Open-access CORRUPÇÃO, ESCÂNDALOS E A COBERTURA MIDIÁTICA DA POLÍTICA

Corruption, Scandals, and the News Media Coverage of Politics in Brazil

RESUMO

Este artigo examina o fenômeno da escandalização da corrupção no jornalismo brasileiro. Observamos na análise dos pleitos presidenciais de 2010 e de 2014 forte viés da cobertura de escândalos em desfavor da candidatura da situação - 95% de matérias sobre escândalos da administração petista contra 5% de matérias relativas a escândalos tucanos. Também examinamos o tratamento dado a dois escândalos do PSDB, para controlar parcialmente a análise quantitativa e reforçar a confirmação da hipótese de viés.

PALAVRAS-CHAVE: grande mídia; escândalos; antipetismo; eleições

ABSTRACT

This article examines the use of political scandals in the news media coverage of presidential elections in Brazil. We analyze the coverage of scandal cases in the 2010 and 2014 elections and discover a marked bias against the candidate of the situation: 95% of texts on scandals were about the PT administration while only 5% dealt with PSDB corruption scandals. We also examine the way two PSDB scandals were treated by the media in order to control the results of the quantitative analysis and to further confirm our hypothesis of extreme bias.

KEYWORDS: big media; political scandal; antipetismo; elections

A última edição do Latinobarómetro (2015) revelou um dado nada surpreendente, mas sobre o qual devemos refletir. O Brasil foi o único país em que a corrupção é vista como o maior problema: 22% dos respondentes da pesquisa assim opinaram.1 A série histórica dessa medida de percepção também é reveladora. Se em 2010 a proporção de entrevistados que optaram por essa resposta era de somente 3%, em 2005 esse número batia os 20%.2 Até as pedras do calçamento sabem que tal oscilação na percepção dos brasileiros está diretamente relacionada aos dois maiores escândalos de corrupção em nosso país das últimas décadas: o chamado Mensalão e o escândalo da Petrobrás, também denominado de Lava Jato ou Petrolão por boa parte dos meios de comunicação.

O adjetivo “maiores” aqui não faz referência ao montante relativo a cada escândalo, pois há denúncias de esquemas de corrupção mais vultosos que esses, nem à qualidade do envolvimento de agentes públicos e dinheiro público nos eventos, pois nisso se parecem a outros escândalos que envolvem políticos de partidos variados e outros agentes públicos e privados.Maiores esses dois escândalos certamente foram em um aspecto muito importante: sua publicização. Jornais, revistas, telejornais e sites noticiosos de internet cobriram-nos exaustivamente, explorando todos os detalhes possíveis e imagináveis, apostando em denúncias, fazendo ilações, louvando promotores e juízes, criticando outros ou mesmo condenando moralmente os envolvidos antes do julgamento.

Este artigo explora exatamente esse aspecto da cobertura política feita pela grande mídia brasileira: a escandalização da corrupção.3

Primeiro faremos uma breve revisão da literatura especializada no estudo da interação entre mídia e política para buscar estabelecer quando essa prática teve início.Depois, analisaremos em sequência a cobertura jornalística feita pela grande mídia brasileira, particularmente pelos jornais Folha de S.Paulo, O Globo, O Estado de S. Paulo e o programa televisivo JornalNacional, nas eleições de 2010 e 2014, para tentar estabelecer alguns parâmetros e regularidades do tratamento recebido pelos escândalos políticos de corrupção. Antes de qualquer coisa, na próxima seção estabelecemos as bases teórico-conceituais sobre as quais se assenta o artigo.

CORRUPÇÃO POLÍTICA E ESCÂNDALO

Antes de examinarmos a cobertura dos escândalos políticos no noticiário, é necessário esclarecer o significado dos conceitos de corrupção e de escândalo. A palavra “corrupção”, que em sua origem latina corruptio/onis denotava “deterioração”, “decomposição”, “putrefação”, “depravação”, “devassidão” e “suborno”, sofreu uma sutil alteração em seu significado com o passar do tempo, segundo Renato Janine Ribeiro.4 Se para os antigos ela definia “a degradação da coisa pública por meio da usura dos costumes”, na atualidade ela se reduziu ao “mau trato dos dinheiros públicos”.5 Janine Ribeiro está correto, pois basta uma rápida olhada em clássicos da filosofia política como Platão e Aristóteles para concluir que a corrupção para esses autores significava o desvio de um determinado regime político de seus fins ou virtudes originais, ou seja, literalmente uma desvirtuação de um fim ou bem, sempre para pior. A aplicação política do termo nesses autores já é metafórica, pois corrupção inicialmente se refere ao decaimento inerente às coisas materiais, tema de Aristóteles em seu Da geração e da corrupção.6

Diante da diferença semântica entre o uso do termo na Antiguidade e no presente, Janine Ribeiro conclui que a corrupção se torna fenômeno deletério somente em regimes democráticos, já que estes exigem respeito ao bem público. Ou seja, a corrupção está em desacordo com os valores democráticos, pois consiste justamente em uma violação das regras que organizam a vida em sociedade e as relações entre governos e seus cidadãos - as leis. Se a distinção semântica entre antiguidade e modernidade feita por Janine Ribeiro parece correta, essa segunda distinção acerca da importância da corrupção em diferentes regimes é mais incerta. A definição de corrupção apresentada pelo autor - “violação das regras que organizam a vida em sociedade e as relações entre governos e seus cidadãos” - se aplica tanto aos regimes democráticos contemporâneos quanto a qualquer regime não democrático virtuoso definido pelos pensadores da Antiguidade, como por exemplo a aristocracia ou a monarquia (basileia). Ora, na concepção desses pensadores e de muitos outros que a eles se seguiram, a promoção do bem público não é exclusividade do regime democrático, muito pelo contrário, pois é fato que os fundadores da filosofia política eram todos críticos desse regime. Na verdade, definida como tal, a corrupção é deletéria para qualquer regime em qualquer momento da história.

É preciso, então, fazer uma distinção entre “ser deletéria para o regime” do ponto de vista teórico‑filosófico, ou seja, desviá‑lo de seu fim, e se tornar um problema público, com consequências potenciais para a legitimidade do regime.Assim requalificada a questão, a tese de Janine Ribeiro parece se verificar se focarmos a publicidade e a legitimidade do regime, e não o problema filosófico em si. Pois os regimes democráticos, ao contrário de variáveis aristocráticas, oligárquicas, autoritárias ou monárquicas, dependem fortemente do clima de opinião para a manutenção de sua legitimidade.Teorias contemporâneas da democracia de foco deliberativo apontam para a importância dos mecanismos de formação de opinião na manutenção da legitimidade das instituições políticas mesmo fora de períodos eleitorais.7 E o grosso da teoria da democracia representativa foca a importância da informação política em períodos eleitorais para confirmação ou rejeição de políticos e partidos no poder.8

Assim, a corrupção torna‑se um problema público crucial em regimes democráticos devido à necessidade que esses regimes têm de confirmar sua legitimidade pela expressão da opinião manifesta dos cidadãos, seja em processos mais ou menos difusos da sociedade civil (teoria deliberativa), seja em períodos eleitorais (teoria democrática representativa). Acontece que em sociedades complexas contemporâneas, como a nossa, com centenas de milhões de habitantes, a formação da opinião dos cidadãos depende em grande medida dos meios de comunicação.São eles que informam o público acerca de quase todos os assuntos que concernem à vida coletiva da sociedade: do trânsito do dia à convenção da ONU em Genebra;do crime que ocorreu no dia anterior ao escândalo de corrupção mais recente.

É na mídia que a corrupção se torna escândalo, ou seja, é por meio do agendamento e do enquadramento feitos pelos meios de comunicação que um conjunto de práticas e fatos é tornado público e formatado de maneira a constituir um produto, com narrativas próprias, personagens principais e um nome próprio, como, por exemplo, Mensalão, Trensalão, Aeroporto de Cláudio etc.O escândalo é um produto que a mídia constrói ao ajuntar em uma só narrativa, sob um mesmo nome próprio, miríades de informações, declarações, relatos, documentos, procedimentos judiciais, sempre produzidos por vozes autorizadas pelo próprio jornalismo.9

Mas, para tomarmos a corrupção pela ótica da escandalização, que é a maneira como ela aparece para o público, é necessário também revisar outra tese defendida por Ribeiro: a de que a corrupção nos dias de hoje se limita à questão do trânsito ilegal de dinheiro, geralmente tendo a malversação de fundos públicos como fim. Como pretendemos mostrar abaixo, a maneira como a grande mídia brasileira cobre os escândalos em períodos eleitorais se aproxima bem mais da concepção clássica de corrupção, pois inclui não só a malversação de dinheiro ou suborno, mas também tráfico de influência e abuso de poder.

CORRUPÇÃO E ESCÂNDALO NA DEMOCRACIA BRASILEIRA

Os escândalos fizeram parte da cobertura da política brasileira na grande imprensa já no período democrático que se iniciou após a Segunda Guerra Mundial e que se estendeu até o golpe militar de 1964. A escandalização da política passou a ser explorada pela mídia principalmente a partir da campanha que Carlos Lacerda moveu, com o apoio da maioria dos órgãos privados da grande imprensa, contra o presidente Getúlio Vargas, então eleito pelo voto popular. Como narra o jornalista Janio de Freitas, que cobriu os últimos momentos de Vargas, “Getúlio ficou indefeso, objeto de um ódio coletivo que se propagava sem limites: monolíticos, a imprensa, a incipiente TV e o rádio, mais do que se aliarem à irracionalidade, foram seus porta‑vozes sem considerar as previsíveis consequências para o estado de direito”.10

Lacerda e sua UDN notabilizaram-se por empunhar em público a bandeira da luta contra a corrupção.Outro político conservador desse período que obteve notoriedade nesse assunto foi Jânio Quadros, que logrou grande sucesso eleitoral associando sua imagem à vassoura, que varreria a corrupção do sistema político brasileiro de então. Com o golpe militar, apoiado por grande parte das mesmas forças políticas que se jactavam de campeãs da luta contra a corrupção, e o subsequente período autoritário, o tema da corrupção da política desaparece do noticiário, seja porque houve um amplo apoio da grande mídia ao golpe e ao regime, seja porque, mais tarde, os conteúdos noticiosos passaram a sofrer rigorosa censura oficial.

A volta da democracia em nosso país marcou também a volta do tema da corrupção política ao noticiário, nos jornais impressos e na tv, particularmente nos períodos eleitorais. No que toca à participação da grande mídia no processo eleitoral, a primeira eleição direta para presidente da República, em 1989, foi marcada pela edição tendenciosa do último debate da campanha feita pelo Jornal Nacional, da Rede Globo, às vésperas do segundo turno, em prol do candidato Fernando Collor de Mello, do PRN, e contra Luiz Inácio Lula da Silva, do PT.11

Menos lembrada, contudo, mas talvez de importância comparável para o resultado da eleição, foi a repercussão midiática do sequestro do empresário Abilio Diniz, caso que teve desfecho também às vésperas do segundo turno.12 Praticamente toda a grande mídia enquadrou o sequestro como tendo envolvimento do PT, 13 dando repercussão inclusive ao fato de os sequestradores terem sido apresentados pela polícia vestindo camisetas da campanha de Lula, coisa que eles mais tarde declararam ter sido forçados a fazer pelos próprios policiais.

Um escândalo de corrupção, também fartamente explorado pela mídia, acabou levando o presidente Collor à renúncia e à posterior suspensão de seus direitos políticos. Durante seu curto governo, outros casos pipocaram na mídia, como o Escândalo do Programa Nacional de Desestatização e o Escândalo do inss, ou Escândalo da Previdência Social.No governo Itamar Franco, que sucedeu a Collor, o escândalo midiático mais famoso talvez tenha sido o dos Anões do Orçamento, que envolvia o Legislativo federal, e não o Poder Executivo. Nosso objeto aqui, contudo, não é a cobertura midiática de escândalos em geral, mas aquela que é feita em contexto de campanha eleitoral, como o caso do sequestro de Abilio Diniz, citado acima: o primeiro grande escândalo político com claras implicações eleitorais.

Assim, focando nesse conjunto de eventos, temos a seguir o Caso Ricupero, também conhecido como Escândalo das Parabólicas.14

A despeito de ter sido explorado pelo PT na campanha de Lula para a presidência em 1994, quando este concorria com Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, o evento recebeu parca atenção da grande mídia, como mostram várias análises de especialistas acadêmicos.15

Na campanha para a presidência de 1998, a literatura científica identificou uma mudança no comportamento da grande mídia.Agora, Fernando Henrique Cardoso concorria à reeleição, tendo como seu principal contendor novamente Lula, do PT.A grande mídia optou por esvaziar o debate político, noticiando muito pouco temas controver‑sos e potencialmente relevantes do ponto de vista eleitoral, ações que coincidiram com a estratégia de campanha de Fernando Henrique.16 Mais importante para os nossos propósitos, contudo, é notar o silêncio acerca do escândalo da compra de votos para a emenda da reeleição.A despeito de ter sido revelado pelo repórter Fernando Rodrigues, da Folha de S.Paulo, esse evento teve escassa cobertura midiática e foi logo esquecido. Contribuiu para esse fim também a mobilização do governo para abafar o caso, impedindo a formação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara dos Deputados e contando com a ajuda do procurador‑geral da República, Geraldo Brindeiro, que arquivou o processo. Não houve sequer investigação por parte da Polícia Federal.17

O pleito seguinte, de 2002, que viu Lula ser eleito presidente, também não foi marcado pela exploração dos escândalos por parte da cobertura da grande mídia, ainda que essa prática tenha ocorrido. Os trabalhos sobre o tema mostram duas características marcantes da cobertura: Ciro Gomes foi o candidato que obteve tratamento mais desfavorável dos meios de comunicação de massa, 18 e houve um “fechamento do campo discursivo” em torno da manutenção dos compromissos econômicos firmados pelo governo anterior.19 Os escândalos noticiados ou eram atribuídos ao PT, como o assassinato do então prefeito da cidade de Santo André, Celso Daniel, e o “Bunker Petista”, 20 ou diziam respeito a outros poderes, como o caso da violação do painel de votação do Senado, ou atingiam outros políticos e não o governo ou o PSDB, como os casos Lunus e Sudam, o primeiro alvejando em cheio a pré‑candidata à presidência Roseana Sarney.21

A cobertura da eleição presidencial de 2006, que resultou na recondução de Lula, foi caracterizada pela literatura acadêmica como “partidária”22 e “anti‑Lula”, 23 candidato que enfrentou a antipatia de todos os conglomerados de mídia do país.24

Essa cobertura se deu sob o signo daquele que a rádio Jovem Pan e o PSDB, este em seu site, 25 denominaram o “maior escândalo de corrupção da história do nosso país”: o chamado Mensalão.Até há pouco tempo o escândalo de corrupção mais publicizado da história do país, o Mensalão começou a ser noticiado a partir de uma denúncia que Roberto Jefferson, então presidente do PTB, fez em entrevista à Folha de S.Paulo contra um suposto esquema de compra de votos de deputados federais montado pelo PT. Rapidamente o assunto se espalhou pela grande mídia, que cobriu intensamente todas as etapas do escândalo: as primeiras acusações, o processo, o julgamento dos acusados e o cumprimento de pena dos condenados. Para se ter uma ideia da intensidade da mobilização da grande mídia, somente a revista Veja publicou dezoito capas sobre o assunto entre 2005 e 2006, 26 ou seja, incluindo o período eleitoral.

A COBERTURA DA ELEIÇÃO DE 2010

Na eleição de 2010, houve aguda polarização entre a candidata da situação, Dilma Rousseff (PT), e José Serra (PSDB). A análise que fizemos no Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (Lemep) da cobertura política dos jornais impressos Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo e O Globo durante o período da campanha eleitoral mostra que houve intensa publicização de escândalos de corrupção política. Do total de textos - 6.032 - da cobertura política veiculados por esses três jornais, 1.686 (27, 9%) tratavam de algum escândalo político. A Tabela 1 mostra o número de textos jornalísticos (manchetes, matérias, artigos, editoriais ou colunas) que tiveram algum escândalo como tema principal.

TABELA 1
Escândalos na mídia impressa durante a campanha de 2010

Os escândalos explorados pela grande mídia na eleição de 2010 encaixam‑se no conceito amplo de corrupção, ou seja, não somente apropriação indevida de dinheiro ou suborno, mas também abuso de podere abuso generalizado da função pública para benefício particular, isto é, não público. Os três casos mais explorados pela cobertura, Erenice Guerra, Eduardo Jorge e Verônica Serra, responsáveis cada um por mais de um quarto do total de matérias com escândalos políticos, pertencem à categoria do abuso de poder e tráfico de influência.Somente o Mensalão e o escândalo de Paulo Preto dizem respeito diretamente a supostas transações escusas com dinheiro público.

Um aspecto saliente é o desequilíbrio da cobertura de escândalos envolvendo cada uma das principais forças políticas em competição, PT e PSDB. Dos seis escândalos identificados pela pesquisa na cobertura, cinco foram atribuídos ao PT (Erenice Guerra, Eduardo Jorge, Verônica Serra, Mensalão e Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia [Farc]) e apenas um ao PSDB (Paulo Preto). A desproporção é de 1.604 textos jornalísticos sobre escândalos petistas para somente 82 textos sobre o escândalo tucano, como mostra o Gráfico 1.

GRÁFICO 1
Escândalos na mídia impressa durante a campanha de 2010 agrupados por partido

É importante notar que nem todos os escândalos foram cobertos ao mesmo tempo, ou seja, há uma distribuição deles na cobertura durante o período da campanha eleitoral, como vemos no Gráfico 2.

GRÁFICO 2
Escândalos na mídia impressa durante a campanha eleitoral de 2010 (série temporal)

A imagem revela tipos diferentes de cobertura de escândalo político. É importante lembrar que o primeiro turno da eleição ocorreu no dia 3 de outubro.O escândalo Eduardo Jorge começou a ser noticiado no início do período eleitoral, mas logo foi esquecido, para depois retornar com força junto com o escândalo de Verônica Serra, ambos de conteúdo similar, à medida que nos aproximamos do último mês de campanha do primeiro turno, em setembro. A cobertura desses dois casos esfria nas duas últimas semanas de setembro, ao mesmo tempo que o escândalo Erenice Guerra sobe, para alcançar o recorde de 160 textos jornalísticos na terceira semana de setembro, a pouco mais de uma semana do pleito. Isso dá uma média de quase oito textos sobre esse escândalo por dia, por jornal, naquela semana.

Perfil inteiramente diferente teve a cobertura do Mensalão, que já havia sido fartamente explorado na eleição de 2006.Agora as referências a ele se distribuem por todo o período de campanha de maneira mais monótona. O escândalo das Farc também se diferencia dos outros explorados na eleição de 2010, por não constituir denúncia de desvio de dinheiro público ou mesmo de abuso de poder ou influência.Não é propriamente um escândalo de corrupção, mas constitui um produto midiático semelhante a eles.Construído exclusivamente a partir de declarações do candidato a vice-presidente na chapa do PSDB, Indio da Costa, ele teve “pernas curtas”, mas serviu para alimentar a cobertura no começo do período eleitoral, desaparecendo completamente a partir do final de julho.

Por fim, tivemos o escândalo de Paulo Preto, o único atribuído ao PSDB, e o que menos menções recebeu dos jornais (82).33 Ele foi também limitado às quatro últimas semanas da campanha e, como mostra o Gráfico 2, mesmo nesse curto período foi suplantado pela cobertura dos escândalos Erenice Guerra e Eduardo Jorge. Outra característica que o diferencia dos demais é a distribuição de sua cobertura nos jornais, como mostra a Tabela 2.

TABELA 2
Escândalos agregados por jornal na campanha de 2010

Podemos notar que o escândalo Paulo Preto foi consistentemente o menos explorado em todos os jornais, com exceção da Folha, que lhe dedicou mais matérias do que ao escândalo das Farc. Mas a intensidade da cobertura variou bastante de jornal para jornal, com a Folha liderando, com 42 textos, seguida de Estado e O Globo, com 25 e quinze textos, respectivamente.É de esperar que um escândalo ligado ao PSDB de São Paulo tenha maior repercussão nos jornais paulistas, como aconteceu. Paulo Preto se destaca nesse quesito, pois todos os outros escândalos receberam proporções e números absolutos de cobertura muito semelhantes nos três jornais. São tão semelhantes que poderíamos supor haver algum tipo de controle mútuo das editorias ou mesmo emulação de comportamento entre os pares. Não temos como testar tais hipóteses por meio deste estudo, contudo. Resta a constatação da forte semelhança no perfil da cobertura dos escândalos nos jornais, expressa inclusive no número total de matérias dedicadas à cobertura de escândalos durante a campanha.

As principais conclusões às quais chegamos com a análise da cobertura da campanha de 2010 nos três grandes jornais são: 1) homogeneidade do perfil, representado pelo número e proporção de matérias dedicadas a cada escândalo; 2) a diversidade de tipos de escândalo, uns muito intensos, outros de baixa intensidade, alguns mais concentrados em momentos da campanha, outros mais espalhados ao longo do período; 3) viés antipetista representado pela diferença expressiva entre o número de matérias sobre escândalos relacionados ao PT e o número de matérias sobre escândalos do PSDB, seu principal contendor naquela eleição, e pelo fato de cinco escândalos do PT terem sido explorados contra apenas um do PSDB, justamente o que menos textos recebeu em toda a cobertura.

Teria sido a eleição de 2010 atípica no que toca à cobertura midiática? Como vimos, a exploração dos escândalos de corrupção política foi intensa nessa eleição, fenômeno que tinha atingido seu ápice na eleição de 2006 em comparação aos pleitos anteriores, a despeito de já ter havido neles o uso de tal prática jornalística, como nossa revisão mostrou.A análise que se segue da cobertura de escândalos na eleição de 2014 vai nos permitir determinar se o padrão dos pleitos anteriores foi replicado.

A COBERTURA DA ELEIÇÃO DE 2014

A eleição presidencial de 2014 também foi palco de competição entre os dois partidos que têm dominado a política brasileira no plano federal nas últimas duas décadas, PT e PSDB, com a diferença do surgimento de uma terceira candidatura, de Marina Silva, do PSB, que ficou várias semanas na segunda posição das preferências dos eleitores, mas foi suplantada por Aécio Neves, do PSDB, na última semana do primeiro turno. No segundo turno, portanto, tivemos mais uma vez o confronto entre PT e PSDB, com vitória da candidata à reeleição, Dilma Rousseff.

Novamente a cobertura da grande mídia teve nos escândalos um foco importante.Não podemos comparar diretamente os números de nossos estudos de 2010 e 2014, pois no primeiro analisamos toda a cobertura política dos jornais e no segundo somente suas capas. Podemos apenas afirmar que os escândalos novamente tiveram papel de destaque na cobertura jornalística durante a campanha eleitoral de 2014. Tivemos somente nas capas desses jornais 485 manchetes, matérias, chamadas ou pequenos textos relativos a escândalos, perfazendo 18% do universo total desses itens nas capas. Incluímos também na base, além das capas dos três grandes jornais, a cobertura completa do Jornal Nacional. O número deescândalosexploradosfoimaiorqueem2010, comomostraaTabela 3.

TABELA 3
Escândalos na mídia impressa durante a campanha de 2014

Novamente adotamos um conceito alargado de escândalo de corrupção, que inclui tanto malversação de dinheiro público quanto abuso de poder ou tráfico de influência.Há uma diferença significativa em relação a 2010 no que toca à natureza dos escândalos revelados pela cobertura. Enquanto na eleição anterior aqueles relativos ao abuso de poder ou tráfico de influência dominavam, em 2014 a malversação de dinheiro público imperou. A maioria dos escândalos identificados pertence a essa categoria - Petrobrás, Mensalão, Aeroporto de Cláudio, Metrô SP-Alstom e Mensalão Tucano -, sendo o da Petrobrás o campeão disparado da cobertura.

A despeito dessas diferenças, o viés da cobertura foi fortemente contrário ao PT e a sua candidata. Na divisão de casos tal viés já se faz sentir. São cinco escândalos imputados ao PT: Petrobrás, Mensalão, Graça Foster-CPI, Wikipédia-Míriam Leitão e Correios MG. E apenas três ao PSDB: Aeroporto de Cláudio, Metrô SP-Alstom e Mensalão Tucano. Na contagem de textos e matérias que fazem referência a cada escândalo a intensidade do viés se revela mais forte, como mostra o Gráfico 3.

GRÁFICO 3
Escândalos na mídia impressa durante a campanha de 2014 agrupados por partido

A proporção na última eleição foi de 455 textos e chamadas nas capas dos jornais e no Jornal Nacional sobre escândalos relativos ao PT contra apenas 33 que imputavam ao PSDB práticas similares, ou seja, só no que toca a escândalos o PT recebeu uma cobertura quase catorze vezes mais negativa do que o PSDB.

Vejamos agora como a cobertura desses eventos se distribuiu ao longo da campanha. Dado que a lista é grande, optamos por representar os eventos em dois grupos de gráficos: no Gráfico 4 os quatro escândalos que receberam cobertura mais intensa e no Gráfico 5 os quatro que receberam menor atenção por parte da grande mídia.

GRÁFICO 4
Escândalos mais cobertos pela mídia impressa durante a campanha eleitoral de 2014 (série temporal)

GRÁFICO 5
Escândalos menos cobertos pela mídia impressa durante a campanha eleitoral de 2014 (série temporal)

Como podemos ver pelas curvas do gráfico, um escândalo, o da Petrobrás, dominou a cobertura eleitoral em 2014. Chamadas e matérias sobre ele se espalharam por todo o período de campanha, com intensidade crescente. A única interrupção de crescimento da atenção dada pela mídia a esse escândalo se deu a partir de 9 de agosto, quando o foco da cobertura se voltou para Marina Silva no processo de sucessão do candidato do PSB, Eduardo Campos, que se seguiu a sua morte abrupta.41 O Mensalão foi o segundo escândalo mais coberto, mas sem grandes picos durante a campanha. Ou seja, o padrão da eleição anterior aqui se repete.É preciso notar que tal episódio está na lista dos escândalos mais mencionados pela imprensa durante a campanha, ainda que o caso já houvesse sido encerrado e os envolvidos já tivessem sido, inclusive, julgados. O escândalo Graça Foster durou somente duas semanas e praticamente desapareceu depois disso, em seguida à sua demissão.E o escândalo do aeroporto de Cláudio, o único do PSDB entre os quatro mais explorados, teve perfil similar ao de Graça Foster, ainda que praticamente metade de sua cobertura, 37 contra dezenove, respectivamente. O escândalo tucano aparece na segunda semana de campanha e desaparece três semanas depois. Vejamos agora o segundo grupo.

Os escândalos nanicos também têm algo a dizer sobre o comportamento dos grandes meios de comunicação de nosso país. Primeiro, seu caráter é dominantemente pontual. O caso Wikipédia-Míriam Leitão durou uma semana, reaparecendo depois de modo menos intenso também por uma semana. Seu desaparecimento coincide também com a entrada de Marina Silva na corrida como candidata titular do PSB. O escândalo do Metrô de São Paulo, do PSDB, também tem incidência pontual, na semana que vai de 10 a 16 de agosto. Depois recebe uma só menção durante o segundo turno, ainda que tenha havido novas denúncias sobre o caso ao Ministério Público de São Paulo por parte de ex-funcionários da Alstom e do Metrô no decorrer do ano. O Mensalão Tucano recebe duas citações na segunda semana e reaparece timidamente, uma citação por semana, nas semanas 5, 6 e 7. É importantedestacarque, diferentementedoMensalãoPetista, esseprocesso estava ainda em curso, tendo as alegações finais já sido apresentadas pela Procuradoria-Geral da União.42

Devemos notar que, mesmo entre os escândalos menos citados, a liderança ainda é do PT. Se concebêssemos um cenário contrafactual de razoável equilíbrio no tratamento jornalístico da política, um caso de parca relevância como a alteração de um verbete da Wikipédia não deveria jamais suplantar em número e intensidade de cobertura acusações gravíssimas de corrupção contra a maior administração do PSDB no país, o governo do estado de São Paulo, como é o caso do Metrô de São Paulo; ou mesmo suspeitas de montagem de um esquema de ampla corrupção liderado por um deputado federal do mesmo partido, ex-senador e ex-governador do estado de Minas Gerais, a segunda maior base tucana no país (Mensalão Tucano).

Resta-nos inquirir sobre o comportamento comparado dos três jornais e, agora, do Jornal Nacional, como mostra a Tabela 4.

TABELA 4
Escândalos agregados por jornal na campanha de 2014 (% nas linhas)

Ao comparar a cobertura por jornal, notamos maior heterogeneidade de abordagem para cada escândalo do que na eleição de 2010, quando o comportamento foi marcadamente homogêneo. Mas essa heterogeneidade é de certa forma ilusória, pois é causada em grande medida pelo fato de a Folha de S.Paulo ter publicado em suas capas menos chamadas e manchetes do que seus pares. Comparada a estes, a Folha costuma publicar em suas capas menor número de textos e chamadas. Isso tem mais a ver com opções editoriais e de design gráfico do jornal do que propriamente com sua posição e comportamento frente à campanha eleitoral.Uma maneira de contornar esse problema de comparação é mostrar também a totalização das porcentagens por colunas, ou seja, por veículo, e não por escândalo, como na Tabela 5.

TABELA 5
Escândalos agregados por jornal na campanha de 2014 (% nas colunas)

Como podemos perceber, boa parte da heterogeneidade se esvai. Primeiro tomando o escândalo da Petrobrás, de longe o mais citado, as proporções em cada jornal, inclusive no JN, são muito similares. A cobertura do Mensalão não é diferente, dessa vez com a Folha ligeiramente à frente de seus pares na proporção da importância que deu a esse escândalo. No caso Graça Foster a Folha foi novamente um outlier, mas dessa vez abaixo dos outros jornais. O escândalo do aeroporto de Cláudio, que como vimos foi noticiado em período curto, foi revelado pela Folha de S.Paulo, na qual rendeu sete menções de capa. O Globo, Estado e Jornal Nacional não se interessaram muito em explorar esse caso. Algo similar ocorre com o caso Wikipédia-Míriam Leitão, que envolveu a jornalista das Organizações Globo. O jornal da casa deu muito mais atenção ao escân-dalo do que os outros meios, incluindo o Jornal Nacional. Os demais escândalos foram tão pouco noticiados que seria fútil interpretar os dados além do que está na tabela.

CONCLUSÃO

As características da cobertura midiática da campanha de 2010 se repetiram em grande medida em 2014. Os escândalos explorados no pleito mais recente também foram diversos, uns muito intensos, outros de baixa intensidade, alguns mais concentrados em momentos da campanha, outros mais espalhados ao longo do período. Contudo, dessa vez tivemos mais escândalos relacionados à malversação de dinheiro público e menos casos imputados ao tráfico de influência e abuso de poder.

Outra característica importante que se repetiu foi a homogeneidade do perfil da cobertura nos meios estudados, medida através da comparação dos pesos relativos que cada um deles deu a cada escândalo. Tal homogeneidade chega a ser impressionante, dado tratar-se de quatro veículos distintos, pertencentes a três grandes conglomerados de mídia independentes uns dos outros.Duas hipóteses concorrentes podem explicar esse fato. A primeira é que a grande mídia brasileira é neutra e que essas são as notícias do momento: “All the news that’s fit to print”, como declara o lema de um famoso jornal norte-americano. Algumas evidências apontam para a falácia dessa hipótese, contudo. O histórico dos grandes meios de comunicação brasileiros, como já mostramos no início deste artigo, recomenda que esperemos politização e viés intencional, e não busca de imparcialidade ou equilíbrio. Mas essa é uma evidência indicativa, que deve ser tomada como hipótese e testada a cada nova eleição com dados frescos, para se evitar julgamentos prévios.Assim, tomemos uma evidência mais concreta que diz respeito a um dos escândalos dessa eleição: o aeroporto de Cláudio.

Construído com verbas estaduais durante a gestão de Aécio Neves como governador de Minas Gerais, nas terras de um tio seu, que são adjacentes a uma fazenda de sua família, o aeroporto de Cláudio não tinha autorização de funcionamento da Agência Nacional de Aviação Civil, e seu acesso era controlado por familiares do governador.43

Como dissemos, a Folha deu o furo no começo da campanha e seguiu o assunto por curto período, enquanto os outros meios lhe deram menor atenção. Pois bem, esse escândalo poderia ter sido bem mais explorado. Primeiro, houve um incêndio na prefeitura de Cláudio duas semanas depois da eclosão do escândalo. O G1, site noticioso da Rede Globo, noticiou que “as chamas destruíram uma sala onde ficavam arquivos, computadores, materiais de escritório e tecidos”, mas a matéria não apareceu no jornal O Globo, no Jornal Nacional, no Estadão ou na Folha de S.Paulo, o próprio jornal que revelou o caso. A prefeitura da cidade rapidamente soltou uma nota, dizendo que “as chamas chegaram a um cômodo em uma área de nove metros quadrados e destruíram algumas sucatas sem utilidade (computadores obsoletos e máquinas de escrever)” e acusando o G1 de veicular “informações mentirosas”. Outro fato que não apareceu na cobertura é que o prefeito de Cláudio, José Rodrigues Barroso de Araújo (PRTB), responsável pela nota, já tinha sido candidato a vice-prefeito na chapa de um membro da família de Múcio Guimarães Tolentino, o próprio tio de Aécio, dono das terras.44 Em suma, foram queimados documentos importantes ou não? Se o prefeito é aliado da família, teria interesse não só em queimá-los como em esconder o fato.Mas isso nunca foi investigado pela mídia, a despeito do alto impacto potencial que a exploração desse escândalo pudesse ter na campanha eleitoral que corria.

Outro evento relacionado com o caso de Cláudio que poderia ser explorado pela grande mídia é o aeroporto de Montezuma, também construído durante a administração de Aécio, em uma localidade adjacente à fazenda Perfil Agropecuária e Florestal, de sua propriedade. Não há razão econômica aparente para o investimento público nesse aeroporto, pois perto de Montezuma há cidades maiores que poderiam ter se beneficiado da construção de um aeroporto. Por fim, a empresaquepavimentouapista, aPavisan, foidoadoradascampanhasde Aécio para o governo de Minas em 2002 e 2006 e aparentemente fez a obra por um preço abaixo do custo real.45 Novamente, um cabedal de material com potencial explosivo, mas que foi deixado de lado pelos órgãos de mídia aqui estudados.

Essa prática de escolher de maneira discricionária assuntos e casos para noticiar, enquanto outros são silenciados, recebe o nome de agenda-setting ou agendamento nos estudos de mídia.46 É uma das maneiras mais eficazes que a mídia utiliza para influenciar o debate público. No caso das eleições, a intenção é claramente influenciar o resultado eleitoral. Isso nos leva diretamente a outra conclusão deste estudo: o viés fortemente antipetista da cobertura, representado pela intensidade muito maior com que a mídia se dedica a cobrir escândalos do PT comparada à atenção dada a escândalos do PSDB. Um exemplo gritante que pode ilustrar esse ponto é o caso Cantareira, que também é chamado de Crise Hídrica de São Paulo.

Desde 2014, o estado de São Paulo tem enfrentado graves problemas de abastecimento de água. Uma das consequências dessa crise hídrica foi a drástica diminuição nos níveis de água do Sistema Cantareira, responsável pelo abastecimento de boa parte da região metropolitana da capital.Na região metropolitana de São Paulo, o saneamento e a gestão de recursos hídricos é de responsabilidade da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), empresa do governo do estado com parte de seu capital aberto, negociado na Bolsa de Nova York.Pois bem, durante a campanha nossa análise identificou 110 textos e matérias relativas à crise hídrica de São Paulo. Contudo, tal assunto nunca foi transformado em um escândalo de corrupção, mesmo se incluirmos nesse conceito o sentido de gestão temerária com grave comprometimento do bem público.Na verdade, na maioria dessas matérias o problema era atribuído a efeitos naturais. Quando muito, a Sabesp era citada sem referência ao governo do estado ou ao governador Geraldo Alckmin, e muito menos a seu partido, o PSDB, que tem na privatização de empresas públicas uma de suas bandeiras.

Do ponto de vista da proporção do desequilíbrio entre as coberturas de escândalos de PT e PSDB, saímos de uma relação de cem para cinco em 2010 para uma de cem para sete em 2014, respectivamente. Levando em consideração que as bases não são exatamente as mesmas, pois na primeira eleição analisamos toda a cobertura política de três jornais e na segunda as capas desses mesmos três jornais mais o Jornal Nacional integral, a diferença não é relevante.O desequilíbrio da cobertura é brutal; escandaloso, para não perder o trocadilho.

Os meios de comunicação frequentemente tentam justificar seu viés antipetista pelo fato de o partido estar no poder.É o famoso argumento do cão de guarda, segundo o qual a grande mídia cumpre o papel importantíssimo de guardiã do interesse público ao manter o poder instituído sob constante escrutínio. Estudo recente do Manchetômetro, 47 comparando as coberturas da campanha para reeleição de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em 1998 com a da campanha para reeleição de Dilma Rousseff em 2014 mostra que esse argumento é falacioso, pois em 1998 tanto Fernando Henrique quanto seu partido, ambos no poder, gozaram de cobertura mais benevolente dos grandes jornais que Lula e o PT, a oposição de então, que nunca havia estado no poder.48

O mesmo Manchetômetro mostra que o tratamento dado a Alckmin nos jornais de São Paulo, Folha e Estado, é bem mais brando do que aquele dado a Dilma.49 Ou seja, o PSDB está no governo do estado de São Paulo há décadas, mas os grandes jornais não parecem dispostos a exercer o papel de vigília sobre sua administração da mesma forma como exploram escândalos petistas. Ademais, dado que o PSDB também ocupava o governo do estado de Minas Gerais, o segundo maior estado da federação em termos populacionais, é estarrecedor constatar que jornais com alcance nacional, como Folha, O Globo, Estado e Jornal Nacional, não entendam que uma atitude crítica aos governos e governantes desse partido, um deles candidato à presidência no pleito e o outro ex-candidato e pré-candidato em 2018, seja de interesse público.

Como defendemos no começo do artigo, se limitarmos a definição de corrupção à transação escusa de dinheiro, estaremos descartando boa parte da escandalização da política e, portanto, deixando de compreender um fenômeno muito relevante para o funcionamento atual da democracia brasileira, ainda que extremamente problemático. A maior parte dos estudiosos da democracia moderna aponta para a importância da comunicação e da formação de opinião para o bom funcionamento dessa forma de governo. A escandalização da política combinada ao extremo viés político, detectados neste estudo, revelam uma grave deficiência do funcionamento da democracia brasileira contemporânea, a despeito dos progressos institucionais conquistados desde seu retorno na década de 1980.É imperativo mudar essa realidade, pois com o tipo de jornalismo praticado pela grande imprensa brasileira quem perde é o Brasil.

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    As bases de dados analisadas nesse artigo foram produzidas no âmbito do Laboratório de Estudos da Mídia e Esfera Pública (Lemep) e do projeto Manchetômetro (http://www.manchetometro.com.br), que é uma iniciativa do Lemep. Agradecemos a todas as pessoas que trabalharam e ainda trabalham neste projeto, em especial a Eduardo Barbabela, Lorena Miguel, Lidiane Machado e Márcia Candido.
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    Kucinski, 1998, pp. 105-114; Souza, 2009. Diana Paula de Souza pesquisou os jornais O Globo, Jornal do Brasil e Folha de S.Paulo, de 17 a 20 de dezembro de 1989. Segundo ela, “percebe-se um esforço dos veículos para estabelecer uma conexão entre o sequestro e o então candidato à Presidência da República, Luís [sic] Inácio Lula da Silva”.
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  • 14
    O então ministro da Fazenda do governo Itamar Franco,Rubens Ricupero,ao se preparar para dar entrevista ao vivo no Jornal da Globo a Carlos Monforte, seu cunhado, declarou, pensando ainda estar fora do ar: “Eu não tenho escrúpulos; o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde”. Contudo, a transmissão foi feita por meio do canal privativo de satélite da Embratel, acessível pelos lares com antena parabólica.
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  • 18
    Aldé, 2002, pp. 106-128.
  • 19
    Miguel, 2004, pp. 95-105.
  • 20
    Escândalo inteiramente construído pela revista Veja, que atribuiu a Lula a iniciativa de montar um quartel-general formado por amigos e sindicalistas da Central Única dos Trabalhadores (CUT) para produzir dossiês contra os outros candidatos da campanha.
  • 21
    Accioly, 2004, pp. 142-162.
  • 22
    Rubim, 2007, p. 164.
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  • 27
    Erenice Guerra, então ministra da Casa Civil, foi acusada de participar de tráfico de influência com familiares. A história foi denunciada pela revista Veja, em sua edição de 11 de setembro de 2010. Antes de a investigação ser finalizada, Erenice se afastou do cargo. Dois anos depois, seu processo foi arquivado por falta de provas.
  • 28
    Grupos ligados ao PT foram acusados de copiar declarações do imposto de renda de Eduardo Jorge, vice-presidente do PSDB na época da eleição. A primeira denúncia foi publicada pela Folha de S.Paulo. As cópias teriam sido feitas por funcionários da Receita Federal e repassadas para uma “central de inteligência” ligada ao comitê de campanha do PT.
  • 29
    Após investigações internas, a Receita Federal divulgou ter encontrado indícios de que as declarações do imposto de renda de 2008 e 2009 de Verônica Serra, filha de José Serra, haviam sido consultadas sem autorização. A consulta foi realizada por Antonio Apella Ferreira, através de uma declaração falsa. Ferreira se defendeu alegando que estava realizando serviços terceirizados,e que desconhecia quem havia feito a encomenda da consulta.
  • 30
    Em maio de 2005, a revista Veja divulgou vídeo com flagrante de corrupção de agentes públicos dos Correios. Os dirigentes da estatal envolvidos no caso haviam sido indicados pelo PTB, partido então presidido pelo deputado federal Roberto Jefferson. Acuado, Jefferson procurou a imprensa para dizer que fazia parte de esquema de corrupção no Congresso: parlamentares de partidos da base aliada receberiam mensalmente — daí a origem do neologismo “mensalão” — recursos do PT em troca de apoio ao governo federal. Em 2007, o Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou denúncia do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, contra quarenta pessoas ligadas ao PT, PTB, PR, PL (atual PR), PP e PMDB, além de bancos, corretoras e agências de publicidade. O julgamento do caso teve início somente em 2012, depois, portanto, do período de análise.
  • 31
    O candidato a vice-presidente na chapa do PSDB, Indio da Costa, afirmou em entrevista que o PT tinha relações com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), conhecidas por seu projeto violento de dominação do território do país. Esse tema passou então a ser explorado pela mídia e pela campanha da oposição.
  • 32
    Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto, foi acusado de ter arrecadado dinheiro de empresários em nome do PSDB sem nunca tê-lo entregado à campanha. A primeira acusação foi publicada na edição de 18 de agosto de 2010 da revista Isto É. A matéria apresentou entrevistas com líderes tucanos, que utilizaram o caso como justificativa para a baixa arrecadação da campanha de José Serra.
  • 33
    Mesmo essa atribuição do escândalo ao PSDB só pode ser feita por meio de certa licença metodológica. Na verdade, a cobertura apresenta o partido como vítima no caso, pois a campanha de José Serra teria sido prejudicada por esse indivíduo. Assim, o escândalo pode ser considerado do PSDB porque o personagem principal é figura do partido, mas é importante destacar que a acusação é contra a pessoa de Paulo Preto, e não contra o partido.
  • 34
    A Operação Lava Jato, deflagrada pela Polícia Federal em março de 2014, começou investigando a atuação de doleiros, dentre os quais Alberto Youssef. A partir da operação, foi descoberto um esquema de corrupção na Petrobrás envolvendo empreiteiras e políticos de vários partidos.
  • 35
    Graça Foster, presidente da Petrobrás no momento da deflagração da Lava Jato, foi convocada a dar um depoimento na CPI instalada no Congresso em maio de 2014 para investigar irregularidades na compra da Refinaria de Pasadena, no Texas (EUA), pela estatal. No início da crise, antes de ter seus bens bloqueados pelo Tribunal de Contas da União, Foster teria doado bens aos filhos.
  • 36
    Em 20 de julho de 2014, a Folha de S.Paulo publicou uma reportagem revelando que o então candidato à presidência Aécio Neves teria construído, durante sua gestão como governador de Minas Gerais e utilizando-se de verbas públicas, um aeroporto em terras pertencentes a um parente, no pequeno município de Cláudio.
  • 37
    Durante a campanha presidencial, os perfis de dois jornalistas da Rede Globo, Míriam Leitão e Carlos Alberto Sardenberg, no site Wikipédia foram alterados a partir de computadores do Planalto.
  • 38
    Alstom é um grupo industrial francês da área de infraestrutura e transporte acusado de pagar propinas a vários políticos com o objetivo de obter um contrato de 45 milhões de dólares para realizar obras de expansão no Metrô de São Paulo durante governos tucanos.
  • 39
    Em 2007, a Procuradoria-Geral da República denunciou ao STF um esquema de financiamento irregular, com recursos públicos e doações privadas, da campanha de Eduardo Azeredo (PSDB) ao governo de Minas Gerais em 1998,que ficou conhecido como Mensalão Tucano. O então procurador-geral Antonio Fernando de Souza apontou o caso como “laboratório” do Mensalão nacional.
  • 40
    Também durante a campanha, panfletos da campanha de Dilma Rousseff foram distribuídos de maneira irregular por agências dos Correios do estado de Minas Gerais.
  • 41
    Os gráficos que acompanham a cobertura dos candidatos na grande mídia do site Manchetômetro mostram claramente esse fato: http://www.manchetometro.com.br/analises/candidatos/.
  • 42
    Eduardo Azeredo veio a ser condenado em primeira instância a vinte anos e dez meses de prisão pelos crimes de lavagem de dinheiro e peculato, em dezembro de 2015.
  • 43
  • 44
  • 45
    “Aécio precisa esclarecer também obra em Montezuma” (http://www.cartacapital.com.br/revista/810/oleo-na-pista-3933.html).
  • 46
  • 47
  • 48
    Durante o período da campanha da eleição presidencial de 1998, o então presidente e candidato Fernando Henrique Cardoso obteve dezoito matérias negativas nas capas dos jornais Folha de S.Paulo ,O Globo e O Estado de S. Paulo, enquanto seu principal adversário, Luiz Inácio Lula da Silva, obteve 28. Já o número de matérias favoráveis de Cardoso foi 33, contra duas de Lula. Cardoso em 1998 foi o candidato que obteve maior proporção de matérias positivas em relação a negativas e neutras de todas as campanhas analisadas pelo site Manchetômetro (1998, 2010 e 2014), mesmo sendo governo na ocasião.Ver http://www.manchetometro.com.br/analises-1998/. Ver também Feres Júnior e Sassara, no prelo.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul 2016

Histórico

  • Recebido
    23 Out 2015
  • Aceito
    28 Mar 2016
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