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Abrindo a caixa-preta: uma análise empírica dos determinantes de sucesso das demarcações de terras indígenas no Brasil

Opening the black box: an empirical analysis of the determinants of success of the demarcation of indigenous lands in Brazil

Abriendo la caja negra: un análisis empírico de los determinantes del éxito de las demarcaciones de tierras indígenas en Brasil

Ouvrir la boîte noire : une analyse empirique des déterminants du succès des délimitations des terres autochtones au Brésil

O presente artigo visa dar uma resposta à seguinte questão: por que algumas Terras Indígenas são demarcadas enquanto outras não? Primeiramente, arrolamos as variáveis institucionais e não institucionais sugeridas pela literatura especializada que podem influenciar o processo demarcatório. Em seguida, aplicamos a técnica de Qualitative Comparative Analysis (QCA) sobre um crisp set composto por 40 casos de Terras Indígenas em diversas regiões do país. Demonstramos que: 1) a coesão intragrupal das lideranças indígenas, em conjunção com atos de mobilização e protesto indígena, respondem pela maioria dos casos de demarcação verificados; e 2) possibilidade de obtenção da demarcação por uma via composta por fatores puramente burocráticos. Concluímos apontando para a importância de que o Estado brasileiro, no tratamento com os distintos grupos indígenas do país, não atue para agravar suas possíveis divisões internas, sob pena de neutralizar um fator crucial para a garantia dos direitos territoriais desse segmento populacional.

terras indígenas; demarcação; QCA; coesão; protestos


Abstract

The objective of this article is to answer the question: why are some Indigenous Lands demarcated, while others are not? It first lists the institutional and non-institutional variables suggested by the specialized literature that can influence the demarcation process. It then applies the Qualitative Comparative Analysis (QCA) technique on a crisp set composed of 40 cases of Indigenous Lands in various regions of the country. The article demonstrates that: 1. Intragroup cohesion of indigenous leaders in conjunction with acts of mobilization and indigenous protest account for most cases of demarcation verified; 2. The possibility to obtain demarcation by means of purely bureaucratic factors. The conclusion indicates the importance that the Brazilian state, in its treatment of the different indigenous groups in the country, does not act to aggravate their possible internal divisions, which could neutralize a crucial factor for guaranteeing the territorial rights of this population segment.

indigenous lands; demarcation; QCA; cohesion; protests

Resumen

Este artículo tiene como objetivo responder la siguiente pregunta: ¿Por qué algunas Tierras Indígenas están demarcadas y otras no? Para ello, en primer lugar, enumeramos las variables institucionales y no institucionales sugeridas por la literatura especializada que pueden influir en el proceso de demarcación. Luego, aplicamos la técnica de Qualitative Comparative Analysis (QCA) en un crisp set compuesto por 40 casos de Tierras Indígenas en diferentes etapas del ciclo de demarcación en todas las regiones del país. Demostramos que: 1. la cohesión intragrupal de líderes indígenas, en conjunto con actos de movilización y protesta indígena, explican la mayoría de los casos de deslinde verificados; 2. la posibilidad de obtener la demarcación a través de una vía compuesta de factores puramente burocráticos. Concluimos señalando la importancia de que el Estado brasileño, en el trato con los diferentes grupos indígenas del país, no actúe para agravar sus posibles divisiones internas, so pena de neutralizar un factor crucial para garantizar los derechos territoriales de este segmento de la población.

tierras indígenas; demarcación; QCA; cohesión; protestas

Résumé

Cet article vise à répondre à la question suivante : pourquoi certaines terres autochtones sont-elles délimitées, tandis que d'autres ne le sont pas ? Pour ce faire, nous énumérons d'abord les variables institutionnelles et non institutionnelles suggérées par la littérature spécialisée qui peuvent influencer le processus de démarcation. Ensuite, nous avons appliqué la technique Qualitative Comparative Analysis (QCA) sur un crisp set composé de 40 cas de terres autochtones. Nous démontrons que : 1. la cohésion intragroupe des leaders indigènes, conjuguée aux actes de mobilisation et de contestation indigène, explique la plupart des cas de démarcation vérifiés ; 2. la possibilité d'obtenir la démarcation par une voie composée de facteurs purement bureaucratiques. Nous concluons en soulignant l'importance que l'État brésilien, dans ses relations avec les différents groupes autochtones du pays, n'agisse pas pour aggraver leurs éventuelles divisions internes, sous peine de neutraliser un facteur crucial pour garantir les droits territoriaux de ce segment de la population.

terres autochtones; démarcation; QCA; cohésion; protestations

Introdução7 7 Uma versão inicial do artigo foi apresentada no V Encontro Internacional de Participação, Democracia e Políticas Públicas, a realizado entre 26 e 29 de abril de 2022 na UFRN e no 13º encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, que ocorreu entre 19 e 23 de setembro de 2022 na UFG. Trata-se do segundo produtos da pesquisa intitulada “Política de Reconhecimento Territorial Indígena no Brasil: Atores e Processos”, levada a cabo na Universidade Federal do Pará (UFPA) no biênio 2020-2021, coordenada pelo primeiro autor. A pesquisa já tinha sido encerrada quando fomos contemplados, no início de 2022, com uma verba para contratação de assistentes de pesquisa por meio do Small Grants Programm da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), que nos permitiu aumentar o número de casos do estudo de 12 para 40, aumentando a robustez de nossos achados. Agradecemos aos comentários de Bernardo Mançano, Cristiano Rodrigues, Carlos Machado e Luiz Augusto Campos. Os eventuais erros remanescem de nossa inteira responsabilidade.

“Porque uma ciência política que não se funde no funcionamento e na dinâmica do território pode, dificilmente, oferecer uma contribuição empírica à solução dos problemas nacionais”.

Milton Santos (2011)Santos, M. O dinheiro e o território. In: Santos, M., et al. Território, territórios: ensaios sobre o ordenamento territorial. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lamparina, p. 20, 2011.

As demarcações de Terras Indígenas (doravante TIs) estão constantemente no noticiário brasileiro, especialmente quando se trata das reiteradas tentativas de diversos governos de mudar o rito demarcatório ou de projetos de lei que incidem diretamente sobre essas áreas8 8 O caso do julgamento da validade da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (Pet 3388/RR), o julgamento do chamado “Marco Temporal” (RE 1017365) e sua contraparte legislativa (o Projeto de Lei 490/2007) são, sem dúvidas, alguns dos temas mais prementes no que se refere à questão indígena no país. Devido ao escopo exíguo deste artigo, não dispomos de espaço para desenvolver toda a complexidade envolvida nesse debate. Em resumo, trata-se de um argumento que visa estabelecer uma “data inicial” (ou marco temporal que, no caso, seria na data da promulgação da Constituição de 1988) para que os povos indígenas que reclamam o reconhecimento da tradicionalidade de suas terras possam provar a ocupação efetiva desse território naquele momento. Resta evidente que a tese é inconstitucional, uma vez que estabelece um critério artificial que não respeita o espírito dos artigos destinados aos direitos indígenas na Carta Magna (231 e 232) e tampouco leva em conta os diversos processos de violência que expulsaram indígenas de muitas terras tradicionais em todo o país. . No entanto, o processo demarcatório, embora tenha sido objeto de estudo de importantes antropólogos e antropólogas do país, é pouco conhecido em seus meandros pelo grande público. Além disso - e mais importante para nosso propósito neste artigo -, esse processo é desconhecido pelo campo disciplinar da ciência política no Brasil, que pouco se interessou por questões indígenas ou indigenistas ao longo de sua consolidação no país nas últimas décadas (Soares, 2020Soares, L. B. "A ausência eloquente: ciência política brasileira, povos indígenas e o debate acadêmico canadense contemporâneo". Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, nº 33, p. 1-39, 2020.).

Existem, no Brasil contemporâneo, 680 TIs em diversos estágios do processo, abarcando a extensão estimada de 117 milhões de hectares, cerca de 13% do território nacional, o que coloca o Brasil como um dos países com maior extensão de terras tradicionalmente reconhecidas em todo o mundo (Rights and Resources Initiative, 2015Rights and Resources Initiative. Who Owns the World’s Land? A global baseline of formally recognized indigenous & community land rights. 2015. Disponível em: <http://www.rightsandresources.org/wp-content/uploads/GlobalBaseline_web.pdf>. Acesso em: 04 jun. 2023.
http://www.rightsandresources.org/wp-con...
). Já alcançaram os estágios finais do procedimento administrativo 443 delas, ao passo que 237 ainda se encontram nos estágios anteriores9 9 Há uma divergência na contagem das TIs a depender da organização que a realiza. Para o Instituto Socioambiental (ISA), há, correntemente, 784 TIs, sendo 125 em identificação, 45 identificadas, 68 declaradas e 496 homologadas e reservadas (disponível em: <terrasindigenas.org.br>. Acesso em: 04 jun. 2023); o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), por sua vez, afirma a existência de 1296 TIs, sendo 401 demarcadas, 306 em algum estágio do processo, 65 terras dominiais, reservas e territórios interditados e 530 sem nenhuma providência do Estado (disponível em: <https://cimi.org.br/terras-indigenas/>. Acesso em: 04 jun. 2023). Optamos, neste estudo, pela utilização do dado oficial, por entendermos que ele é o mais utilizado em demais estudos do gênero. Proveremos um breve quadro das fases do processo de demarcação de terras indígenas na próxima seção deste artigo. . Embora, do ponto de vista da jurisprudência pertinente ao tema, os direitos dos povos indígenas à proteção do Estado sobre seus territórios tradicionais independam da conclusão desses processos – uma vez que são originários, ou seja, preexistem ao ordenamento jurídico nacional e não se configuram como uma concessão do Estado - isso não é verdade para os casos concretos de demarcações de TIs. Terras ainda não completamente demarcadas, na prática, não são devidamente acompanhadas pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), órgão do Governo Federal responsável pelo atendimento aos povos indígenas, e tampouco são objeto de políticas públicas organizadas a partir dos territórios. Além disso, essas terras tendem a ser mais vulneráveis a violações de direitos diversos tais como invasão de grileiros, madeireiros e garimpeiros. Em suma, a conclusão do processo traz em si não apenas o forte simbolismo do reconhecimento cabal da tradicionalidade da ocupação dos territórios indígenas por parte do Estado brasileiro, mas também coloca as TIs na rota de políticas públicas voltadas para o atendimento dos povos indígenas.

Há muitas questões a serem respondidas sobre esse procedimento político-administrativo, cujo objetivo final é o de reconhecer certos tratos do território brasileiro como de ocupação tradicional por povos indígenas, prerrogativa constante da Constituição Federal de 1988. O presente artigo se propõe a responder a apenas uma delas: o que explica a emergência de uma demarcação de TI? Em outras palavras, por que algumas demarcações são concluídas enquanto outras não?

Para respondermos a essa indagação, este artigo está organizado em cinco partes, além desta introdução. Primeiramente, lançamos mão de um breve resgate da formulação da política de reconhecimento territorial indígena no Brasil. Damos enfoque especial à moderna moldura institucional e legislativa que a organiza. O objetivo é situar o/a leitor/a pouco familiarizado/a com o ciclo da política pública em tela no contexto jurídico-institucional em que o processo demarcatório se desenrola.

Em segundo lugar, procedemos a uma concisa revisão da literatura - posto que amparada em um trabalho de maior escopo já publicado (Soares et al., 2021Soares, L. B., et al. "Fatores explicativos das demarcações de terras indígenas: uma revisão de literatura". Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, São Paulo, n° 96, p. 1-24, 2021.) - sobre demarcações territoriais indígenas no Brasil, com o intuito de nela buscarmos os fatores elencados como incentivos ou constrangimentos à finalização de um processo demarcatório. Trata-se, portanto, de uma análise que privilegia a investigação de fatores institucionais e não institucionais para a determinação de resultados de políticas públicas.

Na sequência, apresentamos uma discussão sobre a seleção dos casos utilizados em nosso estudo e apresentamos as premissas básicas da técnica do Qualitative Comparative Analysis (QCA) no modo crisp set para determinar quais são as condições necessárias e suficientes para a conclusão de um processo demarcatório. Além disso, discutimos nossos achados a partir da aplicação da técnica do QCA ao conjunto de 40 casos elencados. Concluímos apontando algumas proposições concretas para os atores envolvidos no processo demarcatório a partir da análise empreendida.

Antes de seguirmos, porém, alguns esclarecimentos conceituais e metodológicos preliminares se impõem. Neste artigo, tratamos da política indigenista como um conjunto de políticas de contato com indígenas desenvolvidas por atores estatais e não-estatais (tais como igrejas, organizações não-governamentais e empresas) ao longo dos séculos que não se confunde com a “política indígena”, ou seja, as ações e projetos políticos desenvolvidos pelos povos indígenas e suas organizações. A política indigenista estatal é aquela desenvolvida pelo Estado brasileiro ao longo dos séculos e abrange diversos domínios da vida dos indígenas do país: saúde, educação, cultura, desenvolvimento econômico, dentre outros. No caso em tela, nos debruçamos somente sobre uma de suas dimensões, qual seja, a política de reconhecimento oficial da tradicionalidade da ocupação de terras indígenas que, no Brasil, assume o caráter de um procedimento administrativo10 10 As formas de reconhecimento territorial indígena variam enormemente em todo o mundo. Infelizmente, são poucos os trabalhos que abordam as diferenças entre as políticas de modo comparativo. Um dos poucos trabalhos dessa natureza é o de Scholtz (2006), focado no contexto anglo-saxônico, que aborda os casos do Canadá, Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia. Está ainda por se fazer um trabalho comparativo entre os países do continente americano como um todo. . Ademais, apontamos para a opção da utilização do termo “Terras Indígenas” como categoria administrativa partícipe da estrutura fundiária brasileira, sem entrarmos no mérito da longa discussão, no campo da geografia, sobre o conceito de “território” como espaço vivido e apropriado pelos povos indígenas por meio de suas práticas, usos e costumes.

Em termos metodológicos, devemos esclarecer que buscamos anonimizar ao máximo os casos trabalhados, seguindo recomendação das boas práticas das ciências humanas de não revelar dados sensíveis11 11 Evidentemente, essa especificidade coloca problemas à crescente exigência de transparência e replicabilidade no campo da ciência política contemporânea. Em que pese o fato de não podermos – pois estamos vinculados a um compromisso escrito com a Funai - disponibilizar os processos demarcatórios propriamente ditos aos/às pesquisadores/pesquisadoras interessados/as, podemos, mediante requisição por e-mail, dar acesso aos protocolos de redução de complexidade de cada um dos processos aqui analisados. . Com isso, queremos evitar a eventual designação de um determinado povo indígena como mais ou menos “mobilizado” ou “politizado” que o outro, algo que a abordagem de pesquisa não permite aferir em absoluto, mas que pode ser utilizado por atores políticos desejosos de semear a discórdia entre esses grupos. Assim, optamos por utilizar siglas que as designem e não mencionaremos sua localização específica - pontuaremos apenas a região - e nem os povos indígenas que nelas habitam.

Política de demarcação de Terras Indígenas: um breve histórico de sua formulação

O contato entre povos indígenas e colonizadores europeus no Brasil é secular e marcado pela violência, escravização, etnocídio, discriminações de todas as formas e, evidentemente, pelo esbulho das terras tradicionais. As determinações políticas oriundas dos reis portugueses para o relacionamento dos não-indígenas com os indígenas ora pendiam para a benevolência paternalista, domesticadora e “cristã”, ora para a guerra aberta contra os indígenas considerados “bárbaros”. Em que pesem as tentativas do governo metropolitano de tentar estabelecer diretrizes para a “integração” dos povos indígenas ao conjunto da sociedade colonial – como atesta a promulgação do Diretório Pombalino de 1755 – é lícito concluir que não havia, de fato, algo que pudesse ser percebido como uma política do Estado português unificada e coerente para lidar com as questões indígenas no Brasil Colônia.

O período imperial tampouco se destacou nesse sentido. Perrone-Moisés caracterizou a legislação relativa aos povos indígenas no período como “cambiante, hipócrita e ad hoc”, dando a compreender que não há como se falar de uma política pública, em termos modernos, voltada para os indígenas nas vastas solidões do império brasileiro (Perrone-Moisés, 1992Perrone-Moisés, B. Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista do período colonial (séculos XVI a XVIII). In: Cunha, M. C. (Org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.). O que se processou no período, de forma mais dramática, foi a mudança do interesse dos não-indígenas da exploração da força de trabalho indígena escravizada para a ocupação de suas terras. É durante o século XIX que se consolida a prática do esbulho das Terras Indígenas, elemento ainda comum na contemporaneidade (Cunha, 1992Cunha, M. C. Legislação indigenista no século XIX. São Paulo: Edusp, Comissão PróÍndio de São Paulo, 1992.).

O esboço do que podemos compreender como uma política pública indigenista estatal só pode ser vislumbrado com maior acuidade com o surgimento do Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN) em 1910, tornando-se apenas SPI em 1917. Traçam-se aí as primeiras diretrizes para lidar com a questão indígena a partir de um ponto de vista eminentemente tutelar de um Estado republicano recentemente instituído e às voltas com o processo de consolidação das fronteiras e a ocupação do interior do Estado-nação brasileiro (Lima, 1995Lima, A. C. S. Um grande cerco de paz: poder tutelar, indianidade e formação do estado no Brasil. Petrópolis: Editora Vozes, 1995.). O reconhecimento de terras indígenas, nas primeiras décadas do século XX, dava-se, de modo geral, sob a forma de “reservas” concedidas pelos governos estaduais, de modo errático e pouco efetivo, em processos permeados pela corrupção dos agentes públicos, grilagem e violências diversas contra os povos indígenas.

A moderna política pública de reconhecimento de terras indígenas no Brasil tem dois marcos importantes. Em primeiro lugar, a substituição do SPI pela Funai em 1967 que se tornou, desde então, o órgão da administração pública federal responsável pela formulação, implementação e avaliação da política indigenista no país. Em segundo lugar, a promulgação da Lei 6.001/73, conhecida como Estatuto do Índio, que estabeleceu pela primeira vez, de forma mais clara, os procedimentos para o reconhecimento estatal da tradicionalidade da ocupação das TIs por parte do Governo Federal12 12 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6001.htm >. Acesso em: 29 mar. 2022. .

No referido diploma legal foram caracterizadas as modalidades de ocupação das terras tradicionais, quais sejam: 1) as terras habitadas ou ocupadas pelos “silvícolas”; 2) as terras de domínio (aquelas adquiridas pelos povos indígenas de alguma forma extra processo demarcatório); e 3) as terras reservadas (reserva, parque ou colônia agrícola indígena). O disciplinamento do processo de reconhecimento dessas modalidades territoriais, no entanto, só se deu a partir da edição do decreto 76.999/7613 13 Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1970-1979/decreto-76999-8-janeiro-1976-425608-publicacaooriginal-1-pe.html >. Acesso em: 29 mar. 2022. e normativas subsequentes, que desembocaram na primeira TI demarcada sob o novo procedimento em 1982 (Soares et al., 2021Soares, L. B., et al. "Fatores explicativos das demarcações de terras indígenas: uma revisão de literatura". Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, São Paulo, n° 96, p. 1-24, 2021.).

A política de reconhecimento de TIs ganhou novo impulso com a Constituição de 1988. Esta trazia em seu texto a consagração do princípio do indigenato, fundamentação jurídica para a posse permanente e usufruto exclusivo de TIs que deita raízes em longínquas normatizações coloniais, e o fim da tutela legal que pairava sobre os povos indígenas, princípios consagrados nos artigos 231 e 232 da Carta Magna. Na sequência, já durante a década de 1990, uma série de atos normativos infraconstitucionais surgiram para conformar a atual política de demarcação de terras indígenas no Brasil. O documento legal chave aqui é o decreto 1775/96, o qual concentrou todas as outras disposições espalhadas em decretos anteriores e é a legislação demarcatória atualmente em vigor no país14 14 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d1775.htm >. Acesso em: 29 mar. 2022. .

O processo de demarcação administrativa de terras indígenas compreende cinco fases, quais sejam: 1) o estabelecimento de um Grupo de Trabalho (GT) com o objetivo de produção de laudo antropológico que ateste a tradicionalidade da ocupação do território alegadamente indígena. É a fase de identificação da TI; 2) sucedendo ao recebimento do relatório e sua aprovação pela presidência da Funai, tem-se a fase da delimitação, ou seja, a publicação em diário oficial do estudo aprovado e a abertura do período de apresentação do contraditório administrativo; 3) após a delimitação, vem a fase declaratória, em que o Ministério da Justiça emite uma portaria declaratória que autoriza a demarcação física do território; 4) na sequência, na fase homologatória, o processo segue para sanção presidencial via decreto; 5) por fim, as TIs são consideradas regularizadas quando da inscrição de sua matrícula no Serviço de Patrimônio da União. É de fundamental importância aqui destacar, por um lado, que as normativas em tela trouxeram maior clareza para o fluxo de procedimentos, institucionalizando os parâmetros para a instituição dos GTs e dos relatórios a serem produzidos, buscando maior segurança jurídica. Por outro lado, há uma ênfase, não observada na legislação pré-1988, na participação dos povos indígenas em todas as fases do processo demarcatório, encarando-os como protagonistas e não meros recipientes de uma política pública (Lima, 2015Lima, A. C. S. "Sobre Tutela e participação: povos indígenas e formas de governo no Brasil, séculos XX/XXI". Mana, Rio de Janeiro, vol. 21, nº 2, 2015.).

Uma vez explicitada a moldura legal-institucional que ampara o procedimento de demarcação de terras indígenas e suas etapas, passaremos, na sequência, a tentar responder à seguinte questão: o que, na literatura especializada sobre demarcações de terras indígenas, emerge como fatores que explicam sua conclusão?

Demarcação de terras indígenas: fatores institucionais e não-institucionais

De saída, é importante destacar que não detectamos, nos campos da antropologia e do direito brasileiros – disciplinas que concentram o maior número de trabalhos sobre a política demarcatória do país – teorias que explicassem o fenômeno de interesse. Há, sem dúvida, pródigas e, por vezes, complexas descrições do processo demarcatório, ensejando análises a partir de diversas matrizes analíticas, mas nenhuma delas conforma um arrazoado conceitual aos moldes de uma “middle-range theory”, capaz de fornecer hipóteses testáveis, nem mesmo um elenco preliminar de variáveis de interesse (Cf. inter alia, os trabalhos de Oliveira; Almeida, 1984Oliveira, J. P.; Almeida, A. W. B. "Demarcações: uma avaliação do GT-Interministerial". Aconteceu Especial, São Paulo, vol. 15, p. 48-52, 1984., 1998Oliveira, J. P.; Almeida, A. W. B. Demarcação e reafirmação étnica: um ensaio sobre a FUNAI. In: Oliveira, J. P. (Org.). Indigenismo e territorialização: poderes, rotinas e saberes coloniais no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Contra Capa, 1998.; Lima, 1995Lima, A. C. S. Um grande cerco de paz: poder tutelar, indianidade e formação do estado no Brasil. Petrópolis: Editora Vozes, 1995.). Assim, em que pese a existência de trabalhos de excelente qualidade e interesse em ambos os campos, seus aportes podem ser, por vezes, frustrantes para o cientista político interessado em formulações mais sistemáticas sobre o problema.

Desse modo, tivemos de buscar um “norte” teórico em outros contextos acadêmicos. Partimos, inicialmente, do trabalho pioneiro do cientista político canadense Christopher Alcantara, que buscou entender quais fatores explicam a celebração de tratados de reconhecimento territorial entre o Estado canadense e os povos indígenas que nele habitam (2013). Não procederemos a uma exposição detalhada dos argumentos do autor, tampouco adentraremos as especificidades do modelo canadense de reconhecimento de terras indígenas, porque o fizemos em trabalhos anteriores (Soares, 2017b). Aqui cabe, tão somente, à guisa de resumo, destacar que os seguintes elementos foram apontados pelo autor como relevantes para a emergência dos acordos: 1) a sinergia de objetivos entre governo e grupos indígenas; 2) o uso reduzido de um repertório de protestos e atos contenciosos por parte desses grupos; 3) a forte coesão grupal dos povos indígenas em torno do apoio ao processo de negociação; e 4) as percepções positivas da capacidade dos grupos indígenas por parte dos agentes estatais.

A lista de variáveis intervenientes no processo de reconhecimento de terras indígenas no Canadá, mesmo que seja uma valiosa baliza para guiar esforços analíticos subsequentes, não é imediatamente trasladável para o contexto brasileiro. A principal diferença poderia ser resumida no seguinte ponto: ao passo em que o procedimento canadense de negociação de tratados com povos indígenas é um método baseado no common law – em que os direitos sobre o território são “criados” e só são válidos a partir da concordância das partes envolvidas –, o procedimento brasileiro é amparado pela ideia de direito originário dos povos indígenas sobre as terras em que habitam – nesse caso, o Estado brasileiro apenas reconhece, administrativamente, um direito pré-existente. Enquanto o primeiro assume sua natureza diretamente política, o segundo o dissimula sob um suposto caráter “técnico”.

Em trabalho anterior (Soares et al., 2021Soares, L. B., et al. "Fatores explicativos das demarcações de terras indígenas: uma revisão de literatura". Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, São Paulo, n° 96, p. 1-24, 2021.), realizamos ampla revisão de literatura em que buscamos auferir elementos que explicam a ocorrência de uma demarcação de terras indígenas no Brasil, assim como fatores que podem impedi-la ou retardá-la15 15 No presente artigo, nos debruçaremos somente sobre os fatores propulsores da demarcação. . Portanto, iniciamos nossa própria busca na literatura nacional e chegamos à conclusão de que os seguintes fatores podem estar envolvidos com o sucesso dos processos demarcatórios:

Mobilização e atos de protesto indígena (MAP16 16 Esses elementos serão designados com siglas nas tabelas utilizadas pela abordagem QCA. ): o principal fator que emergiu em nossa revisão da literatura como decisivo para a conclusão do processo demarcatório foi a mobilização dos povos indígenas para esse fim por meio de, muitas vezes, um amplo repertório de ação coletiva que vai desde a atuação em redes sociais até o bloqueio de estradas e ocupação de prédios públicos e privados (Soares, 2018Soares, L. B. "Idle No More: sobre a mobilização indígena no Canadá". Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 33, nº 97, 2018.). A ação direta de grandes grupos ou apenas um pequeno número de lideranças em prol da demarcação de suas terras indígenas se destaca como um elemento catalisador fundamental para a conclusão bem-sucedida do processo demarcatório, embora, seja forçoso notar, que ele não se verifique em outros contextos de luta política dos povos indígenas (Cf., por exemplo, para o caso canadense, Belanguer; Lackenbauer, 2014; Soares, 2018Soares, L. B. "Idle No More: sobre a mobilização indígena no Canadá". Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 33, nº 97, 2018.).

A atuação política de aliados (APA): trata-se do diverso rol de ações políticas desencadeado por uma constelação de atores governamentais e não governamentais que se apresentam como aliados dos povos indígenas e suas organizações no decorrer das vicissitudes dos processos demarcatórios.

Coesão intragrupal indígena (CII): diz respeito ao nível de coesão interna das lideranças indígenas durante o processo demarcatório. Procedimentos dessa natureza duram, tipicamente, uma década, podendo, em alguns casos, chegar a mais de quinze anos. A ação concertada de lideranças que se mantêm unidas ao longo do tempo pode ajudar na manutenção da negociação contínua com os agentes do Estado brasileiro e evitar dissenções que, ao fim e ao cabo, fragmentam as demandas territoriais.

Programa governamental específico (PGE): demarcações de terras indígenas têm um custo operacional e de recursos humanos não trivial, o que pode inviabilizar as atividades no contexto de crônico subfinaciamento da Funai. Assim, a obtenção de um orçamento extra oriundo de alguma rubrica específica do governo, ou mesmo de fundações internacionais ou governos estrangeiros, pode, indubitavelmente, prover o impulso material necessário à consecução do procedimento demarcatório.

A qualidade do processo demarcatório (QPD): processos demarcatórios com qualidade são aqueles que apresentam a instrução técnica adequada, relatórios bem redigidos, com pouco ou nenhum retrabalho e que, portanto, seguem o trâmite interno das instituições deles encarregadas de forma célere. A perícia na montagem de um processo demarcatório, sobretudo em suas fases iniciais, pode ser decisiva para evitar a multiplicação de GTs, perdas de prazos legais e a vulnerabilidade a questionamentos jurídicos. Assim, pode ser um elemento importante para que uma determinada demarcação chegue a um bom termo.

Ressalte-se que a lista ora apresentada não é exaustiva, uma vez que é possível supor que a literatura consultada seja omissa com relação a outras variáveis que podem intervir no processo demarcatório. É notável, por exemplo, a omissão com relação a variáveis políticas referentes ao papel do Ministério da Justiça e da Presidência da República. Isso pode acontecer sobretudo pelo fato de que, devido aos interesses disciplinares próprios dos campos da Antropologia e do Direito, pouca atenção foi dada à ecologia burocrática envolvida na política de reconhecimento de terras indígenas, conforme a arguta proposição de Scholtz (2006)Scholtz, C. Negotiating Claims: The Emergence of Indigenous Land Claim Negotiation Policies in Australia, Canada, New Zealand, and the United States. New York: Routledge, 2006.. Não obstante, consideramos que os fatores aqui propostos podem por si sós prover uma leitura mais complexa e nuançada do fenômeno a ser explicado.

Os elementos acima elencados serão utilizados na aplicação da técnica de QCA sobre um conjunto específico de casos. Na sequência, nos dedicamos a discutir, ainda que de forma breve, os procedimentos utilizados para a seleção dos casos analisados e para a aplicação da técnica em questão.

Investigando processos demarcatórios: os casos selecionados e a técnica utilizada

O primeiro passo de nossa análise empírica foi a obtenção, via Lei de Acesso à Informação (LAI), de uma lista atualizada de Terras Indígenas de parte da Funai, no que fomos prontamente atendidos17 17 Queremos deixar registrado nossos agradecimentos aos servidores e servidoras da Funai que, mesmo em um quadro de intensa precarização, conseguem se desdobrar para atender aos pedidos dos pesquisadores. .

Em segundo lugar, procedemos a escolha dos casos a serem efetivamente investigados. Os tipos de pesquisa e de técnica analítica empregada tornam praticamente inviável a abordagem do universo de casos de TIs demarcadas ou em vias de demarcação. Como é sabido, a escolha de um número pequeno ou moderado de casos, desde que feita de forma rigorosa, se reveste de fundamental importância para a produção de inferências descritivas ou causais válidas em ciências sociais (Gerring, 2004Gerring, J. "What is a case study and what is it good for?". American Political Science Review, Boston, vol. 98, nº 2, p. 341-354, 2004., 2007Gerring, J. Case study research: principles and practices. Cambridge: Cambridge University Press, 2007., 2009Gerring, J. The case study: what it is and what it does. In: Boix, C.; Stokes, S. C. (Eds.). Oxford Handbook of Comparative Politics. Oxford University Press, 2009.; Rezende, 2011Rezende, F. C. "Razões emergentes para a validade dos estudos de caso na ciência política comparada". Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, nº 6, p. 297-337, jul.-dez. 2011.). Assim, guiados pela técnica de análise de dados empregada neste artigo, buscamos pelo menos dez casos, número mínimo exigido para a sua aplicação de forma adequada.

Primeiramente, buscamos casos de TIs com tamanhos similares. Na região Norte, nos preocupamos em comparar TIs que consideramos de grande extensão (com mais de 1 milhão de hectares de área). Nas demais regiões, o referido critério se manteve, mas sem a linha de corte estabelecida para a primeira, uma vez que as demarcações fora da região Norte raramente são de grande porte. Também levamos em conta, com vistas ao aumento da complexidade e à variação dos casos, a incidência da TI demarcada sobre diversos municípios ou mesmo estados; localizadas em faixa de fronteira; a conflitualidade dos processos demarcatórios em curso; e a alta densidade populacional dos estados em que as TIs se localizam.

Sendo assim, a partir dos critérios acima elencados, chegamos à seleção de 40 casos de demarcações de TIs, quais sejam:

Casos das regiões Norte e Centro-Oeste: JT18 18 Os casos são identificados apenas por uma sigla, sem demais elementos marcadores do estado, tamanho do território ou povos indígenas que os habitam para evitar interpretações equivocadas sobre a atribuição dos escores às condições apresentadas como envolvidas no processo demarcatório. ; CL; WA; KT; MK; NW; AC; YK; CC; KRP; IW; UW; TD; C1.

Casos da região Nordeste: AB; AV; PT; BC; PMM; TK, CJP; PO; KW.

Casos das regiões Sul e Sudeste: BV; RS; IR; CP; MC; XPC; BV; YL; XP; RC; GT; JG; IT; TP; GB; XC; TPQ.

Trata-se, portanto, de 40 casos de demarcações de TIs, sendo 18 já concluídas (AB, CP, CL, MD, NK, WA, CJP, PO, KW, XP, RC, GT, C1, IW, TD, GB, XC, TPQ) e 22 no estágio declaratório. Em conjunto, os casos conformam uma área (em milhões de hectares) de 11.957.486, incidem sobre 58 municípios, 19 estados da federação, e abarcam uma população de 12.966 indivíduos distribuídos em vinte povos indígenas. Dessa maneira, compreendemos que a amostra aqui apresentada maximiza a variabilidade dos casos, o que pode dar ensejo a proposições explicativas de escopo mais facilmente generalizável.

Após a escolha dos casos, recorremos novamente à LAI para a obtenção dos arquivos dos processos demarcatórios. Estes foram formalmente solicitados e fornecidos em arquivos digitais no segundo semestre de 2020 e em meados de 2022. Assim, de posse dos documentos, partimos para a análise dos processos demarcatórios. Conforme aludimos anteriormente, trata-se de arquivos que usualmente comportam centenas, se não milhares, de páginas de documentos, memorandos, despachos, decretos, comunicações oficiais, croquis e toda sorte de outros materiais. Não raro perfazem inúmeros volumes, tornando dispendiosa a tarefa de investigá-los em profundidade.

Para facilitar a abordagem múltipla e simultânea dos processos, procedeu-se à distribuição deles entre o grupo de pesquisadores e pesquisadoras19 19 Participaram da coleta e análise de dados, nos anos de 2020 e 2021, os seguintes pesquisadores e pesquisadoras para: Ana Paula Alvares Costa, Catarina Chaves Costa, Marina de Barros Fonseca, Yasmin Nascimento Moita, Joseane Ferreira Mota e Luiza Brilhante Bezerra. que tinham como tarefa a leitura desses “calhamaços digitais” a partir de um protocolo de pesquisa que elaboramos com vistas à redução da complexidade da tarefa. Em outras palavras, elaboramos um instrumento de pesquisa que guiasse seu olhar para as variáveis de interesse e ajudasse na consulta rápida a distintos elementos no interior da miríade de documentos (ver Anexo ANEXO Protocolo de redução de complexidade dos processos demarcatórios de terras indígenas no Brasil O presente protocolo é um instrumento de pesquisa desenvolvido originalmente no contexto da pesquisa intitulada “Política de reconhecimento territorial indígena no Brasil: atores, instituições e processos”, coordenada pelo Professor Dr. Leonardo Barros Soares no âmbito de suas atividades de docência junto à Faculdade de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Pará entre janeiro de 2020 e dezembro de 2021. O objetivo do protocolo é o de reduzir a complexidade na leitura dos processos de demarcação de terras indígenas no Brasil. Esses processos podem, por vezes, ser compostos por milhares de documentos arrolados em uma grande quantidade de volumes, o que dificulta a consulta expedita deles. Dado que as pesquisas trabalham com um cronograma estrito, faz-se premente um recurso que possa facilitar a leitura dos referidos processos em contextos de investigação acadêmica. ). Além disso, fizemos uma ampla consulta a diversos bancos de dados governamentais e não governamentais, assim como a fontes de mídia digital, sempre que o material analisado demandava maiores esclarecimentos ou contextualização. Realizamos, também, reuniões periódicas mensais nos anos de 2020 e 2021 para discutir os casos, verificar o avanço de cada um dos pesquisadores e propor eventuais correções de rota.

Após a consolidação dos casos escolhidos, aplicamos a técnica chamada Qualitative Comparative Analysis (QCA). Trata-se, em resumo, de um método configuracional que visa compreender quais são as condições suficientes e necessárias para o surgimento de um determinado fenômeno de interesse – no caso em tela, a conclusão do processo demarcatório. Serão observadas, portanto, as condições que são: 1) parte insuficiente, mas necessária de uma condição desnecessária, porém suficiente para a obtenção do resultado (INUS); e 2) parte suficiente, mas desnecessária de um fator insuficiente, contudo necessário para a obtenção do resultado de interesse (SUIN) (Betarelli Júnior; Ferreira, 2018).

A QCA pauta-se pela ideia de complexidade causal, em outras palavras, implica multicausalidade conjuntural - combinações distintas de condições que podem desembocar no mesmo fenômeno -, ou seja, equifinalidade. Além disso, a multicausalidade em tela também é assimétrica, uma vez que não há como depreender, sem as mediações necessárias, a explicação para a não-ocorrência de um determinado resultado a partir da explicação para a sua ocorrência. Assim dizendo, há vários “caminhos causais” que podem levar à explicação da demarcação das terras indígenas. Por outro lado, a constatação desses caminhos que levam ao resultado de interesse não serve para deles extrairmos, de forma simplista, a resposta para a sua não obtenção. É preciso realizar também o teste de condições que levam a esse fenômeno (Freitas; Bizzarro Neto, 2015).

Por fim, em que pese o fato de que a abordagem aqui empregada não prove de forma cabal relações causais entre os fatores elencados na segunda parte deste artigo e os resultados dos processos demarcatórios, o estudo se presta à construção de tipologias empíricas. Estas podem servir de ponto de partida para a elaboração de hipóteses testáveis estatisticamente a partir de desenhos de pesquisa com um maior número de casos.

A abordagem QCA se apresenta em dois modelos básicos, chamados de fuzzy set (fsQCA) e crisp set (csQCA). A principal diferença entre ambos reside na condição, por parte do pesquisador, de atribuição de um determinado fenômeno como membro ou não membro de um conjunto a partir de uma dicotomia (“0” e “1”, “pertence” ou “não pertence”) ou de um escore de pertencimento (qualquer valor entre “0” e “1”). Ao passo em que o primeiro capta as distinções quantitativas e qualitativas entre os fenômenos, o segundo capta apenas a dimensão qualitativa. No presente artigo, lançaremos mão de uma análise de uma csQCA, posto que o fenômeno analisado pode ser encaixado numa dicotomia simples – “1” para a TI já regularizada e “0” para a TI não regularizada (nos casos aqui trabalhados, TIs apenas “declaradas”).

Importante ressaltar, por fim, que a técnica em tela deve auxiliar o pesquisador na busca por regularidades dos fenômenos sociais, buscando deslindar fatores que agem para além dos contextos específicos dos casos abordados. Isso não implica, em absoluto, na desconsideração tout court das singularidades locais, mas antes, a aceitação de um nível de trade off entre perda de nuances e ganho de informação para um maior número de casos. Proposições de escopo generalizável devem ser observadas e eventualmente utilizadas com sobriedade e tendo em vista que a investigação “microscópica” dos casos pode revelar fatores que operam abaixo do radar dos instrumentos de pesquisa dos cientistas.

Na sequência, apresentamos e discutimos os resultados da aplicação da referida técnica aos casos selecionados.

Abrindo a caixa-preta: uma aplicação do QCA sobre processos demarcatórios no Brasil

O primeiro passo na elaboração de um estudo utilizando a técnica QCA é a construção de uma matriz de dados. Em nosso caso específico, trata-se de uma tabela formada por: 1) na primeira coluna, casos analisados; 2) na última coluna, resultado (ou variável dependente) e 3) nas demais colunas, condições (k) exploradas. Anotamos o valor “1” para denotar a presença de condições ou resultados e “0” para o inverso (Tabela 1):

Tabela 1
Matriz de dados dicotômicos

O passo seguinte diz respeito à elaboração da “tabela verdade”, à minimização lógica por meio da minimização booleana dos fatores elencados e à atribuição de casos às diferentes configurações causais20 20 Segundo Betarelli Júnior e Ferreira (2018), a QCA é baseada na Teoria dos Conjuntos e em operações da álgebra booleana em contraste com a Teoria de Probabilidades e a álgebra matricial, mais comumente utilizadas nas ciências sociais. Para resumir, a redução ou minimização booleana consiste em tornar mais parcimoniosa uma fórmula ou expressão matemática mais longa. . Esse processo é realizado de forma automatizada por alguns softwares. Em nosso estudo, utilizamos o fsQCA versão 3.1b para sistema operacional Windows21 21 Disponível em: <http://www.socsci.uci.edu/~cragin/fsQCA/software.shtml>. Acesso em: 29 mar. 2022. . Utilizamos, à guisa de threshold para a atribuição de casos às fórmulas, o mínimo de 0.75, preconizado pela literatura para QCA no modo crisp set.

O programa, então, nos oferece três tipos de solução, quais sejam, a complexa, a parcimoniosa e a intermediária. O protocolo de apresentação de resultados do QCA prevê a apresentação dos três resultados, mas apenas a discussão da solução intermediária. Esta última é a mais indicada para ser levada em conta na análise final, uma vez que nem é tão simplificadora como a solução parcimoniosa e nem de difícil inteligibilidade como a solução complexa.

Assim, apresentamos:

A solução complexa

frequency cutoff: 1/ consistency cutoff: 1

solution coverage: 0.5/solution consistency: 1

A solução parcimoniosa

frequency cutoff: 1/ consistency cutoff: 1

solution coverage: 0.5/solution consistency: 1

A solução intermediária

Assumptions: MAP (present)/APA (present)/CII (present)/PGE (present)/QPD (present)

frequency cutoff: 1/ consistency cutoff: 1

solution coverage: 0.5/solution consistency: 1

Como é possível notar, as fórmulas apresentadas cobrem apenas dez casos dos dezoito que pretendemos explicar. Isso significa que os casos restantes devem estar alocados em fórmulas contraditórias, que respondem por TIs demarcadas (1) e não demarcadas (0) ao mesmo tempo, o que invalida os achados. Como proceder diante desse fato?

Uma das soluções preconizadas pelo método é a adição de outras condições causais à tabela, de modo a ir auferindo, mediante novas “tabelas-verdade” e minimizações lógicas, quais são os fatores que vão proporcionando ganho de informação sobre os casos remanescentes.

Procedemos à inclusão de variáveis que, conforme apontamos em trabalho anterior (Soares et al., 2024Soares, L. B., et al. "Fatores explicativos da morosidade das demarcações de terras indígenas no Brasil". Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, vol. 58, n° 2, p. 1-20, 2024.), emergem na literatura especializada como fatores que tradicionalmente concorrem para a procrastinação do processo demarcatório ou ainda que podem ser ambíguos, ou seja, em um caso podem agir como catalisador enquanto que em outro como procrastinador22 22 Recomendamos ao/à leitor/leitora a consulta ao material indicado, pois lá discorremos com mais profundidade cada uma das condições envolvidas nos processos demarcatórios. . Em termos do modelo de explicação de processos demarcatórios, essa inclusão faz sentido porque os fatores que teoricamente impulsionam a demarcação e aqueles que devem torná-la mais morosa podem estar agindo, na realidade, todos ao mesmo tempo. A demarcação propriamente dita, portanto, pode ser encarada como a resultante de forças em direções contraditórias, não podendo dar ensejo a interpretações simplistas.

Buscamos testar, individualmente, cada uma das condições causais “procrastinatórias” e aquelas ditas “ambíguas”. A cada adição, realizávamos novamente o procedimento acima descrito e verificávamos se aquela condição cobria novos casos. No caso das variáveis do primeiro tipo, tivemos o cuidado de introduzi-las no modelo com direcionalidade negativa, ou seja, em teoria, elas só poderiam concorrer para a obtenção das demarcações em caso de ausência na fórmula. Aquelas do segundo tipo, por outro lado, foram introduzidas com sentido positivo, isto é, testamos se a sua presença contribuiria para o resultado que desejamos explanar.

As condições “negativas” que lograram aumentar o número de casos cobertos pelas fórmulas de minimização foram a judicialização do processo demarcatório (JPD) e os discursos públicos de antagonismo (DPA); as condições ambíguas positivadas foram a influência política parlamentar (IPP) e a falta de consulta aos povos indígenas (FCP).

De modo esquemático, compreendemos a judicialização do processo demarcatório como a sua litigância, por parte de algum ator interessado, em qualquer momento de seu curso, o que pode arrastá-lo por anos, até mesmo décadas; por discursos públicos de antagonismo, por sua vez, entendemos a existência de discursos circulantes em mídias locais ou nacionais que estimulam a animosidade contra os povos indígenas e questionam a legitimidade de seus pleitos. Ademais, nosso entendimento de influência política parlamentar diz respeito à possibilidade de intervenção de políticos em dado momento do processo demarcatório, ao passo que a falta de consulta aos povos indígenas é uma condição autoexplicativa, ou seja, descreve a ausência de processos prolongados de reuniões e diálogo estendido com os povos originários. Aqui, optamos por tratá-la em seu caráter ativo, ou seja, estamos aventando a possibilidade de que essa lacuna consultiva, em que pese eventualmente contribua para demarcações com menos legitimidade coletiva, pode tornar o processo menos burocrático e dispendioso, tornando sua conclusão mais expedita e provável.

A matriz de dados para essa nova configuração com nove condicionantes é a seguinte:

A partir da Tabela 2, apresentamos a seguinte “tabela-verdade”, apenas em sua solução intermediária23 23 Embora a recomendação de que os trabalhos utilizando QCA reportem todas as soluções existentes, consideramos que a apresentação apenas da solução intermediária aumenta a inteligibilidade dos achados e diminui o grau de complexidade na leitura do trabalho. :

Tabela 2
Matriz de dados dicotômicos com nove condicionantes

Assumptions: MAP (present)/APA (present)/CII (present)/PGE (present)/QPD (present)/~JPD (absent)/IPP (present)/FCP (present)/~DPA (absent)

frequency cutoff: 1/consistency cutoff: 1

solution coverage: 1/solution consistency: 1

Conforme podemos depreender da tabela acima, os 18 casos de TIs demarcadas foram explicados por treze fórmulas lógicas. Note-se que é bem mais do que as cinco fórmulas derivadas da aplicação de apenas cinco fatores. Esse acréscimo pode ser atribuído ao aumento da complexidade introduzida pelas condições adicionais, o que requer um trabalho interpretativo mais vigoroso do analista. Assim, passemos à sua leitura à luz dos fatores elencados e do diálogo deles com os casos concretos.

Coesão e mobilização: as grandes forças impulsionadoras das demarcações

A solução intermediária oriunda da minimização lógica a partir da “tabela-verdade” indicou sete fórmulas que têm como elementos centrais a conjunção dos fatores Mobilização e Atos de Protesto (MAP) e Coesão Intragrupal Indígena (CII), ou seja, como aquela conducente ao maior número de TIs demarcadas no conjunto de casos analisados. Foram elas as MAP*CII*DPA (TIs WA, XP, TPQ), MAP*APA*CII*~JPD (MD, C1, GB), MAP*~APA*CII*FCP (KW, IW), MAP*CII*PGE*QPD*JPD (CJP), MAP*CII*PGE*IPP*FCP (PO), MAP*CII*~JPD*IPP (GT) e MAP*CII*PGE*~QPD*~JPD (CL). Considerando que se trata de 12 casos em um universo de 18 TIs regularizadas, o resultado significa que nada menos que 66% da amostra pode ser explicada pela condição em tela.

Cabe relembrar que as evidências internacionais sobre o papel das mobilizações indígenas nos processos de reconhecimento são ambivalentes. Em muitos relatos, o desencadeamento de protestos pode indispor os agentes governamentais com as lideranças indígenas, congelando as negociações. Na literatura brasileira, no entanto, há um marcado acento no papel dessas mobilizações para a luta pelos direitos territoriais dos povos originários. Em outras palavras, a visão francamente positiva que os estudos de caso analisados em nossa revisão bibliográfica têm dos atos de protesto e mobilização parecem guardar ressonância com os casos concretos analisados (Neves, 2003Neves, L. J. O. Olhos mágicos do Sul (do Sul): lutas contra-hegemônicas dos povos indígenas no Brasil. In: Santos, B. S. (Org.). Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo cultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.; Bicalho, 2010Bicalho, P. S. S. "Protagonismo Indígena no Brasil: movimento, cidadania e direito (1970-2009)". Tese de Doutorado em História. Universidade de Brasília, 2010.; Carvalho, 2015Carvalho, M. A. L. "Os movimentos políticos Yanomami: análise da construção de suas demandas e reivindicações". Dissertação de Mestrado em Sociedade e Fronteiras. Universidade Federal de Roraima, 2015.). Note-se que a força de mobilização nos casos analisados parece ser tal que, mesmo na presença de discursos públicos de antagonismo (DPA) à luta dos povos indígenas pela demarcação de seus territórios e de judicialização do processo demarcatório (JPD) – elementos que, em tese, contribuem para sua lentificação –, os processos foram concluídos.

Além disso, as fórmulas significam que a coesão grupal dos povos indígenas – com foco na coesão de suas lideranças –, na ausência da articulação política de aliados ou de atos de protesto, parece ter o condão de conduzir os povos indígenas à desejada homologação de seus territórios. Sugere essa interpretação a fórmula ~MAP*~APA*CII*~JPD*~DPA (AB, CP, TD, XC). Isso significa que, como elemento isolado, a coesão intragrupal dos povos indígenas respondeu por 22% dos casos investigados, apresentando-se, provavelmente, como um fator com influência central sobre a maioria das demarcações em tela.

É possível, a partir daí, aventar várias hipóteses para explicar sua preponderância. À guisa de exemplo, podemos supor que a coesão grupal é capaz de manter o grupo motivado, elemento fundamental para sustentar o longo processo de interação com o Estado brasileiro requerido pelo processo demarcatório. Além disso, grupos de lideranças coesos diminuem os atritos intraétnicos e reduzem a complexidade das demandas apresentadas aos agentes políticos. Ainda vale notar que a coesão grupal é um dos elementos que também intervém nos processos demarcatórios canadenses, conforme o já aludido trabalho de Alcantara (2013)Alcantara, C. Negotiating the deal: comprehensive land claims agreements in Canada. Toronto: University of Toronto Press, 2013., o que sugere a presença de um elemento antropológico basilar na raiz da compreensão das ações políticas dos povos indígenas não apenas no Brasil, mas em diversas partes do mundo.

Ressalte-se que ambos os fatores parecem ser necessários à condução a bom termo dos doze processos, mas não suficientes para tal. Há outros elementos intervenientes, que certamente se beneficiam da energia mobilizada pelos povos indígenas na busca da concretização de seus direitos. A qualidade do processo demarcatório (QPD), por exemplo, pode ser descrita como a condição em que ele apresenta uma série de elementos que fazem com que seu trâmite se passe sem grandes turbulências, atrasos, retrabalhos ou anulações. Assim, podemos aventar a hipótese de que os protestos desses povos indígenas podem ter servido para que o governo federal tomasse precauções extras com esses processos, uma vez que os povos indígenas podem ter se apresentado como “ameaças críveis” (Scholtz, 2006Scholtz, C. Negotiating Claims: The Emergence of Indigenous Land Claim Negotiation Policies in Australia, Canada, New Zealand, and the United States. New York: Routledge, 2006.).

A existência de um programa governamental específico (PGE), por sua vez, associada à mobilização e aos atos de protestos dos povos indígenas, também pode ser observada como um elemento necessário para a obtenção de algumas demarcações. Aqui, por óbvio, podemos aventar a possibilidade de que os protestos podem ter acelerado a busca por uma solução para a eventual falta de orçamento para a realização da demarcação. Afinal de contas, processos demarcatórios demandam contratação de pessoal, alimentação, estadia, pagamento de diárias, meios de transporte, materiais cartográficos, enfim, um grande número de ações, serviços e recursos humanos que demandam dinheiro para seu financiamento.

Ademais, a existência de influência política parlamentar (IPP) também parece ter atuado de modo benéfico em alguns dos casos analisados. Ainda está por se fazer um trabalho mais aprofundado das relações entre povos indígenas e seus representantes aliados nas instituições de representação política formal, mas é possível supor que a disponibilidade de um patrono em fazer articulações políticas em benefício de uma determinada demarcação pode ter efeitos positivos nos resultados almejados.

Em resumo, o grande achado de nossa investigação aponta para a importância dos fatores políticos no desenrolar dos processos demarcatórios. Sendo assim, coesão e mobilização, em conjunto, podem ser traduzidas por protagonismo político dos povos indígenas na luta pela materialização de seu direito constitucional à ocupação tradicional de seus territórios.

Sinergia entre burocracia e atuação de aliados: um caminho alternativo

Por fim, mas não menos importante, duas fórmulas remanescentes, ~MAP*~APA*QPD*~JPD*~DPA (RC) e APA*PGE*QPD*JPD*FCP*~DPA (NK) também conduziram ao resultado desejado em dois casos, conformando 12% do total analisado. Essas soluções saltam aos olhos, no contraste com as demais, por não enfatizarem nem a coesão grupal, nem a mobilização e atos de protesto como central para a obtenção da demarcação das TIs em questão. Tudo se passa como se fatores externos ao povo indígena – no caso, a qualidade do processo demarcatório, em conjunção com um programa governamental específico e a articulação política de aliados - tivessem desempenhado o papel central.

Por um lado, é interessante notar a relativa baixa importância do elemento “articulação política de aliados” nos resultados apresentados. É inegável que a relação com organizações não governamentais indígenas e não indígenas, grupos missionários e demais atores políticos que são considerados aliados pelos povos indígenas beneficia esses grupos por uma série de meios, tais como capacitações em temas relevantes, insumos organizacionais, auxílio em mobilizações e articulações políticas, infraestrutura, dentre outros. Não obstante, os dados sugerem que essa atuação, se não é inócua, é, pelo menos, não decisiva, sem a mobilização política derivada a partir de recursos intracomunitários. Ademais, essa interpretação também enfraquece sobremaneira a visão do senso comum de que grupos indígenas seriam “manipulados” por organizações exógenas às suas organizações políticas tradicionais.

Por outro, em um ambiente altamente politizado como parece ser o da política de demarcação de terras indígenas no Brasil, faz sentido que a capacidade de “entrega” do resultado almejado - a demarcação - por parte de elementos eminentemente burocráticos seja reduzida. Isso equivale a dizer que, no mundo real, não basta que o processo não padeça de vícios, seja tecnicamente impecável ou, ainda, disponha de financiamento adequado - sem a intervenção de elementos políticos, o mais provável é que os processos demarcatórios não cheguem a bom termo. Por antinomia, portanto, acumula-se mais uma evidência de que a política de demarcação de TIs, cuja auto compreensão constitucional sugere um procedimento institucional meramente administrativo é, na verdade, um procedimento político que dispõe de meios burocráticos para se viabilizar.

Em suma, sugerimos, com base nos dados acima reportados que, na ausência de protagonismo dos povos indígenas no processo demarcatório, ainda é possível obter a homologação, mas à custa de uma sinergia entre elementos burocráticos e atuação política de aliados que pode ser menos frequente do que se desejaria.

Conclusões

Extraímos três principais conclusões dos achados aqui apresentados. Em primeiro lugar, desponta a importância do elemento “coesão intragrupal indígena” como um fator crucial para a obtenção das demarcações de TIs. Trata-se de uma condicionante situada na interface entre o conhecimento antropológico e o político, que convoca o cientista político a compreender, com maior profundidade, as diversas formas de organização social dos distintos povos indígenas do país. Além disso, demanda um maior trabalho de pesquisa sobre como a interação desses povos com a sociedade circundante pode, em alguns casos, ter destruído ou modificado de forma profunda no sentido da desagregação de elementos coesivos ou, ao contrário, pode ter servido como catalisador de uma maior união das lideranças. Por fim, também nos leva a pensar em que medida as diferentes gestões da Funai, e do governo federal de modo geral - em eventual concurso com outros atores políticos econômicos e políticos -, realizam intervenções divisivas no seio de algumas comunidades indígenas, com o objetivo de semear a discórdia e, assim, protelar procedimentos demarcatórios.

Em segundo lugar, salta aos olhos a importância da mobilização política e dos atos de protesto dos povos indígenas para os processos analisados. Em combinação com outros elementos, esse fator pesou para a verificação do sucesso em um número consistente de casos. Podemos pensar aqui no caráter instrumental dessas mobilizações que, se sozinhas não são capazes de chegar a bom termo, são indispensáveis para catalisar a articulação política de aliados, garantir fundos e a qualidade do processo demarcatório. Em conjunto com o fator “coesão intragrupal”, podemos afirmar, com grande grau de certeza, que o protagonismo dos povos indígenas é essencial para a efetivação de seu direito à ocupação de suas terras tradicionais.

Por fim, verificamos que, em que pese a possibilidade de que o processo demarcatório chegue ao seu fim por meio da concorrência de fatores eminentemente burocráticos, esse não é o caminho mais efetivo para tal. Cai por terra, portanto, a propalada ideia de que o procedimento demarcatório brasileiro é um procedimento “técnico”, que não deve ser “contaminado” por elementos políticos. Nossa análise mostra justamente o contrário: é por meio das variáveis políticas que os procedimentos demarcatórios - em nossa amostra, 88% dos casos analisados - chegam ao seu fim de forma satisfatória.

Gostaríamos de concluir nosso texto ressaltando a originalidade do trabalho em tela, tanto para cientistas políticos como para tomadores de decisões e povos indígenas de modo geral. Para os primeiros, pensamos que o artigo exemplifica a possibilidade da aplicação de conceitos, métodos e teorias do campo da ciência política a temas relacionados à política indígena e indigenista, ampliando o escopo da disciplina para começar a reparar a histórica indiferença disciplinar para com os povos indígenas (Soares, 2020Soares, L. B. "A ausência eloquente: ciência política brasileira, povos indígenas e o debate acadêmico canadense contemporâneo". Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, nº 33, p. 1-39, 2020.); os agentes envolvidos na formulação, implementação e avaliação da política de reconhecimento de terras tradicionais no Brasil podem obter aqui um novo olhar sobre um processo que eles vivenciam no cotidiano; e os povos indígenas podem, a partir da aplicação da técnica aqui utilizada, avaliar as estratégias políticas que desenvolvem com o objetivo de obterem a demarcação de suas terras.

O artigo também se mostra inovador ao abrir um novo “banco de dados” para os cientistas políticos interessados em explorar a temática indígena, qual seja, os processos de demarcação de TIs constantes dos arquivos da Funai em Brasília e, possivelmente – trata-se de uma fronteira ainda inexplorada –, dos Institutos de Reforma Agrária dos estados. São milhares de documentos, muitas vezes inéditos, que perfazem o que o jornalista Rubens Valente afirmou ser provavelmente o maior acervo da história fundiária do país24 24 Comunicação ao autor em 15 set. 2020. .

Cabe destacar que os desafios envolvidos no estudo de questões relativas a povos indígenas são múltiplos e complexos. O estado da arte de dados qualitativos e quantitativos sobre povos indígenas é fragmentário e pouco sistemático em todo o mundo, não apenas no Brasil (Reinie et al., 2017Reinie, S. C., et al. "Data as strategic resource: self-determination, governance, and the data challenge for Indigenous nations in the United States". The International Indigenous Policy Journal, Arizona, vol. 8, nº 2, abr. 2017.). Na pesquisa em tela, tivemos “sorte” de que o governo brasileiro investiu na digitalização dos processos demarcatórios desde 2014, o que tornou o acesso remoto possível. Em um passado recente, os interessados nesses documentos tinham de se deslocar fisicamente para a sede da Funai em Brasília e despender dias sobre os arquivos físicos, algo inimaginável em tempos de pandemia de Covid-19 e de escassos recursos de pesquisa. Esperamos que a digitalização de dados existentes e a produção de novos indicadores seja uma tendência que se consolide na gestão da política indigenista brasileira nos anos vindouros.

Ressaltamos que, em termos metodológicos, a técnica aqui empregada tem como fito a busca de averiguação de fatores que atuam de modo regular sobre um conjunto moderado de casos. Os resultados aqui apresentados não autorizam, em absoluto, uma imediata translação mecânica de suas proposições para casos particulares, que sempre demandarão prospecções mais detalhadas. Não obstante, pensamos que a utilização do QCA é auspiciosa e deve servir para a reflexão para futuras investigações.

Concluímos reiterando um chamado que temos feito em todas as nossas publicações. Urgimos que os cientistas políticos brasileiros, daqueles ainda em níveis iniciais de formação aos pesquisadores seniores, se interessem pela temática dos povos indígenas e, mais amplamente, sobre os povos tradicionais brasileiros. Resta evidente que nossa disciplina pode contribuir de forma decisiva para a compreensão de processos políticos relacionados a esse segmento populacional historicamente subalternizado.

Referências bibliográficas

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  • 7
    Uma versão inicial do artigo foi apresentada no V Encontro Internacional de Participação, Democracia e Políticas Públicas, a realizado entre 26 e 29 de abril de 2022 na UFRN e no 13º encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, que ocorreu entre 19 e 23 de setembro de 2022 na UFG. Trata-se do segundo produtos da pesquisa intitulada “Política de Reconhecimento Territorial Indígena no Brasil: Atores e Processos”, levada a cabo na Universidade Federal do Pará (UFPA) no biênio 2020-2021, coordenada pelo primeiro autor. A pesquisa já tinha sido encerrada quando fomos contemplados, no início de 2022, com uma verba para contratação de assistentes de pesquisa por meio do Small Grants Programm da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), que nos permitiu aumentar o número de casos do estudo de 12 para 40, aumentando a robustez de nossos achados. Agradecemos aos comentários de Bernardo Mançano, Cristiano Rodrigues, Carlos Machado e Luiz Augusto Campos. Os eventuais erros remanescem de nossa inteira responsabilidade.
  • 8
    O caso do julgamento da validade da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (Pet 3388/RR), o julgamento do chamado “Marco Temporal” (RE 1017365) e sua contraparte legislativa (o Projeto de Lei 490/2007) são, sem dúvidas, alguns dos temas mais prementes no que se refere à questão indígena no país. Devido ao escopo exíguo deste artigo, não dispomos de espaço para desenvolver toda a complexidade envolvida nesse debate. Em resumo, trata-se de um argumento que visa estabelecer uma “data inicial” (ou marco temporal que, no caso, seria na data da promulgação da Constituição de 1988) para que os povos indígenas que reclamam o reconhecimento da tradicionalidade de suas terras possam provar a ocupação efetiva desse território naquele momento. Resta evidente que a tese é inconstitucional, uma vez que estabelece um critério artificial que não respeita o espírito dos artigos destinados aos direitos indígenas na Carta Magna (231 e 232) e tampouco leva em conta os diversos processos de violência que expulsaram indígenas de muitas terras tradicionais em todo o país.
  • 9
    Há uma divergência na contagem das TIs a depender da organização que a realiza. Para o Instituto Socioambiental (ISA), há, correntemente, 784 TIs, sendo 125 em identificação, 45 identificadas, 68 declaradas e 496 homologadas e reservadas (disponível em: <terrasindigenas.org.br>. Acesso em: 04 jun. 2023); o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), por sua vez, afirma a existência de 1296 TIs, sendo 401 demarcadas, 306 em algum estágio do processo, 65 terras dominiais, reservas e territórios interditados e 530 sem nenhuma providência do Estado (disponível em: <https://cimi.org.br/terras-indigenas/>. Acesso em: 04 jun. 2023). Optamos, neste estudo, pela utilização do dado oficial, por entendermos que ele é o mais utilizado em demais estudos do gênero. Proveremos um breve quadro das fases do processo de demarcação de terras indígenas na próxima seção deste artigo.
  • 10
    As formas de reconhecimento territorial indígena variam enormemente em todo o mundo. Infelizmente, são poucos os trabalhos que abordam as diferenças entre as políticas de modo comparativo. Um dos poucos trabalhos dessa natureza é o de Scholtz (2006)Scholtz, C. Negotiating Claims: The Emergence of Indigenous Land Claim Negotiation Policies in Australia, Canada, New Zealand, and the United States. New York: Routledge, 2006., focado no contexto anglo-saxônico, que aborda os casos do Canadá, Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia. Está ainda por se fazer um trabalho comparativo entre os países do continente americano como um todo.
  • 11
    Evidentemente, essa especificidade coloca problemas à crescente exigência de transparência e replicabilidade no campo da ciência política contemporânea. Em que pese o fato de não podermos – pois estamos vinculados a um compromisso escrito com a Funai - disponibilizar os processos demarcatórios propriamente ditos aos/às pesquisadores/pesquisadoras interessados/as, podemos, mediante requisição por e-mail, dar acesso aos protocolos de redução de complexidade de cada um dos processos aqui analisados.
  • 12
    Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6001.htm >. Acesso em: 29 mar. 2022.
  • 13
  • 14
    Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d1775.htm >. Acesso em: 29 mar. 2022.
  • 15
    No presente artigo, nos debruçaremos somente sobre os fatores propulsores da demarcação.
  • 16
    Esses elementos serão designados com siglas nas tabelas utilizadas pela abordagem QCA.
  • 17
    Queremos deixar registrado nossos agradecimentos aos servidores e servidoras da Funai que, mesmo em um quadro de intensa precarização, conseguem se desdobrar para atender aos pedidos dos pesquisadores.
  • 18
    Os casos são identificados apenas por uma sigla, sem demais elementos marcadores do estado, tamanho do território ou povos indígenas que os habitam para evitar interpretações equivocadas sobre a atribuição dos escores às condições apresentadas como envolvidas no processo demarcatório.
  • 19
    Participaram da coleta e análise de dados, nos anos de 2020 e 2021, os seguintes pesquisadores e pesquisadoras para: Ana Paula Alvares Costa, Catarina Chaves Costa, Marina de Barros Fonseca, Yasmin Nascimento Moita, Joseane Ferreira Mota e Luiza Brilhante Bezerra.
  • 20
    Segundo Betarelli Júnior e Ferreira (2018), a QCA é baseada na Teoria dos Conjuntos e em operações da álgebra booleana em contraste com a Teoria de Probabilidades e a álgebra matricial, mais comumente utilizadas nas ciências sociais. Para resumir, a redução ou minimização booleana consiste em tornar mais parcimoniosa uma fórmula ou expressão matemática mais longa.
  • 21
    Disponível em: <http://www.socsci.uci.edu/~cragin/fsQCA/software.shtml>. Acesso em: 29 mar. 2022.
  • 22
    Recomendamos ao/à leitor/leitora a consulta ao material indicado, pois lá discorremos com mais profundidade cada uma das condições envolvidas nos processos demarcatórios.
  • 23
    Embora a recomendação de que os trabalhos utilizando QCA reportem todas as soluções existentes, consideramos que a apresentação apenas da solução intermediária aumenta a inteligibilidade dos achados e diminui o grau de complexidade na leitura do trabalho.
  • 24
    Comunicação ao autor em 15 set. 2020.

ANEXO

Protocolo de redução de complexidade dos processos demarcatórios de terras indígenas no Brasil

O presente protocolo é um instrumento de pesquisa desenvolvido originalmente no contexto da pesquisa intitulada “Política de reconhecimento territorial indígena no Brasil: atores, instituições e processos”, coordenada pelo Professor Dr. Leonardo Barros Soares no âmbito de suas atividades de docência junto à Faculdade de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Pará entre janeiro de 2020 e dezembro de 2021.

O objetivo do protocolo é o de reduzir a complexidade na leitura dos processos de demarcação de terras indígenas no Brasil. Esses processos podem, por vezes, ser compostos por milhares de documentos arrolados em uma grande quantidade de volumes, o que dificulta a consulta expedita deles. Dado que as pesquisas trabalham com um cronograma estrito, faz-se premente um recurso que possa facilitar a leitura dos referidos processos em contextos de investigação acadêmica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    08 Out 2022
  • Aceito
    03 Maio 2024
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