Alianza Nacional Cristiana (MANC), criado em 1995. O partido participou de eleições locais em 1996 e elegeu quatro representantes. Porém, em 1999, deixou de existir (Ortega, 2018b). A partir de 2017, novos partidos evangélicos foram criados, tais como o Partido Cristiano Ciudadano, o Nuevo Tiempo (criado em 2019 na região de Antofagasta) e o Unidos en la FE (lançado no mesmo ano).8

Cabe destacar que, na década de 1990, aumentou o número de candidaturas evangélicas no Chile. Nas eleições de 1992, havia candidatos evangélicos em partidos de centro-esquerda e direita. Pelo Partido por la Democracia (PPD), por exemplo, candidataram-se 25 evangélicos, mas a taxa de sucesso foi baixa (Mansilla; Orellana, 2015). Em 1992, o recém-criado Movimiento Nacional Cristiano, liderado por Carlos Trujillo, lançou várias candidaturas nas eleições locais, mas não elegeu ninguém.

Por que os evangélicos chilenos não lograram maior sucesso eleitoral? Por que não surgiram mais partidos evangélicos no país? Para Paul Freston (2001), a razão está em parte no sistema partidário - há um núcleo estável de partidos ideologicamente definidos no Chile - e no sistema eleitoral - até 2017, os distritos chilenos elegiam apenas dois representantes cada um. Distritos eleitorais com baixa magnitude dificultariam a abertura das listas partidárias a novos ingressantes minoritários. Esse sistema partidário, comparativamente mais bem estruturado, tornaria mais difícil a entrada de novos partidos no jogo eleitoral.

Boas (2021), por outro lado, enfatiza as motivações que poderiam levar os evangélicos a entrar para a esfera pública, a saber, a igualdade jurídica perante a Igreja Católica e as “values issues”, como o aborto e o casamento homossexual. Os privilégios da Igreja Católica no Chile foram menores (ou duraram menos) que no Brasil, o que gerou menor incentivo à entrada dos evangélicos chilenos na política. Além disso, segundo Boas, quando as “values issues” surgiram no debate público brasileiro, os evangélicos já estavam bem posicionados politicamente e puderam participar da disputa política; em contrapartida, no Chile as “values issues” surgiram depois e eram combatidas por políticos católicos conservadores, o que deu menos oportunidades aos evangélicos.

MAGNITUDE DOS DISTRITOS ELEITORAIS

As regras usadas para traduzir as preferências dos eleitores em resultados políticos têm um impacto inevitável sobre a representação política. Uma dessas regras é a magnitude (ou tamanho) dos distritos eleitorais, isto é, quantos representantes um determinado distrito elege para o Legislativo. A literatura sobre sistemas eleitorais costuma enfatizar que sistemas majoritários com distritos de um único representante levam à sub-representação de partidos menores. Em contrapartida, sistemas de representação proporcional (que, por definição, possuem distritos com magnitude >1) são mais inclusivos.

De um ponto de vista teórico, distritos com maiores magnitudes exigem uma proporção de votos menor para que cada representante seja eleito, o que poderia favorecer grupos sociais minoritários. Suponha-se, a título de exemplo, que os evangélicos representam 10% da população de um distrito eleitoral hipotético que elege dez representantes. Suponha-se, também, que (i) todos os evangélicos votam em candidatos evangélicos e que (ii) não existem problemas de competição eleitoral entre evangélicos (em outras palavras, os candidatos evangélicos não competem entre si). Numa situação como essa, seria plausível supor que evangélicos elegeriam um representante para o distrito em questão. Se, por outro lado, esse distrito elegesse apenas três representantes, os evangélicos não conseguiriam eleger, sozinhos, nenhum representante.

Brasil, Colômbia e Chile adotam o sistema de representação proporcional, porém apresentam distritos eleitorais de magnitudes diferentes. O Brasil possui distritos eleitorais de alta magnitude. As 27 unidades federativas brasileiras, cujas circunscrições representam os distritos eleitorais para a Câmara dos Deputados, elegem de oito a setenta deputados. A magnitude média dos distritos brasileiros entre 1988 a 2018 é de dezenove. As eleições para o Senado elegem ora dois representantes por estado, renovando dois terços da casa, ora um representante, renovando um terço dela.

No caso da Colômbia, a eleição para o Senado possui circunscrição nacional e elege cem senadores. Porém, os distritos eleitorais para a Câmara de Representantes elegem de dois a dezoito deputados. Desde 1991, a Câmara colombiana possui 161 cadeiras e, entre 1991 e 2014, os distritos eleitorais tiveram uma magnitude média de 4,9 (Taylor; Shugart, 2018).

No Chile, de 1989 a 2013, os distritos elegiam duas cadeiras da câmara baixa, com base num sistema eleitoral “binomial” imposto pela ditadura de Pinochet que também obrigava os partidos a lançar apenas dois candidatos por distrito. A partir de 2017, os distritos chilenos passaram a eleger de três a oito representantes. A Câmara chilena possui 155 cadeiras, e o Senado, 43.

O número de evangélicos eleitos no Chile é pequeno para uma análise quantitativa. Entre 1950 e 1974, apenas seis deputados evangélicos foram eleitos para a Câmara dos Deputados. Durante a ditadura militar, não houve eleições para o Legislativo nacional. Entre 1990 e 2018, foram eleitos apenas onze congressistas evangélicos, uma média de 1,5 congressista por eleição. Ainda é cedo para dizermos qual será o efeito do aumento da magnitude dos distritos chilenos sobre a representação política evangélica.

Na Colômbia, de 1991 até 2018, cinquenta evangélicos foram eleitos para o Congresso (Montoya, 2018). Desses, 36 (ou 72%) foram eleitos para o Senado, em eleições com circunscrição nacional (e magnitude = 100). Dos catorze restantes, dez foram eleitos para a Câmara pela circunscrição de Bogotá (magnitude = 18); os outros quatro foram eleitos pelos distritos de Valle del Cauca (magnitude = 13), Santander (magnitude = 7), Quindío (magnitude = 3) e pelos residentes no exterior (magnitude = 2). A grande maioria dos evangélicos eleitos escolheu concorrer em distritos com alta magnitude, seja para o Senado, seja para a Câmara.

Veja-se agora o caso brasileiro. Há uma correlação positiva, porém fraca, entre o percentual de evangélicos eleitos e a magnitude do distrito nas eleições para deputado federal em 2010, 2014 e 2018. Para investigar melhor a relação entre as variáveis, deve-se incluir as eleições para o Senado na análise. Sabe-se que a grande maioria dos evangélicos eleitos para o Congresso brasileiro se elegeu para a Câmara dos Deputados. Em 2010, apenas um senador eleito era evangélico; em 2014, nenhum senador evangélico foi eleito; em 2018, foram eleitos nove senadores evangélicos. As eleições para o Senado possuem magnitude igual a 1 ou 2. Sua inclusão é importante porque permite uma variação maior no tamanho dos distritos brasileiros. É provável que a baixa magnitude dificulte a chegada de evangélicos à câmara alta. Além de incluirmos o Senado, é importante fazer o controle por outros fatores que podem estar correlacionados com o número de evangélicos eleitos e o tamanho do distrito. Talvez o principal fator seja o percentual da população evangélica em cada distrito.

De modo a levar em consideração os elementos acima, rodei quatro regressões ols simples, uma para cada eleição: 2006, 2010, 2014 e 2018. Cada uma delas possui 54 observações (equivalentes às 27 eleições para a Câmara + as 27 eleições para o Senado). Para cada uma, regredi o percentual de evangélicos eleitos sobre a magnitude e o percentual de população evangélica no distrito (dados do Censo 2010). O Gráfico 2 apresenta o efeito da magnitude sobre o percentual de evangélicos eleitos, controlando pela proporção de população evangélica. Para 2006, 2010 e 2014, o efeito da magnitude é positivo e estatisticamente significativo (p < 0.01 para 2014 e < 0.05 para 2010 e 2006). Para 2018, o efeito é positivo, mas sem significância estatística. Os gráficos revelam diferenças entre as eleições. Em 2006 e 2018, embora o efeito seja positivo, o intervalo de confiança se sobrepõe ao valor zero do eixo y. Para 2010 e 2014, o efeito é positivo e diferente de zero, mesmo no limiar mais baixo do intervalo de confiança. Esses resultados sugerem que o tamanho do distrito nas eleições para o Congresso brasileiro possui um efeito positivo sobre o percentual de evangélicos eleitos, ainda que a magnitude desse efeito varie entre as eleições analisadas. O efeito se mantém positivo, mesmo controlando pelo percentual da população evangélica do distrito. Deve-se reiterar que as regressões apresentadas aqui são simples. A investigação sobre a relação entre magnitude do distrito e proporção de evangélicos eleitos deveria levar em conta um número maior de eleições, bem como de variáveis de controle, para oferecer resultados mais precisos.

GRÁFICO 2
Relação entre magnitude do distrito e porcentagem de evangélicos eleitos (2006 a 2018)

Nota: Gráfico elaborado pelo autor a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Censo 2010 e Banco de Dados de Candidaturas Evangélicas. O eixo Y representa a proporção predita de evangélicos eleitos. A escala varia de 0 a 1, sendo 1 = 100%. O eixo X representa a magnitude dos distritos brasileiros (incluindo Câmara e Senado). Cada reta representa o efeito da magnitude do distrito sobre o percentual de evangélicos eleitos, com controle pelo percentual da população evangélica por distrito. As áreas de cor cinza representam intervalos de confiança de 95%.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O crescimento da população evangélica se deu de modo diferente no Brasil, na Colômbia e no Chile. No Brasil e no Chile, o movimento pentecostal surgiu já no início do século XX e apresenta considerável consolidação. Porém, foi no Brasil e na Colômbia que se desenvolveram igrejas pentecostais centralizadas que, a partir dos anos 1980 e 1990, decidiram ingressar na política.

No Brasil e na Colômbia, a incursão pentecostal na política no fim dos anos 1980 foi facilitada pela criação das Assembleias Constituintes. O contexto da redemocratização - e as eleições constituintes em particular - incentivaram a busca evangélica por igualdade vis-à-vis a Igreja Católica. Além disso, no caso da Colômbia, a Constituição de 1991 veio acompanhada de novas regras que diminuíram as restrições para a criação de novos partidos e criaram uma circunscrição nacional para as eleições ao Senado. No Chile, não houve um processo constituinte que incentivasse os líderes evangélicos a explorar a identidade política evangélica.

As eleições para a Constituinte no Brasil em 1986 contribuíram para que algumas igrejas pentecostais adotassem um modelo de representação corporativa. Essas igrejas passaram a apoiar candidatos oficiais, fazendo campanha em suas congregações. A Iurd é o caso mais conhecido de representação corporativa pentecostal no Brasil, e, também, o mais exitoso. Juntamente com as AD, a Iurd é responsável por boa parte do sucesso eleitoral dos evangélicos nas eleições legislativas brasileiras. Esse fenômeno também ocorre na Colômbia, ainda que em menor medida. A IDMJI é responsável por grande parte dos evangélicos eleitos para o Legislativo colombiano. No Chile, embora haja eleição de candidatos pentecostais para o Legislativo, eles não parecem contar com a estrutura eclesial pentecostal, tal como ocorre nos outros dois países.

A mobilização eleitoral pentecostal exigiu que as igrejas evangélicas fundassem partidos novos ou fossem capazes de inserir seus candidatos em partidos estabelecidos. No Brasil, a incursão eleitoral evangélica se deu de início sem a construção de partidos. Mais tarde, as igrejas adotaram estratégias distintas: a Iurd conseguiu controlar um partido político, o Republicanos, mas o partido foi criado somente em 2005; as AD vêm dispersando seus candidatos em partidos que apresentam poder centralizado nas lideranças partidárias e poucas restrições aos candidatos. Na Colômbia, a Constituição de 1991 facilitou a criação e a viabilidade de novos partidos políticos, o que fez surgir também partidos evangélicos. Porém, cláusulas de barreira aplicadas no início dos anos 2000 inviabilizaram todos eles, exceto o Mira, braço político da IDMJI, e o Colombia Justa Libres, que foi criado em 2018 e tem obtido algum sucesso. Candidatos evangélicos têm sido lançados tanto por esses partidos como por partidos já estabelecidos. No Chile, até 1999 havia apenas um partido evangélico, o MANC, criado em 1995 e já extinto. Novos partidos evangélicos estão surgindo no Chile, mas ainda não é possível avaliar seu desempenho eleitoral.

Um último fator relevante para a representação política evangélica nos casos analisados foi a magnitude dos distritos eleitorais. Brasil e Colômbia possuem eleições legislativas com distritos maiores do que o Chile. Na Colômbia, a maioria dos congressistas evangélicos foi eleita para o Senado, cuja circunscrição nacional cria um grande distrito com cem cadeiras. Os evangélicos da Câmara de Representantes foram eleitos, em sua maioria, por distritos com magnitude maior, como Bogotá. No Brasil, há uma correlação baixa, porém positiva, na maioria das eleições analisadas entre proporção de evangélicos eleitos e magnitude dos distritos. Quando se considera também as eleições para o Senado e se faz o controle pela proporção da população evangélica por distrito, há um efeito positivo da magnitude do distrito sobre a proporção de evangélicos eleitos. Essas evidências corroboram a importância da magnitude dos distritos para a representação política evangélica.

Neste trabalho, procurei contribuir para a compreensão da representação política evangélica na América Latina. De modo mais específico, busquei compreender quais variáveis estão associadas ao sucesso eleitoral evangélico no Brasil, na Colômbia e no Chile. A partir da literatura existente sobre cada caso, identifiquei quatro variáveis relevantes associadas ao sucesso eleitoral evangélico nesses países: a realização de assembleias constituintes, a representação corporativa pentecostal, a abertura do sistema partidário e a magnitude dos distritos. Ainda que não ofereça mecanismos causais relacionando as variáveis, este trabalho contribui para a compreensão da variação de sucesso eleitoral entre evangélicos brasileiros, colombianos e chilenos. Meu principal argumento é que esse sucesso está relacionado à estrutura interna das igrejas pentecostais e às regras do sistema político de cada país. No Brasil e na Colômbia, parte significativa do sucesso eleitoral evangélico se deve ao sucesso de poucas igrejas pentecostais, tais como a Iurd e a IDMJI. No entanto, a incursão eleitoral dessas igrejas somente foi possível dentro de sistemas políticos com distritos eleitorais de alta magnitude e sistemas partidários abertos à entrada dos evangélicos.

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  • Tennekes, Hans. El movimiento pentecostal en la sociedad chilena. Iquique: Ciren, 1985.
  • 1
    Dados da onda de 2018 do AmericasBarometer realizado pelo Latin American Public Opinion Project (Lapop).
  • 2
    Dentre os poucos exemplos de estudos comparados estão Taylor C. Boas (2021, 2020) e José Luis Pérez Guadalupe (2020).
  • 3
    Neste artigo, uso os termos “protestante” e “evangélico” de modo intercambiável. Embora reconheça que não são idênticos stricto sensu, a maioria dos latino-americanos os emprega como sinônimos.
  • 4
    Neste artigo, assumo como desejável que a proporção de representantes evangélicos no Parlamento de uma democracia espelhe a proporção de evangélicos na população. A discussão teórico-normativa sobre a representação política descritiva é importante, mas está além do escopo deste artigo. O fato de as igrejas evangélicas mobilizarem o argumento da representação descritiva para legitimar sua crescente presença nos parlamentos não deve nos levar a ignorar que a atuação legislativa dos deputados ligados a essas igrejas pode, com frequência, ser mais bem caracterizada pela defesa dos interesses institucionais e pragmáticos das igrejas.
  • 5
    É importante destacar que, embora o foco deste artigo seja a representação política evangélica na América Latina, historicamente a Igreja Católica teve (e ainda tem) grande influência política na região. Esse foco não deve ser entendido como sugestão de que apenas evangélicos (e não outros grupos religiosos) buscam influenciar a dinâmica política e eleitoral latino-americana.
  • 6
    A Assembleia de Deus pode ser mais bem compreendida como uma “federação” de ministérios ou igrejas, e não como uma única igreja. Daí a opção neste artigo pelo plural “as Assembleias de Deus” (AD). No entanto, embora a igreja seja fragmentada em diversos ministérios, a estrutura intraministerial da AD é bastante centralizada. Agradeço a um dos pareceristas anônimos da revista por me ajudar a esclarecer esse ponto.
  • 7
    Cabe destacar que as igrejas pentecostais não divulgam publicamente as listas de candidatos que apoiam. Por isso, em certos casos, não há como distinguir entre um candidato apoiado oficialmente por uma igreja e um candidato que, muito embora seja membro da igreja e tenha conexões com ela, não foi apoiado pela cúpula da igreja. Para uma discussão mais aprofundada sobre esse problema metodológico, ver Fabio Lacerda (2018).
  • 8
    “‘Unidos en la fe’: el nuevo partido político que buscará acercarse a la bancada evangélica de RN”, La Tercera, 9/9/2019.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    14 Maio 2021
  • Aceito
    18 Fev 2022
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