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Questão eco-agrária: extrativismo agrário, mudanças climáticas e desmatamento no Brasil1 1 Sob o título Land and nature appropriation: deforestation, climate change narratives, and social-environmental resistances in Brazil, uma versão desse texto foi apresentada na Conferência Internacional sobre Mudanças Climáticas e Justiça Agrária, organizada pelo Journal of Peasant Studies (JPS) e realizada nos dias 26 e 29 de setembro de 2022. Além dos pareceristas da Revista NERA, agradeço às leituras e sugestões de Guadalupe Sátiro, Juliana Miranda e José Paulo Pietrafesa a uma versão anterior deste artigo.

Eco-Agrarian Question: agrarian extractivism, climate change and deforestation in Brazil

Cuestión eco-agraria: extractivismo agrario, cambio climático y deforestación en Brasil

Resumo

As questões ambientais, em particular as mudanças climáticas, têm assumido urgência crescente, e se tornaram ainda mais agudas com a pandemia da Covid-19 e o aumento da fome e desigualdade globais. Apesar dessa urgência, as demandas e os preços internacionais das commodities agrícolas e minerais têm sido uma mola propulsora da expansão da fronteira agrícola (mudanças no uso da terra), particularmente com o aumento dos monocultivos, pecuária extensiva e extração mineral para exportação. Isso tem gerado debates, estudos e reflexões em Economia Política, Ecologia Política, entre outras áreas do conhecimento, mas essa urgência tem suscitado reflexões e pesquisas sobre a importância da terra e da questão agrária? Com base em alguns (des)acordos e medidas políticas, e em diálogo com a literatura internacional, este texto procura contribuir com os chamados Estudos Agrários Críticos, formulando, conceitual e politicamente, uma noção de “questão eco-agrária”, analisando e interpretando criticamente o extrativismo agrário no Brasil, especialmente na fronteira agrícola.

Palavras-chave
Terra; questão ambiental; extrativismo agrário; fronteira agrícola; grilagem verde

Abstract

Environmental issues, in particular climate change, have assumed increasing urgency, and have become even more acute with the Covid-19 pandemic and the globally rise of hunger and inequality. Despite this urgency, international demands and prices for agricultural and mineral commodities have been a driving force behind the expansion of the agricultural frontier (changes in land use), particularly with the increase in monocultures, extensive livestock farming and mineral extraction for export. This has generated debates, studies and reflections in Political Economy, Political Ecology, among other areas of knowledge, but has this urgency raised reflections and research on the importance of land and the agrarian issue? Based on some political (dis)agreements and measures, and in dialogue with international literature, this text seeks to contribute to the so-called Critical Agrarian Studies, formulating, conceptually and politically, a notion of “eco-agrarian issue”, analyzing and critically interpreting agrarian extractivism in the Brazilian agricultural frontier.

Keywords:
Land; environmental question; agrarian extractivism; agricultural frontier; green grabbing

Resumen

Las cuestiones ambientales, en particular el cambio climático, han asumido una urgencia cada vez mayor y se han agudizado aún más con la pandemia de Covid-19 y el aumento del hambre y la desigualdad en el mundo. A pesar de esta urgencia, las demandas y los precios internacionales de los productos agrícolas y minerales han sido una fuerza impulsora detrás de la expansión de la frontera agrícola (cambios en el uso de la tierra), particularmente con el aumento de los monocultivos, la ganadería extensiva y la extracción de minerales para la exportación. Esto ha generado debates, estudios y reflexiones en Economía Política, Ecología Política, entre otras áreas del conocimiento, pero ¿esta urgencia ha suscitado reflexiones e investigaciones sobre la importancia de la tierra y la cuestión agraria? A partir de algunos (des)acuerdos y medidas políticas, y en diálogo con la literatura internacional, este texto busca contribuir a los llamados Estudios Agrarios Críticos, formulando, conceptual y políticamente, una noción de “cuestión ecoagraria”, analizando y Interpretar críticamente el extractivismo agrario en Brasil, especialmente en la frontera agrícola.

Palabras-clave:
Tierra; cuestión medioambiental; extractivismo agrario; frontera agrícola; acaparamiento verde

Introdução

Após 50 anos da conferência sobre desenvolvimento e meio ambiente da Organização das Nações Unidas, realizada em Estocolmo em 1972, as mudanças climáticas e ações necessárias assumiram uma urgência crescente (Arsel, 2023ARSEL, M. Climate change and class conflict in the Anthropocene: sink or swim together? The Journal of Peasant Studies, v. 50, n. 1, p. 67-95, 2023. Disponível em: 10.1080/03066150.2022.2113390. Acesso em: 17 abr. 2024.
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), e se tornaram mais agudas com a pandemia da Covid-19 e o aumento da fome e da desigualdade globais. As previsões climáticas catastróficas - combinadas com a crescente desigualdade e as probabilidades de novas pandemias - aumentam o medo, amplificando noções como “sociedade de risco” (Beck, 1992BECK, U. From industrial society to risk society: Questions of survival, social structure and ecological Enlightenment. Theory, Culture and Society, v. 9, p. 97-123, 1992.) e “mundo da insegurança” (Bauman, 2001BAUMAN, Z. Community: Seeking safety in an insecure world. Cambridge, Polity Press, 2001.), caracterizando uma crise civilizatória.

As análises precisam, portanto, transcender o problema global da fome, associando-o à desigualdade social, econômica e política como crise civilizatória. Segundo Piketti (2014PIKETTI, T. Capital in the twenty-first century: a multidimensional approach to the history of capital and social classes. The British Journal of Sociology, v. 65, n. 4, p. 736-747, 2014., p. 20), “[...] o ressurgimento da desigualdade após 1980 deve-se, em grande parte, às mudanças políticas das últimas décadas, especialmente no que diz respeito à tributação e às finanças”. É crucial notar que a desigualdade é um fenômeno global, com nuances além das diferenças econômicas, incluindo desigualdades raciais e de gênero (ver Wolford, 2021WOLFORD, W. The Plantationocene: A Lusotropical contribution to the theory. Annals of the American Association of Geographers, v. 111, n. 06, p. 1622-1639, 2021. Disponível em: 10.1080/24694452.2020.1850231. Acesso em: 17 abr. 2024.
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), agravadas pela “troca ecológica desigual” (Foster e Holleman, 2014FOSTER, J. B., HOLLEMAN, H. The theory of unequal ecological exchange: a Marx-Odum dialectic. The Journal of Peasant Studies, v. 41, n. 2, p. 199-233, 2014. Disponível em: 10.1080/03066150.2014.889687. Acesso em: 17 abr. 2024.
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) entre os países.

Os acordos internacionais - quando são realizados e apoiados pelos países -, infelizmente, ficam muito aquém de fazer o mínimo para evitar a catástrofe anunciada. Por outro lado, mesmo sendo uma crise civilizacional, a mudança climática não afeta a todos da mesma forma, portanto, “[...] precisa ser vista em seu contexto histórico mais amplo, e não apenas como um fenômeno técnico emergente das emissões antropogênicas de gases de efeito estufa” (Borras Jr et al, 2021, p. 5). Como afirma Arsel (2023ARSEL, M. Climate change and class conflict in the Anthropocene: sink or swim together? The Journal of Peasant Studies, v. 50, n. 1, p. 67-95, 2023. Disponível em: 10.1080/03066150.2022.2113390. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://doi.org/10.1080/03066150.2022.21...
, p. 1), “[...] não pode ser entendida sem referência explícita às desigualdades socioeconômicas”, particularmente no campo, considerando aqueles que têm responsabilidades e os que foram e estão sendo os mais afetados pela destruição ambiental e pelas alterações climáticas.

Associado à desigualdade estrutural global, a urgência climática expande, na verdade transcende à “noção clássica da questão agrária como um problema nacional” (Bjork-James et al, 2022BJORK-JAMES, C., CHECKER, M., EDELMAN, M. Transnational social movements: environmentalist, indigenous, and agrarian visions for planetary futures. Annual Review of Environment and Resources, v. 47, p. 583-608, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1146/annurev-environ-112320-084822. Acesso em: 17 abr. 2024.
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). Portanto, “ecologização da agricultura familiar” (Brandenburg, 2017BRANDENBURG, A. Ecologização da agricultura familiar e ruralidade. In: DELGADO, G.C., BERGAMASCO, S.M.P.P. (orgs.). Agricultura familiar brasileira: Desafios e perspectivas de futuro. Brasília, Secr. Esp. de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário, 2017. p. 150-165. Disponível em: https://www.cfn.org.br/wp-content/uploads/2017/10/Agricultura_Familiar.pdf. Acesso em: 17 abr. 2024.
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) e “questão agrária da natureza” devem transcender à “ambientalização ou esverdeamento da questão agrária” (Taşdemir Yaşin, 2022TAŞDEMIR YAŞIN, Z. The Environmentalization of the Agrarian Question and the Agrarianization of the Climate Justice Movement. The Journal of Peasant Studies, v. 49, n. 07, p. 1355-1386, 2022. Disponível em: 10.1080/03066150.2022.2101102. Acesso em: 17 abr. 2024.
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), pois não se trata de criticar ou mitigar impactos ambientais (externalidades) do capitalismo no campo, mas transformar a racionalidade destrutiva do sistema (Moore, 2011MOORE, J. W. Transcending the metabolic rift: a theory of crises in the capitalist world-ecology. The Journal of Peasant Studies, v. 38, n. 1, p. 1-46, 2011. Disponível em: 10.1080/03066150.2010.538579. Acesso em: 17 abr. 2024.
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; O’Connor, 1998O’CONNOR, J. Natural causes: Essays in ecological Marxism. New York: Guilford Press, 1998.). Consequentemente, é fundamental entender a questão eco-agrária na contemporaneidade, considerando a centralidade da terra e da natureza no contexto da crise ecológica e climática, como transformações abrangendo “[...] os sistemas produtivos, mas também os diferentes níveis institucionais da sociedade” (Brandenburg, 2017BRANDENBURG, A. Ecologização da agricultura familiar e ruralidade. In: DELGADO, G.C., BERGAMASCO, S.M.P.P. (orgs.). Agricultura familiar brasileira: Desafios e perspectivas de futuro. Brasília, Secr. Esp. de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário, 2017. p. 150-165. Disponível em: https://www.cfn.org.br/wp-content/uploads/2017/10/Agricultura_Familiar.pdf. Acesso em: 17 abr. 2024.
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, p. 155).

Do ponto de vista ecológico ou sistêmico, estudo do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPPC) afirmou que “a terra também desempenha um papel importante no sistema climático” (Shukla et al, 2020SHUKLA, P. R., SKEA, J., BUENDIA, E. C., MASSON-DELMOTTE, PÖRTNER, H.- O., ROBERTS, D.C., ZHAI, P., SLADE, R.; CONNORS, S., van DIEMEN, R., FERRAT, M., HAUGHEY, E., LUZ, S., NEOGI, S., PATHAK, M., PETZOLD, J., PEREIRA, J. P., VYAS, P., HUNTLEY, E., KISSICK, K., BELKACEMI, M., MALLEY, J. Climate Change and Land: an IPCC special report on climate change, desertification, land degradation, sustainable land management, food security, and greenhouse gas fluxes in terrestrial ecosystems - summary for policymakers. Geneva, Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), 2020. Disponível em: https://www.ipcc.ch/srccl/chapter/summary-for-policymakers/. Acesso em: 17 abr. 2024.
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, A.1, p. 7). É fundamental, portanto, conectar os desafios globais das mudanças climáticas às lutas e estudos agrários (Borras Jr et al, 2021), especialmente porque a “[...] land grabbing global e a busca por mitigação e adaptação às mudanças climáticas tornaram-se, cada vez mais empírica, analítica e politicamente inseparáveis” (Franco e Borras Jr, 2019FRANCO, J. C., BORRAS Jr., S. M. Grey areas in green grabbing: Subtle and indirect interconnections between climate change politics and land grabs and their implications for research. Land Use Policy, v. 84, p. 192-199, 2019. Disponível em: 10.1016/j.landusepol.2019.03.013. Acesso em: 17 abr. 2024.
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, p. 197).

Considerando o metabolismo social (trocas materiais entre o ser humano e a natureza), mas especialmente a “fenda metabólica”2 2 Segundo Moore (2008, p.57), a fenda metabólica, que foi intensificada pelo capitalismo, é a “exploração insustentável de alimentos e recursos, por meio da qual os produtos do campo fluem para as cidades, sem nenhuma obrigação de devolver os resíduos ao ponto de produção”. do capitalismo (alienação da terra), como apontado por Marx (Foster e Holleman, 2014FOSTER, J. B., HOLLEMAN, H. The theory of unequal ecological exchange: a Marx-Odum dialectic. The Journal of Peasant Studies, v. 41, n. 2, p. 199-233, 2014. Disponível em: 10.1080/03066150.2014.889687. Acesso em: 17 abr. 2024.
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; Moore, 2011MOORE, J. W. Transcending the metabolic rift: a theory of crises in the capitalist world-ecology. The Journal of Peasant Studies, v. 38, n. 1, p. 1-46, 2011. Disponível em: 10.1080/03066150.2010.538579. Acesso em: 17 abr. 2024.
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; Foster, 1999FOSTER, J. B. Marx’s theory of metabolic rift: Classical foundations for environmental Sociology. The American Journal of Sociology, v. 105, n. 2, p. 366-405, 1999. Disponível em: 10.1086/210315. Acesso em: 17 abr. 2024.
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), as condições climáticas são uma das mais, senão a mais importante para as atividades produtivas agropecuárias. De acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, mais de 90% do desmatamento mundial, depois de 2000 até 2018, é resultado da expansão das atividades agropecuárias (FAO, 2021FAO - Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura. COP26: Agricultural expansion drives almost 90 percent of global deforestation. Roma, FAO, 11 de novembro de 2021. Disponível em: https://www.fao.org/newsroom/detail/cop26-agricultural-expansion-drives-almost-90-percent-of-global-deforestation/en. Acesso em: 17 abr. 2024.
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). Particularmente nos países em desenvolvimento, as atividades agropecuárias são a principal causa da destruição de florestas tropicais, mas também sofrem as consequências da crise ambiental (Shukla et al, 2020SHUKLA, P. R., SKEA, J., BUENDIA, E. C., MASSON-DELMOTTE, PÖRTNER, H.- O., ROBERTS, D.C., ZHAI, P., SLADE, R.; CONNORS, S., van DIEMEN, R., FERRAT, M., HAUGHEY, E., LUZ, S., NEOGI, S., PATHAK, M., PETZOLD, J., PEREIRA, J. P., VYAS, P., HUNTLEY, E., KISSICK, K., BELKACEMI, M., MALLEY, J. Climate Change and Land: an IPCC special report on climate change, desertification, land degradation, sustainable land management, food security, and greenhouse gas fluxes in terrestrial ecosystems - summary for policymakers. Geneva, Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), 2020. Disponível em: https://www.ipcc.ch/srccl/chapter/summary-for-policymakers/. Acesso em: 17 abr. 2024.
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).

Essa centralidade, política e ecológica, da terra e da agricultura (no sentido de atividades produtivas no campo, incluindo a pecuária) exigem análises e estudos considerando a questão eco-agrária, ou as trocas materiais entre a natureza e a sociedade (Moore, 2008MOORE, J. W. Ecological crises and the agrarian question in world-historical perspective. Monthly Review, novembro, 2008. Disponível em: https://jasonwmoore.com/wp-content/uploads/2021/04/Moore-Ecological-Crises-and-the-Agrarian-Question-MR-2008.pdf. Acesso em: 17 abr. 2024.
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, 2017MOORE, J.W. The Capitalocene, Part I: On the Nature and Origins of Our Ecological Crisis. The Journal of Peasant Studies, v. 44, n. 3, p. 594-630, 2017. Disponível em: 10.1080/03066150.2016.1235036. Acesso em: 17 abr. 2024.
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; Foster, 2005FOSTER, J. B. A ecologia de Marx: materialismo e natureza. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2005.). A terra, portanto, além de uma dimensão econômica - meio de produção, onde o ser é humano pelo trabalho, ou o trabalho como “condição da existência”,3 3 Nos termos do próprio Marx (2021, p. 120), a existência ‘humana’ é mediada pelo trabalho na relação com a natureza, pois “como criador de valor de uso, como trabalho útil, o trabalho é assim, uma condição da existência do homem [da pessoa], independentes de todas as formas sociais, eterna necessidade natural de mediação do metabolismo entre homem [ser humano] e natureza e, portanto, de vida humana”. lugar de trocas materiais e espaço de formação de valor e renda (Marx, 2021MARX, K. O Capital: crítica da Economia Política. Livro I: O processo de produção do capital. São Paulo, Ed. Boitempo, 4ª reimpressão, 2021.) -, deve ser entendida em suas dimensões ecossistêmicas, inclusive porque “[...] a terra precisa ser conservada e cultivada - para o bem das gerações futuras” (Foster, 2005FOSTER, J. B. A ecologia de Marx: materialismo e natureza. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2005., p. 246).

Este texto reflete criticamente sobre alguns elementos da questão eco-agrária, discutindo inicialmente as trocas desiguais (ponto 1) entre países, analisando a falta de medidas efetivas e “desacordos” internacionais. Em analogia à fenda ou ruptura metabólica entre campo e cidade (perspectiva assumida por Marx), explicita a criação de regras e restrições ambientais que mantém a dominação, agora em nome da preservação. Reconhecendo a urgência de medidas de enfrentamento às mudanças climáticas, analisa o desmatamento e a destruição ambiental na fronteira agrícola (ponto 2). Essa realidade de exploração capitalista, em lógicas extrativas agrárias, e a consequente exaustão do Cerrado brasileiro, é o mote para (re)formulações, teóricas e políticas, sobre uma questão eco-agrária.

Mudanças climáticas e terra: (des)acordos internacionais e falta de perspectivas

Mais do que a conferência em Estocolmo de 1972, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Cúpula da Terra de 1992, ou simplesmente Eco’92, foi um evento marcante, colocando a questão ambiental na agenda global, inclusive no desenvolvimento rural agrário. Apesar das críticas, limites, lacunas e falta de implementação, inclusive por ter sido realizada no Rio de Janeiro, a Eco’92 envolveu movimentos sociais, organizações agrárias, sindicatos, organizações não governamentais, consolidando a questão ambiental na sociedade civil organizada brasileira. Os movimentos sociais agrários e as organizações do campo adotaram progressivamente a agenda ambiental, compondo o movimento socio-ambientalista (Domingues e Sauer, 2023DOMINGUES, G., SAUER, S. Amazonian socio-environmental frontier: struggles, resistance, and contradictions in confronting the agrarian extractive frontier. Third World Quarterly, v. 44, n. 10, p. 2208-2226, 2023. Disponível em: 10.1080/01436597.2022.2124965. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://doi.org/10.1080/01436597.2022.21...
; Wolford et al, 2022WOLFORD, W., FERNANDES, B.M., OFSTEHAGE, A.L., GIRARDI, E.P., SAUER, S. The Plantationocene and Sustainable Development Goals in Brazil. In: FERNANDES, B. M. (ed.). Building territories based on GDS: Leaving no one behind. São Paulo, Ed. UNESP, 2022.), propondo e tomando iniciativas agroecológicas (Schmitt, 2022SCHMITT, C. Brazil’s Agroecology networks: fighting for democracy and sustainability. Epics of agricultural Science and technology: celebrated and forgotten histories. Research workshop. Institute of Development Studies (IDS), Sussex University, 14-15 de setembro de 2022.).

Tendo como base críticas econômicas, sociais, políticas e ambientais (especialmente devido aos prejuízos ecológicos dos monocultivos e do uso de agroquímicos) e influenciados pelos estudos, debates e demandas ambientais dos anos 1990, os movimentos sociais agrários foram incorporando lutas e ações pela conservação da natureza. Devido às críticas à Revolução Verde, por exemplo, reforçaram a agenda ambiental, iniciativas e propostas da então chamada agricultura alternativa (Schmitt, 2022SCHMITT, C. Brazil’s Agroecology networks: fighting for democracy and sustainability. Epics of agricultural Science and technology: celebrated and forgotten histories. Research workshop. Institute of Development Studies (IDS), Sussex University, 14-15 de setembro de 2022.), resultando na adoção da Agroecologia (Brandenburg, 2017BRANDENBURG, A. Ecologização da agricultura familiar e ruralidade. In: DELGADO, G.C., BERGAMASCO, S.M.P.P. (orgs.). Agricultura familiar brasileira: Desafios e perspectivas de futuro. Brasília, Secr. Esp. de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário, 2017. p. 150-165. Disponível em: https://www.cfn.org.br/wp-content/uploads/2017/10/Agricultura_Familiar.pdf. Acesso em: 17 abr. 2024.
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) nos anos 2000. Essa agenda ambiental e as críticas à “...degradação agroecológica causada pelas práticas agrícolas corporativas...” (Akram-Lodhi e Kay, 2010AKRAM-LODHI, H., KAY, C. Surveying the agrarian question (part 1): unearthing foundations, exploring diversity. The Journal of Peasant Studies, v. 37, n. 1, p. 177-202, 2010. Disponível em: 10.1080/03066150903498838. Acesso em: 17 abr. 2024.
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, p. 269) ajudaram a moldar o movimento socio-ambientalista contemporâneo (Bjork-James et al, 2022BJORK-JAMES, C., CHECKER, M., EDELMAN, M. Transnational social movements: environmentalist, indigenous, and agrarian visions for planetary futures. Annual Review of Environment and Resources, v. 47, p. 583-608, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1146/annurev-environ-112320-084822. Acesso em: 17 abr. 2024.
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).

Vinte anos depois, a Conferência Rio+20, em 2012, foi marcada pelas mesmas críticas e disputas das conferências anteriores, particularmente provocadas pela falta de vontade política das nações ricas em implementar os acordos e cumprir compromissos. Abriu caminho, no entanto, para a adoção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), ou Agenda 2030, em 2015, pelas Nações Unidas (ONU, 2015ONU. Sustainable Development Goals - SDG. New York, Organização das Nações Unidas, UN Dep. of Economic and Social Affairs, United Nations, 2015. Disponível em: https://sdgs.un.org/goals. Acesso em: 17 abr. 2024.
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). As críticas à Agenda 2030 e a outros acordos vão desde a inviabilidade devido a custos - incluindo argumentos sobre ameaças ao crescimento econômico dos países em desenvolvimento -, passando por soluções tecnoburocráticas, até a negação explícita da crise climática e ambiental por setores conservadores e hegemônicos do agronegócio (Fernandes, 2022FERNANDES, B. M. (ed.). Building territories based on GDS: Leaving no one behind. São Paulo, Ed. UNESP, 2022.).4 4 O “negacionismo climático” é uma lacuna sobre as “narrativas contratantes” e “o desafio climático”, classificadas por Borras Jr. e coautoras (2022) nas políticas agrárias. Apesar de reconhecer limites e sobreposições, classificam as “quatro narrativas principais sobre as alterações climáticas” (Borras Jr. et al, 2022, p. 9) em “narrativas tecnológicas, orientadas para as empresas;”, “de emergência climática”, “de justiça climática” e “de transformação estrutural”, excluindo narrativas e ações explicitas de negação das mudanças climáticas e desafios para o campo.

Segundo Wyatt e Brisman (2017WYATT, T.; BRISMAN, A. The role of denial in the ‘theft of nature’: comparing biopiracy and climate change. Critical Criminology, v. 25, p. 325-341, 2017. Disponível em: 10.1007/s10612-016-9344-5. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://doi.org/10.1007/s10612-016-9344-...
, p. 332-333), essa negação ou as posturas negacionistas5 5 Segundo Cohen (2001, p. 7), a negação pode ser classificada em três categorias: (i) negação literal (os fatos ou eventos são vistos como não verdadeiros); (ii) negação interpretativa (os fatos não são negados, mas dando ‘um sentido diferente’ ou outras narrativas); e (iii) negação implicatória (não é uma tentativa de negar fatos, mas de minimizar suas implicações). Para maiores discussões, ver Wyatt e Brisman (2017). devem ser classificadas em cinco categorias diferentes, sendo: (i) de responsabilidade (as mudanças climáticas não estão ocorrendo por causa das atividades humanas); (ii) de lesão (as mudanças estão fazendo bem e não dano; desastres são eventos naturais); (iii) das vítimas (as consequências são e serão sentidas de forma desigual); (iv) ‘condenação dos condenadores’ (atacar os cientistas do clima, argumentando que são ‘colaboradores’ ou manipularam dados); v) “apelo a lealdades mais elevadas”, “[...] expressando um compromisso com uma ideologia radical de livre mercado que se opõe a quaisquer restrições à busca do capitalismo, não importa a justificativa”.

Os autores concluem que essas diferentes narrativas fazem parte da apropriação ou roubo da natureza. Segundo Wyatt e Brisman (2017WYATT, T.; BRISMAN, A. The role of denial in the ‘theft of nature’: comparing biopiracy and climate change. Critical Criminology, v. 25, p. 325-341, 2017. Disponível em: 10.1007/s10612-016-9344-5. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://doi.org/10.1007/s10612-016-9344-...
, p.338), esse roubo “[...] ocorreu e continua a acontecer por causa do negacionismo: biopirataria e mudanças climáticas”. É importante considerar que, especialmente pós-2018, instrumentos e medidas legais foram adotadas no Brasil para diminuir as exigências, flexibilizar regras, legalizar e legitimar a apropriação - a descaracterizando como roubo - da natureza, transformando o ilegal em apropriação legal (ver Silva e Sauer, 2022SILVA, P., SAUER, S. Desmantelamento e desregulação de políticas ambientais e apropriação da terra e de bens naturais no Cerrado. Raízes, v. 42, n. 2, p. 298-315, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.37370/raizes.2022.v42.747. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://doi.org/10.37370/raizes.2022.v42...
).

Esse negacionismo resultou na decisão do então governo Bolsonaro (2019-2022) de não sediar a COP25 em 2019. Essas narrativas negacionistas têm sido usadas para manter atividades que possibilitam aprofundar a apropriação e continuar a destruição da natureza. De acordo com notícia da BBC, “[...] associações do agronegócio - de sojicultores, passando por cafeicultores, sindicatos rurais, faculdades ligadas à agronomia e até uma empresa de fertilizantes - estavam pagando palestras dos chamados ‘negacionistas do clima’” (Gragnani, 2021GRAGNANI, J. Agronegócio banca palestras que espalham mito de que aquecimento global pelo homem é fraude. BBC News Brasil, London, 18 de novembro de 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59310009. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59...
, p. 1). Essas palestras eram destinadas a grandes produtores rurais e estudantes de agronomia, principalmente com base na narrativa de que a crise ambiental e as mudanças climáticas “[...] são para congelar os países em desenvolvimento”, como afirmou um dos palestrantes (Gragnani, 2021GRAGNANI, J. Agronegócio banca palestras que espalham mito de que aquecimento global pelo homem é fraude. BBC News Brasil, London, 18 de novembro de 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59310009. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59...
).6 6 De acordo com Miguel (2020, p. 7), “[...] o negacionismo climático também faz parte de uma visão de mundo de certos grupos que realmente acreditam que o aquecimento global é uma fraude. A percepção de que as instituições públicas de ensino estão corrompidas pela ideologia da esquerda e que as mudanças climáticas fazem parte dessa conspiração revela que, para além das razões dos grupos econômicos liberais, o negacionismo climático faz parte de um regime discursivo inserido em uma determinada rede de práticas compartilhadas por grupos que se sentem de alguma maneira enganados e desiludidos”.

Em levantamento em 2022 no YouTube - rede social com diretriz explícita que proíbe ganhos com vídeos que negam a influência antrópica no aquecimento global -, a Pública constatou que os vídeos negacionistas circulam desde 2021 (Scofield e Santino, 2022SCOFIELD, L., SANTINO, M. YouTube ganha dinheiro e desobedece às próprias regras com negacionismo climático. Agência Pública, 29 de março de 2022. Disponível em: https://apublica.org/2022/03/youtube-ganha-dinheiro-e-desobedece-as-proprias-regras-com-negacionismo-climatico/#Bolsonaristas. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://apublica.org/2022/03/youtube-gan...
). Conforme esse levantamento, além do vídeo “Climatologista contesta aquecimento global e inocenta a boiada”, muitos circulam nas redes, divulgando conteúdos negacionistas “nos quais representantes do agronegócio defendem o discurso contrário à ciência”, concluindo que “bolsonaristas e ruralistas tentam emplacar negacionismo climático no YouTube” (Scofield e Santino, 2022SCOFIELD, L., SANTINO, M. YouTube ganha dinheiro e desobedece às próprias regras com negacionismo climático. Agência Pública, 29 de março de 2022. Disponível em: https://apublica.org/2022/03/youtube-ganha-dinheiro-e-desobedece-as-proprias-regras-com-negacionismo-climatico/#Bolsonaristas. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://apublica.org/2022/03/youtube-gan...
, p. 5).

Além das posições negacionistas, acordos, não-acordos e propostas internacionais têm sido baseados em narrativas de ‘ecologização’ reducionista da agricultura e da pecuária. Argumentos neomalthusianos, em geral, reforçam a solução de aumentar a produção e produtividade. Não há posições e propostas mais consistentes, na perspectiva de mudanças estruturais na ‘agricultura industrial’ (Wolford et al, 2022WOLFORD, W., FERNANDES, B.M., OFSTEHAGE, A.L., GIRARDI, E.P., SAUER, S. The Plantationocene and Sustainable Development Goals in Brazil. In: FERNANDES, B. M. (ed.). Building territories based on GDS: Leaving no one behind. São Paulo, Ed. UNESP, 2022.). Um exemplo são os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ONU, 2015ONU. Sustainable Development Goals - SDG. New York, Organização das Nações Unidas, UN Dep. of Economic and Social Affairs, United Nations, 2015. Disponível em: https://sdgs.un.org/goals. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://sdgs.un.org/goals...
), particularmente o ODS 2 que afirma o compromisso de “[...] acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhorar a nutrição e promover a agricultura sustentável” (ODS 2.4). O caminho acordado para alcançar esse objetivo é “[...] até 2030, dobrar a produtividade agrícola e a renda dos pequenos produtores de alimentos” (ODS 2.3 - ênfase adicionada).

O ODS 2.4 afirma o mesmo com o objetivo de “[...] até 2030, garantir sistemas sustentáveis de produção de alimentos e implementar práticas agrícolas resilientes que aumentem a produtividade e a produção, que ajudem a manter os ecossistemas, que fortaleçam a capacidade de adaptação às mudanças climáticas, condições climáticas extremas, secas, inundações e outros desastres e que melhorem progressivamente a qualidade da terra e do solo” (ênfases adicionadas).

Os acordos da Agenda 2030 reforçam a lógica (neo)malthusiana, baseando soluções exclusivamente no aumento da produção e da produtividade, sem modificar a insustentabilidade agrícola e pecuária, caraterística fundante da Revolução Verde nos anos 1950/1960 no Brasil. Em relatório sobre a “European supermarkets’ implementation of the Retail Soy Group’s Roadmap to end deforestation”, a ONG Mighty Earth reafirma a necessidade de mudanças estruturais, pois:

Carne, laticínios e aquicultura causam mais poluição climática do que todos os carros, caminhões e navios do mundo juntos. A produção de ração animal, combinada com o uso de vacas, porcos e outros animais para alimentação, é responsável por 57% de todas as emissões da produção de alimentos, cerca de 9,8 giga-toneladas de dióxido de carbono equivalente por ano. Em comparação, as emissões do setor de transporte global foram de cerca de 7,2 giga-toneladas em 2020 (Smith, 2022SMITH, S. Promises, promises! Analysis of European supermarkets’ implementation of the Retail Soy Group’s Roadmap to end deforestation connected to meat. Washington D.C, Mighty Earth, julho, 2022. Disponível em: https://www.mightyearth.org/wp-content/uploads/Mighty-Earth-Soy-tracker-Promises-Promises-V6.pdf. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://www.mightyearth.org/wp-content/u...
, p. 4).

O relatório especial do IPCC, de 2020 - sobre “[...] as alterações climáticas, a desertificação, a degradação dos solos, a gestão sustentável do solo, a segurança alimentar e os fluxos de gases com efeito de estufa nos ecossistemas terrestres” -, afirmou que “a terra é simultaneamente uma fonte e um sumidouro de GEE [gases com efeito de estufa] e desempenha um papel fundamental na troca de energia, água e aerossóis entre a superfície terrestre e a atmosfera”. No entanto, foi necessária uma ‘solução’ redutora, afirmando que “[...] a gestão sustentável da terra7 7 O relatório do IPCC definiu a gestão sustentável da terra “[...] a gestão e o uso dos recursos da terra, incluindo solos, água, animais e plantas, para atender às necessidades humanas em constante mudança, garantindo simultaneamente o potencial produtivo de longo prazo desses recursos e a manutenção de suas funções ambientais” (Shukla et al, 2020, p. 6, nota de rodapé 4). pode contribuir para reduzir os impactos negativos de múltiplos estressores, incluindo as mudanças climáticas, nos ecossistemas e nas sociedades” (Shukla et al, 2020SHUKLA, P. R., SKEA, J., BUENDIA, E. C., MASSON-DELMOTTE, PÖRTNER, H.- O., ROBERTS, D.C., ZHAI, P., SLADE, R.; CONNORS, S., van DIEMEN, R., FERRAT, M., HAUGHEY, E., LUZ, S., NEOGI, S., PATHAK, M., PETZOLD, J., PEREIRA, J. P., VYAS, P., HUNTLEY, E., KISSICK, K., BELKACEMI, M., MALLEY, J. Climate Change and Land: an IPCC special report on climate change, desertification, land degradation, sustainable land management, food security, and greenhouse gas fluxes in terrestrial ecosystems - summary for policymakers. Geneva, Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), 2020. Disponível em: https://www.ipcc.ch/srccl/chapter/summary-for-policymakers/. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://www.ipcc.ch/srccl/chapter/summar...
, A.1.2).

Esse relatório do IPCC reconhece que a “[...] expansão das áreas agrícolas e florestais, incluindo a produção comercial, e o aumento da produtividade agrícola e florestal apoiaram o consumo e a disponibilidade de alimentos para uma população em crescimento”. No entanto, reconhece também que estas alterações no uso do solo “[...] contribuíram para o aumento das emissões líquidas de GEE, a perda de ecossistemas naturais (por exemplo, florestas, savanas, pradarias naturais e zonas úmidas) e o declínio da biodiversidade” (Shukla et al, 2020SHUKLA, P. R., SKEA, J., BUENDIA, E. C., MASSON-DELMOTTE, PÖRTNER, H.- O., ROBERTS, D.C., ZHAI, P., SLADE, R.; CONNORS, S., van DIEMEN, R., FERRAT, M., HAUGHEY, E., LUZ, S., NEOGI, S., PATHAK, M., PETZOLD, J., PEREIRA, J. P., VYAS, P., HUNTLEY, E., KISSICK, K., BELKACEMI, M., MALLEY, J. Climate Change and Land: an IPCC special report on climate change, desertification, land degradation, sustainable land management, food security, and greenhouse gas fluxes in terrestrial ecosystems - summary for policymakers. Geneva, Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), 2020. Disponível em: https://www.ipcc.ch/srccl/chapter/summary-for-policymakers/. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://www.ipcc.ch/srccl/chapter/summar...
, A.1.3).8 8 O relatório do IPCC traz dados importantes sobre o uso da terra e as mudanças climáticas. Para obter mais informações, consulte o relatório em https://www.ipcc.ch/srccl/chapter/summary-for-policymakers/ Portanto, o IPCC reafirma que o aumento da produção agrícola poderá diminuir a fome no mundo, mas chama a atenção que esse aumento será comprometido com a dilapidação da natureza. Além da tendência de a destruição ambiental diminuir a produtividade agrícola, é fundamental entender que o aumento da produção e da produtividade não altera a desigualdade estrutural, construída pela acumulação de capital.

O relatório do IPCC apela a uma ampla gama de ações para alcançar a “neutralidade da degradação da terra”:

O zoneamento do uso da terra, o ordenamento do território, o planejamento integrado da paisagem, a regulamentação, os incentivos (como o pagamento por serviços ecossistêmicos) e os instrumentos voluntários ou persuasivos (como o planejamento ambiental agrícola, as normas e a certificação para a produção sustentável, o uso de conhecimentos científicos, locais e indígenas e a ação coletiva) podem alcançar resultados positivos de adaptação e mitigação (Shukla et al, 2020SHUKLA, P. R., SKEA, J., BUENDIA, E. C., MASSON-DELMOTTE, PÖRTNER, H.- O., ROBERTS, D.C., ZHAI, P., SLADE, R.; CONNORS, S., van DIEMEN, R., FERRAT, M., HAUGHEY, E., LUZ, S., NEOGI, S., PATHAK, M., PETZOLD, J., PEREIRA, J. P., VYAS, P., HUNTLEY, E., KISSICK, K., BELKACEMI, M., MALLEY, J. Climate Change and Land: an IPCC special report on climate change, desertification, land degradation, sustainable land management, food security, and greenhouse gas fluxes in terrestrial ecosystems - summary for policymakers. Geneva, Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), 2020. Disponível em: https://www.ipcc.ch/srccl/chapter/summary-for-policymakers/. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://www.ipcc.ch/srccl/chapter/summar...
, C.1.1).

Combinado com soluções de mercado, o relatório do IPCC afirma que “[...] práticas agrícolas que incluem conhecimento indígena e local podem contribuir para superar a combinação de desafios das mudanças climáticas, segurança alimentar, conservação da biodiversidade e combate à desertificação e degradação da terra” (Shukla et al, 2020SHUKLA, P. R., SKEA, J., BUENDIA, E. C., MASSON-DELMOTTE, PÖRTNER, H.- O., ROBERTS, D.C., ZHAI, P., SLADE, R.; CONNORS, S., van DIEMEN, R., FERRAT, M., HAUGHEY, E., LUZ, S., NEOGI, S., PATHAK, M., PETZOLD, J., PEREIRA, J. P., VYAS, P., HUNTLEY, E., KISSICK, K., BELKACEMI, M., MALLEY, J. Climate Change and Land: an IPCC special report on climate change, desertification, land degradation, sustainable land management, food security, and greenhouse gas fluxes in terrestrial ecosystems - summary for policymakers. Geneva, Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), 2020. Disponível em: https://www.ipcc.ch/srccl/chapter/summary-for-policymakers/. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://www.ipcc.ch/srccl/chapter/summar...
, C.4.3). Apesar dessa constatação, sugere a intensificação agrícola - como caminho para não incorporar mais terras, não ampliar a fronteira agrícola e não alterar o uso do solo - e a gestão sustentável da terra para alcançar “resultados positivos de adaptação e mitigação” (Shukla et al, 2020SHUKLA, P. R., SKEA, J., BUENDIA, E. C., MASSON-DELMOTTE, PÖRTNER, H.- O., ROBERTS, D.C., ZHAI, P., SLADE, R.; CONNORS, S., van DIEMEN, R., FERRAT, M., HAUGHEY, E., LUZ, S., NEOGI, S., PATHAK, M., PETZOLD, J., PEREIRA, J. P., VYAS, P., HUNTLEY, E., KISSICK, K., BELKACEMI, M., MALLEY, J. Climate Change and Land: an IPCC special report on climate change, desertification, land degradation, sustainable land management, food security, and greenhouse gas fluxes in terrestrial ecosystems - summary for policymakers. Geneva, Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), 2020. Disponível em: https://www.ipcc.ch/srccl/chapter/summary-for-policymakers/. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://www.ipcc.ch/srccl/chapter/summar...
). Não há menção à desigualdade no acesso à terra ou à necessária justiça climática, nem reforça necessidades de recuperação ou restauração ecológicas, apenas expressa preocupações com a produção de alimentos - como sinônimo de segurança alimentar - e a mitigação da delapidação do solo, concentrando soluções na intensificação da produção e uso da terra. A perspectiva e o desafio são aumentar a quantidade a ser produzida para suprir a demanda e alimentar uma população em crescimento.9 9 Há ainda vários temas, acordos e iniciativas com as “soluções tecnológicas” para enfrentar os problemas ambientais e a fome (biotecnologia, informatização/automação, drones etc.). Entre essas soluções técnicas estão as chamadas Agricultura 4.0 e a Smart Climate Agriculture proposta pela FAO, visando adaptar a produção agrícola às mudanças climáticas (ver Palombi e Sessa, 2013 e Bruna, 2023). Essas soluções tecnológicas passam pelo aumento do trabalho morto, portanto, intensificam a apropriação da renda diferencial da terra na versão de alto uso de tecnologias, acelerando o custo de produção (Marx, 2021).

Com base em uma proposta elaborada em 2021, em 28 de junho de 2022, o Conselho de Ministros do Meio Ambiente da União Europeia adotou uma posição com base na diligência ambiental e em direitos humanos. Os Estados-membros adotaram, portanto, um regulamento restringindo a importação de produtos relacionados ao desmatamento (uma Regulation on deforestation-free products) e está discutindo diretrizes empresariais para a sustentabilidade, (uma Corporate Sustainability Due Diligence Directive). O objetivo é diminuir a influência da União Europeia no desmatamento global, regulando a importação e consumo de sete (07) produtos (carne bovina, café, cacau, óleo de palma, soja e madeira), considerados “commodities com risco florestal”, ou seja, associadas a altos índices de desmatamento (UE, 2022UE. The Federal Ministry for the Environment and Consumer Protection. Press release no. 081/22 on Proposal for a Regulation on deforestation-free products. Brussels, European Union, 28 de junho de 2022. Disponível em: https://environment.ec.europa.eu/publications/proposal-regulation-deforestation-free-products_en. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://environment.ec.europa.eu/publica...
).

Segundo o Ministério do Meio Ambiente Europeu, a proposta era necessária e foi adotada porque “[...] o desmatamento e a degradação florestal estão ocorrendo a um ritmo alarmante, agravando as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade”. Reconhecendo que “[...] a UE é um consumidor relevante de produtos de base associados ao desmatamento e à degradação florestal”, o principal objetivo é “[...] travar o desmatamento e a degradação florestal provocada pelo consumo e produção” da União Europeia (UE, 2021UE. The Federal Ministry for the Environment and Consumer Protection. Proposal for a regulation of the European Parliament and of the Council on the making available on the Union market as well as export from the Union of certain commodities and products associated with deforestation and forest degradation and repealing Regulation (EU) No. 995/2010. Brussels, 11 de novembro de 2021. Disponível em: https://ec.europa.eu/environment/forests/deforestation-proposal.htm. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://ec.europa.eu/environment/forests...
, p. 01).

Segundo a União Europeia, a regulação do comércio free-deforesting foi adotada porque “[...] o principal motor do desmatamento e da degradação florestal é a expansão das terras agrícolas” (UE, 2021UE. The Federal Ministry for the Environment and Consumer Protection. Proposal for a regulation of the European Parliament and of the Council on the making available on the Union market as well as export from the Union of certain commodities and products associated with deforestation and forest degradation and repealing Regulation (EU) No. 995/2010. Brussels, 11 de novembro de 2021. Disponível em: https://ec.europa.eu/environment/forests/deforestation-proposal.htm. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://ec.europa.eu/environment/forests...
, p. 01) para a produção de commodities. Com base nos dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), afirma que “[...] a expansão agrícola impulsiona quase 90% do desmatamento global, com mais da metade da perda de floresta devido à conversão de floresta em terras agrícolas, enquanto o pastoreio de gado é responsável por quase 40% da perda florestal” (UE, 2021UE. The Federal Ministry for the Environment and Consumer Protection. Proposal for a regulation of the European Parliament and of the Council on the making available on the Union market as well as export from the Union of certain commodities and products associated with deforestation and forest degradation and repealing Regulation (EU) No. 995/2010. Brussels, 11 de novembro de 2021. Disponível em: https://ec.europa.eu/environment/forests/deforestation-proposal.htm. Acesso em: 17 abr. 2024.
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, Item 13, p. 24).

Assumindo responsabilidades, a proposta afirma que a União Europeia “[...] importou e consumiu um terço dos produtos agrícolas comercializados globalmente associados ao desmatamento”, sendo “[...] responsável por 10% do desmatamento mundial associado à produção de bens ou serviços” entre 1990 e 2008 (UE, 2021UE. The Federal Ministry for the Environment and Consumer Protection. Proposal for a regulation of the European Parliament and of the Council on the making available on the Union market as well as export from the Union of certain commodities and products associated with deforestation and forest degradation and repealing Regulation (EU) No. 995/2010. Brussels, 11 de novembro de 2021. Disponível em: https://ec.europa.eu/environment/forests/deforestation-proposal.htm. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://ec.europa.eu/environment/forests...
, Item 14, p. 24). Associando e complementando outras iniciativas, como o Pacto Ecológico Europeu, reafirma a necessidade de realizar ações conjuntas com os países produtores de commodities e em cooperação com os principais países consumidores “[...] para promover a adoção de medidas para evitar que produtos provenientes de cadeias de abastecimento associados ao desmatamento e degradação florestal sejam colocados no mercado” (UE, 2021UE. The Federal Ministry for the Environment and Consumer Protection. Proposal for a regulation of the European Parliament and of the Council on the making available on the Union market as well as export from the Union of certain commodities and products associated with deforestation and forest degradation and repealing Regulation (EU) No. 995/2010. Brussels, 11 de novembro de 2021. Disponível em: https://ec.europa.eu/environment/forests/deforestation-proposal.htm. Acesso em: 17 abr. 2024.
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, p. 1). O objetivo é inibir a demanda e a circulação de produtos do desmatamento, forçando ações de replanejamento e adoção de sistemas ‘sem desmatamento’ de produção de commodities.

Por conseguinte, a Comissão continuará a trabalhar em parceria com os países produtores, oferecendo novos tipos de apoio e incentivos no que diz respeito à proteção das florestas, à melhoria da governança e da posse da terra, ao aumento da aplicação da lei e à promoção da gestão sustentável das florestas, da agricultura resiliente às alterações climáticas, da intensificação e diversificação sustentáveis, da agroecologia e da agrofloresta (UE, 2021UE. The Federal Ministry for the Environment and Consumer Protection. Proposal for a regulation of the European Parliament and of the Council on the making available on the Union market as well as export from the Union of certain commodities and products associated with deforestation and forest degradation and repealing Regulation (EU) No. 995/2010. Brussels, 11 de novembro de 2021. Disponível em: https://ec.europa.eu/environment/forests/deforestation-proposal.htm. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://ec.europa.eu/environment/forests...
, p. 2).

Assumir responsabilidades é um ponto de partida crucial, mesmo que insuficientes, especialmente para os países desenvolvidos, emissores históricos de gases do efeito estufa (GEE) e grandes consumidores de recursos naturais. Também é positivo estabelecer medidas de apoio, assistência e parcerias com países exportadores de commodities com altas taxas de desmatamento. No entanto, o problema fundamental é que essas medidas acabam reproduzindo relações de dominação (política) e exploração (econômica). Não há medidas para mudanças estruturais das demandas (e do consumo) do Norte global ou para ‘compensar’ o consumo de produtos associados ao desmatamento (Parsons, Turner e Von Horn, 2023PARSONS, L., TURNER, C. e Von HORN, S. Os países ricos estão exportando o colapso climático para o Sul Global. Jacobin-Brasil, 18 de outubro de 2023. Disponível em: https://jacobin.com.br/2023/10/os-paises-ricos-estao-exportando-o-colapso-climatico-para-o-sul-global/. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://jacobin.com.br/2023/10/os-paises...
). Não há medidas ou recursos de compensação ou de restauração ecológicas para os países do sul, mas o ‘Norte consumidor’ determina as regras para o ‘Sul produtor’ e exportador, reforçando a dependência histórica e a dominação centro-periferia, sem qualquer perspectiva não produtivista de mudança do extrativismo agrário.

Além da imposição externa de condições, assim como outras iniciativas e acordos, há um reducionismo ambiental, identificando ou simplificando a crise ao problema do desmatamento, especialmente das florestas tropicais (Amazônia). A crise ambiental-civilizacional é reduzida às mudanças climáticas e aos desafios para mitigar os efeitos e problemas das emissões de gases do efeito estufa. Consequentemente, esse reducionismo não resolve a crise, ao contrário, reforça a lógica extrativa,10 10 Chagnon e coautores (2022), em uma ampla revisão da literatura internacional, definem extrativismo (global) como um “conceito organizador”, que expressa a lógica de acumulação capitalista, em processos monopolistas de extração (dos recursos) da periferia para o centro, ampliando a acumulação em relações globais desiguais. os níveis de consumo e a concentração (da riqueza) nos centros de poder (Ye et al, 2020YE, J., van der PLOEG, J. D., SCHNEIDER, S., SHANIN, T. The incursions of extractivism: moving from dispersed places to global capitalism. The Journal of Peasant Studies, v. 47, n. 1, p. 155-183, 2020. Disponível em: 10.1080/03066150.2018.1559834. Acesso em: 17 abr. 2024.
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), especialmente o extrativismo agrário nos países do Sul global (Veltmeyer e Ezquerro-Cañete, 2023VELTMEYER, H., EZQUERRO-CAÑETE, A. Key concepts in Critical Agrarian Studies: Agro-extractivism. The Journal of Peasant Studies, v. 50, n. 5, p. 1673-1686, 2023. Disponível em: 10.1080/03066150.2023.2218802. Acesso em: 17 abr. 2024.
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; Sauer e Oliveira, 2023).

Extrativismo11 11 “Extrativismo é uma forma de acumulação que surgiu há quinhentos anos. É uma categoria que nos permite explicar a pilhagem, acumulação, concentração, destruição e devastação coloniais e pós-coloniais, bem como a evolução do capitalismo até à sua forma atual” (Acosta, 2016, p. 60). Uma caraterística fundante é a captura de valor, ou seja, a “[...] apropriação de valor ocorre e prossegue sem garantir as condições materiais que permitiriam a continuidade dessa apropriação de valor” (Ye et al., 2020, p. 159), portanto, exaustão dos recursos humanos e não humanos. agrário na fronteira agrícola: desmatamento e destruição do Cerrado

Partindo de uma crítica radical ao capitalismo agrário - nos termos do movimento ecológico, que “nasce como um contra paradigma à industrialização da agricultura” (Brandenburg, 2017BRANDENBURG, A. Ecologização da agricultura familiar e ruralidade. In: DELGADO, G.C., BERGAMASCO, S.M.P.P. (orgs.). Agricultura familiar brasileira: Desafios e perspectivas de futuro. Brasília, Secr. Esp. de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário, 2017. p. 150-165. Disponível em: https://www.cfn.org.br/wp-content/uploads/2017/10/Agricultura_Familiar.pdf. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://www.cfn.org.br/wp-content/upload...
, p. 161) -, a noção de extrativismo agrário explicita processos destrutivos, com a exaustão das riquezas naturais, inclusive inviabilizando a reprodução da força de trabalho no campo.12 12 De acordo com dados dos Censos Agropecuários do IBGE, os postos de trabalho no campo diminuam desde os anos 1970. Em 2017, houve uma redução do total de pessoas ocupadas e a agricultura perdeu 1,4 milhão de postos de trabalho, sendo o número de tratores cresceu 49,9%, com mais 1,22 milhões de unidades em relação ao Censo de 2006 (IBGE, 2017), ampliando o trabalho morto no campo. A lógica de extração e destruição é parte da segunda contradição do capitalismo - contradição entre capital e natureza, nos termos de O’Connor (1998)O’CONNOR, J. Natural causes: Essays in ecological Marxism. New York: Guilford Press, 1998., pois a tendência é usar os recursos (terra) ultrapassando o “ponto de não retorno”, ou seja, impossibilitando qualquer tipo de restauração ecológica ou regeneração ambiental -, sendo o desmatamento uma das ações mais visíveis dessa lógica extrativa e destrutiva (Moore, 2011MOORE, J. W. Transcending the metabolic rift: a theory of crises in the capitalist world-ecology. The Journal of Peasant Studies, v. 38, n. 1, p. 1-46, 2011. Disponível em: 10.1080/03066150.2010.538579. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://doi.org/10.1080/03066150.2010.53...
, 2017MOORE, J.W. The Capitalocene, Part I: On the Nature and Origins of Our Ecological Crisis. The Journal of Peasant Studies, v. 44, n. 3, p. 594-630, 2017. Disponível em: 10.1080/03066150.2016.1235036. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://doi.org/10.1080/03066150.2016.12...
).

Essa segunda contradição e extrativismo agrário fundamentam uma “questão agrária ecológica”, a qual “[...] baseia-se na proposição de que o processo de produção rural, a acumulação agrária e a política rural têm dinâmica ecológica[...]” (Akram-Lodhi e Kay, 2010AKRAM-LODHI, H., KAY, C. Surveying the agrarian question (part 1): unearthing foundations, exploring diversity. The Journal of Peasant Studies, v. 37, n. 1, p. 177-202, 2010. Disponível em: 10.1080/03066150903498838. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://doi.org/10.1080/0306615090349883...
, p. 269). Portanto, o extrativismo agrário, como lógica destrutiva de exploração, expropriação e acumulação, desvela a contradição entre capital e natureza, inclusive a terra como um bem natural (O’Connor, 1998O’CONNOR, J. Natural causes: Essays in ecological Marxism. New York: Guilford Press, 1998.; Moore, 2008MOORE, J. W. Ecological crises and the agrarian question in world-historical perspective. Monthly Review, novembro, 2008. Disponível em: https://jasonwmoore.com/wp-content/uploads/2021/04/Moore-Ecological-Crises-and-the-Agrarian-Question-MR-2008.pdf. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://jasonwmoore.com/wp-content/uploa...
), explicitando a questão eco-agrária.

Nos termos de Foster e Holleman (2014)FOSTER, J. B., HOLLEMAN, H. The theory of unequal ecological exchange: a Marx-Odum dialectic. The Journal of Peasant Studies, v. 41, n. 2, p. 199-233, 2014. Disponível em: 10.1080/03066150.2014.889687. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://doi.org/10.1080/03066150.2014.88...
, o valor é gerado (i) pela produção, com a exploração do trabalho e formação de preço da produção, e (ii) nos processos de oferta e demanda. Há, no entanto, uma apropriação do valor e dos recursos naturais sem compensação, ou seja, processos de acumulação pela expropriação da natureza como parte dessa segunda contradição no capitalismo (O’Connor, 1998O’CONNOR, J. Natural causes: Essays in ecological Marxism. New York: Guilford Press, 1998.). A combinação de exploração do trabalho (primeira contradição do capitalismo, nos termos de Marx) e de expropriação da renda e extração de valor da terra e de bens da natureza, segunda contradição (O’Connor, 1998O’CONNOR, J. Natural causes: Essays in ecological Marxism. New York: Guilford Press, 1998.), forja um extrativismo agrário (McKay, Alonso-Fradejas, Ezquerro-Cañete, 2022McKAY, B. M., ALONSO-FRADEJAS, A., EZQUERRO-CAÑETE, A. (eds.). Agrarian Extractivism in Latin America. London: Routledge, 2022.), que exaure o campo nos processos de acumulação (Sauer e Oliveira, 2022SAUER, S., OLIVEIRA, K.R.A. Agrarian extractivism in the Brazilian Cerrado. In. McKAY, B.M., ALONSO-FRADEJAS, A., EZQUERRO-CAÑETE, A. (eds.). Agrarian Extractivism in Latin America. London: Routledge, 2022, p. 125-161.).13 13 Sobre as contradições do capitalismo, ver também Harvey (2018), especialmente a parte III em que analisa as contradições do crescimento econômico exponencial e infinito, apontando a relação contraditória entre capital e natureza.

Segundo Veltmeyer e Ezquerro-Cañete (2023)VELTMEYER, H., EZQUERRO-CAÑETE, A. Key concepts in Critical Agrarian Studies: Agro-extractivism. The Journal of Peasant Studies, v. 50, n. 5, p. 1673-1686, 2023. Disponível em: 10.1080/03066150.2023.2218802. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://doi.org/10.1080/03066150.2023.22...
, a noção de extrativismo agrário se tornou sinônimo da agricultura monocultora, em larga escala, controlada por empresas para exportação. Essa noção de extração, no entanto, vai além das características da Revolução Verde ou da modernização conservadora. Diferente da noção de ‘industrialização da agricultura’ (mecanização e uso de insumos industriais, implementando processos de inovação), essa noção destaca “[...] a lógica inerente e o funcionamento subjacente de um modelo baseado na apropriação das forças produtivas, mercantilizadas ou não, de forma extrativista” (McKay, Alonso-Fradejas, Ezquerro-Cañete, 2022McKAY, B. M., ALONSO-FRADEJAS, A., EZQUERRO-CAÑETE, A. (eds.). Agrarian Extractivism in Latin America. London: Routledge, 2022., p. 14). Define, portanto, processos destrutivos de produção baseados na extração, apropriação e exaustão, tanto do labor humano (ameaçando a reprodução social) como da natureza não-humana, provocando esgotamento, destruição, dilapidação do meio ambiente. Essa lógica extrativa caracteriza a expansão da fronteira agrícola, ou da fronteira extrativa agrária (Domingues e Sauer, 2023DOMINGUES, G., SAUER, S. Amazonian socio-environmental frontier: struggles, resistance, and contradictions in confronting the agrarian extractive frontier. Third World Quarterly, v. 44, n. 10, p. 2208-2226, 2023. Disponível em: 10.1080/01436597.2022.2124965. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://doi.org/10.1080/01436597.2022.21...
), onde as mudanças do uso da terra são baseadas na destruição ambiental.

Contraditoriamente a incentivos para a expansão da fronteira extrativa agrária, o Brasil foi um dos quarenta países que assinaram a Agenda 2030, em 2015, e assinou o texto final da COP 26, em 2021.14 14 A Política Nacional sobre Mudança do Clima, Lei 12.187, de 2009, é composta por normas e ações “para estabilizar as emissões de gases de efeito estufa” e “promover a adaptação às mudanças climáticas” (ME, 2022). Em Glasgow, o governo Bolsonaro (2019-2022) se comprometeu a mitigar 50% das emissões de gases de efeito estufa (GEE) do país até 2030, usando como base as emissões de 2005. No entanto, as mudanças na política ambiental e o desmonte dos processos de fiscalização após 2016 (Silva e Sauer, 2022SILVA, P., SAUER, S. Desmantelamento e desregulação de políticas ambientais e apropriação da terra e de bens naturais no Cerrado. Raízes, v. 42, n. 2, p. 298-315, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.37370/raizes.2022.v42.747. Acesso em: 17 abr. 2024.
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) diminuíram significativamente o protagonismo do país nos fóruns internacionais e a agenda brasileira ficou aquém do cumprimento das diretrizes dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) ou dos compromissos de Glasgow (COP26) e de Sharm El-Sheilkh (COP27).

Pouco progresso aconteceu nos ODS e metas mais importantes, como o ODS 1 (promessa de acabar com a pobreza em todas as suas formas) e o ODS 2 (promessa de acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e promover a agricultura sustentável). Os indicadores socioambientais pioraram após 2016, mas especialmente após 2019.15 15 Em janeiro de 2021, foi aprovada a Lei nº 14.119 e a Política Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais, incentivando a preservação ambiental por meio de pagamentos diretos ou indiretos (Brasil, 2021), instituindo a precificação da conservação e a mercantilização da natureza. A pandemia foi usada como narrativa para justificar o aumento da fome e a necessidade de produzir mais alimentos é usada para justificar o aumento do desmatamento. Apesar dessa narrativa, em 2020, a fome voltou a níveis equivalentes aos de 2004, fazendo o país regredir a um patamar equivalente ao dos anos 1990, ou seja, 33,1 milhões de pessoas passavam fome no Brasil em 2022 (Oxfam, 2022OXFAM. Fome avança no Brasil em 2022 e atinge 33,1 milhões de pessoas. São Paulo: OXFAM Brasil, 08 de junho de 2022. Disponível em: https://www.oxfam.org.br/noticias/fome-avanca-no-brasil-em-2022-e-atinge-331-milhoes-de-pessoas/. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://www.oxfam.org.br/noticias/fome-a...
) e a destruição ambiental ganhou proporções assustadoras (Costa, 2022COSTA, A. G. Desmatamento na Amazônia em 2021 é o maior dos últimos 10 anos. São Paulo, CNN Brasil, 17 de janeiro de 2022. Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/desmatamento-na-amazonia-em-2021-e-o-maior-dos-ultimos-10-anos/. Acesso em: 17 abr. 2024.
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).

As mudanças climáticas ganharam contornos desesperadores no governo Bolsonaro (2019-2022), que não tinha qualquer preocupação com questões ambientais, negando publicamente a crise climática global (Goodell, 2021GOODELL, J. What to do about Jair Bolsonaro, the world’s most dangerous climate denier. Rolling Stone, 09 de junho de 2021. Disponível em: https://www.rollingstone.com/politics/politics-features/jair-bolsonaro-rainforest-destruction-1180129/. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://www.rollingstone.com/politics/po...
; Miguel, 2020MIGUEL, J. Negacionismo climático no Brasil. Coletiva, Dossiê 27: Crise climática, jan.-abr., 2020. Disponível em: https://www.coletiva.org/dossie-emergencia-climatica-n27-artigo-negacionismo-climatico-no-brasil.Acesso em: 17 abr. 2024.
https://www.coletiva.org/dossie-emergenc...
). Foi um governo representativo de um ‘tipo ideal’ de narrativa ambiental (Borras Jr et al, 2021) marcada pela negação, portanto, uma narrativa de “negação climática”, sobrepondo argumentos contrários à conservação, envolvendo e incentivando interesses e práticas insustentáveis como, por exemplo, o dia do fogo (Costa, 2022COSTA, A. G. Desmatamento na Amazônia em 2021 é o maior dos últimos 10 anos. São Paulo, CNN Brasil, 17 de janeiro de 2022. Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/desmatamento-na-amazonia-em-2021-e-o-maior-dos-ultimos-10-anos/. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/de...
; Lo Prete, 2022Lo PRETE, R. Fogo na Amazônia: falta de fiscalização e estrutura marcam pior dia de queimadas desde 2007. G1 podcast: O Assunto. 05 de setembro de 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/podcast/o-assunto/noticia/2022/09/05/fogo-na-amazonia-falta-de-fiscalizacao-e-estrutura-marcam-pior-dia-de-queimadas-desde-2007.ghtml. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://g1.globo.com/podcast/o-assunto/n...
; Miguel, 2020MIGUEL, J. Negacionismo climático no Brasil. Coletiva, Dossiê 27: Crise climática, jan.-abr., 2020. Disponível em: https://www.coletiva.org/dossie-emergencia-climatica-n27-artigo-negacionismo-climatico-no-brasil.Acesso em: 17 abr. 2024.
https://www.coletiva.org/dossie-emergenc...
) ,extração de madeira com corte raso, mineração (inclusive em terras indígenas), expansão dos monocultivos (inclusive em terras indígenas), entre outros interesses e ações (Cabral, Sauer e Shankland, 2023CABRAL, L., SAUER, S., SHANKLAND, A. Reclaiming the future of the Cerrado: a territorial account of a disputed frontier. IDS Bulletin, v. 54, n. 1, p. 1-17, Institute of Development Studies (IDS), 2023. Disponível em: https://doi.org/10.19088/1968-2023.100. Acesso em: 17 abr. 2024.
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).

As mudanças políticas com a eleição em 2022 e o terceiro Governo Lula (2023-2026) não garantem que o Brasil cumprirá as metas dos ODS 1 e 2. Em relação ao ODS 2, cortes orçamentários e negacionismo entre 2019 e 2022 reduziram as iniciativas para promover a agricultura sustentável e a segurança alimentar, inclusive durante a pandemia. Esses cortes e opção política provocaram retrocessos na promoção de atividades agrícolas “que ajudam a manter os ecossistemas” (ONU, 2015ONU. Sustainable Development Goals - SDG. New York, Organização das Nações Unidas, UN Dep. of Economic and Social Affairs, United Nations, 2015. Disponível em: https://sdgs.un.org/goals. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://sdgs.un.org/goals...
, ODS 2.4).

O principal indicador do descaso, na verdade, promoção da destruição ambiental no governo Bolsonaro (2019-2022) foram os índices de desmatamento, aprofundando as ameaças ao Cerrado (Gabriel, 2023GABRIEL, J. Desmatamento no cerrado cresce 83% em maio; acumulado é recorde. Folha de São Paulo, 07 de junho de 2023. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2023/06/desmatamento-no-cerrado-tem-novo-recorde-e-cresce-83-em-maio.shtml. Acesso em: 17 abr. 2024.
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; Jepson, 2005JEPSON, W. A disappearing biome? Reconsidering land-cover change in the Brazilian Savanna. The Geographical Journal, v. 171, p. 99-111, 2005.). Em 2021, mais de dez mil km2 de floresta nativa foram destruídos, representando um crescimento de 29% no desmatamento nacional em relação a 2020 (Costa, 2022COSTA, A. G. Desmatamento na Amazônia em 2021 é o maior dos últimos 10 anos. São Paulo, CNN Brasil, 17 de janeiro de 2022. Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/desmatamento-na-amazonia-em-2021-e-o-maior-dos-ultimos-10-anos/. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/de...
). De agosto de 2021 a julho de 2022, foram desmatados 10.781 km2 de floresta na Amazônia (Peixoto, 2022PEIXOTO, R. Amazônia Legal tem o maior desmatamento em 15 anos, aponta Imazon. Portal G1, São Paulo, 17 de agosto de 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/meio-ambiente/noticia/2022/08/17/amazonia-legal-tem-o-maior-desmatamento-em-15-anos-aponta-imazon.ghtml. Acesso em: 17 abr. 2024.
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), basicamente para atividades agropecuárias,16 16 A Amazônia registrou, em 22 de agosto de 2022, a maior ocorrência de fogo dos últimos 15 anos em um período de 24 horas, e a maior taxa de desmatamento entre agosto de 2021 e julho de 2022 (Peixoto, 2022; Lo Prete, 2022), explicitando o descaso governamental com a conservação ambiental no Brasil. ampliando a fronteira agrária extrativa (Cabral, Sauer e Shankland, 2023CABRAL, L., SAUER, S., SHANKLAND, A. Reclaiming the future of the Cerrado: a territorial account of a disputed frontier. IDS Bulletin, v. 54, n. 1, p. 1-17, Institute of Development Studies (IDS), 2023. Disponível em: https://doi.org/10.19088/1968-2023.100. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://doi.org/10.19088/1968-2023.100...
).

A Amazônia é a floresta tropical mundialmente conhecida, mas o Cerrado é a principal fronteira agrícola da atualidade, com índices alarmantes de destruição ambiental (Sauer e Cabral, 2022SAUER, S., CABRAL, L. Martyrdom of the Cerrado: An agri-food territory in need of justice. IDS Policy Briefing 189, Institute of Development Studies, 2022. DOI Disponível em: https://doi.org/10.19088/IDS.2022.010. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://doi.org/10.19088/IDS.2022.010...
) e land grabbing ou apropriação de terras (Hershaw e Sauer, 2023HERSHAW, E., SAUER, S. Land and investment dynamics along Brazil’s ‘final’ frontier: the financialization of the Matopiba at a political crossroads. Land Use Policy, v. 131, p. 1-15, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.landusepol.2023.106675. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://doi.org/10.1016/j.landusepol.202...
). Apesar das mudanças políticas em 2023 e a retomada da preocupação ambiental pelo governo federal, o desmatamento continua crescendo no Cerrado. Houve uma redução significativa nos índices de desmatamento na Amazônia Legal, mas o Cerrado perdeu 3.532 km2 de floresta nos primeiros cinco meses de 2023. De acordo com dados do INPE/DETER, a área desmatada no Cerrado cresceu 35% entre janeiro e maio, superando o desmatamento do mesmo período de 2022 (Gabriel, 2023GABRIEL, J. Desmatamento no cerrado cresce 83% em maio; acumulado é recorde. Folha de São Paulo, 07 de junho de 2023. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2023/06/desmatamento-no-cerrado-tem-novo-recorde-e-cresce-83-em-maio.shtml. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2...
).

Segundo dados do INPE (2022)INPE. Portal do Monitoramento de Queimadas e Incêndios Florestais. Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Sistemas de monitoramentos, 2022. Disponível em: http://www.inpe.br/queimadas. Acesso em: 17 abr. 2024.
http://www.inpe.br/queimadas...
, o desmatamento no Cerrado aumentou 8% entre agosto de 2020 e julho de 2021, devastando mais de 8.500 km2, sendo a maior área desmatada desde 2015. Desde que Bolsonaro assumiu a presidência em 2019, a devastação do Cerrado aumentou 17% (Prizibisczki, 2022PRIZIBISCZKI, C. Governo esconde aumento de 8% na destruição do Cerrado. (O)Eco, São Paulo, 04 de janeiro de 2022. Disponível em: https://oeco.org.br/noticias/governo-esconde-aumento-de-8-na-destruicao-do-cerrado/. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://oeco.org.br/noticias/governo-esc...
), principalmente por causa das negações climáticas (Goodell, 2022) e da inação e conivência do governo para conter a destruição ambiental (Silva e Sauer, 2022SILVA, P., SAUER, S. Desmantelamento e desregulação de políticas ambientais e apropriação da terra e de bens naturais no Cerrado. Raízes, v. 42, n. 2, p. 298-315, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.37370/raizes.2022.v42.747. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://doi.org/10.37370/raizes.2022.v42...
). Além da lógica do capital agrário que amplia a fronteira, aumentando a derrubada de áreas de floresta para expandir ganhos e lucros com mais produção e maior produtividade.

Segundo o monitoramento anual, realizado pelas equipes do MapBiomas (2021)MapBiomas. Mapeamento anual de cobertura e uso da terra no Brasil: Coleção 6. São Paulo, Brasília, agosto de 2021. Disponível em: https://mapbiomas-br-site.s3.amazonaws.com/Fact_Sheet_Colec%CC%A7a%CC%83o_6_Agosto_2021_27082021_OK_ALTA.pdf.
https://mapbiomas-br-site.s3.amazonaws.c...
, o Brasil perdeu 82 milhões de hectares de vegetação nativa, basicamente florestas, entre 1985 e 2020. Os estados de Mato Grosso (fronteira agrícola no Cerrado) e Pará (fronteira amazônica) respondem por 46% desse desmatamento total. Em 2021, a agropecuária ocupava 15% da Amazônia e 44,2% da área total do Cerrado (MapBiomas, 2021MapBiomas. Mapeamento anual de cobertura e uso da terra no Brasil: Coleção 6. São Paulo, Brasília, agosto de 2021. Disponível em: https://mapbiomas-br-site.s3.amazonaws.com/Fact_Sheet_Colec%CC%A7a%CC%83o_6_Agosto_2021_27082021_OK_ALTA.pdf.
https://mapbiomas-br-site.s3.amazonaws.c...
, p. 7), sendo uma das atividades responsáveis pela destruição ambiental (May e Ozinga, 2021MAY, P.H., OZINGA, S. A Deforestation and Rights Observatory: A case study from Brazil, London, Brussels, FERN, dezembro de 2021. Disponível em: www.fern.org. Acesso em: 17 abr. 2024.
www.fern.org...
).

Além do grave quadro identificado pelo MapBiomas, o mapeamento de Indicadores de Desenvolvimento Sustentável no Brasil, realizado pelo IBGE (2020)IBGE. Contas de ecossistemas: o uso da terra nos biomas brasileiros - 2000-2018. Coordenação de Recursos Naturais e Estudos Ambientais, Coordenação de Contas Nacionais. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas, 2020. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101753.pdf. Acesso em: 17 abr. 2024.
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, identificou que a Amazônia foi o bioma com maior percentual de mudanças no uso da terra entre 2000 e 2018. A floresta tropical foi reduzida em 265.113 km2, com mais da metade da terra transformada em pastagem. Houve aumento de 71,4% na pastagem cultivada - de 248.794 km2 em 2000 para 426.424 km2 em 2018 -, e aumento de 288,6% na área agrícola (IBGE, 2020IBGE. Contas de ecossistemas: o uso da terra nos biomas brasileiros - 2000-2018. Coordenação de Recursos Naturais e Estudos Ambientais, Coordenação de Contas Nacionais. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas, 2020. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101753.pdf. Acesso em: 17 abr. 2024.
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, p. 39).

Apesar das tentativas governamentais, (re)tomadas no terceiro governo Lula (2023-2026) para alterar ou diminuir (mitigar) o ritmo histórico de destruição, o Cerrado continuou sendo atacado pelo processo de espoliação ambiental (Bronze, 2023BRONZE, G. Desmatamento dobrou no Cerrado em setembro. CNN Brasil, 19 de outubro de 2023. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/desmatamento-dobrou-no-cerrado-em-setembro-diz-instituto/. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/de...
; Cabral, Sauer e Shankland, 2023CABRAL, L., SAUER, S., SHANKLAND, A. Reclaiming the future of the Cerrado: a territorial account of a disputed frontier. IDS Bulletin, v. 54, n. 1, p. 1-17, Institute of Development Studies (IDS), 2023. Disponível em: https://doi.org/10.19088/1968-2023.100. Acesso em: 17 abr. 2024.
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).17 17 De acordo com denúncias (Dallabrida, 2024), o estado do Piauí autorizou o desmatamento de 78 mil hectares entre 2022 e 2023, levando o Ministério do Meio Ambiente a criar uma força-tarefa para conter a devastação florestal no Cerrado (Marreiros, 2024). De acordo com os dados do DETER/INPE, houve um aumento de 26% nos desmatamentos no mês de julho de 2023 no Cerrado, em relação ao índice do mês anterior. O aumento acumulado em 2023 (Figura 1) foi de 21,7%, demonstrando aumento e a continuidade da destruição ambiental do Cerrado (INPE, 2023INPE. Dados do DETER/INPE - julho/2023 e ações do Governo Federal: Biomas Amazônia e Cerrado. Brasília, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), INPE/DETER, 03 de agosto de 2023. (powerpoint).).

Figura 1
Desmatamento no bioma Cerrado (2017-2023).

A grilagem está entre as causas de desmatamento, pois derrubar e queimar a floresta é o caminho para a apropriação e o roubo de terra. De acordo com a legislação brasileira, os direitos de posse são adquiridos com uma ocupação produtiva e mansa - ou seja, posse sem conflitos ou reivindicações de direito sobre a mesma terra. A ocupação produtiva é comprovada, portanto, com o desmatamento e a queimada, “limpando a área” para algum cultivo, especialmente pastagem para a pecuária extensiva. Portanto, parte da legislação fundiária acaba incentivando o desmatamento e a destruição ambiental, já que na lógica da apropriação privada - posse de terras públicas que se tornam propriedades privadas -, a destruição da natureza é condição para a aquisição do direito de propriedade (Sauer e Castro, 2019SAUER, S., CASTRO, L. F. P. Land and territory: struggles for land and territorial rights in Brazil. In: De SCHUTTER, O., RAJAGOPAL, B. (eds.). Property Rights from Below: Commodification of Land and the Counter-Movement. Boston, Routledge, 2019, p. 70-87.).

De acordo com o DETER/INPE, os dez (10) municípios com as maiores áreas desmatadas suprimiram 31% da área total desmatada no Cerrado (tabela 1) no ano de 2023. De acordo com dados oficiais, vários destes municípios estão entre os maiores produtores de soja como, por exemplo, São Desidério foi o segundo maior produtor na safra 2021/22 e Barreiras foi o terceiro maior da Bahia. Balsas foi o segundo maior produtor no Maranhão e Baixa Grande do Ribeira o primeiro produtor de soja no Piauí (IBGE, 2023IBGE. Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA). Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas, 2023. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/lspa/tabelas. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/lspa/...
). Levantamentos sistemáticos in loco são necessários para confirmar essa correlação, mas as informações do DETER (2023) permitem inferir que há uma coincidência entre a expansão das lavouras de soja e os recordes de desmatamento no Cerrado, particularmente no Matopiba18 18 Acrônimo dos quatro estados, o Matopiba é uma região formada por partes dos estados do Maranhão (MA), Tocantins (TO), Piauí (PI) e Bahia (BA), onde vem ocorrendo forte expansão da fronteira agrícola, iniciada na segunda metade dos anos 1980 e intensificada nos anos 2000, especialmente para o cultivo de grãos, algodão e pecuária (EMBRAPA, 2023; Cabral, Sauer e Shankland, 2023; Silva et al, 2023; Silva e Sauer, 2022). .

Tabela 1
Municípios que mais desmatam no Matopiba.

Por outro lado, não há dados disponíveis comparando os registros anuais de incêndios - ou focos de calor/queimadas, nos levantamentos do INPE/DETER (2022) - e a área das fazendas ou imóveis onde ocorrem as queimadas. No entanto, considerando a estrutura fundiária, é possível inferir quem está queimando as florestas no Brasil. Por analogia, considerando que estabelecimentos de até 100 hectares detêm apenas 21% do total das terras, e cerca de 2% das terras são controladas por estabelecimentos menores que 10 hectares, a extensão do desmatamento e das queimadas só pode ser de responsabilidade de grandes fazendeiros, monocultores e grileiros de extensas áreas de terra (Lo Prete, 2022Lo PRETE, R. Fogo na Amazônia: falta de fiscalização e estrutura marcam pior dia de queimadas desde 2007. G1 podcast: O Assunto. 05 de setembro de 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/podcast/o-assunto/noticia/2022/09/05/fogo-na-amazonia-falta-de-fiscalizacao-e-estrutura-marcam-pior-dia-de-queimadas-desde-2007.ghtml. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://g1.globo.com/podcast/o-assunto/n...
).

Consequentemente, o extrativismo agrário promove mudanças do uso da terra na fronteira agrícola, com desmatamento, limpeza da terra e implantação de monocultivos ou pastagem (Veltmeyer e Ezquerro-Cañete, 2023VELTMEYER, H., EZQUERRO-CAÑETE, A. Key concepts in Critical Agrarian Studies: Agro-extractivism. The Journal of Peasant Studies, v. 50, n. 5, p. 1673-1686, 2023. Disponível em: 10.1080/03066150.2023.2218802. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://doi.org/10.1080/03066150.2023.22...
). Isso resulta em destruição ambiental, aprofundamento da concentração fundiária, exploração do trabalho humano e não-humano, determinando “os processos de formação de classe” no campo (Akram-Lodhi e Kay, 2010AKRAM-LODHI, H., KAY, C. Surveying the agrarian question (part 1): unearthing foundations, exploring diversity. The Journal of Peasant Studies, v. 37, n. 1, p. 177-202, 2010. Disponível em: 10.1080/03066150903498838. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://doi.org/10.1080/0306615090349883...
). Portanto, essa lógica extrativa capitalista é a base da questão eco-agrária.

Segundo Moore (2008MOORE, J. W. Ecological crises and the agrarian question in world-historical perspective. Monthly Review, novembro, 2008. Disponível em: https://jasonwmoore.com/wp-content/uploads/2021/04/Moore-Ecological-Crises-and-the-Agrarian-Question-MR-2008.pdf. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://jasonwmoore.com/wp-content/uploa...
, p. 57), a questão agrária, nos debates já clássicos, pode ser definida com três características básicas: (i) a penetração das relações capitalistas na agricultura, (ii) a contribuição da agricultura para o desenvolvimento capitalista e (iii) o papel das classes trabalhadoras do campo nas lutas pelo socialismo. Há, no entanto, uma quarta característica que é a exploração material da agricultura. Ou, nos termos de Akram-Lodhi e Kay (2010AKRAM-LODHI, H., KAY, C. Surveying the agrarian question (part 1): unearthing foundations, exploring diversity. The Journal of Peasant Studies, v. 37, n. 1, p. 177-202, 2010. Disponível em: 10.1080/03066150903498838. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://doi.org/10.1080/0306615090349883...
, p. 269), a paisagem ecológica, ecossistêmica, biofísica impacta “[n]o processo de produção e, portanto, [n]os processos de formação de classes” no campo, inclusive “[...] na adoção de técnicas e tecnologias adequadas ou não à ecologia do campo, e nos produtos alimentícios e não alimentares eventualmente produzidos a partir de recursos biofísicos”. Esses recursos ecológicos ou paisagens ecossistêmicas contribuem ou restringem os processos capitalistas de acumulação, forjando uma questão eco-agrária, pois os processos de produção, exploração, expropriação e acumulação agrárias têm dinâmicas ecológicas e ambientais.

Concentração e destruição do Cerrado: a questão eco-agrária na fronteira extrativa

A concentração fundiária é um problema agrário histórico e a expansão da fronteira agrícola para o Cerrado, especialmente a partir dos anos 1960/70 com a implantação da Revolução Verde, é a materialização da destruição ambiental. Essa destruição, especialmente com o desmatamento, mas também com a poluição e envenenamento por agrotóxicos, reforça a importância no enfrentamento da questão eco-agrária no Brasil (Cabral, Sauer e Shankland, 2023CABRAL, L., SAUER, S., SHANKLAND, A. Reclaiming the future of the Cerrado: a territorial account of a disputed frontier. IDS Bulletin, v. 54, n. 1, p. 1-17, Institute of Development Studies (IDS), 2023. Disponível em: https://doi.org/10.19088/1968-2023.100. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://doi.org/10.19088/1968-2023.100...
). Segundo Akram-Lodhi e Kay (2010AKRAM-LODHI, H., KAY, C. Surveying the agrarian question (part 1): unearthing foundations, exploring diversity. The Journal of Peasant Studies, v. 37, n. 1, p. 177-202, 2010. Disponível em: 10.1080/03066150903498838. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://doi.org/10.1080/0306615090349883...
, p. 269), “[...]a questão agrária deve investigar criticamente o caráter das relações ecológicas e as maneiras pelas quais elas interferem e alteram a resolução[...]” do problema agrário, abordando “as contradições de classe e ecologia” para explicar as mudanças sociais nos territórios rurais contemporâneos.

A Regulation on deforestation-free products da União Europeia (EU, 2022) não vai resolver ou diminuir o desmatamento no Cerrado, caso siga adotando a concepção de floresta da FAO (Vasconcelos et al, 2023VASCONCELOS, A., CERIGNONI, F., SILGUEIRO, V., REIS, T., VALDIONES, A., COELHO, M. Soy and legal compliance in Brazil: Risks and opportunities under the EU deforestation regulation. Policy Briefing. Trase e Instituto Centro de Vida (ICV), setembro, 2023.). Ao contrário, adota a definição de “floresta” da FAO,19 19 A definição de ‘floresta’ da FAO (2015) está baseada apenas no percentual de cobertura da copa e na altura das árvores (que devem ter mais de 5 metros de altura), excluindo potencialmente áreas ecologicamente valiosas como a savana. O Sistema Florestal Brasileiro, apesar de seguir a classificação da FAO, considera a diversidade tipológica ecossistêmica, incluindo a “savana florestada e arborizada: cerradão e campo-cerrado”, mas essa classificação é insuficiente para incluir o desmatamento do Cerrado, e de outras formações como a Caatinga e o Chaco, na agenda internacional (Stewart et al, 2008). e não incluí “outras terras arbóreas”, classificando o Cerrado como savana, o excluindo da proteção contra o desmatamento. Em avaliação diferente, o Observatório do Clima (2022)OBSERVATÓRIO DO CLIMA. Lei antidesmate da UE pode ir a voto dia 5, sem o Cerrado. 23 de novembro de 2022. Disponível em: https://oc.eco.br/lei-antidesmate-da-ue-pode-ir-a-voto-dia-5-sem-o-cerrado/. Acesso em: 17 abr. 2024.
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afirma que “O Brasil é responsável por mais de um quarto de todo o desmatamento associado às commodities consumidas na União Europeia. A soja exportada nas savanas do Cerrado representa a maior contribuição a esse desmatamento. Por esse motivo, sem a inclusão do Cerrado na nova regulação, a Europa deixaria de tratar o seu maior impacto no desmatamento” (ênfases no original).

Apesar de mais da metade do território do Cerrado ser classificável como floresta, seguindo os critérios da FAO, o bioma é vítima de histórico descaso (Sauer e Cabral, 2022SAUER, S., CABRAL, L. Martyrdom of the Cerrado: An agri-food territory in need of justice. IDS Policy Briefing 189, Institute of Development Studies, 2022. DOI Disponível em: https://doi.org/10.19088/IDS.2022.010. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://doi.org/10.19088/IDS.2022.010...
; Embrapa, 2023EMBRAPA. Sobre o Matopiba. Brasília: Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, 2023. Disponível em: https://www.embrapa.br/tema-matopiba/sobre-o-tema#:~:text=O%20Matopiba%20%C3%A9%20uma%20regi%C3%A3o,TO%20%2B%20PI%20%2B%20BA. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://www.embrapa.br/tema-matopiba/sob...
). Segundo dados oficiais, apesar do reconhecimento internacional de sua importância bio-ecológica (e também como sequestrador de carbono), inclusive definido como ‘hot spot’ mundial (May e Ozinga, 2021MAY, P.H., OZINGA, S. A Deforestation and Rights Observatory: A case study from Brazil, London, Brussels, FERN, dezembro de 2021. Disponível em: www.fern.org. Acesso em: 17 abr. 2024.
www.fern.org...
; Oliveira, Pietrafesa e Barbalho, 2008OLIVEIRA, D. A., PIETRAFESA, J. P., BARBALHO, M. G. S. Manutenção da biodiversidade e o hotspots Cerrado. Revista Caminhos de Geografia, v. 9, n. 26, p. 101-114, 2008. Disponível em: https://seer.ufu.br/index.php/caminhosdegeografia/article/view/15700. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://seer.ufu.br/index.php/caminhosde...
), “o Bioma Cerrado tem apenas 8,21% de seu território legalmente protegido por Unidades de Conservação Ambiental, sendo 2,85% desse total constituído por Unidades de Proteção Integral e 5,36% por Unidades de Conservação de Uso Sustentável [...]” (IBGE, 2020IBGE. Contas de ecossistemas: o uso da terra nos biomas brasileiros - 2000-2018. Coordenação de Recursos Naturais e Estudos Ambientais, Coordenação de Contas Nacionais. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas, 2020. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101753.pdf. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza...
, p.44).

Esses níveis baixos de proteção e conservação ambientais espelham processos históricos de expansão da fronteira agrícola priorizando a ocupação do Cerrado com monocultivos extensivos (Silva et al, 2023SILVA, A. A., LEITE, A. Z., CASTRO, L. F. P., SAUER, S. Green grabbing in the Matopiba agricultural frontier. IDS Bulletin, v. 54, n. 1, p. 57-72, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.19088/1968-2023.105. Acesso em: 17 abr. 2024.
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). Esses processos de destruição (desmatamento, mudanças no uso do solo, contaminação de nascentes, poluição com agrotóxicos, entre outros problemas) colocam o Cerrado como uma “zona de sacrifício” (Cabral, Sauer e Shankland, 2023CABRAL, L., SAUER, S., SHANKLAND, A. Reclaiming the future of the Cerrado: a territorial account of a disputed frontier. IDS Bulletin, v. 54, n. 1, p. 1-17, Institute of Development Studies (IDS), 2023. Disponível em: https://doi.org/10.19088/1968-2023.100. Acesso em: 17 abr. 2024.
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). A legislação florestal expressa esse sacrifício, prevendo apenas 20% de Reserva Legal como medida de conservação da vegetação nativa em terras privadas no Cerrado (Silva e Sauer, 2022SILVA, P., SAUER, S. Desmantelamento e desregulação de políticas ambientais e apropriação da terra e de bens naturais no Cerrado. Raízes, v. 42, n. 2, p. 298-315, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.37370/raizes.2022.v42.747. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://doi.org/10.37370/raizes.2022.v42...
; Silva et al, 2023SILVA, A. A., LEITE, A. Z., CASTRO, L. F. P., SAUER, S. Green grabbing in the Matopiba agricultural frontier. IDS Bulletin, v. 54, n. 1, p. 57-72, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.19088/1968-2023.105. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://doi.org/10.19088/1968-2023.105...
; Embrapa, 2023EMBRAPA. Sobre o Matopiba. Brasília: Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, 2023. Disponível em: https://www.embrapa.br/tema-matopiba/sobre-o-tema#:~:text=O%20Matopiba%20%C3%A9%20uma%20regi%C3%A3o,TO%20%2B%20PI%20%2B%20BA. Acesso em: 17 abr. 2024.
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).

De acordo com o relatório do IBGE (2020IBGE. Contas de ecossistemas: o uso da terra nos biomas brasileiros - 2000-2018. Coordenação de Recursos Naturais e Estudos Ambientais, Coordenação de Contas Nacionais. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas, 2020. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101753.pdf. Acesso em: 17 abr. 2024.
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, p. 44), a transformação mais marcante do uso da terra no bioma Cerrado tem sido “[...] a expansão contínua e acelerada da agricultura, com a adição de uma área de 102.603 km2 entre 2000 e 2018”. Houve uma estagnação no crescimento do uso de terras para pastagens a partir de 2010 e uma diminuição a partir de 2016, com suas terras sendo utilizadas para a lavoura de grãos. A área de monoculturas cresceu 52,9%, com predominância de monoculturas de grãos e cereais para exportação entre 2000 e 2018. Em 2018, 44,6% das terras agrícolas e 42,7% das áreas florestais no Brasil estavam no Cerrado (IBGE, 2020IBGE. Contas de ecossistemas: o uso da terra nos biomas brasileiros - 2000-2018. Coordenação de Recursos Naturais e Estudos Ambientais, Coordenação de Contas Nacionais. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas, 2020. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101753.pdf. Acesso em: 17 abr. 2024.
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; Embrapa, 2023EMBRAPA. Sobre o Matopiba. Brasília: Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, 2023. Disponível em: https://www.embrapa.br/tema-matopiba/sobre-o-tema#:~:text=O%20Matopiba%20%C3%A9%20uma%20regi%C3%A3o,TO%20%2B%20PI%20%2B%20BA. Acesso em: 17 abr. 2024.
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).

Além da exclusão florestal, as lógicas e jeitos para burlar regras e legislação ambientais mantêm os níveis de destruição (Sauer e Cabral, 2022SAUER, S., CABRAL, L. Martyrdom of the Cerrado: An agri-food territory in need of justice. IDS Policy Briefing 189, Institute of Development Studies, 2022. DOI Disponível em: https://doi.org/10.19088/IDS.2022.010. Acesso em: 17 abr. 2024.
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). O monitoramento realizado pela Trase, por exemplo, “[...] encontrou fortes evidências de que aproximadamente 16% (3 milhões de hectares) da produção de soja na Amazônia e no Cerrado em 2020 ocorreu em fazendas que não cumpriam o Código Florestal brasileiro” (Vasconcelos et al, 2023VASCONCELOS, A., CERIGNONI, F., SILGUEIRO, V., REIS, T., VALDIONES, A., COELHO, M. Soy and legal compliance in Brazil: Risks and opportunities under the EU deforestation regulation. Policy Briefing. Trase e Instituto Centro de Vida (ICV), setembro, 2023., p.01).

A demanda e os preços internacionais das commodities têm sido a força motriz para a expansão da fronteira agrícola,20 20 Para além do debate histórico sobre a noção (Domingues e Sauer, 2023), as “[...] fronteiras representam, basicamente, a invenção ou a descoberta de novos recursos” (Rasmussen e Lund, 2018, p. 388), viabilizando a sua extração, apropriação e acumulação (Sauer e Oliveira, 2022). particularmente com o aumento do cultivo de soja, mas também a expansão das pastagens e da extração mineral no Cerrado (Cabral, Sauer e Shankland, 2023CABRAL, L., SAUER, S., SHANKLAND, A. Reclaiming the future of the Cerrado: a territorial account of a disputed frontier. IDS Bulletin, v. 54, n. 1, p. 1-17, Institute of Development Studies (IDS), 2023. Disponível em: https://doi.org/10.19088/1968-2023.100. Acesso em: 17 abr. 2024.
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). Apesar dos impactos sociais e ambientais da expansão da fronteira, especialmente no Matopiba, o apoio político e os incentivos ao crédito foram combinados com mudanças legais que flexibilizaram as regras ambientais e ações administrativas como corte de recursos e enfraquecimento das instituições estatais de fiscalização e controle no governo Bolsonaro (Silva et al, 2023SILVA, A. A., LEITE, A. Z., CASTRO, L. F. P., SAUER, S. Green grabbing in the Matopiba agricultural frontier. IDS Bulletin, v. 54, n. 1, p. 57-72, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.19088/1968-2023.105. Acesso em: 17 abr. 2024.
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).

Diferente de compromissos assumidos internacionalmente, importantes marcos legais florestais e fundiários do Brasil foram alterados, flexibilizando regras e leis e favorecendo a expansão da fronteira agrícola, a mercantilização, privatização e grilagem da terra (Sauer e Leite, 2017SAUER, S., LEITE, A. Z. Medida Provisória 759: Descaminhos da reforma agrária e legalização da grilagem de terras no Brasil. Retratos de Assentamentos, v. 20, n. 1, p. 14-40, 2017.) e dos bens naturais, ampliando o extrativismo agrário.21 21 Além das alterações e flexibilizações no Código Florestal em 2012, merece destaque a edição da MP 759, em 2016 pelo então presidente Temer (2016-2018), que ampliou a legalização da grilagem de terras em todo o Brasil (ver detalhes em Sauer e Leite, 2017). Essas mudanças favoreceram a concentração fundiária, permitindo a apropriação de terras (grilagem, land grabbing) e a grilagem verde na Amazônia e no Cerrado (Sauer e Cabral, 2022SAUER, S., CABRAL, L. Martyrdom of the Cerrado: An agri-food territory in need of justice. IDS Policy Briefing 189, Institute of Development Studies, 2022. DOI Disponível em: https://doi.org/10.19088/IDS.2022.010. Acesso em: 17 abr. 2024.
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; Hershaw e Sauer, 2023HERSHAW, E., SAUER, S. Land and investment dynamics along Brazil’s ‘final’ frontier: the financialization of the Matopiba at a political crossroads. Land Use Policy, v. 131, p. 1-15, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.landusepol.2023.106675. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://doi.org/10.1016/j.landusepol.202...
). Na esteira das mudanças no Código Florestal de 2012, após 2016, por meio de cortes orçamentários e mudanças legais, infralegais e administrativas, o Brasil sofreu o desmonte, se não a extinção de políticas públicas socioambientais, especialmente ações de controle e fiscalização (Silva et al, 2023SILVA, A. A., LEITE, A. Z., CASTRO, L. F. P., SAUER, S. Green grabbing in the Matopiba agricultural frontier. IDS Bulletin, v. 54, n. 1, p. 57-72, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.19088/1968-2023.105. Acesso em: 17 abr. 2024.
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).22 22 A narrativa negacionista de Bolsonaro (Goodell, 2022) foi base também para flexibilização de leis e mudanças administrativas, resultando no aumento do desmatamento. Autocadastramento de reserva legal e aceleração das autorizações para desmatamento fragilizaram os mecanismos de controle ambiental (Silva et al, 2022). Além de não destinar recursos aos órgãos governamentais responsáveis pela fiscalização, Bolsonaro promoveu uma militarização da Amazônia (Silva e Sauer, 2022), colocando o Exército para fiscalizar o desmatamento ilegal, medida de alto custo e ineficaz.

Contrariando as preocupações com as mudanças climáticas (Franco, Borras Jr, 2019FRANCO, J. C., BORRAS Jr., S. M. Grey areas in green grabbing: Subtle and indirect interconnections between climate change politics and land grabs and their implications for research. Land Use Policy, v. 84, p. 192-199, 2019. Disponível em: 10.1016/j.landusepol.2019.03.013. Acesso em: 17 abr. 2024.
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) e a necessidade de conservação, o Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (SICAR ou CAR), criado em 2012, tornou-se um instrumento de grilagem verde (Silva et al, 2023SILVA, A. A., LEITE, A. Z., CASTRO, L. F. P., SAUER, S. Green grabbing in the Matopiba agricultural frontier. IDS Bulletin, v. 54, n. 1, p. 57-72, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.19088/1968-2023.105. Acesso em: 17 abr. 2024.
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), facilitando o acesso e o controle de terras e recursos naturais (Borras Jr et al. 2020; Borras Jr et al, 2022BORRAS Jr., S. M., SCOONES, I., BAVISKAR, A., EDELMAN, M., PELUSO, N. L., WOLFORD, W. Climate change and agrarian struggles: an invitation to contribute to a JPS Forum. The Journal of Peasant Studies, v. 49, n. 1, p. 1-28, 2022. Disponível em: 10.1080/03066150.2021.1956473. Acesso em: 17 abr. 2024.
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). A partir de 2012, a grilagem passou a ser realizada por meio da regularização da Reserva Legal e da vegetação nativa nas terras sob controle privado, com base na narrativa da sustentabilidade ou economia verde (Silva et al, 2023SILVA, A. A., LEITE, A. Z., CASTRO, L. F. P., SAUER, S. Green grabbing in the Matopiba agricultural frontier. IDS Bulletin, v. 54, n. 1, p. 57-72, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.19088/1968-2023.105. Acesso em: 17 abr. 2024.
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). O Cadastro Ambiental Rural (CAR), criado apenas para registrar e controlar a vegetação nativa (Reservas Legais e áreas de preservação permanente) nos estabelecimentos rurais, tem sido utilizado para ‘comprovar’ a posse da terra, permitindo a legalização (até mesmo a titulação) de grandes áreas (principalmente terras públicas ou comuns), tornando-se verdadeiros processos de apropriação de bens naturais (inclusive da água), ampliando e consolidando a grilagem verde (Silva e Sauer, 2022SILVA, P., SAUER, S. Desmantelamento e desregulação de políticas ambientais e apropriação da terra e de bens naturais no Cerrado. Raízes, v. 42, n. 2, p. 298-315, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.37370/raizes.2022.v42.747. Acesso em: 17 abr. 2024.
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; Hershaw e Sauer, 2023HERSHAW, E., SAUER, S. Land and investment dynamics along Brazil’s ‘final’ frontier: the financialization of the Matopiba at a political crossroads. Land Use Policy, v. 131, p. 1-15, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.landusepol.2023.106675. Acesso em: 17 abr. 2024.
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).23 23 Há tentativas de mudar a Constituição e permitir a mineração e o arrendamento de terras para o cultivo de soja em territórios indígenas, o que aprofundaria a desigualdade social e destruiria os territórios ambientalmente mais conservados (Ver Silva e Sauer, 2022).

As consequências e desafios sociais e ambientais no Brasil tornaram-se mais problemáticos após 2016. Contra as necessárias ações de mitigação, o governo Bolsonaro (2019-2022) deu total apoio à ampliação de atividades produtivas insustentáveis, e adotou medidas legais e administrativas, que flexibilizaram, por exemplo, a titulação de terras, mola propulsora da grilagem e do desmatamento (Silva e Sauer, 2022SILVA, P., SAUER, S. Desmantelamento e desregulação de políticas ambientais e apropriação da terra e de bens naturais no Cerrado. Raízes, v. 42, n. 2, p. 298-315, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.37370/raizes.2022.v42.747. Acesso em: 17 abr. 2024.
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). Essas medidas ficaram aquém dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, e dos direitos constitucionais de 1988, destinados a garantir um meio ambiente saudável para todos, aprofundando a injustiça ambiental no Brasil (Silva e Sauer, 2022SILVA, P., SAUER, S. Desmantelamento e desregulação de políticas ambientais e apropriação da terra e de bens naturais no Cerrado. Raízes, v. 42, n. 2, p. 298-315, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.37370/raizes.2022.v42.747. Acesso em: 17 abr. 2024.
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).

No que diz respeito às demandas por maior controle ambiental, especialmente devido às mudanças climáticas e à falta de consenso em Glasgow (COP26) e em Sharm el-Sheilkh (COP27, em 2022), ou para cumprir as metas acordadas na Agenda 2030, a histórica concentração de terras também encontrou terreno nas agendas verdes (Franco e Borras Jr., 2019FRANCO, J. C., BORRAS Jr., S. M. Grey areas in green grabbing: Subtle and indirect interconnections between climate change politics and land grabs and their implications for research. Land Use Policy, v. 84, p. 192-199, 2019. Disponível em: 10.1016/j.landusepol.2019.03.013. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://doi.org/10.1016/j.landusepol.201...
). Essas também impulsionaram a “[...] apropriação de terras e recursos para fins ambientais [...]”, levando à apropriação da natureza e dos bens naturais (Fairhead, Leach e Scoones, 2012FAIRHEAD, J., LEACH, M., SCOONES, I. Green Grabbing: a new appropriation of nature? The Journal of Peasant Studies, v. 39, n. 2, p. 237-261, 2012. Disponível em: 10.1080/03066150.2012.671770. Acesso em: 17 abr. 2024.
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, p. 237) e à grilagem verde (Sauer e Borras Jr, 2016). Essas apropriações ou grilagem ainda estão em curso, considerando que “[...] os acordos de terra são processos políticos sobre mudanças reais ou potenciais nas relações sociais em torno do acesso à terra e aos recursos naturais [...]” (Borras Jr et al, 2022BORRAS Jr., S. M., SCOONES, I., BAVISKAR, A., EDELMAN, M., PELUSO, N. L., WOLFORD, W. Climate change and agrarian struggles: an invitation to contribute to a JPS Forum. The Journal of Peasant Studies, v. 49, n. 1, p. 1-28, 2022. Disponível em: 10.1080/03066150.2021.1956473. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://doi.org/10.1080/03066150.2021.19...
, p. 2), implicando transferências de propriedade e direitos de uso, mas especialmente formas e mecanismos de controle sobre a natureza (Fairhead, Leach e Scoones, 2012FAIRHEAD, J., LEACH, M., SCOONES, I. Green Grabbing: a new appropriation of nature? The Journal of Peasant Studies, v. 39, n. 2, p. 237-261, 2012. Disponível em: 10.1080/03066150.2012.671770. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://doi.org/10.1080/03066150.2012.67...
).

Essa realidade de destruição capitalista, especialmente pelo extrativismo agrário (Veltmeyer e Ezquerro-Cañete, 2023VELTMEYER, H., EZQUERRO-CAÑETE, A. Key concepts in Critical Agrarian Studies: Agro-extractivism. The Journal of Peasant Studies, v. 50, n. 5, p. 1673-1686, 2023. Disponível em: 10.1080/03066150.2023.2218802. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://doi.org/10.1080/03066150.2023.22...
), exige uma (re)formulação da clássica questão agrária (Moore, 2008MOORE, J. W. Ecological crises and the agrarian question in world-historical perspective. Monthly Review, novembro, 2008. Disponível em: https://jasonwmoore.com/wp-content/uploads/2021/04/Moore-Ecological-Crises-and-the-Agrarian-Question-MR-2008.pdf. Acesso em: 17 abr. 2024.
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), recolocando a centralidade da terra. Essa (re)formulação teórica-conceitual é necessária não só porque, politicamente, a questão deixou de ser “um problema nacional” (Bjork-James et al, 2022BJORK-JAMES, C., CHECKER, M., EDELMAN, M. Transnational social movements: environmentalist, indigenous, and agrarian visions for planetary futures. Annual Review of Environment and Resources, v. 47, p. 583-608, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1146/annurev-environ-112320-084822. Acesso em: 17 abr. 2024.
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). Não é resultado também dos processos capitalistas de “esverdeamento” (greenwashing e green grabbing), como o “extrativismo verde” (ver Bruna, 2023BRUNA, N. The rise of green extractivism: Extractivism, rural livelihoods and accumulation in a climate-smart world. New York, Routledge, 2023.) e nem das propostas mercadológicas de mitigação e adaptação à crise climática (Franco e Borras Jr, 2019FRANCO, J. C., BORRAS Jr., S. M. Grey areas in green grabbing: Subtle and indirect interconnections between climate change politics and land grabs and their implications for research. Land Use Policy, v. 84, p. 192-199, 2019. Disponível em: 10.1016/j.landusepol.2019.03.013. Acesso em: 17 abr. 2024.
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). Ainda, não é uma exigência política porque os movimentos sociais que lutam pela terra estariam se rebranding, ou redesenhando um “rótulo verde” para seus produtos e demandas (Brigatti, 2022BRIGATTI, F. MST passa por ‘rebranding’ e se aproxima das cidades e da classe média. Folha de S. Paulo, São Paulo, 15 de outubro de 2022. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/10/mst-passa-por-rebranding-e-se-aproxima-das-cidades-e-da-classe-media.shtml. Acesso em: 17 abr. 2024.
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).

A (re)formulação teórica-política da questão eco-agrária - ou poderia ser no plural “questões eco-agrárias”, considerando as contribuições de Moore (2008)MOORE, J. W. Ecological crises and the agrarian question in world-historical perspective. Monthly Review, novembro, 2008. Disponível em: https://jasonwmoore.com/wp-content/uploads/2021/04/Moore-Ecological-Crises-and-the-Agrarian-Question-MR-2008.pdf. Acesso em: 17 abr. 2024.
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- é urgente, mas não como “uma sétima questão agrária” ou mais uma dimensão do problema, nos termos definidos por Akram-Lodhi e Kay (2010)AKRAM-LODHI, H., KAY, C. Surveying the agrarian question (part 1): unearthing foundations, exploring diversity. The Journal of Peasant Studies, v. 37, n. 1, p. 177-202, 2010. Disponível em: 10.1080/03066150903498838. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://doi.org/10.1080/0306615090349883...
. Segundo Moore (2008MOORE, J. W. Ecological crises and the agrarian question in world-historical perspective. Monthly Review, novembro, 2008. Disponível em: https://jasonwmoore.com/wp-content/uploads/2021/04/Moore-Ecological-Crises-and-the-Agrarian-Question-MR-2008.pdf. Acesso em: 17 abr. 2024.
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, p. 57), “a Questão Agrária é também a Questão da Natureza e, portanto, é também a questão das crises ecológicas do mundo moderno”. Mesmo sendo uma obviedade, essa concepção transcende a uma “ambientalização ou esverdeamento da questão agrária” (Taşdemir Yaşin, 2022TAŞDEMIR YAŞIN, Z. The Environmentalization of the Agrarian Question and the Agrarianization of the Climate Justice Movement. The Journal of Peasant Studies, v. 49, n. 07, p. 1355-1386, 2022. Disponível em: 10.1080/03066150.2022.2101102. Acesso em: 17 abr. 2024.
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), pois não se trata apenas de entender as chamadas externalidades negativas, mas a própria essência e racionalidade destrutiva da produção e acumulação de riqueza no capitalismo (ver Löwy, 2017LÖWY, M. Marx, Engels and Ecology. Capitalism, Nature, Socialism, v. 28, n. 2, p. 10-21, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1080/10455752.2017.1313377. Acesso em: 17 abr. 2024.
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).

A (re)formulação da questão eco-agrária é fundamental, pois “[...] a agricultura vem assumindo, na trajetória do desenvolvimento mundial, uma posição cada vez mais central, não apenas em termos da economia política do que McMichael [2005] chama de ‘regime alimentar corporativo’, mas também como pivô e importância central no desdobramento e intensificação da crise ecológica global” (Moore, 2008MOORE, J. W. Ecological crises and the agrarian question in world-historical perspective. Monthly Review, novembro, 2008. Disponível em: https://jasonwmoore.com/wp-content/uploads/2021/04/Moore-Ecological-Crises-and-the-Agrarian-Question-MR-2008.pdf. Acesso em: 17 abr. 2024.
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, p. 56).

Consequentemente, a questão eco-agrária deve ser entendida com base em três contradições fundantes do sistema capitalista global. Primeiro, deve ser entendida com base na contradição entre capital e trabalho, exploração capitalista da força humana, nos termos formulados por Marx (Moore, 2011MOORE, J. W. Transcending the metabolic rift: a theory of crises in the capitalist world-ecology. The Journal of Peasant Studies, v. 38, n. 1, p. 1-46, 2011. Disponível em: 10.1080/03066150.2010.538579. Acesso em: 17 abr. 2024.
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; Foster, 2005FOSTER, J. B. A ecologia de Marx: materialismo e natureza. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2005.). Em segundo lugar, deve ser interpretada com base na segunda contradição nos processos de acumulação, ou seja, a contradição entre capital e natureza, nos termos formulados por O’Connor (1998)O’CONNOR, J. Natural causes: Essays in ecological Marxism. New York: Guilford Press, 1998.. Essas duas contradições e lógicas destrutivas do capital ampliam processos de acumulação com base na renda24 24 Os processos de apropriação e acumulação capitalistas da terra e da natureza, ou o extrativismo, inclusive o extrativismo agrário (Veltmeyer e Ezquerro-Cañete, 2023), devem ser entendidos na lógica rentista (ver, por exemplo, Caligaris et al, 2023; Moore, 2008). da terra com a expropriação da natureza (Foster, 1999FOSTER, J. B. Marx’s theory of metabolic rift: Classical foundations for environmental Sociology. The American Journal of Sociology, v. 105, n. 2, p. 366-405, 1999. Disponível em: 10.1086/210315. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://doi.org/10.1086/210315https://do...
; Foster e Holleman, 2014FOSTER, J. B., HOLLEMAN, H. The theory of unequal ecological exchange: a Marx-Odum dialectic. The Journal of Peasant Studies, v. 41, n. 2, p. 199-233, 2014. Disponível em: 10.1080/03066150.2014.889687. Acesso em: 17 abr. 2024.
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).

Além da exploração do trabalho humano (primeira contradição) e expropriação da natureza (segunda contradição), ou a deterioração da natureza e do trabalho como parte do processo de subtração de valor no capitalismo, a questão eco-agrária incluir uma terceira contradição entre capital e corpo, nas dimensões de gênero e raça (Ojeda, 2021OJEDA, D. Social reproduction, dispossession, and the gendered workings of Agrarian Extractivism in Colombia. In: McKAY, B., ALONSO-FRADEJAS, A., EZQUERRO-CAÑETE, A. (eds.). Agrarian extractivism in Latin America. London: Routledge, 2021. p. 85-98.). Com base na perspectiva analítica eco-feminista, essa contradição impossibilita separar produção e reprodução social, pois processos e dinâmicas capitalistas destrutivas são baseadas no controle do trabalho e dos corpos das mulheres (Ojeda, 2021OJEDA, D. Social reproduction, dispossession, and the gendered workings of Agrarian Extractivism in Colombia. In: McKAY, B., ALONSO-FRADEJAS, A., EZQUERRO-CAÑETE, A. (eds.). Agrarian extractivism in Latin America. London: Routledge, 2021. p. 85-98.) e das pessoas negras.

Essa (terceira) contradição está ancorada nas condições de exploração, pois o capital se acumula também por uma lógica (extra)econômica, com a não compensação de uma parte do tempo de trabalho, ou “a história da expropriação”, nos termos de Fraser (2014)FRASER, N. Behind Marx’s hidden abode. New Left Review, v. 86, p. 55-72, 2014.. É o movimento da exploração para a expropriação, ou o roubo do trabalho e dos frutos do trabalho, ameaçando a reprodução social das trabalhadoras e trabalhadores (Ojeda, 2021OJEDA, D. Social reproduction, dispossession, and the gendered workings of Agrarian Extractivism in Colombia. In: McKAY, B., ALONSO-FRADEJAS, A., EZQUERRO-CAÑETE, A. (eds.). Agrarian extractivism in Latin America. London: Routledge, 2021. p. 85-98.). Os processos e dinâmicas de espoliação (ou de expropriação) criam condições e possibilidades para a acumulação capitalista, mas essa lógica destrutiva ameaça a própria reprodução social.25 25 Segundo Ojeda (2021, p. 87) “A reprodução social [com base nas relações socio-ecológicas de gênero] pode ser definida como as estruturas, relações e instituições sociais e ecológicas que sustentam a vida a nível individual, comunitário, local e planetário”.

Essas contradições explicitam a lógica destrutiva do sistema capitalista (Foster, 2000; Löwy, 2017LÖWY, M. Marx, Engels and Ecology. Capitalism, Nature, Socialism, v. 28, n. 2, p. 10-21, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1080/10455752.2017.1313377. Acesso em: 17 abr. 2024.
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). Consequentemente, a questão eco-agrária não entende o desenvolvimento capitalista das forças produtivas como o principal fator do progresso humano (Löwy, 2017LÖWY, M. Marx, Engels and Ecology. Capitalism, Nature, Socialism, v. 28, n. 2, p. 10-21, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1080/10455752.2017.1313377. Acesso em: 17 abr. 2024.
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) ou como desenvolvimento agrário. Com base na interpretação da “lógica destrutiva do capital” (Foster, 2000, p. 155),26 26 Segundo Foster (2000, p. 14), Marx definiu essa lógica destrutiva não como externalidades, ou consequências indesejadas da acumulação, mas como uma “falha metabólica”, portanto, como “uma ruptura nas trocas materiais entre a humanidade e o meio ambiente”, essência da exploração e expropriação capitalistas. a questão eco-agrária (re)coloca centralidade na terra e na natureza, e nos processos de exploração e expropriação à exaustão.

Notas esparsas para uma conclusão prospectiva

Ainda que a Amazônia - e os desafios de conservação e a urgente redução da destruição ambiental na floresta tropical - é o grande destaque na agenda política ambiental internacional, mudanças no uso da terra (expansão da fronteira agrícola, desmatamento, contaminação, poluição) do bioma Cerrado são parte importante das causas dos conflitos socioambientais no Brasil. Dados oficiais sobre mudanças no uso da terra (expansão da fronteira), desmatamento e ocorrência de incêndios - infelizmente não só no Cerrado e na Amazônia, mas também no Pantanal - mostram que o país vem descumprindo sistematicamente os compromissos assumidos na Agenda 2030, particularmente no enfrentamento da fome e na promoção da segurança alimentar e da agricultura sustentável (Domingues e Sauer, 2023DOMINGUES, G., SAUER, S. Amazonian socio-environmental frontier: struggles, resistance, and contradictions in confronting the agrarian extractive frontier. Third World Quarterly, v. 44, n. 10, p. 2208-2226, 2023. Disponível em: 10.1080/01436597.2022.2124965. Acesso em: 17 abr. 2024.
https://doi.org/10.1080/01436597.2022.21...
; Wolford et al, 2022WOLFORD, W., FERNANDES, B.M., OFSTEHAGE, A.L., GIRARDI, E.P., SAUER, S. The Plantationocene and Sustainable Development Goals in Brazil. In: FERNANDES, B. M. (ed.). Building territories based on GDS: Leaving no one behind. São Paulo, Ed. UNESP, 2022.).

Apesar das mudanças políticas pós 2022, o desmatamento, associado a queimadas, continua sendo a principal fonte de emissões gases de efeito estufa (GEE), especialmente de CO2 na atmosfera, colocando o Brasil entre os poluidores e promotores das mudanças climáticas. As medidas mitigatórias, especialmente a retomada da fiscalização, vêm reduzindo o desmatamento na Amazonia, mas não no Cerrado. A supressão da vegetação nativa ganhou índices assustadores em 2023, exigindo medidas urgentes de contenção e mudanças nas políticas agropecuárias, que acabam incentivando a expansão da fronteira.

As medidas políticas tendem a ir na contramão dessa urgência ambiental. Em junho de 2023, a Comissão de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional, da Câmara dos Deputados, aprovou o Projeto de Lei Complementar (PLP) 246, de 2020, instituindo o Complexo Geoeconômico e Social do Matopiba. O Executivo Federal, no início de novembro de 2023, criou um comitê gestor para elaborar o Plano de Desenvolvimento Agropecuário e Agroindustrial do Matopiba (PDA-Matopiba). De acordo com o Decreto 11.767, esse plano deve organizar investimentos federais para o desenvolvimento agropecuário com base na sustentabilidade agroambiental e gestão territorial. O objetivo deve ser a melhoria da renda, do emprego e da qualificação profissional de produtores rurais e empreendedores agroindustriais.

Apesar da urgência climática, o MAPA (2023MAPA. Projeções do agronegócio: Brasil 2022/23 a 2032/33 (Projeções de longo prazo). Brasília, Ministério da Agricultura e Pecuária, Secr. de Política Agrícola, 2023., p. 39) prevê que “a área plantada de soja deve aumentar 27,5% [até 2032/33, sendo adicionados, e]m valor absoluto 12,0 milhões de hectares” a nível nacional. Essas mesmas projeções estimam que o Matopiba terá uma “[...] área plantada de 11 milhões de hectares em 2032/33”, ou seja, um aumento de mais de 17% na área cultiva com soja no decênio (MAPA, 2023MAPA. Projeções do agronegócio: Brasil 2022/23 a 2032/33 (Projeções de longo prazo). Brasília, Ministério da Agricultura e Pecuária, Secr. de Política Agrícola, 2023., p. 83). Essas previsões, apesar do discurso do aumento da produção com base na produtividade, explicitam a manutenção dos incentivos à expansão da fronteira no Cerrado.

Associado às medidas econômicas e administrativas de promoção da expansão da fronteira no Cerrado, em outubro de 2023, o Senado aprovou o PL 412/2022, regulamentando o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa. A aprovação de regras para a comercialização ou mercado de créditos de carbono, em discussão na Câmara dos Deputados, isentou ou excluiu o maior responsável pelas emissões de GEE no Brasil. A partir de um acordo com a Bancada Ruralista, a inclusão de parágrafo no PL desconsidera a produção primária agropecuária como atividades ou fontes de emissões de gases. Outro dispositivo retira do sistema as emissões indiretas decorrentes da produção de insumos ou de matérias-primas agropecuárias.

Essas medidas legais e administrativas recentes corroboram a urgência da questão eco-agrária no Brasil. As atividades econômicas e as narrativas - que enfatizam o aumento da produtividade agropecuária e a necessidade de aumento sustentável da produção - devem ser analisadas, criticadas e transformadas, considerando os prejuízos sociais, econômicos e ambientais do extrativismo agrário. Do ponto de vista conceitual e político, a questão eco-agrária ajuda a interpretar, teoricamente, e transformar, politicamente, essa realidade de destruição ambiental e desigualdade social na fronteira agrícola brasileira.

  • Como citar este artigo

    SAUER, Sérgio. Questão eco-agrária: extrativismo agrário, mudanças climáticas e desmatamento no Brasil. Revista NERA, v. 27, n. 2, e10185, abr.-jun., 2024.
  • 1
    Sob o título Land and nature appropriation: deforestation, climate change narratives, and social-environmental resistances in Brazil, uma versão desse texto foi apresentada na Conferência Internacional sobre Mudanças Climáticas e Justiça Agrária, organizada pelo Journal of Peasant Studies (JPS) e realizada nos dias 26 e 29 de setembro de 2022. Além dos pareceristas da Revista NERA, agradeço às leituras e sugestões de Guadalupe Sátiro, Juliana Miranda e José Paulo Pietrafesa a uma versão anterior deste artigo.
  • 2
    Segundo Moore (2008MOORE, J. W. Ecological crises and the agrarian question in world-historical perspective. Monthly Review, novembro, 2008. Disponível em: https://jasonwmoore.com/wp-content/uploads/2021/04/Moore-Ecological-Crises-and-the-Agrarian-Question-MR-2008.pdf. Acesso em: 17 abr. 2024.
    https://jasonwmoore.com/wp-content/uploa...
    , p.57), a fenda metabólica, que foi intensificada pelo capitalismo, é a “exploração insustentável de alimentos e recursos, por meio da qual os produtos do campo fluem para as cidades, sem nenhuma obrigação de devolver os resíduos ao ponto de produção”.
  • 3
    Nos termos do próprio Marx (2021MARX, K. O Capital: crítica da Economia Política. Livro I: O processo de produção do capital. São Paulo, Ed. Boitempo, 4ª reimpressão, 2021., p. 120), a existência ‘humana’ é mediada pelo trabalho na relação com a natureza, pois “como criador de valor de uso, como trabalho útil, o trabalho é assim, uma condição da existência do homem [da pessoa], independentes de todas as formas sociais, eterna necessidade natural de mediação do metabolismo entre homem [ser humano] e natureza e, portanto, de vida humana”.
  • 4
    O “negacionismo climático” é uma lacuna sobre as “narrativas contratantes” e “o desafio climático”, classificadas por Borras Jr. e coautoras (2022) nas políticas agrárias. Apesar de reconhecer limites e sobreposições, classificam as “quatro narrativas principais sobre as alterações climáticas” (Borras Jr. et al, 2022BORRAS Jr., S. M., SCOONES, I., BAVISKAR, A., EDELMAN, M., PELUSO, N. L., WOLFORD, W. Climate change and agrarian struggles: an invitation to contribute to a JPS Forum. The Journal of Peasant Studies, v. 49, n. 1, p. 1-28, 2022. Disponível em: 10.1080/03066150.2021.1956473. Acesso em: 17 abr. 2024.
    https://doi.org/10.1080/03066150.2021.19...
    , p. 9) em “narrativas tecnológicas, orientadas para as empresas;”, “de emergência climática”, “de justiça climática” e “de transformação estrutural”, excluindo narrativas e ações explicitas de negação das mudanças climáticas e desafios para o campo.
  • 5
    Segundo Cohen (2001, p. 7), a negação pode ser classificada em três categorias: (i) negação literal (os fatos ou eventos são vistos como não verdadeiros); (ii) negação interpretativa (os fatos não são negados, mas dando ‘um sentido diferente’ ou outras narrativas); e (iii) negação implicatória (não é uma tentativa de negar fatos, mas de minimizar suas implicações). Para maiores discussões, ver Wyatt e Brisman (2017)WYATT, T.; BRISMAN, A. The role of denial in the ‘theft of nature’: comparing biopiracy and climate change. Critical Criminology, v. 25, p. 325-341, 2017. Disponível em: 10.1007/s10612-016-9344-5. Acesso em: 17 abr. 2024.
    https://doi.org/10.1007/s10612-016-9344-...
    .
  • 6
    De acordo com Miguel (2020MIGUEL, J. Negacionismo climático no Brasil. Coletiva, Dossiê 27: Crise climática, jan.-abr., 2020. Disponível em: https://www.coletiva.org/dossie-emergencia-climatica-n27-artigo-negacionismo-climatico-no-brasil.Acesso em: 17 abr. 2024.
    https://www.coletiva.org/dossie-emergenc...
    , p. 7), “[...] o negacionismo climático também faz parte de uma visão de mundo de certos grupos que realmente acreditam que o aquecimento global é uma fraude. A percepção de que as instituições públicas de ensino estão corrompidas pela ideologia da esquerda e que as mudanças climáticas fazem parte dessa conspiração revela que, para além das razões dos grupos econômicos liberais, o negacionismo climático faz parte de um regime discursivo inserido em uma determinada rede de práticas compartilhadas por grupos que se sentem de alguma maneira enganados e desiludidos”.
  • 7
    O relatório do IPCC definiu a gestão sustentável da terra “[...] a gestão e o uso dos recursos da terra, incluindo solos, água, animais e plantas, para atender às necessidades humanas em constante mudança, garantindo simultaneamente o potencial produtivo de longo prazo desses recursos e a manutenção de suas funções ambientais” (Shukla et al, 2020SHUKLA, P. R., SKEA, J., BUENDIA, E. C., MASSON-DELMOTTE, PÖRTNER, H.- O., ROBERTS, D.C., ZHAI, P., SLADE, R.; CONNORS, S., van DIEMEN, R., FERRAT, M., HAUGHEY, E., LUZ, S., NEOGI, S., PATHAK, M., PETZOLD, J., PEREIRA, J. P., VYAS, P., HUNTLEY, E., KISSICK, K., BELKACEMI, M., MALLEY, J. Climate Change and Land: an IPCC special report on climate change, desertification, land degradation, sustainable land management, food security, and greenhouse gas fluxes in terrestrial ecosystems - summary for policymakers. Geneva, Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), 2020. Disponível em: https://www.ipcc.ch/srccl/chapter/summary-for-policymakers/. Acesso em: 17 abr. 2024.
    https://www.ipcc.ch/srccl/chapter/summar...
    , p. 6, nota de rodapé 4).
  • 8
    O relatório do IPCC traz dados importantes sobre o uso da terra e as mudanças climáticas. Para obter mais informações, consulte o relatório em https://www.ipcc.ch/srccl/chapter/summary-for-policymakers/
  • 9
    Há ainda vários temas, acordos e iniciativas com as “soluções tecnológicas” para enfrentar os problemas ambientais e a fome (biotecnologia, informatização/automação, drones etc.). Entre essas soluções técnicas estão as chamadas Agricultura 4.0 e a Smart Climate Agriculture proposta pela FAO, visando adaptar a produção agrícola às mudanças climáticas (ver Palombi e Sessa, 2013PALOMBI, L., SESSA, R. (eds.). Climate-smart agriculture: sourcebook. Rome, Food and Agriculture Organization (FAO), 2013. e Bruna, 2023BRUNA, N. The rise of green extractivism: Extractivism, rural livelihoods and accumulation in a climate-smart world. New York, Routledge, 2023.). Essas soluções tecnológicas passam pelo aumento do trabalho morto, portanto, intensificam a apropriação da renda diferencial da terra na versão de alto uso de tecnologias, acelerando o custo de produção (Marx, 2021MARX, K. O Capital: crítica da Economia Política. Livro I: O processo de produção do capital. São Paulo, Ed. Boitempo, 4ª reimpressão, 2021.).
  • 10
    Chagnon e coautores (2022CHAGNON, C., DURANTE, F., GILLS, B. K., HAGOLANI-ALBOV, S. E., HOKKANEN, S., KANGASLUOMA, S. M. J., KONTTINEN, H., KRÖGER, M., LaFLEUR, W., OLLINAHO, O., VUOLA, M.P.S. From extractivism to global extractivism: the evolution of an organizing concept. The Journal of Peasant Studies, v. 49, n. 4, p. 760-792, 2022. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/03066150.2022.2069015. Acesso em: 17 abr. 2024.
    https://www.tandfonline.com/doi/full/10....
    ), em uma ampla revisão da literatura internacional, definem extrativismo (global) como um “conceito organizador”, que expressa a lógica de acumulação capitalista, em processos monopolistas de extração (dos recursos) da periferia para o centro, ampliando a acumulação em relações globais desiguais.
  • 11
    “Extrativismo é uma forma de acumulação que surgiu há quinhentos anos. É uma categoria que nos permite explicar a pilhagem, acumulação, concentração, destruição e devastação coloniais e pós-coloniais, bem como a evolução do capitalismo até à sua forma atual” (Acosta, 2016ACOSTA, A. Post-growth and post-extractivism: two sides of the same cultural transformation. Alternautas, v. 3, n. 1, p. 50-71, 2016. Disponível em: https://journals.warwick.ac.uk/index.php/alternautas/article/view/1027. Acesso em: 17 abr. 2024.
    https://journals.warwick.ac.uk/index.php...
    , p. 60). Uma caraterística fundante é a captura de valor, ou seja, a “[...] apropriação de valor ocorre e prossegue sem garantir as condições materiais que permitiriam a continuidade dessa apropriação de valor” (Ye et al., 2020YE, J., van der PLOEG, J. D., SCHNEIDER, S., SHANIN, T. The incursions of extractivism: moving from dispersed places to global capitalism. The Journal of Peasant Studies, v. 47, n. 1, p. 155-183, 2020. Disponível em: 10.1080/03066150.2018.1559834. Acesso em: 17 abr. 2024.
    https://doi.org/10.1080/03066150.2018.15...
    , p. 159), portanto, exaustão dos recursos humanos e não humanos.
  • 12
    De acordo com dados dos Censos Agropecuários do IBGE, os postos de trabalho no campo diminuam desde os anos 1970. Em 2017, houve uma redução do total de pessoas ocupadas e a agricultura perdeu 1,4 milhão de postos de trabalho, sendo o número de tratores cresceu 49,9%, com mais 1,22 milhões de unidades em relação ao Censo de 2006 (IBGE, 2017IBGE. Censo agropecuário. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas IBGE, 2017.), ampliando o trabalho morto no campo.
  • 13
    Sobre as contradições do capitalismo, ver também Harvey (2018), especialmente a parte III em que analisa as contradições do crescimento econômico exponencial e infinito, apontando a relação contraditória entre capital e natureza.
  • 14
    A Política Nacional sobre Mudança do Clima, Lei 12.187, de 2009, é composta por normas e ações “para estabilizar as emissões de gases de efeito estufa” e “promover a adaptação às mudanças climáticas” (ME, 2022ME - Ministério da Economia. Política Agrícola e Meio Ambiente. Brasília, Secr. de Política Econômica, 2022. Disponível em: https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assuntos/politica-agricola-e-meio-ambiente/atuacao-spe/mudancas-climaticas. Acesso em: 17 abr. 2024.
    https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assunto...
    ).
  • 15
    Em janeiro de 2021, foi aprovada a Lei nº 14.119 e a Política Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais, incentivando a preservação ambiental por meio de pagamentos diretos ou indiretos (Brasil, 2021BRASIL. Lei n. 14.199, de 02 de setembro de 2021. Política Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais. Brasília, Presidência da República, 13 de janeiro de 2021. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.119-de-13-de-janeiro-de-2021-298899394. Acesso em: 17 abr. 2024.
    https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n...
    ), instituindo a precificação da conservação e a mercantilização da natureza.
  • 16
    A Amazônia registrou, em 22 de agosto de 2022, a maior ocorrência de fogo dos últimos 15 anos em um período de 24 horas, e a maior taxa de desmatamento entre agosto de 2021 e julho de 2022 (Peixoto, 2022PEIXOTO, R. Amazônia Legal tem o maior desmatamento em 15 anos, aponta Imazon. Portal G1, São Paulo, 17 de agosto de 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/meio-ambiente/noticia/2022/08/17/amazonia-legal-tem-o-maior-desmatamento-em-15-anos-aponta-imazon.ghtml. Acesso em: 17 abr. 2024.
    https://g1.globo.com/meio-ambiente/notic...
    ; Lo Prete, 2022Lo PRETE, R. Fogo na Amazônia: falta de fiscalização e estrutura marcam pior dia de queimadas desde 2007. G1 podcast: O Assunto. 05 de setembro de 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/podcast/o-assunto/noticia/2022/09/05/fogo-na-amazonia-falta-de-fiscalizacao-e-estrutura-marcam-pior-dia-de-queimadas-desde-2007.ghtml. Acesso em: 17 abr. 2024.
    https://g1.globo.com/podcast/o-assunto/n...
    ), explicitando o descaso governamental com a conservação ambiental no Brasil.
  • 17
    De acordo com denúncias (Dallabrida, 2024DALLABRIDA, P. Piauí autoriza 10 fazendas a desmatarem 4 vezes área de Paris em um ano. Repórter Brasil, 28 de março de 2024. Disponível em: https://reporterbrasil.org.br/2024/03/piaui-autoriza-10-fazendas-desmatarem-4-paris-um-ano/. Acesso em: 17 abr. 2024..
    https://reporterbrasil.org.br/2024/03/pi...
    ), o estado do Piauí autorizou o desmatamento de 78 mil hectares entre 2022 e 2023, levando o Ministério do Meio Ambiente a criar uma força-tarefa para conter a devastação florestal no Cerrado (Marreiros, 2024MARREIROS, L. Piauí será alvo de força-tarfa nacional para conter desmatamento no Cerrado. Site do G1, Brasília, 30 de março de 2024. Disponível em: https://g1.globo.com/pi/piaui/noticia/2024/03/30/piaui-sera-alvo-de-forca-tarefa-nacional-para-conter-desmatamento-no-cerrado.ghtml. Acesso em: 17 abr. 2024.
    https://g1.globo.com/pi/piaui/noticia/20...
    ).
  • 18
    Acrônimo dos quatro estados, o Matopiba é uma região formada por partes dos estados do Maranhão (MA), Tocantins (TO), Piauí (PI) e Bahia (BA), onde vem ocorrendo forte expansão da fronteira agrícola, iniciada na segunda metade dos anos 1980 e intensificada nos anos 2000, especialmente para o cultivo de grãos, algodão e pecuária (EMBRAPA, 2023EMBRAPA. Sobre o Matopiba. Brasília: Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, 2023. Disponível em: https://www.embrapa.br/tema-matopiba/sobre-o-tema#:~:text=O%20Matopiba%20%C3%A9%20uma%20regi%C3%A3o,TO%20%2B%20PI%20%2B%20BA. Acesso em: 17 abr. 2024.
    https://www.embrapa.br/tema-matopiba/sob...
    ; Cabral, Sauer e Shankland, 2023CABRAL, L., SAUER, S., SHANKLAND, A. Reclaiming the future of the Cerrado: a territorial account of a disputed frontier. IDS Bulletin, v. 54, n. 1, p. 1-17, Institute of Development Studies (IDS), 2023. Disponível em: https://doi.org/10.19088/1968-2023.100. Acesso em: 17 abr. 2024.
    https://doi.org/10.19088/1968-2023.100...
    ; Silva et al, 2023SILVA, A. A., LEITE, A. Z., CASTRO, L. F. P., SAUER, S. Green grabbing in the Matopiba agricultural frontier. IDS Bulletin, v. 54, n. 1, p. 57-72, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.19088/1968-2023.105. Acesso em: 17 abr. 2024.
    https://doi.org/10.19088/1968-2023.105...
    ; Silva e Sauer, 2022SILVA, P., SAUER, S. Desmantelamento e desregulação de políticas ambientais e apropriação da terra e de bens naturais no Cerrado. Raízes, v. 42, n. 2, p. 298-315, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.37370/raizes.2022.v42.747. Acesso em: 17 abr. 2024.
    https://doi.org/10.37370/raizes.2022.v42...
    ).
  • 19
    A definição de ‘floresta’ da FAO (2015)FAO. Global forest resources assessment 2015: Country Report Brazil. Roma: Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, 2015. está baseada apenas no percentual de cobertura da copa e na altura das árvores (que devem ter mais de 5 metros de altura), excluindo potencialmente áreas ecologicamente valiosas como a savana. O Sistema Florestal Brasileiro, apesar de seguir a classificação da FAO, considera a diversidade tipológica ecossistêmica, incluindo a “savana florestada e arborizada: cerradão e campo-cerrado”, mas essa classificação é insuficiente para incluir o desmatamento do Cerrado, e de outras formações como a Caatinga e o Chaco, na agenda internacional (Stewart et al, 2008STEWART, C., GEORGE, P., RAYDEN, T., NUSSBAUM, R. Good practice guidelines for high conversation value assessments: A practical guide for practitioners and auditors. ProForest, Oxford, 2008. Disponível em: https://www.proforest.net/fileadmin/uploads/proforest/Documents/Publications/hcv-20good-20practice_final.pdf. Acesso em: 17 abr. 2024.
    https://www.proforest.net/fileadmin/uplo...
    ).
  • 20
    Para além do debate histórico sobre a noção (Domingues e Sauer, 2023DOMINGUES, G., SAUER, S. Amazonian socio-environmental frontier: struggles, resistance, and contradictions in confronting the agrarian extractive frontier. Third World Quarterly, v. 44, n. 10, p. 2208-2226, 2023. Disponível em: 10.1080/01436597.2022.2124965. Acesso em: 17 abr. 2024.
    https://doi.org/10.1080/01436597.2022.21...
    ), as “[...] fronteiras representam, basicamente, a invenção ou a descoberta de novos recursos” (Rasmussen e Lund, 2018, p. 388), viabilizando a sua extração, apropriação e acumulação (Sauer e Oliveira, 2022SAUER, S., OLIVEIRA, K.R.A. Agrarian extractivism in the Brazilian Cerrado. In. McKAY, B.M., ALONSO-FRADEJAS, A., EZQUERRO-CAÑETE, A. (eds.). Agrarian Extractivism in Latin America. London: Routledge, 2022, p. 125-161.).
  • 21
    Além das alterações e flexibilizações no Código Florestal em 2012, merece destaque a edição da MP 759, em 2016 pelo então presidente Temer (2016-2018), que ampliou a legalização da grilagem de terras em todo o Brasil (ver detalhes em Sauer e Leite, 2017SAUER, S., LEITE, A. Z. Medida Provisória 759: Descaminhos da reforma agrária e legalização da grilagem de terras no Brasil. Retratos de Assentamentos, v. 20, n. 1, p. 14-40, 2017.).
  • 22
    A narrativa negacionista de Bolsonaro (Goodell, 2022) foi base também para flexibilização de leis e mudanças administrativas, resultando no aumento do desmatamento. Autocadastramento de reserva legal e aceleração das autorizações para desmatamento fragilizaram os mecanismos de controle ambiental (Silva et al, 2022). Além de não destinar recursos aos órgãos governamentais responsáveis pela fiscalização, Bolsonaro promoveu uma militarização da Amazônia (Silva e Sauer, 2022SILVA, P., SAUER, S. Desmantelamento e desregulação de políticas ambientais e apropriação da terra e de bens naturais no Cerrado. Raízes, v. 42, n. 2, p. 298-315, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.37370/raizes.2022.v42.747. Acesso em: 17 abr. 2024.
    https://doi.org/10.37370/raizes.2022.v42...
    ), colocando o Exército para fiscalizar o desmatamento ilegal, medida de alto custo e ineficaz.
  • 23
    Há tentativas de mudar a Constituição e permitir a mineração e o arrendamento de terras para o cultivo de soja em territórios indígenas, o que aprofundaria a desigualdade social e destruiria os territórios ambientalmente mais conservados (Ver Silva e Sauer, 2022SILVA, P., SAUER, S. Desmantelamento e desregulação de políticas ambientais e apropriação da terra e de bens naturais no Cerrado. Raízes, v. 42, n. 2, p. 298-315, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.37370/raizes.2022.v42.747. Acesso em: 17 abr. 2024.
    https://doi.org/10.37370/raizes.2022.v42...
    ).
  • 24
    Os processos de apropriação e acumulação capitalistas da terra e da natureza, ou o extrativismo, inclusive o extrativismo agrário (Veltmeyer e Ezquerro-Cañete, 2023VELTMEYER, H., EZQUERRO-CAÑETE, A. Key concepts in Critical Agrarian Studies: Agro-extractivism. The Journal of Peasant Studies, v. 50, n. 5, p. 1673-1686, 2023. Disponível em: 10.1080/03066150.2023.2218802. Acesso em: 17 abr. 2024.
    https://doi.org/10.1080/03066150.2023.22...
    ), devem ser entendidos na lógica rentista (ver, por exemplo, Caligaris et al, 2023CALIGARIS, G., FITZSIMONS, A., GUEVARA, S., STAROSTA, G. A missing link in the agrarian question: the role of ground-rent and landed property in capital accumulation: the case of Argentina (1993-2019). The Journal of Peasant Studies, v. 50, n. 5, p. 1709-1734, 2023. Disponível em: 10.1080/03066150.2022.2101101. Acesso em: 17 abr. 2024.
    https://doi.org/10.1080/03066150.2022.21...
    ; Moore, 2008MOORE, J. W. Ecological crises and the agrarian question in world-historical perspective. Monthly Review, novembro, 2008. Disponível em: https://jasonwmoore.com/wp-content/uploads/2021/04/Moore-Ecological-Crises-and-the-Agrarian-Question-MR-2008.pdf. Acesso em: 17 abr. 2024.
    https://jasonwmoore.com/wp-content/uploa...
    ).
  • 25
    Segundo Ojeda (2021OJEDA, D. Social reproduction, dispossession, and the gendered workings of Agrarian Extractivism in Colombia. In: McKAY, B., ALONSO-FRADEJAS, A., EZQUERRO-CAÑETE, A. (eds.). Agrarian extractivism in Latin America. London: Routledge, 2021. p. 85-98., p. 87) “A reprodução social [com base nas relações socio-ecológicas de gênero] pode ser definida como as estruturas, relações e instituições sociais e ecológicas que sustentam a vida a nível individual, comunitário, local e planetário”.
  • 26
    Segundo Foster (2000, p. 14), Marx definiu essa lógica destrutiva não como externalidades, ou consequências indesejadas da acumulação, mas como uma “falha metabólica”, portanto, como “uma ruptura nas trocas materiais entre a humanidade e o meio ambiente”, essência da exploração e expropriação capitalistas.

Referências

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O processo de editoração deste artigo foi realizado por Lorena Izá Pereira e Camila Ferracini Origuela.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    01 Dez 2023
  • Revisado
    01 Abr 2024
  • Aceito
    18 Abr 2024
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