RESUMO
Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa que procurou investigar como os contextos sociopolíticos relativos às relações raciais que emolduraram os percursos de carreira de representantes de duas gerações de executivos negros favoreceram ou inibiram os processos por meio dos quais eles realizaram o trabalho de produção de si mesmos como sujeitos, construindo ou não identidades negras positivamente afirmadas.
PALAVRAS-CHAVE:
questão racial; executivos negros; construção do sujeito; problemas públicos
ABSTRACT
This article presents the results of a research that sought to investigate how the sociopolitical contexts related to race relations that framed the career paths of representatives of two generations of Black executives favored or inhibited the processes through which they carried out the work of self-production as subjects, building or not positively affirmed Black identities.
KEYWORDS:
racial issue; Black executives; subject construction; public problems
INTRODUÇÃO
Ao abordar as diversas facetas da questão racial no Brasil, notamos que, embora muitas áreas da vida social tenham sido exploradas pelas ciências sociais brasileiras, o mundo empresarial ainda permanece relativamente inexplorado no que diz respeito à compreensão sobre como as dinâmicas raciais operam dentro das grandes corporações e afetam os sujeitos (Jaime; Barreto; Oliveira, 2018Jaime, Pedro; Barreto, Paulo; Oliveira, Cloves. “Last We Forget! Presentation of the Special Issue “Racial Dimensions in the Corporate World”. Organizações & Sociedade, v. 25, n. 87, 2018, pp. 542-50.).
Nesse sentido, consideramos que problematizar a questão racial a partir de sua dinâmica no mundo empresarial é uma contribuição relevante para as ciências sociais. No Brasil, essa temática está presente há mais de um século, se tomarmos como referência os trabalhos de Nina Rodrigues, Donald Pierson, Marvin Harris, Gilberto Freyre e outros fundadores desse campo de estudos. Ademais, ela conquistou um lugar nos cursos de graduação e pós-graduação, sob a denominação de sociologia das relações raciais, antropologia das populações afro-brasileiras ou ainda estudos étnico-raciais (Guimarães, 2005Guimarães. Antônio Sérgio. Racismo e anti-racismo no Brasil. São Paulo: Editora 34 , 2005.; Munanga, 2009Munanga, Kabengele. “Negros e mestiços na obra de Nina Rodrigues”. In: Almeida, Adroaldo et al. Religião, raça e identidade. São Paulo: Paulinas, 2009.; Campos, 2018Campos, Luiz Augusto; Lima, Márcia; Gomes, Ingrid. “Os estudos sobre relações raciais no Brasil: uma análise da produção recente (1994-2013)”. In: Miceli, Sergio; Martins, Carlos Benedito (orgs.). Sociologia Brasileira Hoje II. Cotia: Ateliê Editorial, 2018, pp. 199-249.).
Como salientado, o mundo empresarial não tem sido um locus empírico para o qual os estudos sobre relações raciais no Brasil endereçam suas indagações (Jaime; Barreto; Oliveira, 2018Jaime, Pedro; Barreto, Paulo; Oliveira, Cloves. “Last We Forget! Presentation of the Special Issue “Racial Dimensions in the Corporate World”. Organizações & Sociedade, v. 25, n. 87, 2018, pp. 542-50.). A questão racial no mercado de trabalho já foi objeto de atenção de cientistas sociais brasileiros, porém tem sido um foco pouco expressivo. Compõe apenas 10,2% dos subtemas dos artigos acadêmicos sobre a questão racial registrados no Scielo de 1994 a 2013 (Campos; Lima; Gomes, 2018Campos, Luiz Augusto; Lima, Márcia; Gomes, Ingrid. “Os estudos sobre relações raciais no Brasil: uma análise da produção recente (1994-2013)”. In: Miceli, Sergio; Martins, Carlos Benedito (orgs.). Sociologia Brasileira Hoje II. Cotia: Ateliê Editorial, 2018, pp. 199-249.) e 3,9% daqueles publicados em revistas classificadas pelo Qualis Periódicos no estrato A nas disciplinas das ciências sociais no período de 2014 a 2018 (Barreto et al., 2021Barreto, Paula et al. “A produção das ciências sociais sobre as relações raciais no Brasil entre 2012 e 2019”. Boletim Informativo Bibliográfico, n. 94, 2021, pp. 1-35.). Um balanço amplo, que visou discutir a produção no campo da sociologia sobre as relações raciais desde os anos 1970 até a primeira década do século XXI, apontou o caráter residual de investigações enfocando o mundo empresarial (Barreto et al., 2017Barreto, Paula et al. “Entre o isolamento e a dispersão: a temática racial nos estudos sociológicos no Brasil”. Revista Brasileira de Sociologia, v. 5, n. 11. 2017, pp. 113-41.). Tal mapeamento sinalizou três eixos nos estudos sobre essa temática: a) preconceito, discriminação, racismo e antirracismo; b) desigualdade racial e estratificação social; c) políticas sociais e relações raciais. É verdade que, no primeiro eixo, são poucos os estudos apontados sobre a questão racial em empresas, mas, justamente por serem marginais, eles são agrupados com aqueles que abordam as questões do racismo e do antirracismo entre estudantes e professores universitários, e entre profissionais liberais (Barreto et al., 2017Barreto, Paula et al. “Entre o isolamento e a dispersão: a temática racial nos estudos sociológicos no Brasil”. Revista Brasileira de Sociologia, v. 5, n. 11. 2017, pp. 113-41.).
O esforço aqui apresentado, busca contribuir para o preenchimento dessa lacuna. Nesse sentido, algumas delimitações são necessárias para que o objeto empírico do artigo seja bem compreendido. Como advertiu Guillaume Duval (2008Duval, Guillaume. “Dans le Maquis des entreprises”. Alternatives Économiques, n. 79, 2008., pp. 30-1), o mundo empresarial é marcado por uma grande heterogeneidade: dos estatutos jurídicos herdados do século XIX aos mais recentes, da empresa privada à cooperativa, da microempresa à corporação transnacional, passando pelas Pequenas e Médias Empresas (PMES). Sem falar da microempresa individual, própria do processo de precarização do trabalho que caracteriza o capitalismo contemporâneo e que força muitos trabalhadores a abrirem firmas individuais a fim de prestar serviços como terceiros a grandes companhias. Optamos por circunscrever a pesquisa que originou este artigo ao chamado mundo corporativo, entendido como aquele formado pelas grandes empresas nacionais privadas e pelas corporações transnacionais que operam no país. Deixamos de fora as organizações da administração pública, as PMES, às cooperativas etc.
O artigo não trata dos empresários negros. Cabe aqui uma distinção importante. Entendemos “executivos” segundo a definição dada por Paul Bouffartigue e Charles Gadea (2000Bouffartigue, Paul; Gadea, Charles. Sociologie des cadres. Paris: La Découverte, 2000.), para quem essa categoria profissional é fruto da revolução industrial e do desenvolvimento do capitalismo e faz parte das chamadas classes médias. É composta por indivíduos que estão ou são preparados para estar a meio caminho entre os empresários e o conjunto dos trabalhadores, sendo distintos portanto dos empresários - que são donos do próprio negócio.1 1 Para uma apreciação do percurso de profissionais negros no setor público, ver Ivo de Santana (2020). Já para a análise da trajetória de empresários negros, ver Angela Figueiredo (2012). Há três estratos principais que caracterizam essa categoria profissional: 1) os profissionais que ocupam posições superiores na estrutura da empresa; 2) aqueles situados em posições intermediárias na organização; 3) os jovens que, tendo suas potencialidades identificadas, serão preparados para ocupar posições estratégicas (Bouffartigue; Gadea, 2000Bouffartigue, Paul; Gadea, Charles. Sociologie des cadres. Paris: La Découverte, 2000.). O primeiro e o segundo estratos são comumente denominados no Brasil diretores e gerentes, respectivamente. Já para o terceiro, incorporamos do inglês a palavra trainee, que ressalta o caráter transitório em que se encontram esses executivos em formação.
Para compreender a trajetória profissional desses executivos, usamos como ponto de partida o paradigma da análise estratégica das organizações de Michel Crozier e Erhard Friedberg. Esses autores afirmam que, a despeito das limitações que a estrutura organizacional coloca aos indivíduos, sempre resta aos atores uma margem de autonomia. Eles reconhecem que essa autonomia é relativa. Contudo, insistem que é possível contornar situações adversas, a depender da capacidade dos atores de se relacionar com os outros, estabelecer alianças, mobilizar a solidariedade dos colegas ou mesmo aguentar pressões psicológicas advindas de conflitos (Crozier; Friedberg, 1992Crozier, Michel; Friedberg, Erhard. L’Acteur et le système. Paris: Seuil, 1992.; Friedberg, 1997Friedberg, Erhard. Le Pouvoir et la règle. Paris: Seuil , 1997.).
Os atores adotam estratégias para se movimentar na dinâmica das relações concretas da organização. Embora exista uma grande variedade de estratégias possíveis, elas podem ser classificadas em dois grupos. De um lado, estariam as estratégias defensivas, isto é, aquelas por meio das quais os atores pretendem manter suas margens de manobra. De outro lado, as ofensivas, ou seja, aquelas voltadas para a conquista de posições. Porém os atores podem alterar o curso da ação ao longo de sua trajetória, até mesmo em razão de consequências imprevistas de suas escolhas (Crozier; Friedberg, 1992Crozier, Michel; Friedberg, Erhard. L’Acteur et le système. Paris: Seuil, 1992.; Friedberg, 1997Friedberg, Erhard. Le Pouvoir et la règle. Paris: Seuil , 1997.).
Ainda que seja uma importante via de acesso ao mundo corporativo, e constitua uma abordagem clássica no campo da sociologia das organizações, o paradigma da análise estratégica de Crozier e Friedberg possui limitações. Destacam-se aqui duas delas: 1) a redução do indivíduo ao ator estratégico, uma espécie de homo economicus que calcula ganhos e perdas que pode obter com suas ações; 2) o olhar demasiadamente endógeno sobre as organizações, que limita a visão das relações entre empresa e sociedade. Para superar essas limitações, a pesquisa que resultou neste artigo recorreu à sociologia clínica e à sociologia dos problemas públicos.
Cabem ainda alguns esclarecimentos sobre como foi operacionalizada a categoria de executivos negros. Em estudos realizados nos anos 1950-60 sobre a questão racial na cidade de São Paulo, Roger Bastide e Florestan Fernandes demonstraram a inexistência de profissionais negros em posições de gerência e direção nas empresas. “O preto é bem aceito como porteiro, moço de recados, guarda-livros, caixa, mas não pode pretender elevar-se acima do posto de subchefe de seção; contam-se nos dedos os que se tornaram chefes de departamento” (Bastide; Fernandes, 2008Bastide, Roger; Fernandes, Florestan. Brancos e negros em São Paulo. São Paulo: Global, 2008., p. 179). “As posições ‘altas’ ou ‘intermediárias’ estavam fora de cogitação, pois a elas só podiam concorrer os elementos das camadas dominantes e os estrangeiros ou descendentes de estrangeiros em ascensão […] tidos como mais aptos, competentes e produtivos”, corrobora Florestan Fernandes (2008Figueiredo, Angela. Classe média negra: trajetórias e perfis. Salvador: Edufba , 2012., pp. 164-5). Nessas décadas, os negros não conseguiram alcançar "posições estratégicas na estrutura ocupacional da cidade" (Fernandes, 2008Figueiredo, Angela. Classe média negra: trajetórias e perfis. Salvador: Edufba , 2012., p.165), não existiam executivos negros. Esse personagem só surgiria na trama empresarial de São Paulo na geração seguinte.
Segundo o Dictionnaire de Sociologie Le Robert/Seuil, em demografia, define-se “coorte” como “o conjunto de pessoas que viveram (ou foram submetidas) a um mesmo evento estatisticamente identificável durante um dado período (mês ou ano)” (Gani, 1999Gani, Léon. “Cohorte démographique et génération”. In: Akoun, André; Ansart, Pierre (orgs.). Dictionnaire de Sociologie Le Robert/Seuil. Paris: Le Robert/Seuil, 1999., p. 86).2 2 As traduções de obras francesas citadas ao longo do artigo foram feitas pelos próprios autores. “Geração”, segundo o mesmo dicionário, representa para os demógrafos “uma coorte particular, uma vez que se trata de um conjunto de pessoas nascidas durante um ano civil”. “Trata-se, neste caso […] de uma geração real que é observada de maneira contínua ou retrospectiva” (Gani, 1999Gani, Léon. “Cohorte démographique et génération”. In: Akoun, André; Ansart, Pierre (orgs.). Dictionnaire de Sociologie Le Robert/Seuil. Paris: Le Robert/Seuil, 1999., p. 86). O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, por sua vez, informa que, nesse sentido sociodemográfico, geração significa “espaço de tempo correspondente ao intervalo que separa cada um dos graus de uma filiação e que é avaliado em cerca de 25 anos” (Dicionário Houaiss, 2001Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.). Se tomarmos esse marco temporal como referência, considerando que a geração estudada por Bastide e Fernandes corresponde ao período das décadas de 1950 e 1960, temos um recorte de pesquisa que abrange desde meados dos anos 1970 até o início dos anos 1980. Foi exatamente durante esse último período citado que os profissionais negros de primeira geração entrevistados nesta pesquisa começaram suas trajetórias profissionais. Sendo assim, utilizamos aqui a expressão executivos negros de primeira geração para nos referir aos negros que iniciaram sua carreira profissional no fim dos anos 1970 (e ocupavam ou tinham ocupado posições gerenciais ou de direção no mundo corporativo no início do século XXI) e de segunda geração aquele conjunto de jovens negros que ingressaram no mundo corporativo no início do século XXI.3 3 A rigor, os representantes dessa segunda geração, em razão da idade e do ingresso recente nas empresas, ainda não eram executivos no momento da elaboração dos dados. No entanto, pretendiam desenhar seus percursos profissionais nessa direção. Assim, foram considerados executivos em potencial, expressão utilizada para se referir a indivíduos vistos pelas companhias nas quais trabalham como profissionais com perfil para ocupar postos gerenciais ou de direção (Bouffartigue; Gadea, 2000). Consequentemente, ao fazer menção aos representantes dessa geração, referimo-nos mais exatamente a uma segunda geração de executivos negros em formação.
A problematização da questão racial no mundo empresarial aqui proposta apoiou-se em duas correntes da sociologia francesa contemporânea: a sociologia clínica e a sociologia dos problemas públicos. A incorporação dessa segunda corrente justifica-se por seu potencial para fertilizar a compreensão das diferentes fases atravessadas pelo movimento negro no Brasil, amplamente descritas e analisadas por autores como Regina Pahim (1993Pahim, Regina. O movimento negro em São Paulo: luta e identidade. Tese (doutorado em antropologia social). São Paulo: PPGAS/Faculdade de Filosofia, Letras e Ciência Humanas, Universidade de São Paulo, 1993.), George Andrews (1991Andrews, George. “O protesto político negro em São Paulo (1888-1998)”. Estudos Afro-Asiáticos, v. 21, 1991, pp. 27-48.; 1998Andrews, George. Negros e brancos em São Paulo (1888-1988). Bauru: Edusc, 1998.), Michael Hanchard (2001Hanchard, Michael. Orfeu e poder: o movimento negro no Rio e São Paulo (1945-1988). Rio de Janeiro: Ed. Uerj, 2001.) e Borges Pereira (2007Borges Pereira, João Batista. “Trajetória e identidade do negro em São Paulo”. In: Zanini, Maria Catarina C. (org.). Por que “raça”? Breves questões sobre a “questão racial” no cinema e na antropologia. Santa Maria: Ed. UFSM, 2007, pp. 87-100.) a partir da Imprensa Negra e da Frente Negra Brasileira, Teatro Experimental do Negro e Movimento Negro Unificado. De sua parte, Jacques D’Adesky (2001D’Adesky, Jacques. Pluralismo étnico e multiculturalismo: racismos e anti-racismos no Brasil. Rio de Janeiro: Pallas, 2001.), Eduard Telles (2003Telles, Eduard. Racismo à brasileira: uma perspectiva sociológica. Rio de Janeiro: Relume-Dumará , 2003.), Carlos Agudelo (2006Agudelo, Carlos. “Les Reseaux transnationaux comme forme d’action dans les mouvements noirs d’Amérique Latine”. Cahiers des Amériques Latines, n. 51-52, 2006, pp. 31-48.), Sales dos Santos (2007Santos, Sales Augusto dos. Movimento negro, educação e ações afirmativas. Tese (doutorado em sociologia). Brasília: Departamento de Sociologia, Universidade de Brasília, 2007.) e Antônio Sérgio Guimarães (2008Guimarães. Antônio Sérgio. Preconceito racial: modos, temas e tempos. São Paulo: Cortez, 2008.) abordaram a institucionalização do movimento negro em ongs. Já Kabengele Munanga (1996Munanga, Kabengele. “O anti-racismo no Brasil”. In: Munanga, Kabengele. Estratégias e políticas de combate à discriminação racial. São Paulo: Edusp , 1996.), Michael Hanchard (2001)Hanchard, Michael. Orfeu e poder: o movimento negro no Rio e São Paulo (1945-1988). Rio de Janeiro: Ed. Uerj, 2001., Sales dos Santos (2007)Santos, Sales Augusto dos. Movimento negro, educação e ações afirmativas. Tese (doutorado em sociologia). Brasília: Departamento de Sociologia, Universidade de Brasília, 2007. e Antônio Sérgio Guimarães (2008)Guimarães. Antônio Sérgio. Preconceito racial: modos, temas e tempos. São Paulo: Cortez, 2008. evidenciaram uma mudança importante na atuação do Estado brasileiro contra a discriminação e as desigualdades raciais. Não tendo implementado políticas públicas efetivas nesse sentido ao longo do século XX, em virtude da imagem que se nutria do Brasil como uma democracia racial, o Estado passou a implementar políticas de ação afirmativa, já num contexto pós-democracia racial.
A articulação dessas duas correntes sociológicas permitiu desenvolvermos e defendermos o seguinte argumento neste artigo: tornar-se sujeito é um processo bem mais plausível quando resulta da mobilização coletiva e da ação política. Para defender esse argumento, dividimos o texto em seis seções, além desta introdução. Na primeira seção, tecemos algumas considerações sobre a questão racial. Na segunda seção, apresentamos a sociologia clínica e, na terceira, a sociologia dos problemas públicos. Na quarta, discutimos questões de ordem metodológica e, na quinta, abordamos a trajetória profissional da primeira e segunda geração de executivos negros. E, por fim, fazemos nossas considerações finais.
A QUESTÃO RACIAL
“Não, a raça não existe. Sim, a raça existe. Certamente ela não é o que se diz que ela é, mas ela é, contudo, a mais tangível, real, brutal das realidades” (Guillaumin, 1986, p. 65). Com esse jogo de palavras, Colette Guillaumin sintetiza a visão sociológica de raça. Nessa mesma linha de raciocínio, Kabengele Munanga (2004Munanga, Kabengele. “Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia”. In: André Augusto P. Brandão (org.). Programa de educação sobre o negro na sociedade brasileira. Niterói: Eduff , 2004, pp. 15-34.) adverte que, apesar de raça não existir mais na cabeça de um geneticista ou de um biólogo molecular, ela ainda está presente nas representações coletivas construídas em diversas sociedades contemporâneas. Esse ponto é destacado também por Antônio Sérgio Guimarães (2002Guimarães. Antônio Sérgio. Classes, raças e democracia. São Paulo: Editora 34, 2002.), para quem nós continuamos a nos classificar em raças, independentemente do que nos diga a genética, assim como organizamos nossas experiências diárias em torno da crença de que o Sol nasce e se põe, apesar de aceitarmos a teoria copernicana de que a Terra gira em torno do Sol e não o inverso. Ou seja, a ideia de raça segue sendo “subjetivamente real”, “uma força altamente motivadora por trás dos pensamentos e do comportamento das pessoas” (Cashmore; Troyna, 2000Cashmore, Ellis; Truyna, Barry. “Relações raciais - perspectiva 2”. In: Cashmore, Ellis (org.). Dicionário de relações étnicas e raciais . São Paulo: Summus, 2000, pp. 488-92., p. 489).
Didier Fassin (2010Fassin, Didier. “Ni race, ni racisme. Ce que racialiser veut dire”. In: Fassin, Didier (org.). Les Nouvelles frontières de la société française. Paris: La Découverte , 2010, pp. 147-72.) traz, no entanto, uma complexidade para a análise da questão racial. Para ele, é justamente porque as raças não existem biologicamente que é preciso se interessar pelo que conduz nossas sociedades a fazê-las existir na linguagem comum e no discurso erudito, nas ideias e nos atos. Dito de outra forma, é necessário entender por que as sociedades se organizam “como se as raças existissem realmente - e isto, sem ter necessariamente de nomeá-las” (Fassin, 2010Fassin, Didier. “Ni race, ni racisme. Ce que racialiser veut dire”. In: Fassin, Didier (org.). Les Nouvelles frontières de la société française. Paris: La Découverte , 2010, pp. 147-72., p. 158). O antropólogo acrescenta que, se por um lado o racismo pode se perpetuar sem a ideia de raça, uma vez que é possível encontrar disfarces em noções como identidade, cultura e etnia (Wieviorka, 1998Wieviorka, Michel. Le Racisme: une introduction. Paris: La Découverte , 1998.; Munanga, 2004Munanga, Kabengele. “Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia”. In: André Augusto P. Brandão (org.). Programa de educação sobre o negro na sociedade brasileira. Niterói: Eduff , 2004, pp. 15-34.; Guimarães, 2005Guimarães. Antônio Sérgio. Racismo e anti-racismo no Brasil. São Paulo: Editora 34 , 2005.); por outro, nem todo uso da palavra raça indica presença de uma prática racista. A mobilização desse léxico pode denotar até mesmo o inverso e remeter, por exemplo, a um engajamento no combate antirracista.
Esse ponto de vista é também o de Michael Banton (2000Banton, Michael. “Raça como classificação”. In: Cashmore, Ellis (org.). Dicionário de relações étnicas e raciais. São Paulo: Selo Negro. 2000, pp. 447-50., p. 448), para quem “a questão principal não é o que vem a ser ‘raça’, mas o modo como o termo é empregado”. Seguindo essa linha de raciocínio, é possível afirmar que, se a utilização da ideia de raça se prestou à inferiorização de certos segmentos populacionais, como foi o caso do racismo científico (Guillaumin, 2002Guillaumin, Colette. L’Idéologie raciste. Paris: Folio, 2002.; Schwarcz, 2005Schwarcz, Lilia. O espetáculo das raças. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.), ela pode ser acionada por esses mesmos segmentos como uma estratégia de luta contra essa inferiorização. Esse parece ser o sentido da argumentação de Banton quando afirma que “as pessoas elaboram crenças a respeito de raça, assim como a respeito de nacionalidade, etnia e classe, numa tentativa de cultivar identidades grupais” (Banton, 2000Banton, Michael. “Raça como classificação”. In: Cashmore, Ellis (org.). Dicionário de relações étnicas e raciais. São Paulo: Selo Negro. 2000, pp. 447-50., p. 448).
Tal perspectiva remete ao conceito de racialização. Robert Milles (2000Milles, Robert. “Racialização”. In: Cashmore, Ellis (org.). Dicionário de relações étnicas e raciais . São Paulo: Selo Negro , 2000, pp. 456-8.) pondera que o termo tem sido utilizado para se referir a qualquer processo ou situação em que a ideia de raça é usada para definir e qualificar uma população específica, suas características e ações. Contudo, ele não possui um vínculo obrigatório com a perspectiva racista. Milles (2000Milles, Robert. “Racialização”. In: Cashmore, Ellis (org.). Dicionário de relações étnicas e raciais . São Paulo: Selo Negro , 2000, pp. 456-8., p. 457) é explícito a esse respeito: “No seu uso estreito, o conteúdo ideológico do processo de racialização fornece descrições como racismo ou, mais especificamente, racismo científico”, porém, “no seu uso mais amplo, referindo-se também à atribuição de significado […] para as variações fenotípicas/genéticas em todas as dimensões da vida social, o conteúdo ideológico do processo identificado não é necessariamente racista”. Ele adverte, então, que passa a ser necessário analisar os sentidos construídos em torno da ideia de raça e o papel desempenhado pelas populações nesse processo: objeto ou sujeito. Milles (2000Milles, Robert. “Racialização”. In: Cashmore, Ellis (org.). Dicionário de relações étnicas e raciais . São Paulo: Selo Negro , 2000, pp. 456-8., p. 457) pondera enfim que aqueles que foram historicamente “vítimas” da racialização podem, por sua vez, empregar a ideia de “raça”, sem que esse uso tenha um conteúdo racista. Sendo assim, “os conceitos de racismo e racialização” devem ser tratados como “analiticamente distintos” (Milles, 2000Milles, Robert. “Racialização”. In: Cashmore, Ellis (org.). Dicionário de relações étnicas e raciais . São Paulo: Selo Negro , 2000, pp. 456-8., p. 457).
Tal distinção analítica é proposta também por Didier Fassin (2010Fassin, Didier. “Ni race, ni racisme. Ce que racialiser veut dire”. In: Fassin, Didier (org.). Les Nouvelles frontières de la société française. Paris: La Découverte , 2010, pp. 147-72.). De acordo com ele, frequentemente se considera que a racialização é a expressão do racismo individual/intencional ou coletivo/institucional. Porém, ela não se resume a esse contorno. Pode proceder “da identificação racial de um grupo que se reconhece como ‘negro’ e se mobiliza enquanto tal para se constituir […] como força política ou como realidade cultural” (Fassin, 2010Fassin, Didier. “Ni race, ni racisme. Ce que racialiser veut dire”. In: Fassin, Didier (org.). Les Nouvelles frontières de la société française. Paris: La Découverte , 2010, pp. 147-72., p. 159). Neste caso, advoga Fassin, é possível inverter o raciocínio e considerar que é a recusa a aceitar este reconhecimento que constitui algo problemático. Dito de outra forma, se “a racialização é em primeiro lugar e antes de tudo a imposição de uma categoria explicitamente ou implicitamente racial sobre indivíduos e grupos, geralmente para os dominar e os explorar, para os excluir e os combater”, este fenômeno é, todavia, “mais complexo” e “existe uma relação dialética entre a discriminação e o reconhecimento” (Fassin, 2010Fassin, Didier. “Ni race, ni racisme. Ce que racialiser veut dire”. In: Fassin, Didier (org.). Les Nouvelles frontières de la société française. Paris: La Découverte , 2010, pp. 147-72., p. 165).
A fim de enfrentar esta complexidade, Didier Fassin (2010Fassin, Didier. “Ni race, ni racisme. Ce que racialiser veut dire”. In: Fassin, Didier (org.). Les Nouvelles frontières de la société française. Paris: La Découverte , 2010, pp. 147-72.) sugere que a ideia de racialização seja pensada simultaneamente como processo e como problematização. Pensar a racialização como processo significa atentar para a produção das relações sociais e “desvelar os mecanismos sociológicos que conduzem os atores a acreditarem na sua existência e agirem com base nessa crença” (Fassin, 2010Fassin, Didier. “Ni race, ni racisme. Ce que racialiser veut dire”. In: Fassin, Didier (org.). Les Nouvelles frontières de la société française. Paris: La Découverte , 2010, pp. 147-72., pp. 160-1). Ou seja, trata-se de “tornar explícito o que o mundo social produz de maneira implícita” (Fassin, 2010Fassin, Didier. “Ni race, ni racisme. Ce que racialiser veut dire”. In: Fassin, Didier (org.). Les Nouvelles frontières de la société française. Paris: La Découverte , 2010, pp. 147-72., pp. 160-1). Pensar a racialização como problematização, por sua vez, consiste em “fazer existir a questão racial, isto é, certa maneira de descrever o mundo social e de formular problemas no espaço público” (Fassin, 2010Fassin, Didier. “Ni race, ni racisme. Ce que racialiser veut dire”. In: Fassin, Didier (org.). Les Nouvelles frontières de la société française. Paris: La Découverte , 2010, pp. 147-72., pp. 160- -1). Trata-se então de tomá-la não como um fenômeno unívoco, mas como uma categoria que se exprime de forma diferente em função dos momentos, contextos e grupos que a ela se referem ou que a acionam. Assim, segundo Didier Fassin (2010Fassin, Didier. “Ni race, ni racisme. Ce que racialiser veut dire”. In: Fassin, Didier (org.). Les Nouvelles frontières de la société française. Paris: La Découverte , 2010, pp. 147-72., p.152), é necessário que o pesquisador afine seus instrumentos teóricos para “pensar a questão racial após as raças”, visando dar conta da sua emergência na esfera pública com múltiplos sentidos e objetivos.
Em síntese, a racialização é um conceito complexo que, dentre outras coisas, permite dar conta da dupla face da ideia de raça. Em uma dimensão subjetiva, foi muito bem explorada por Franz Fanon (2008Fanon, Frantz. Peles negras, máscaras brancas. Salvador: Edufba, 2008.), que mostrou como o racismo imprime marcas na estrutura psíquica do sujeito racializado. Em uma dimensão objetiva, é objeto de conflitos e controvérsias na arena pública. Essas duas faces se imbricam, uma vez que a luta antirracista pode se dar, paradoxalmente, por meio de uma identificação racial e uma racialização não racista.
SOCIOLOGIA CLÍNICA E CONSTRUÇÃO DO SUJEITO
Ator e sujeito são conceitos intimamente ligados na sociologia de Alain Touraine. Em Critique de la modernité, ele defende não apenas que “sujeito e ator são noções inseparáveis”, mas que juntos resistem a um individualismo que reduz o ator “à procura racional - portanto calculável e previsível - de seu interesse” (Touraine, 1992Touraine, Alain. Critique de la modernité. Paris: Fayard , 1992., p. 244). Para Touraine, o indivíduo é “a unidade particular em que se misturam a vida e o pensamento, a experiência e a consciência” (Touraine, 1992Touraine, Alain. Critique de la modernité. Paris: Fayard , 1992., p. 243). Ele critica essa visão que limita o indivíduo à racionalidade instrumental e o considera a partir da vontade de ser sujeito, de ser ator da própria história.
Ao escapar do reducionismo utilitarista na análise do sujeito, o sociólogo restitui a complexidade do humano. Todavia, é possível perceber em sua obra uma visão excessivamente heroica do ator-sujeito. Isso porque o sujeito, para ele, emerge não apenas quando o indivíduo se afasta dos apelos da sociedade de consumo, mas também, e sobretudo, quando ele se engaja na luta pela transformação social. E afirma, nesse sentido, que “é em termos de ator e de conflito social que se deve definir o sujeito”, uma vez que este “existe somente como movimento social, como contestação da lógica da ordem” (Touraine, 1992Touraine, Alain. Critique de la modernité. Paris: Fayard , 1992., pp. 272-3; grifo nosso). Embora essa argumentação seja relevante por ressaltar a importância dos movimentos sociais para a dinâmica das mudanças sociais, ela termina por reduzir o sujeito ao ator coletivo, empobrecendo a compreensão desse personagem misterioso, tão difícil de definir (Morin, 1995Morin, Edgar. “Le Concept de sujet”. In: Dubet, François; Wieviorka, Michel (orgs.). Penser le sujet autour d’Alain Touraine. Paris: Fayard, 1995.).
Vale ressaltar, como faz Vincent de Gaulejac (2009Gaulejac, Vincent de. Qui est “je”. Paris: Seuil , 2009.), que houve uma evolução no pensamento de Touraine. Se em seus primeiros trabalhos sobre os movimentos sociais ele enxergava “a mobilização coletiva como motor das mutações sociais”, mais tarde tornou-se o defensor do sujeito individual em face do “colapso das colunas sociais” (Gaulejac, 2009Gaulejac, Vincent de. Qui est “je”. Paris: Seuil , 2009., pp. 130-1). Gaulejac sintetiza sua observação sobre esse deslocamento na obra de Touraine apontando que a referência a um Sujeito com “S" maiúsculo, decidido a mudar a sociedade, perde-se em favor de uma multiplicidade de sujeitos singulares, com “s" minúsculo, que, incapazes de ordenar o mundo, buscam dar sentido às suas próprias existências. De fato, em um de seus últimos livros, Touraine (2005)Touraine, Alain. Un Nouveau Paradigme pour comprendre le monde d’aujourd’hui. Paris: Fayard , 2005. afirmou que a vida do sujeito pessoal é tão dramática quanto a história do mundo.
O avanço na compreensão desse personagem misterioso, desse sujeito com “s" minúsculo, pode ser feito mediante o recurso à sociologia clínica, uma corrente da sociologia francesa contemporânea que analisa a relação entre indivíduo/sujeito e sociedade a partir da articulação entre sociologia e psicanálise (Gaulejac; Roy, 1993Gaulejac, Vincent de; Roy, Shirley. Sociologies cliniques. Paris: Desclée de Brouwer , 1993.; Gaulejac et al., 2007Gaulejac, Vincent de et al. (orgs.). Sociologie clinique: enjeux théoriques et méthodologiques. Ramonville Saint-Agne: Érès, 2007.). Para Vincent de Gaulejac (2009)Gaulejac, Vincent de. Qui est “je”. Paris: Seuil , 2009., um dos principais representantes dessa vertente das ciências sociais na França, a figura do sujeito está relacionada à singularidade de cada indivíduo, portador de uma existência própria, um ser responsável por suas escolhas e seus atos. Tal abordagem procura ultrapassar a visão do indivíduo como simples encarnação da sociedade. Não se trata de negar o peso desta última em sua formação, mas destacar que cada sujeito é, a um só tempo, semelhante e diferente de todos os outros que compartilham do mesmo contexto societal. Produto desse contexto, ele é um ser cuja existência é incomparável, visto que é atravessado tanto pelos processos sociais quanto por uma dinâmica psíquica.
A fim de destacar a importância dos processos sociais na construção do sujeito, Gaulejac (2009Gaulejac, Vincent de. Qui est “je”. Paris: Seuil , 2009.) afirma que as atitudes, as condutas, os comportamentos não podem ser compreendidos independentemente das condições sociais que lhes tornam possíveis. Recorrendo aos trabalhos de Pierre Bourdieu, afirma ser necessário “descrever e compreender a estrutura social e o lugar que o indivíduo ocupa nela, para analisar as condições de produção das aspirações e de seus modos de realização” (Gaulejac, 2009Gaulejac, Vincent de. Qui est “je”. Paris: Seuil , 2009., p. 31). Contudo, ressalta que, mesmo que se considerem as maneiras de pensar e agir do indivíduo disposições socialmente construídas, deve-se constatar que ele não se reduz ao conjunto das determinações sociais que o constituem. Senão, indaga Gaulejac, como explicar as diferenças de trajetória entre indivíduos que possuem a mesma posição social e condições de existência similares? Em outras palavras, o sujeito é depositário da educação, da cultura, dos processos de socialização. Mas é também fruto de situações vividas, contingências múltiplas às quais é cotidianamente confrontado. E em face do que lhe acontece, é convidado a fazer escolhas, a se determinar (Gaulejac, 2009Gaulejac, Vincent de. Qui est “je”. Paris: Seuil , 2009., pp. 37-8).
Gaulejac procura escapar da acusação de ingenuidade na defesa da capacidade de autoprodução do sujeito. Afirma que, para se construir, o sujeito deve levar em consideração “o que o determina” (Gaulejac, 2009Gaulejac, Vincent de. Qui est “je”. Paris: Seuil , 2009., p. 38). Trata-se de ter em mente o “conjunto complexo de linhas de força que informam as condutas possíveis” (Gaulejac, 2009Gaulejac, Vincent de. Qui est “je”. Paris: Seuil , 2009., p. 38). Esse conjunto é formado por “múltiplas coerções, externas e internas”, “predisposições interiorizadas”, “aspirações mais ou menos contraditórias”, “influências diversas”, “desejos conscientes e inconscientes, os seus e aqueles dos quais ele [o indivíduo] é objeto” (Gaulejac, 2009Gaulejac, Vincent de. Qui est “je”. Paris: Seuil , 2009., p. 38). Todavia, se o indivíduo é determinado por esse conjunto complexo de linhas de força, ele possui um espaço de liberdade relativo no interior do qual efetua escolhas (Gaulejac, 2009Gaulejac, Vincent de. Qui est “je”. Paris: Seuil , 2009.).
Para evidenciar o caráter dialético que marca a produção do sujeito, Gaulejac (2009Gaulejac, Vincent de. Qui est “je”. Paris: Seuil , 2009.) recupera a etimologia da palavra. Ela vem do latim subjectus, que quer dizer submetido, sujeitado, ou de subgicere, que significa submeter, subordinar. Portanto, trata-se de uma palavra que remete inicialmente à ideia de submissão e aplica-se a uma pessoa submetida à autoridade de outra. É somente no século XIX que o vocábulo adquire contornos filosóficos, passando a designar o ser pensante, senhor do conhecimento, por oposição ao objeto. Gaulejac (2009)Gaulejac, Vincent de. Qui est “je”. Paris: Seuil , 2009. desdobra essa reconstrução etimológica, ressaltando que o sujeito é inicialmente sujeitado à sua família, às normas do seu meio, aos códigos sociais, à sua história. E acrescenta que desejar ser sujeito é antes de tudo buscar compreender a que se está originalmente submetido. Isso porque o indivíduo não nasce sujeito, mas é o produto de uma história da qual busca tornar-se sujeito. Assim, o sujeito advém quando o indivíduo atua sobre as forças que agem sobre ele.
Trata-se de um caminho tortuoso, complexo e sem fim. Complexo porque, conforme aponta Gaulejac (2009Gaulejac, Vincent de. Qui est “je”. Paris: Seuil , 2009.), o trabalho de subjetivação, de construção de si mesmo como sujeito, depende em parte do próprio indivíduo, que logra ou não se colocar em questão e buscar tornar-se autor de sua própria história. Mas há também uma parcela importante relativa ao contexto societal, que favorece ou inibe esse processo. Dito de outra forma, se existe uma potencialidade, uma mola psíquica que empurra o indivíduo a se tornar sujeito, essa potencialidade pode, conforme os cenários, ser valorizada, inibida ou contrariada. As empresas desempenham um papel importante na delimitação desses cenários. Elas emolduram parte significativa da vida de muitos indivíduos. São espaços nos quais se desenrolam jogos de poder e desejo, que atravessam a história de cada um e não poupam ninguém (Enriquez, 1997Enriquez, Eugène. Les Jeux du pouvoir et du désir dans l’entreprise. Paris: Desclée de Brouwer, 1997.).
Estamos distantes da visão excessivamente heroica do sujeito de Alain Touraine (1992Touraine, Alain. Critique de la modernité. Paris: Fayard , 1992.). Chegamos mais perto desse personagem misterioso e difícil de definir de Edgar Morin (1995Morin, Edgar. “Le Concept de sujet”. In: Dubet, François; Wieviorka, Michel (orgs.). Penser le sujet autour d’Alain Touraine. Paris: Fayard, 1995.). Passamos da referência a um Sujeito com “S" maiúsculo, decidido a mudar a sociedade, a uma multiplicidade de sujeitos singulares, com “s" minúsculo (Gaulejac, 2009Gaulejac, Vincent de. Qui est “je”. Paris: Seuil , 2009.). No entanto, será que não há o risco de se atribuir demasiada autonomia ao indivíduo no seu processo de construção de si como sujeito? Se o contexto societal desempenha um papel importante nesse processo, podendo inibi-lo ou favorecê-lo, não devemos levar em conta os movimentos sociais, esse sujeito com “S" maiúsculo, como um elemento central desse contexto? Exploraremos essa via neste artigo recorrendo à sociologia dos problemas públicos e à forma como ela aborda a mobilização coletiva.
SOCIOLOGIA PRAGMATISTA E SOCIOLOGIA DOS PROBLEMAS PÚBLICOS
Influenciada pelo pragmatismo filosófico, as ciências sociais na França tiveram uma virada pragmatista a partir do fim da década de 1970. O paradigma dominante até então era o estruturalista, diretamente ligado à “era de ouro da sociologia clássica”, dos anos pós-guerra, de reconstrução nacional e modernização do Estado (Dosse, 2018Dosse, François. O império do sentido: a humanização das ciências humanas. São Paulo: Ed. Unesp, 2018., p. 194). Porém, com o fim das grandes narrativas, surgiram outros modos de pensar o social e o político. Assim, reconheceu-se que o estruturalismo falha quando é preciso explicar o agir social (Dosse, 2018Dosse, François. O império do sentido: a humanização das ciências humanas. São Paulo: Ed. Unesp, 2018.; Corrêa; Dias, 2016Corrêa, Diogo Silva; Dias, Rodrigo de Castro. “A crítica e os momentos críticos: de la justification e a guinada pragmática na sociologia francesa”. Mana, v. 22, n. 1, 2016, pp. 67-99.). É nessa linha de raciocínio que François Dosse (2018)Dosse, François. O império do sentido: a humanização das ciências humanas. São Paulo: Ed. Unesp, 2018. argumentou que a ação foi sem dúvida a palavra-chave desse giro processado na sociologia francesa.
Bruno Latour, um dos representantes dessa corrente e um dos fundadores do que passou a ser conhecido como teoria ator-rede, argumenta que o social é algo provisório, sempre em transição, algo que deve ser encarado como um fenômeno a ser compreendido, um enigma a ser solucionado (Latour, 2007Latour, Bruno. Changer de société, refaire de la sociologie. Paris: La Découverte , 2007.). Essa perspectiva atribui ao cientista social a complexa tarefa de cartografar os atores humanos e não humanos e retraçar suas conexões, as maneiras como eles se associam. Em outras palavras, ele deve repertoriar as redes complexas que envolvem esses atores na construção de coletivos, termo preferível à abstrata noção de sociedade. Em outras palavras, para Latour (2007)Latour, Bruno. Changer de société, refaire de la sociologie. Paris: La Découverte , 2007., os atores não são condicionados pelas estruturas; são portadores de agência, capazes de constituir o social. Ao sociólogo cabe explicar como eles transformam a existência coletiva, quais métodos desenvolvem para se adequar a novos contextos e quais definições clarificam melhor as associações que eles tecem. O foco de sua atenção deve ser o que os atores fazem para se relacionar, se mobilizar, se organizar.
Influenciado de alguma forma por Latour, mas também por Luc Boltanski e Laurent Thévenot (1999Boltanski, Luc; Thevenot, Laurent. De la justification: les économies de la grandeur. Paris: Gallimard, 1999.) e sua sociologia da capacidade crítica ou economia das grandezas, Daniel Cefaï (2009Cefaï, Daniel. “‘Como nos mobilizamos?’ A contribuição de uma abordagem pragmatista para a sociologia da ação coletiva”. Dilemas: Revista de Estudos de Conflitos e Controle Social, v. 2, n. 4, 2009, pp. 11-48.; 2011Cefaï, Daniel. “Como uma associação nasce para o público: vínculos locais e arena pública em torno da associação La Bellevilleuse”. In: Cefaï, Daniel et al. (orgs.). Arenas públicas: por uma etnografia da vida associativa. Niterói: Eduff, 2011, pp. 67-102.; 2017aCefaï, Daniel. “Públicos, problemas públicos, arenas públicas (parte 1)”. Novos Estudos Cebrap, v. 36, n. 1, 2017a, pp. 187-214.; 2017bCefaï, Daniel. “Públicos, problemas públicos, arenas públicas (parte 2)”. Novos Estudos Cebrap , v. 36, n. 2, 2017b, pp. 129-42.) voltou-se para a análise dos problemas públicos. É possível dizer que não há problema público sem agenciamentos e conexões entre atores humanos e não humanos (Latour, 2012) e estes falam e agem ancorados em diferentes princípios e lógicas (Boltanski; Thévenot, 1999Boltanski, Luc; Thevenot, Laurent. De la justification: les économies de la grandeur. Paris: Gallimard, 1999.). Porém John Dewey (1946Dewey, John. The Public and Its Problems: An Essay in Political Inquiry. Chicago: Gateway, 1946.), talvez a maior influência de Cefaï, abordou a organização dos públicos como um desafio às democracias, sugerindo que, ao ocupar seus espaços na política, os grupos impõem o reconhecimento de seus interesses e suas aspirações.
Para Cefaï, um grupo de pessoas, quando confrontado com situações consideradas prejudiciais para a natureza, para os animais e/ou seres humanos, sente-se impelido a delinear o problema, suas causas e fatores, bem como seus principais responsáveis. Sendo assim, uma situação se converte em problemática quando deixa de ser adequada ou suficiente àqueles que nela estão envolvidos, desencadeando relações conflituosas. Esse processo faz emergir simultaneamente o problema e seu público. É diante desse contexto que grupos de pessoas, organizações e instituições, em momentos e lugares distintos, se concentram em identificar, definir e estabelecer um problema (Cefaï, 2011Cefaï, Daniel. “Como uma associação nasce para o público: vínculos locais e arena pública em torno da associação La Bellevilleuse”. In: Cefaï, Daniel et al. (orgs.). Arenas públicas: por uma etnografia da vida associativa. Niterói: Eduff, 2011, pp. 67-102.; 2017aCefaï, Daniel. “Públicos, problemas públicos, arenas públicas (parte 1)”. Novos Estudos Cebrap, v. 36, n. 1, 2017a, pp. 187-214.; 2017bCefaï, Daniel. “Públicos, problemas públicos, arenas públicas (parte 2)”. Novos Estudos Cebrap , v. 36, n. 2, 2017b, pp. 129-42.).
Quando essa dinâmica de problematização e publicização transpõe o círculo daqueles que estão imediatamente implicados, passando a ser composto por um número maior de pessoas, ela adquire a forma de um processo político. Essa fase está relacionada com o conflito aberto em torno de problemas (Cefaï, 2009Cefaï, Daniel. “‘Como nos mobilizamos?’ A contribuição de uma abordagem pragmatista para a sociologia da ação coletiva”. Dilemas: Revista de Estudos de Conflitos e Controle Social, v. 2, n. 4, 2009, pp. 11-48.; 2011Cefaï, Daniel. “Como uma associação nasce para o público: vínculos locais e arena pública em torno da associação La Bellevilleuse”. In: Cefaï, Daniel et al. (orgs.). Arenas públicas: por uma etnografia da vida associativa. Niterói: Eduff, 2011, pp. 67-102.; 2017aCefaï, Daniel. “Públicos, problemas públicos, arenas públicas (parte 1)”. Novos Estudos Cebrap, v. 36, n. 1, 2017a, pp. 187-214.; 2017bCefaï, Daniel. “Públicos, problemas públicos, arenas públicas (parte 2)”. Novos Estudos Cebrap , v. 36, n. 2, 2017b, pp. 129-42.). Esse conflito pode originar um público e, com o nascimento desse público, ele passa a ser organizado e ajustado por intermédio da discussão racional, da mobilização da comunidade, da formação de opinião e, às vezes, da elaboração de leis e transformação das instituições. Assim, o distúrbio se cristaliza por vários tipos de operações, como reportagens jornalísticas, investigações policiais e jurídicas, ou estudos científicos. Verdadeiramente, o problema público só passa a existir a partir da experiência coletiva. Esse é o caso, por exemplo, de situações problemáticas que envolvem a questão racial. Essas conjunturas não são delimitadas exclusivamente pelas estruturas de desigualdade e por relações de dominação. Elas emergem também da ação dos atores e são produzidas em campanhas que promovem uma experiência coletiva (Cefaï, 2011Cefaï, Daniel. “Como uma associação nasce para o público: vínculos locais e arena pública em torno da associação La Bellevilleuse”. In: Cefaï, Daniel et al. (orgs.). Arenas públicas: por uma etnografia da vida associativa. Niterói: Eduff, 2011, pp. 67-102.; 2017aCefaï, Daniel. “Públicos, problemas públicos, arenas públicas (parte 1)”. Novos Estudos Cebrap, v. 36, n. 1, 2017a, pp. 187-214.; 2017bCefaï, Daniel. “Públicos, problemas públicos, arenas públicas (parte 2)”. Novos Estudos Cebrap , v. 36, n. 2, 2017b, pp. 129-42.).
Por conseguinte, publicizar é fazer com que um problema ganhe visibilidade para além de um grupo com um interesse específico. O público deve manter relações com especialistas, líderes e políticos para que estes os representem e contribuam para o desenvolvimento das questões problemáticas (Dewey, 1946Dewey, John. The Public and Its Problems: An Essay in Political Inquiry. Chicago: Gateway, 1946.). Afinal, publicizar é comprometer os poderes públicos (Cefaï, 2017aCefaï, Daniel. “Públicos, problemas públicos, arenas públicas (parte 1)”. Novos Estudos Cebrap, v. 36, n. 1, 2017a, pp. 187-214.; 2017bCefaï, Daniel. “Públicos, problemas públicos, arenas públicas (parte 2)”. Novos Estudos Cebrap , v. 36, n. 2, 2017b, pp. 129-42.). É dessa forma que os membros do público tomam as rédeas de sua vida e reivindicam a sua capacidade de agir, deixando de ser simples coadjuvantes dos acontecimentos sociais (Cefaï, 2011Cefaï, Daniel. “Como uma associação nasce para o público: vínculos locais e arena pública em torno da associação La Bellevilleuse”. In: Cefaï, Daniel et al. (orgs.). Arenas públicas: por uma etnografia da vida associativa. Niterói: Eduff, 2011, pp. 67-102., 2017aCefaï, Daniel. “Públicos, problemas públicos, arenas públicas (parte 1)”. Novos Estudos Cebrap, v. 36, n. 1, 2017a, pp. 187-214.; 2017bCefaï, Daniel. “Públicos, problemas públicos, arenas públicas (parte 2)”. Novos Estudos Cebrap , v. 36, n. 2, 2017b, pp. 129-42.).
Na perspectiva da sociologia dos problemas públicos, enfocar apenas as estruturas sociais ou as disputas dos atores por recursos é insuficiente para compreender a complexidade que envolve a emergência dos problemas públicos (Cefaï, 2011Cefaï, Daniel. “Como uma associação nasce para o público: vínculos locais e arena pública em torno da associação La Bellevilleuse”. In: Cefaï, Daniel et al. (orgs.). Arenas públicas: por uma etnografia da vida associativa. Niterói: Eduff, 2011, pp. 67-102.; 2013Cefaï, Daniel. (2013). “Grande exclusão e urgência social-Cuidar dos moradores de rua em Paris”. Contemporânea-Revista de Sociologia da UFSCar, v. 3, n. 1, pp. 265-86.; 2017aCefaï, Daniel. “Públicos, problemas públicos, arenas públicas (parte 1)”. Novos Estudos Cebrap, v. 36, n. 1, 2017a, pp. 187-214.; 2017bCefaï, Daniel. “Públicos, problemas públicos, arenas públicas (parte 2)”. Novos Estudos Cebrap , v. 36, n. 2, 2017b, pp. 129-42.). Essa perspectiva é incorporada neste artigo para pensarmos sobre a mobilização coletiva em torno da questão racial que influenciou a trajetória profissional dos executivos negros. Ou seja, para recuperarmos a ideia de um Sujeito com “S" maiúsculo, o movimento negro, que, de uma forma ou de outra, marcou o percurso de carreira desses sujeitos com “s" minúsculo.
Método
Para a análise da trajetória profissional de duas gerações de executivos negros, retomamos os resultados de uma pesquisa apresentada em Pedro Jaime (2022Jaime, Pedro. Executivos negros: racismo e diversidade no mundo empresarial. São Paulo: Edusp, 2022.). A investigação envolveu uma série de estratégias metodológicas que podem ser agrupadas sob a rubrica etnografia multissituada. Esta é definida por George Marcus (1995Marcus, George. “Ethnography in/of the World System: The Emergence of Multi-Sited Ethnography”. Annual Review of Anthropology, v. 24, 1995, pp. 95-117.) como uma forma de trabalho de campo etnográfico em que o pesquisador não permanece durante todo o período da investigação num mesmo lugar, mas circula por diferentes espaços sociais. Assim, realizamos observação participante em uma corporação transnacional do setor bancário, cujo programa de diversidade era considerado referência no Brasil, e em eventos sobre diversidade e inclusão racial organizado por empresas ou pelo poder público (federal, estadual ou municipal). Entrevistamos gestores de Recursos Humanos (rh) da empresa objeto de nossa observação participante e de outros bancos que também possuíam programas de diversidade, além de lideranças empresariais, consultores de diversidade, membros do poder público, ativistas do movimento negro ou sindical, agentes de cooperação internacional e executivos negros das duas gerações.
Para este artigo, recorremos, sobretudo, aos dados elaborados nas entrevistas com os executivos negros das duas gerações.4 4 As entrevistas usadas nesse artigo foram conduzidas entre 2008 e 2011, como parte de um esforço de pesquisa longitudinal sobre a questão racial na dinâmica econômica e empresarial que ainda está em andamento e que ganhou novas contribuições a partir do aporte teórico-epistemológico da sociologia pragmatista e, mais recentemente, seu desdobramento nos termos de uma sociologia dos problemas públicos. Os dados coletados foram minuciosamente transcritos e armazenados em um repositório digital privado e seguro, garantindo a integridade e a confidencialidade das informações. Novas entrevistas foram e continuam sendo realizadas no quadro desse esforço de investigação, que inclui uma tese de doutorado já defendida e outra em andamento, ambas de autoria de pessoas que assinam esse artigo, orientadas pelo primeiro autor. No caso dos indivíduos da primeira geração, as entrevistas foram individuais e de tipo compreensiva (Kaufmann, 2007Kaufmann, Jean Claude. L’Entretien compréhensif. Paris: Armand Colin , 2007.), ou seja, aquela em que o pesquisador deve assumir uma postura empática e tatear até encontrar a boa pergunta, não a que é dada pelo seu roteiro, mas a que está sempre por ser descoberta a partir do que acaba de ser dito pelo seu interlocutor. No caso dos jovens da segunda geração, as entrevistas foram coletivas (Duchesne; Haegel, 2005Duchesne, Sophie; Haegel, Florence. L’Entretien collectif. Paris: Armand Colin , 2005.), mas procuramos seguir a mesma inspiração.
Para a seleção dos sujeitos de primeira geração foram mobilizadas distintas redes de relações (estudantes, colegas professores, ativistas de ongs, líderes empresariais, os próprios entrevistados). Nesse caso, não houve privilégio de um setor econômico específico, e isso por duas razões. A primeira é que a trajetória desses indivíduos poderia ter sido construída no trânsito entre empresas de diferentes segmentos. A segunda é que, dado o reduzido número de executivos negros no Brasil quando fomos a campo, como atestavam os dados quantitativos disponíveis na época, eleger um setor da economia certamente elevaria o grau de dificuldade para encontrar interlocutores.5 5 Segundo um levantamento realizado pelo Instituto Ethos em 2016, os negros representavam apenas 4,7% dos profissionais em postos de direção e 6,7% daqueles situados em cargos de gerência nas quinhentas maiores empresas que operavam no Brasil (Ethos, 2016). Foram entrevistados seis homens e quatro mulheres, todos na faixa dos cinquenta anos, que ocupavam ou tinham ocupado postos de gerência ou direção no mundo corporativo na área de finanças, marketing, recursos humanos e relações industriais. Aqueles que não estavam mais nessas posições haviam iniciado uma nova etapa em sua trajetória profissional e dedicavam-se a atividades de consultoria.
Quanto aos sujeitos de segunda geração, eram estudantes da Universidade Zumbi dos Palmares (Unipalmares), instituição que se tornou parceira de diversos bancos em programas de inclusão racial. Essa parte da investigação se concentrou no setor bancário, uma vez que este vinha sendo o principal alvo de pressão do movimento negro no combate às desigualdades raciais no mercado de trabalho, dados os altos lucros obtidos pelas principais empresas desse segmento naquele momento. A entrevista coletiva com representantes dessa segunda geração contou com oito participantes. Nela procuramos equilibrar a composição do grupo, mesclando jovens de ambos os sexos que estivessem atuando em diferentes bancos parceiros da Unipalmares. Todos estavam na faixa dos vinte anos e eram trainees de contabilidade, operações e recursos humanos.
A duração da conversa com os indivíduos de primeira geração variou, mas nunca foi de menos de duas horas. Algumas conversas totalizaram mais de seis horas, divididas em dois ou três encontros. A entrevista coletiva com os jovens de segunda geração durou seis horas, dividida em dois encontros.
A interpretação dos dados foi realizada com base na análise de narrativas proposta por Daniel Bertaux (2006Bertaux, Daniel. Le Récit de vie. Paris: Armand Colin, 2006.; 2014). Para ele, um discurso assume forma narrativa quando um sujeito conta (relata) a outra pessoa, pesquisador ou não, episódios de sua experiência vivida (Bertaux, 2006Bertaux, Daniel. Le Récit de vie. Paris: Armand Colin, 2006.). O sociólogo acrescenta a importância de o analista atentar para o curso de ação apresentado pelos sujeitos ao longo das narrativas. Trata-se de levar em consideração a sequência de ações que o sujeito afirma ter executado no tempo para tentar realizar seus projetos. Segundo ele, essa é uma ação pensada, refletida, antecipada, traduzida em estratégias. Uma ação que depende de mobilização de capitais sociais e subjetivos, mas que também encontra, ao longo de seu desenvolvimento, obstáculos imprevistos que modificam seu curso. Obstáculos esses que advém do fato de o indivíduo não agir no vazio, mas sim numa dada sociedade, já constituída e habitada por diversos outros autores. Isso pode levá-lo a abandonar um projeto por considerá-lo muito difícil ou custoso (Bertaux, 2014Bertaux, Daniel. “A vingança do curso de ação contra a ilusão cientificista”. Civitas: Revista de Ciências Sociais, v. 14, n. 2, 2014, pp. 250-71.).
EXECUTIVOS NEGROS, ENTRE SUJEITOS COM “s" MINÚSCULO E SUJEITO COM “S" MAIÚSCULO
Primeira geração
Conforme dissemos, o fim dos anos 1970 representa o marco do surgimento da primeira geração de executivos negros no Brasil. Nesse momento, o país vivia sob ditadura militar, o que restringia a mobilização da sociedade civil. Após um período de latência, o movimento negro estava começando a se reorganizar, com a fundação do Movimento Negro Unificado (MNU) em 1978. Ademais, o Estado não implementava políticas públicas efetivas de combate à discriminação e eliminação das desigualdades raciais, apoiado na falsa imagem da nação como uma democracia racial (Munanga, 1996Munanga, Kabengele. “O anti-racismo no Brasil”. In: Munanga, Kabengele. Estratégias e políticas de combate à discriminação racial. São Paulo: Edusp , 1996.; Santos, 2007Santos, Sales Augusto dos. Movimento negro, educação e ações afirmativas. Tese (doutorado em sociologia). Brasília: Departamento de Sociologia, Universidade de Brasília, 2007.). O racismo, por exemplo, era considerado simples contravenção e não crime, o que só viria a acontecer nos anos 1990. Vale ressaltar que o protesto capitaneado pelo MNU, a despeito de nuances, era fortemente inspirado pelo ideário marxista (Pahim; 1993Pahim, Regina. O movimento negro em São Paulo: luta e identidade. Tese (doutorado em antropologia social). São Paulo: PPGAS/Faculdade de Filosofia, Letras e Ciência Humanas, Universidade de São Paulo, 1993.; Andrews, 1991Andrews, George. “O protesto político negro em São Paulo (1888-1998)”. Estudos Afro-Asiáticos, v. 21, 1991, pp. 27-48.; 1998Andrews, George. Negros e brancos em São Paulo (1888-1988). Bauru: Edusc, 1998.; Hanchard, 2001Hanchard, Michael. Orfeu e poder: o movimento negro no Rio e São Paulo (1945-1988). Rio de Janeiro: Ed. Uerj, 2001.; Borges Pereira, 2007Borges Pereira, João Batista. “Trajetória e identidade do negro em São Paulo”. In: Zanini, Maria Catarina C. (org.). Por que “raça”? Breves questões sobre a “questão racial” no cinema e na antropologia. Santa Maria: Ed. UFSM, 2007, pp. 87-100.; Guimarães, 2008Guimarães. Antônio Sérgio. Preconceito racial: modos, temas e tempos. São Paulo: Cortez, 2008.), o que levou a um afastamento mútuo entre os negros que aspiravam a uma carreira executiva e o movimento negro.
O trecho da entrevista de um dos executivos de primeira geração transcrito abaixo é revelador quanto a esse aspecto. Sobrinho de um importante ativista do movimento negro, ele possuía uma consciência racial forjada no ambiente familiar. Cursou contabilidade numa prestigiosa universidade de São Paulo e ali fez parte de um grupo de juventude negra. Algum tempo mais tarde, foi selecionado para participar de um programa de trainee de uma corporação transnacional do segmento de auditoria. Deu-se então um desencontro entre suas aspirações de carreira e a forma como passou a ser visto pelo coletivo do qual fazia parte.
O jovem que, como eu, pretendia fazer uma carreira executiva não era bem-visto pelo movimento negro. Era como se fosse um “demônio” capitalista e estragasse a harmonia existente entre os que liam Marx. […] A gente era encarado como pessoas não confiáveis, vendidas ao sistema capitalista. Então, passei a focar na carreira, deixando de lado o engajamento no movimento. Fiz a minha luta de forma individual.
Pode-se dizer que o contexto societal inibia a construção como sujeito dos indivíduos dessa primeira geração, entre outras razões porque a mobilização coletiva (Cefaï, 2009Cefaï, Daniel. “‘Como nos mobilizamos?’ A contribuição de uma abordagem pragmatista para a sociologia da ação coletiva”. Dilemas: Revista de Estudos de Conflitos e Controle Social, v. 2, n. 4, 2009, pp. 11-48.) exercida pelo movimento negro, esse sujeito com “S" maiúsculo (Gaulejac, 2009Gaulejac, Vincent de. Qui est “je”. Paris: Seuil , 2009.), não levava em conta suas aspirações profissionais. De toda forma, isso não quer dizer que eles foram vítimas passivas do racismo, condenados ao imobilismo no jogo organizacional. Lançaram mão da liberdade que, mesmo reduzida, sempre resta aos atores nesse jogo e construíram estratégias que lhes permitiram atingir seus objetivos. Tendo em vista o contexto societal desfavorável, foram estratégias caracterizadas por condutas defensivas (Crozier; Friedberg, 1992Crozier, Michel; Friedberg, Erhard. L’Acteur et le système. Paris: Seuil, 1992.; Friedberg, 1997Friedberg, Erhard. Le Pouvoir et la règle. Paris: Seuil , 1997.). Buscaram se blindar para não ver situações de discriminação contra eles próprios no trabalho e evitaram recorrer ao conflito para lidar com aquelas que não podiam se furtar a enxergar. Isso fica evidente na fala de outro executivo dessa geração:
Faço parte de um grupo que se blindou, que criou uma armadura para se proteger do racismo, até por receio de tratar esse assunto num ambiente hostil. Ademais, estávamos sozinhos. Lembro que entrei na companhia na qual cheguei ao posto de gerente no início dos anos 1980 e em 1990 foi lançado pela matriz nos Estados Unidos um programa de diversidade que deveria abarcar a empresa globalmente. Então a direção estimulava a criação de comitês de mulheres, de negros, de gays e lésbicas etc. Mas no Brasil não havia condições para se criar um comitê de negros. Primeiro porque existiam pouquíssimos negros na empresa e nenhum no mesmo nível hierárquico que eu ou acima. Em seguida, porque o mundo empresarial brasileiro não estava preparado para abrir esse debate. Então era o seguinte: nem eu tinha um conhecimento e uma visão crítica desse tema, nem o ambiente proporcionava um espaço de discussão. Então eu diria que chamar a atenção para a questão racial só iria me prejudicar. Daria visibilidade a um problema que ninguém estava a fim de enxergar.
Sem recorrer a estratégias abertamente antirracistas, os representantes dessa geração recorreram a habilidades e competências técnicas, além de uma intensa dedicação ao trabalho. E procuraram conquistar aliados que os ajudassem a chegar aos postos executivos. Tudo se passa como se tivessem dado ouvidos à mensagem proferida pela Frente Negra Brasileira (FNB). Fundada em 1931, a FNB é considerada o maior movimento negro pós-abolição organizado no Brasil. A sua bandeira de luta pode ser sintetizada no slogan “Elevação da raça!”. Com ele buscava-se mobilizar os “homens de cor” para que assumissem uma conduta íntegra e ocupassem posições sociais de prestígio, conquistando progresso material e alcançando uma integração plena à sociedade brasileira. Tal ideário se opunha aquele encampado mais tarde pelo MNU, fundado em 1978 e cuja atuação foi marcada por uma ruptura com a tendência assimilacionista proposta pela FNB. Se, para esta, o objetivo central era a integração do negro à sociedade de classes, com aquele passou-se a questionar profundamente os princípios deste modelo societal e articular a luta contra o racismo ao combate à exploração a que estariam submetidos o conjunto dos trabalhadores brasileiros. Uma exploração materializada pela política econômica, social e cultural imposta pela classe dominante branca, minoritária e racista. A rigor, a revisão da estratégia antirracista própria da FNB já havia sido empreendida pelo Teatro Experimental do Negro (TEN). Fundado em 1944, esta organização do movimento negro tinha como um dos seus objetivos resgatar a herança africana na sociedade brasileira, que havia sido negada pelo eurocentrismo que dominava a cultura do país (Pahim, 1993Pahim, Regina. O movimento negro em São Paulo: luta e identidade. Tese (doutorado em antropologia social). São Paulo: PPGAS/Faculdade de Filosofia, Letras e Ciência Humanas, Universidade de São Paulo, 1993.; Andrews, 1991Andrews, George. “O protesto político negro em São Paulo (1888-1998)”. Estudos Afro-Asiáticos, v. 21, 1991, pp. 27-48.; 1998Andrews, George. Negros e brancos em São Paulo (1888-1988). Bauru: Edusc, 1998.; Santos, 2007Santos, Sales Augusto dos. Movimento negro, educação e ações afirmativas. Tese (doutorado em sociologia). Brasília: Departamento de Sociologia, Universidade de Brasília, 2007.).
Talvez tenha sido assim porque foi essa a lição que os pais dos representantes dessa geração de executivos negros lhe transmitiram. “Você é negro, tem de orgulhar a sua raça! Deve andar com quem é igual ou superior”, “Não abaixe a cabeça, somos iguais!”, “Você pode ser preto, pobre, mas tem de estar limpo. Não tenha vergonha de ser preto, mas sim orgulho”, foram alguns dos ensinamentos que receberam de suas famílias. Nascidos nos anos 1950 ou no início dos anos 1960, descendiam de homens negros e/ou mulheres negras que cresceram ouvindo a mensagem da fnb, vocalizada desde os anos 1930. Essa relação entre o ideário da fnb e as estratégias desenvolvidas pelos indivíduos dessa geração é bastante evidente nos dois relatos reproduzidos a seguir:
Entrevistado 1:
O que procurava fazer era o seguinte: em primeiro lugar não esquentar a cabeça. “Talvez não seja comigo, talvez seja algo momentâneo”, eu pensava. E buscava mostrar resultados. Meu pensamento era sempre assim: “Tenho que fazer mais!”. Talvez isso tenha a ver com o fato de que desde a minha infância o meu pai me falava coisas do tipo: “Não abaixe a cabeça!”, “Você tem que fazer direito!”. A mensagem era: pelo fato de ser negro, pra crescer na vida você tem que fazer tudo certinho, tudo muito bem-feito. Então eu fazia mais do que era previsto, mais do que era solicitado. E, além disso, não sou daqueles que dá “porrada” na mesa. Então a minha estratégia era essa: não esquentar a cabeça e mostrar resultados. E acho que não tinha outra saída, porque romper os relacionamentos não dava.
Entrevistado 2:
Lembro que algumas vezes ganhei o título de executivo mais gentleman da empresa. No começo achei que aquilo era um elogio. Mas hoje percebo que na verdade era uma maneira que eu buscava para me integrar num ambiente hostil. Eu tinha que ser o suprassumo do bom comportamento. Um cara branco pode falar palavrão, pode beber, pode ir pra zona, como se via muitos na companhia. Mas o negro, se ele fizer coisas assim, vai confirmar o preconceito. Vão dizer: “Olha só! Não sabe nem se comportar, está vendo?”.
Portanto, a primeira geração de executivos negros se configura como um conjunto de trajetórias individuais, uma miríade de sujeitos com “s" minúsculo (Gaulejac, 2009Gaulejac, Vincent de. Qui est “je”. Paris: Seuil , 2009.). O fato de esses executivos terem se blindado contra situações de discriminação racial ao longo de seu percurso profissional e terem evitado recorrer ao conflito para lidar com aquelas situações que não podiam se furtar a enxergar fez com que eles passassem perto de um processo de embranquecimento social. Porém, o racismo, que estava presente em suas experiências de trabalho, mesmo que eles não o quisessem ver, somado às estratégias defensivas para lidar com ele, gerou custos emocionais e causou sofrimento psíquico.
Como não se identificavam com o discurso de mobilização coletiva dos movimentos negros quando começaram a desenhar suas carreiras, e como estavam sozinhos, porque não conheciam outros executivos negros com quem pudessem conversar, esses indivíduos tiveram dificuldades para se lançar no trabalho de produção de si mesmos como sujeitos e de construção de identidades negras positivamente afirmadas. Eles foram racializados no mundo corporativo como objetos (“Olha lá um negro!"), como indivíduos sujeitados, submetidos à opressão racial, e não como sujeitos em sua potência (“Eu sou negro!"). Isso fica evidente na fala de um dos entrevistados:
Esse tipo de piada racista com relação ao negro… Eu finjo que não escuto. Aliás, ouvi tanta piada de preto que aprendi a não deixar mais as pessoas me surpreenderem. Quando sinto que elas vão começar, conto uma antes [risos]. Comecei a desenvolver essa técnica na segunda empresa em que trabalhei. Lá, os colegas só contavam piada de preto. Então o que eu fazia: decorei uma série de piadas desse tipo, acho que conheço 95% delas, e quando alguém vinha me contar uma, eu falava assim: “Essa já conheço, deixa eu te contar outra”. Foi a forma que encontrei para me defender naquela situação: antecipar a brincadeira, antecipar a tiração de sarro.
Os preconceitos e estereótipos racistas tiveram consequências concretas na trajetória profissional dos executivos negros dessa geração. O relato de outro entrevistado deixa isso evidente. Ele contou que, numa agência de publicidade em que trabalhou como diretor financeiro, teve de tomar medidas restritivas, como solicitar aos gerentes cortes no orçamento ou mesmo redução de pessoal. Em reuniões nas quais esses assuntos “pouco simpáticos” faziam parte da pauta, as pessoas saíam aborrecidas, o que ele considerou normal. Todavia, não era normal a reação que algumas tiveram. Soube por colegas próximos que algumas diziam: “Mas esse preto, quem ele pensa que é?”. E então ponderou: “Quando eu adotava alguma medida que não agradava, eu era ‘esse preto’!”
Segunda geração
Também como dissemos, os executivos negros de segunda geração são indivíduos que ingressaram no mundo corporativo no início do século XXI, em um contexto societal distinto. Desde o início dos anos 1990, o movimento negro brasileiro passou por um processo de profissionalização, institucionalizando-se em ongs articuladas em redes transnacionais de advocacy (D’Adesky, 2001D’Adesky, Jacques. Pluralismo étnico e multiculturalismo: racismos e anti-racismos no Brasil. Rio de Janeiro: Pallas, 2001.; Telles, 2003Telles, Eduard. Racismo à brasileira: uma perspectiva sociológica. Rio de Janeiro: Relume-Dumará , 2003.; Agudelo, 2006Agudelo, Carlos. “Les Reseaux transnationaux comme forme d’action dans les mouvements noirs d’Amérique Latine”. Cahiers des Amériques Latines, n. 51-52, 2006, pp. 31-48.; Guimarães, 2008Guimarães. Antônio Sérgio. Preconceito racial: modos, temas e tempos. São Paulo: Cortez, 2008.). A partir daí, o movimento mudou sua estratégia política, absorvendo pautas formuladas a partir de elaborações discursivas pós-socialistas.6 6 Vale lembrar que a queda do Muro de Berlim, em 1989, representou um marco simbólico que levou a esquerda a repensar seu ideário e suas lógicas de ação. A mobilização coletiva antirracista se voltou não para a superação da sociedade de classes, mas para a demanda de medidas efetivas de combate à discriminação racial da parte do Estado, bem como para a implementação de políticas de ação afirmativa para a superação das desigualdades raciais (Guimarães, 2006Guimarães. Antônio Sérgio. “Depois da democracia racial”. Tempo Social, v. 18, 2006, pp. 269-87.; Santos, 2007Santos, Sales Augusto dos. Movimento negro, educação e ações afirmativas. Tese (doutorado em sociologia). Brasília: Departamento de Sociologia, Universidade de Brasília, 2007.).
O governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) representa um marco fundamental nessa mudança de cenário, pois foi a primeira vez que o Estado brasileiro reconheceu oficial e publicamente a existência de racismo no país. E, por pressão de ongs como o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert), criou um grupo de trabalho interministerial para valorizar a população negra e refletir sobre a possibilidade de adoção de ações afirmativas no Brasil, além do Grupo de Trabalho para a Eliminação da Discriminação no Emprego e na Ocupação (GTEDEO), voltado mais diretamente para a inclusão racial no mercado de trabalho. Esse reconhecimento foi corroborado pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-11), que criou a Secretaria Especial de Promoção de Políticas de Igualdade Racial. Ademais, nesse período, diversas universidades públicas formularam e implementaram, sob clima de disputas e tensões, ações afirmativas para a inclusão de negros no ensino superior. Tais ações foram julgadas constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal e, consequentemente, o governo federal, já na gestão da presidenta Dilma Rousseff (2011-16), sancionou uma política de reserva de 50% das vagas nas universidades federais para candidatos oriundos de escolas públicas e de famílias de baixa renda, respeitando-se a composição racial presente no perfil sociodemográfico de cada unidade da federação.
Ou seja, desde o fim do século XX, o movimento negro, esse Sujeito com “S" maiúsculo, vinha tendo um maior êxito na construção do racismo como um problema público e foi capaz de influenciar a atuação do sistema político (Cefaï, 2017aCefaï, Daniel. “Públicos, problemas públicos, arenas públicas (parte 1)”. Novos Estudos Cebrap, v. 36, n. 1, 2017a, pp. 187-214.; 2017bCefaï, Daniel. “Públicos, problemas públicos, arenas públicas (parte 2)”. Novos Estudos Cebrap , v. 36, n. 2, 2017b, pp. 129-42.). Assim, conseguiu pressioná-lo em direção a uma racialização não racista (Fassin, 2010Fassin, Didier. “Ni race, ni racisme. Ce que racialiser veut dire”. In: Fassin, Didier (org.). Les Nouvelles frontières de la société française. Paris: La Découverte , 2010, pp. 147-72.), isto é, a adoção de políticas públicas estruturadas a partir da ideia de raça, mas para combater as desigualdades raciais.
E as reivindicações dos movimentos negros não se restringiram ao Estado. Eles começaram a pressionar as empresas para que assumissem sua responsabilidade na eliminação das desigualdades raciais. Instituições como a Educafro fizeram manifestações em frente ou no interior de órgãos do governo. Protestos com estratégias distintas foram realizadas também por entidades como o Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (Iara), o Ceert, a Afrobrás, o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e o Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial (Inspir) e, em 2003, resultaram em uma representação junto ao Ministério Público do Trabalho (MPT). Este respondeu às cobranças em 2005, com o Programa de Promoção da Igualdade de Oportunidades para Todos (PPIOT), sob a liderança da Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho (Coordigualdade), órgão vinculado à Procuradoria Geral do Trabalho. No mesmo ano, instaurou inquéritos civis públicos nos cinco maiores bancos que na época operavam no Brasil. Tais inquéritos trouxeram evidências de desigualdades raciais que foram consideradas estarrecedoras pelo então procurador-geral do Trabalho, Otávio Brito Lopes. Isso levou o MPT a propor a essas empresas um Termo de Ajustamento de Conduta. Tendo em vista a recusa, decidiu ajuizar ações civis públicas contra elas na justiça trabalhista.
As ações foram julgadas improcedentes, mas causaram repercussão nacional e internacional, seja na Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, seja na mídia brasileira (Cardoso, 2005Cardoso, Cíntia. “Bancos são acusados de discriminação racial”. Folha de São Paulo, 24 jul. 2005. Disponível em: <Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi2407200502.htm >. Acesso em: 20/12/2023.
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinhei...
; Lopes, 2007Lopes, Otávio Brito. “Programa de Promoção da Igualdade de Oportunidades para Todos”. Instituto Innovare, ed. IV, 2007.). No ano seguinte, foi realizada uma audiência pública sobre a desigualdade racial no mercado de trabalho, proposta pelo deputado baiano Luiz Alberto (PT), então presidente da Frente Parlamentar pela Igualdade Racial. Dela resultaram reuniões na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, mediadas pelo presidente da Câmara dos Deputados, Luiz Eduardo Greenhalgh (PT), nas quais a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) foi convidada a negociar com representantes de entidades sindicais e ongs provenientes do movimento negro (CDHM, 2007CDHM. Relatório de Atividades 2006. Brasília: Câmara dos Deputados/ Comissão Direitos Humanos e Minorias, 2007.). Foi nesse contexto de tensões que, ainda em 2006, em parceria com a Unipalmares, diversos bancos implementaram programas de trainee para jovens negros. Esses programas foram o principal meio de acesso da segunda geração de executivos negros para a construção de suas trajetórias profissionais no mundo corporativo.
Vale destacar a força da mobilização coletiva (Cefaï, 2009Cefaï, Daniel. “‘Como nos mobilizamos?’ A contribuição de uma abordagem pragmatista para a sociologia da ação coletiva”. Dilemas: Revista de Estudos de Conflitos e Controle Social, v. 2, n. 4, 2009, pp. 11-48.), uma vez que a contratação desses jovens negros se deu num momento de reestruturação do setor bancário (iniciada nos anos 1990) em que os bancos “enxugavam” seu quadro de pessoal e a população bancária era significativamente reduzida. Lea Rodrigues (2004Rodrigues, Lea. Metáforas do Brasil: demissões voluntárias, crise e ruptura no Banco do Brasil. São Paulo: Annablume, 2004.) e Alcides Gussi (2020Gussi, Alcides. Vidas narradas: bancários em tempos de privatização. Curitiba: CRV, 2020.) analisaram a violência desses processos sobre os funcionários, que foram submetidos a uma cultura do terror. Desde então houve uma intensificação dos mecanismos de reengenharia e downsizing postos em marcha pelos bancos, inclusive com novas fusões e aquisições. Sendo assim, ainda que se possa (e se deva) questionar a consistência dos programas de trainee voltados para os negros que foram implementados por esses bancos, é significativo que: a) eles estivessem contratando jovens negros num momento em que estavam enxugando quadros; b) esses jovens fossem de uma instituição de ensino superior (IES) que o mundo corporativo não considerava de “primeira linha”; c) eles estivessem sendo efetivados, muitas vezes antes mesmo de concluir o curso; d) os bancos estivessem investindo em formação complementar. Esses pontos não são levantados aqui por suspeita do valor desses jovens; muito pelo contrário, temos plena certeza de que eles podiam e podem contribuir muito para as empresas nas quais trabalham, levando para dentro delas competências técnicas e experiências de vida. Mas consideramos que esse tipo de comportamento não é próprio do mundo corporativo.
E há ainda um elemento complementar nessa história. Ao serem interpelados pelo movimento negro, os bancos responderam com certa rapidez, porque encontraram no arquivo de tecnologias gerenciais que circula nos fluxos globais de negócios uma metodologia administrativa que lhes permitiu traduzir a pressão do movimento numa linguagem empresarial: a gestão da diversidade.7 7 Lívia Barbosa (2002) define cultura transnacional de negócios como uma série de fluxos de imagens, valores, símbolos e significados que permeiam o discurso e as práticas gerenciais das corporações transnacionais. Segundo ela, uma das características dessa cultura transnacional de negócios, que funciona como o arcabouço ideológico do mundo empresarial, é a busca por traduzir, em termos de tecnologia gerencial, a agenda social e política contemporânea. Dentre os exemplos de tecnologias gerenciais originadas nesse movimento, a antropóloga aponta a gestão da diversidade. Não se pode dizer que a gestão da diversidade tenha surgido em razão das reivindicações do movimento negro. Todavia, é inegável que tal tecnologia gerencial é apropriada pelas empresas para responder aos conflitos com esse movimento. Ela lhes permitiu reciclar a ideia de raça nos termos de uma racialização não racista (Fassin, 2010Fassin, Didier. “Ni race, ni racisme. Ce que racialiser veut dire”. In: Fassin, Didier (org.). Les Nouvelles frontières de la société française. Paris: La Découverte , 2010, pp. 147-72.; Jaime, 2017Jaime, Pedro. “Recycling the Idea of Race: Socio-Political Agenda, Transnational Business Culture, and Diversity Mana gement in Brazil”. Social Identities: Journal for the Study of Race, Nation and Culture, v. 24, n. 5, 2017, pp. 1-19.). Para proceder a essa tradução, essas empresas foram apoiadas por pelo menos dois agentes fundamentais: o Instituto Ethos, um think tank do mundo corporativo criado em 1998 a partir dos conceitos de responsabilidade social e sustentabilidade, e consultores de diversidade. Portanto, a segunda geração de executivos negros não é uma coleção de trajetórias individuais, mas o resultado das pressões exercidas pelo movimento negro sobre as companhias e das traduções dessas demandas nos termos de uma linguagem empresarial.
Por tudo isso, é possível dizer que, em comparação com a primeira geração, os jovens que compunham essa segunda geração encontraram um contexto societal que favoreceu o trabalho de produção de si mesmos como sujeitos, permitindo que construíssem identidades negras positivamente afirmadas. Eles foram racializados no mundo corporativo não como objetos (“Olha lá um negro!"), mas como sujeitos (“Eu sou negro!"). Isso porque, detrás de cada um deles, como sujeitos com “s" minúsculo, havia um Sujeito com “S" maiúsculo (Gaulejac, 2009Gaulejac, Vincent de. Qui est “je”. Paris: Seuil , 2009.): o movimento negro. Vale destacar que a mobilização coletiva (Cefaï, 2009Cefaï, Daniel. “‘Como nos mobilizamos?’ A contribuição de uma abordagem pragmatista para a sociologia da ação coletiva”. Dilemas: Revista de Estudos de Conflitos e Controle Social, v. 2, n. 4, 2009, pp. 11-48.) desse Sujeito com “S" maiúsculo em torno da questão racial estava voltada não mais para a superação da sociedade de classes, mas para a construção das desigualdades raciais com um problema público (Cefaï, 2017aCefaï, Daniel. “Públicos, problemas públicos, arenas públicas (parte 1)”. Novos Estudos Cebrap, v. 36, n. 1, 2017a, pp. 187-214.; 2017bCefaï, Daniel. “Públicos, problemas públicos, arenas públicas (parte 2)”. Novos Estudos Cebrap , v. 36, n. 2, 2017b, pp. 129-42.), que demanda políticas de ação afirmativa, inclusive aquelas cujo foco é o percurso profissional de jovens que aspiram a carreiras executivas no mundo corporativo. Os relatos reproduzidos abaixo, extraídos da entrevista coletiva com estudantes da Unipalmares, são bastantes reveladores nesse sentido:
Entrevistado 1:
Eu tive o primeiro contato com o programa na faculdade. Uma pessoa de rh do banco […] veio fazer uma palestra de divulgação para convidar os alunos da Zumbi a se inscrever. Ela falou da empresa, das suas ações de diversidade e dos objetivos do programa de trainee afrodescendentes. Eu não acreditava no que estava ouvindo, mas resolvi me candidatar. Fiquei muito ansioso, parecia que o tempo não passava. O processo seletivo durou cerca de dois meses. Foi um tempo de muita expectativa! Quando finalmente veio o resultado e vi que fui selecionado…, poxa vida, foi excelente! Sempre que caminhava ali pela avenida Paulista e passava pela sede da empresa, ficava pensando: “Imagina um dia eu trabalhando numa organização dessa!”. Mas considerava esse um sonho muito distante, inalcançável. Daí veio o programa e hoje me vejo no banco […]. Tem sido uma experiência fantástica!
Entrevistado 2:
Também fiquei sabendo do programa aqui na faculdade. Só que me inscrevi em dois processos seletivos […]. Fiquei muito feliz porque, para minha surpresa, consegui passar nos dois. O banco […] deu o resultado primeiro e eu também estava mais inclinada por ele porque o seu contrato de estágio era mais longo, a carga horária semanal era menor. Portanto, não atrapalhava minha dedicação à faculdade, e ainda havia um curso ministrado por uma IES muito conceituada. Quando veio o convite do [outro], recusei, mas não informei o motivo real dessa decisão. Seis meses depois eles entraram em contato comigo novamente!8 8 O nome dos bancos foi omitido para preservar o anonimato dos entrevistados.
Isso não quer dizer que esses jovens, ao entrar em programas de trainee, não tenham passado por situações de racismo e opressão de classe. Eles eram minoria entre os estagiários, em geral brancos, de classes média ou alta e, consequentemente, privilegiados: eram de IES de elite, haviam feito intercâmbios no exterior, sabiam falar inglês e, às vezes, outra língua estrangeira. Por razão de espaço, não é possível avançar mais na descrição e análise das barreiras que esses jovens encontraram nesse início de sua trajetória profissional. Todavia, é possível afirmar que contaram com o apoio mútuo e com a pressão do movimento negro. Evidentemente nem todos tinham consciência clara dessa relação. Porém, alguns faziam uma leitura nítida dessa ligação. Quanto a isso, um estudante da Unipalmares fez o seguinte relato:
Se a gente está aqui e agora discutindo essa questão, isso se deve muito ao movimento negro. Ele tem uma grande participação no fato de as empresas, mesmo forçadamente, estarem colocando nos seus quadros de pessoal uma cota específica de negros. Essa decisão decorre da luta de pessoas que vieram lá de trás, que se esforçaram muito para serem ouvidas. O movimento negro hoje está colhendo o fruto de um sacrifício que foi de anos, com a Frente Negra, com o Abdias do Nascimento e o Teatro Experimental do Negro. Eles são os grandes responsáveis por essa oportunidade que se abre pra nós. Eu sou imensamente grato. Sei que sou fruto da luta do movimento negro. E aproveito pra fazer uma homenagem a essas pessoas citando o samba de Jorge Aragão: “E quando pisar no terreiro/ Procure primeiro saber quem eu sou/ Respeite quem pôde chegar aonde a gente chegou”.
Por terem consciência, mais ou menos difusa, da importância da mobilização coletiva para a construção de sua trajetória profissional, alguns dos entrevistados dessa segunda geração ressaltaram a importância de assumir uma postura de solidariedade com os novos trainees que chegavam às empresas onde estavam fazendo estágio ou sendo efetivados. A fala de um deles, reproduzida a seguir, evidencia o compromisso firmado entre esses jovens:
Pensávamos assim: “A gente é vidraça, a gente tem que se blindar porque não podemos falhar. Se falharmos, prejudicaremos não apenas a nós mesmos, mas a uma série de pessoas que estão numa fila enorme”. E não era só no banco […] que havia esse sentimento enraizado. Na faculdade conversávamos com os estagiários dos outros bancos. Nós mantivemos esse elo forte, para que fôssemos um ponto de referência para os que viriam depois.
Vale notar o uso da palavra “blindar” na narrativa. Porém o sentido não é o mesmo daquela blindagem praticada pela primeira geração de executivos negros. Para eles, essa blindagem era uma estratégia individual para não enxergar as situações de discriminação racial que eles viviam no trabalho e poder continuar a desenhar sua trajetória profissional num contexto societal adverso, marcado pelo isolamento. Para os jovens da segunda geração, significava uma estratégia coletiva. Tratava-se de se proteger de críticas para abrir caminho para outros jovens negros.
De toda forma, essa trama não pode ser lida de maneira excessivamente otimista. Quanto a isso, ainda que admitindo um cenário mais favorável para a segunda geração de executivos negros, um ativista do movimento negro entrevistado fez um alerta fundamental: “Não é colocando seiscentos ou setecentos estagiários negros nos bancos que vamos mudar a realidade da discriminação racial no Brasil. Isso não é política pública”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo apresentou os resultados de uma pesquisa que investigou a questão racial no mundo empresarial a partir da trajetória profissional de duas gerações de executivos negros na cidade de São Paulo. Essa ainda é uma lacuna a ser preenchida pelas ciências sociais no Brasil. Revisões da literatura já destacaram o subtema mercado de trabalho nas publicações desse campo (Barreto et al., 2017Barreto, Paula et al. “Entre o isolamento e a dispersão: a temática racial nos estudos sociológicos no Brasil”. Revista Brasileira de Sociologia, v. 5, n. 11. 2017, pp. 113-41.; Campos; Lima; Gomes, 2018Campos, Luiz Augusto; Lima, Márcia; Gomes, Ingrid. “Os estudos sobre relações raciais no Brasil: uma análise da produção recente (1994-2013)”. In: Miceli, Sergio; Martins, Carlos Benedito (orgs.). Sociologia Brasileira Hoje II. Cotia: Ateliê Editorial, 2018, pp. 199-249.; Barreto et al., 2021Barreto, Paula et al. “A produção das ciências sociais sobre as relações raciais no Brasil entre 2012 e 2019”. Boletim Informativo Bibliográfico, n. 94, 2021, pp. 1-35.). Porém, são bastante residuais os estudos que enfocam a presença de profissionais negros em ocupações de maior poder, prestígio e remuneração, mais especificamente naquelas desempenhadas no mundo corporativo (Jaime; Barreto; Oliveira, 2018Jaime, Pedro; Barreto, Paulo; Oliveira, Cloves. “Last We Forget! Presentation of the Special Issue “Racial Dimensions in the Corporate World”. Organizações & Sociedade, v. 25, n. 87, 2018, pp. 542-50.).
Consideramos que este artigo conseguiu demonstrar, como queríamos, que tornar-se sujeito é um processo bem mais plausível quando é resultado da mobilização coletiva e da ação política. Para isso, utilizamos a sociologia clínica (Gaulejac; Roy, 1993Gaulejac, Vincent de; Roy, Shirley. Sociologies cliniques. Paris: Desclée de Brouwer , 1993.; Gaulejac et al., 2007Gaulejac, Vincent de et al. (orgs.). Sociologie clinique: enjeux théoriques et méthodologiques. Ramonville Saint-Agne: Érès, 2007.) e a sociologia dos problemas públicos (Cefaï, 2009Cefaï, Daniel. “‘Como nos mobilizamos?’ A contribuição de uma abordagem pragmatista para a sociologia da ação coletiva”. Dilemas: Revista de Estudos de Conflitos e Controle Social, v. 2, n. 4, 2009, pp. 11-48.; 2011Cefaï, Daniel. “Como uma associação nasce para o público: vínculos locais e arena pública em torno da associação La Bellevilleuse”. In: Cefaï, Daniel et al. (orgs.). Arenas públicas: por uma etnografia da vida associativa. Niterói: Eduff, 2011, pp. 67-102.; 2017aCefaï, Daniel. “Públicos, problemas públicos, arenas públicas (parte 1)”. Novos Estudos Cebrap, v. 36, n. 1, 2017a, pp. 187-214.; 2017bCefaï, Daniel. “Públicos, problemas públicos, arenas públicas (parte 2)”. Novos Estudos Cebrap , v. 36, n. 2, 2017b, pp. 129-42.). Evidenciamos como os executivos negros de primeira geração recorreram a um conjunto de estratégias individuais, impelidos por um contexto societal desfavorável, que dificultou o enfrentamento das situações de discriminação racial no trabalho e inibiu o processo de construção de si mesmos como sujeitos. Quanto à segunda geração, demonstramos ser ela o fruto da pressão do movimento negro sobre as empresas e as estratégias postas em prática por elas para responder às demandas.
Dito de outra forma, e nos termos do argumento sustentado neste artigo: a primeira geração é composta por múltiplos sujeitos singulares, com “s" minúsculo, sujeitados, submetidos a uma situação de opressão racial que os levou a quase experimentar uma situação de embranquecimento social. Já na segunda geração, percebe-se como a força de um Sujeito com “s" maiúsculo, o movimento negro, foi fundamental para que os indivíduos dessa geração pudessem se produzir como sujeitos, construindo identidades negras positivamente afirmadas.
A defesa desse argumento permite sinalizar a importância de se escapar da oposição binária que Vincent de Gaulejac (2009Gaulejac, Vincent de. Qui est “je”. Paris: Seuil , 2009.) vê na obra de Alan Touraine. Este teria se deslocado da defesa dos movimentos sociais como motor de transformações sociais (Touraine, 1992Touraine, Alain. Critique de la modernité. Paris: Fayard , 1992.) para o estudo do sujeito individual em face do colapso dos pilares sociais (Touraine, 2005Touraine, Alain. Un Nouveau Paradigme pour comprendre le monde d’aujourd’hui. Paris: Fayard , 2005.). Ao invés de ficar preso a esse binarismo, talvez seja preferível trabalhar no entrelaçamento entre o sujeito individual e os movimentos sociais. Afinal, como apontou Gaulejac (2009)Gaulejac, Vincent de. Qui est “je”. Paris: Seuil , 2009., se existe uma potencialidade que empurra o indivíduo a se tornar sujeito, essa potencialidade pode, segundo o contexto, ser valorizada ou inibida. Ou então favorecida, se aquelas forças que subjugam o indivíduo forem enfrentadas por uma mobilização coletiva (Cefaï, 2009Cefaï, Daniel. “‘Como nos mobilizamos?’ A contribuição de uma abordagem pragmatista para a sociologia da ação coletiva”. Dilemas: Revista de Estudos de Conflitos e Controle Social, v. 2, n. 4, 2009, pp. 11-48.), uma ação política capaz de constituí-la num problema público (Cefaï, 2017aCefaï, Daniel. “Públicos, problemas públicos, arenas públicas (parte 1)”. Novos Estudos Cebrap, v. 36, n. 1, 2017a, pp. 187-214.; 2017bCefaï, Daniel. “Públicos, problemas públicos, arenas públicas (parte 2)”. Novos Estudos Cebrap , v. 36, n. 2, 2017b, pp. 129-42.).
Desde que a pesquisa empírica que serviu de base para este artigo foi realizada, o contexto sociopolítico relativo à questão racial no mundo empresarial brasileiro ganhou densidade. A despeito de uma institucionalidade que potencialmente enfraqueceu as demandas do movimento negro, com a chegada ao governo federal de Jair Bolsonaro e de um legislativo bastante conservador, a mobilização coletiva antirracista ampliou sua pressão sobre as empresas. Prova disso são os Termos de Ajustamento de Conduta assinados por Carrefour, Assaí Atacadista e outras empresas, após seguidas denúncias de violência racista cometida pelos seus efetivos de segurança. E também os programas de trainee direcionados exclusivamente para jovens negros implementados em 2020 e 2021 por Magalu e Bayer. E ainda a criação em 2021 do instituto Mover, que agrupa 45 grandes empresas nacionais e multinacionais com o intuito de promover a inclusão racial no mundo empresarial. A meta é colocar 10 mil pessoas negras em posições de liderança em companhias até 2030 (Jaime; Santos-Souza, 2024Jaime, Pedro; Santos-Souza, Humberto Reis dos. “Papel das empresas na construção de uma sociedade antirracista”. GV Executivo, v. 23, n. 2, 2024, pp. 1-8.). Contudo, essa é outra história, que já começamos a investigar, mas que ainda necessita de um aprofundamento da construção de dados e das análises para a apresentação dos resultados.
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Para uma apreciação do percurso de profissionais negros no setor público, ver Ivo de Santana (2020)Santana, Ivo de. Negros de prestígio e poder: ascensão social, estilos de vida e racismo na cidade de Salvador - Bahia. Salvador: Apeku, 2020.. Já para a análise da trajetória de empresários negros, ver Angela Figueiredo (2012)Figueiredo, Angela. Classe média negra: trajetórias e perfis. Salvador: Edufba , 2012..
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As traduções de obras francesas citadas ao longo do artigo foram feitas pelos próprios autores.
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A rigor, os representantes dessa segunda geração, em razão da idade e do ingresso recente nas empresas, ainda não eram executivos no momento da elaboração dos dados. No entanto, pretendiam desenhar seus percursos profissionais nessa direção. Assim, foram considerados executivos em potencial, expressão utilizada para se referir a indivíduos vistos pelas companhias nas quais trabalham como profissionais com perfil para ocupar postos gerenciais ou de direção (Bouffartigue; Gadea, 2000Bouffartigue, Paul; Gadea, Charles. Sociologie des cadres. Paris: La Découverte, 2000.). Consequentemente, ao fazer menção aos representantes dessa geração, referimo-nos mais exatamente a uma segunda geração de executivos negros em formação.
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4
As entrevistas usadas nesse artigo foram conduzidas entre 2008 e 2011, como parte de um esforço de pesquisa longitudinal sobre a questão racial na dinâmica econômica e empresarial que ainda está em andamento e que ganhou novas contribuições a partir do aporte teórico-epistemológico da sociologia pragmatista e, mais recentemente, seu desdobramento nos termos de uma sociologia dos problemas públicos. Os dados coletados foram minuciosamente transcritos e armazenados em um repositório digital privado e seguro, garantindo a integridade e a confidencialidade das informações. Novas entrevistas foram e continuam sendo realizadas no quadro desse esforço de investigação, que inclui uma tese de doutorado já defendida e outra em andamento, ambas de autoria de pessoas que assinam esse artigo, orientadas pelo primeiro autor.
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Segundo um levantamento realizado pelo Instituto Ethos em 2016, os negros representavam apenas 4,7% dos profissionais em postos de direção e 6,7% daqueles situados em cargos de gerência nas quinhentas maiores empresas que operavam no Brasil (Ethos, 2016Ethos. Perfil social, racial e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas. São Paulo: Instituto Ethos, 2016.).
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Vale lembrar que a queda do Muro de Berlim, em 1989, representou um marco simbólico que levou a esquerda a repensar seu ideário e suas lógicas de ação.
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7
Lívia Barbosa (2002)Barbosa, Lívia. “Globalização e cultura de negócios”. In: Kirschner, Ana Maria; Gomes Eduardo; Cappelline, Paola (orgs.). Empresa, empresários e globalização. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2002, pp. 211-25. define cultura transnacional de negócios como uma série de fluxos de imagens, valores, símbolos e significados que permeiam o discurso e as práticas gerenciais das corporações transnacionais. Segundo ela, uma das características dessa cultura transnacional de negócios, que funciona como o arcabouço ideológico do mundo empresarial, é a busca por traduzir, em termos de tecnologia gerencial, a agenda social e política contemporânea. Dentre os exemplos de tecnologias gerenciais originadas nesse movimento, a antropóloga aponta a gestão da diversidade.
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8
O nome dos bancos foi omitido para preservar o anonimato dos entrevistados.
Editora responsável:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
28 Out 2024 -
Data do Fascículo
May-Aug 2024
Histórico
-
Recebido
20 Dez 2023 -
Aceito
11 Jun 2024