O artigo trata da imagem pública do Supremo Tribunal Federal (STF), buscando identificar quais fatores ajudam a explicar a confiança pública nessa instituição, a partir de dados de levantamento de opinião pública (survey), que entrevistou uma amostra de 1.650 brasileiros entre novembro de 2020 e janeiro de 2021. Dialogando com a literatura sobre confiança na Suprema Corte norte-americana, foram testadas quatro hipóteses explicativas para a confiança no STF, considerando: 1) o nível de familiaridade com o STF; 2) o nível de lealdade ao STF; 3) a percepção de que os ministros são distintos da política convencional; e 4) a percepção de desempenho do STF nos casos relativos à Covid-19. Os resultados do modelo de regressão logística levaram à conclusão de que no caso do STF, assim como no da Suprema Corte norte-americana, a confiança parece ser explicada por uma combinação de avaliações de curto e de longo prazo da instituição, embora aqui, diferente do que acontece lá, as percepções de curto prazo têm maior poder preditivo, impactando mais fortemente a confiança institucional.
STF; confiança; apoio público; lealdade; legitimidade; Covid-19
Abstract
The article examines the public image of the Brazil’s Supreme Court (STF), seeking to identify which factors help to explain public trust in this institution, based on data from a public opinion survey that interviewed a sample of 1,650 Brazilians between November 2020 and January 2021. In dialog with the literature on trust in the US Supreme Court, four explanatory hypotheses for trust in the STF were tested, considering 1) the level of familiarity with the court; 2) the level of loyalty to the court; 3) the perception that Justices engage in politics in their own way that is distinguishable from ordinary politics and 4) the perception of the performance of the court in cases related to Covid-19. The results of the logistic regression model led to the conclusion that in the case of the Brazilian and US Supreme Courts trust seems to be explained by a combination of short and long-term evaluations of the institution, although, in Brazil, differently than in the US, short-term perceptions have greater predictive power, impacting institutional trust more strongly.
Brazil’s Supreme Court; trust; public support; loyalty; legitimacy; Covid-19
Resumen
El artículo trata sobre la imagen pública del Tribunal Supremo de Brasil (STF), buscando identificar qué factores ayudan a explicar la confianza pública en esta institución, a partir de datos de una encuesta de opinión pública que entrevistó a una muestra de 1.650 brasileños entre noviembre de 2020 y enero de 2021. Dialogando con la literatura sobre la confianza en la Corte Suprema de los Estados Unidos, se probaron cuatro hipótesis explicativas de la confianza en el STF, considerando 1) el nivel de familiaridad con el STF; 2) el nivel de lealtad al STF; 3) la percepción de que los ministros son diferentes a la política convencional y 4) la percepción de la actuación del STF en los casos relacionados con la Covid-19. Los resultados del modelo de regresión logística llevaron a la conclusión de que en el caso del STF, así como en el de la Corte Suprema de los Estados Unidos, la confianza parece explicarse por una combinación de evaluaciones de corto y largo plazo de la institución, aunque aquí, a diferencia de lo que allá ocurre, las percepciones de corto plazo tienen mayor poder predictivo, impactando con mayor fuerza en la confianza institucional.
Supremo Tribunal Federal; confianza; apoyo público; lealtad; legitimidad; Covid-19
Résumé
L'article traite de l'image publique de la Cour suprême brésilienne (STF), en cherchant à identifier les facteurs qui contribuent à expliquer la confiance de la population dans cette institution, sur la base des données d'une enquête d'opinion publique (enquête) qui a interrogé un échantillon de 1 650 Brésiliens entre novembre 2020 et janvier 2021. En dialogue avec la littérature sur la confiance dans la Cour suprême des États-Unis, quatre hypothèses explicatives de la confiance dans la STF ont été testées, considérant 1) le niveau de familiarité avec la STF ; 2) le niveau de loyauté envers la STF ; 3) la perception que ses ministres sont différents de la politique conventionnelle et 4) la perception de la performance de la STF dans les affaires liées au Covid-19. Les résultats du modèle de régression logistique ont conduit à la conclusion que dans le cas de la STF, ainsi que dans celui de la Cour suprême des États-Unis, la confiance semble s'expliquer par une combinaison d'évaluations à court et à long terme de l'institution, bien qu’ici, contrairement à ce qui se passe là-bas, les perceptions à court terme ont un plus grand pouvoir prédictif, impactant plus fortement la confiance institutionnelle.
Cour Suprême Fédérale; confiance; soutien public; loyauté; légitimité; Covid-19
Introdução
A compreensão do protagonismo político do Supremo Tribunal Federal (STF) passa necessariamente pela sua relação com a opinião pública. E, uma vez que o conceito de opinião pública é plural, sendo várias as formas de se identificar seus fenômenos (Figueiredo; Cervellini, 1995Figueiredo, R.; Cervellini, S. "Contribuições para o conceito de opinião pública". Opinião Pública, Campinas, vol. 3, nº 3, p. 171-185, 1995.), tratamos aqui de uma das dimensões que predomina nas análises das relações entre STF e opinião pública: as pesquisas de opinião, com base em amostras representativas da população brasileira com relação a suas características sociodemográficas. Nos interessa discutir como os brasileiros percebem e avaliam a atuação do STF no cenário público nacional, e a legitimidade que atribuem à participação do Supremo no processo político. Para isso, utilizamos dados do levantamento de opinião pública (survey) da pesquisa ICJBrasil, que entrevistou uma amostra de 1.650 brasileiros entre novembro de 2020 e janeiro de 20215 5 Para detalhamento do desenho amostral, ver Ramos et al. (2021). Relatório disponível em: < https://repositorio.fgv.br/items/c50527f9-8183-46ae-b152-f3bb0737a03c >. Acesso em: 19 ago. 2024. .
A questão teórica que permeia essa discussão é a da legitimidade, considerando a perspectiva do apoio público, que implica que a autoridade do STF, instituição política com membros não eleitos, depende, em grande medida, do apoio e do respeito do público. Assim, buscamos responder o quanto os brasileiros confiam no STF e quais fatores ajudam a explicar a confiança pública que a sociedade brasileira deposita nesse Tribunal. A partir de Loth (2007)Loth, M. A. “Courts in Quest for Legitimacy: a comparative approach”. Boom Uitgevers, Den Haag, 2007. Disponível em: <http://hdl.handle.net/1765/11005>. Acesso em: 22 mai 2023.
http://hdl.handle.net/1765/11005>...
, consideramos que legitimidade não é o mesmo que confiança pública, e sim, o conjunto de fatores que justificam essa confiança (Loth, 2007Loth, M. A. “Courts in Quest for Legitimacy: a comparative approach”. Boom Uitgevers, Den Haag, 2007. Disponível em: <http://hdl.handle.net/1765/11005>. Acesso em: 22 mai 2023.
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, p. 2).
Seguindo axioma corrente na ciência política, de que a estabilidade do regime democrático repousa fortemente no apoio público das suas instituições, espera-se que quanto mais favoráveis as atitudes, expectativas e comportamentos dos cidadãos em relação às instituições que os governam, mais estável seja o regime. De acordo com Lipset (1959Lipset, S. M. "Some Social Requisites of Democracy: Economic Development and Political Legitimacy". American Political Science Review, vol. 53, nº 1, p. 69-105, mar. 1959., p. 86), as instituições políticas precisam produzir e manter a crença de que funcionam como os canais mais adequados de gestão de conflitos na sociedade. No caso das instituições judiciais, como as Supremas Cortes, a importância do apoio público é ainda mais central, uma vez que elas não dispõem de poderes coercitivos para assegurar o cumprimento das suas decisões - no sentido proposto por autores federalistas, o Judiciário não tem influência nem sobre a espada nem sobre a bolsa (Hamilton, 2011Hamilton, A. O Federalista - O Departamento Judicial. In: Hamilton, A.; Madison, J.; Jay, J. O Federalista. 2 ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2011., p. 683) -, não podem governar por meio de recompensas ou de coerção (Tyler; Mitchell, 1994Tyler, T. R.; Mitchell, G. "Legitimacy and the Empowerment of Discretionary Legal Authority: the United States Supreme Court and Abortion Rights", Duke Law Journal, vol. 43, p. 703-815, 1994.).
A agenda de pesquisa sobre as fontes de apoio público às Supremas Cortes, e dos processos por meio dos quais esse apoio aumenta ou diminui, parte da diferenciação, proposta por Easton (1975)Easton, D. "A re-assessment of the concept of political support". British Journal of Political Science, vol. 5, nº 4, p. 435-457, jan. 1975., entre dois tipos de apoio público necessários às instituições: difuso e específico. O apoio difuso trata da percepção de valor da Suprema Corte e das expectativas normativas sobre suas competências, constituindo um reservatório de atitudes positivas ou de “boa fé”, que independe do desempenho dos seus membros. Esse apoio é moldado pelas experiências pessoais, ideologia e socialização e se sustenta na adesão mais geral aos processos democráticos e nos níveis de informação e conhecimento sobre o papel da Corte no sistema político, representando avaliações de longo prazo acerca da autoridade do Tribunal. Já o apoio específico representa avaliações de curto prazo sobre o desempenho do Tribunal, com base na performance dos juízes, e está relacionado ao conteúdo das decisões da Corte.
Em estudos mais recentes derivados da formulação de Easton, o apoio difuso foi associado à noção de lealdade institucional, entendida como oposição a fazer mudanças estruturais e funcionais fundamentais na instituição - como alteração dos mecanismos de nomeação, redução de competências e, a medida de mudança mais extrema, a dissolução da Corte (Caldeira; Gibson, 1992Caldeira, G. A.; Gibson, J. L. "The Etiology of Public Support for the Supreme Court". American Journal of Political Science, vol. 36, nº 3, p. 635-664, ago. 1992.; Caldeira; Gibson, 1995Caldeira, G. A.; Gibson, J. L. "The legitimacy of the Court of Justice in the European Union: Models of institutional support". American Political Science Review, vol. 89, nº2, p. 356-376, 1995.; Gibson; Caldeira, 1995Gibson, J. L.; Caldeira, G. A. "The legitimacy of transnational legal institutions: Compliance, support, and the European Court of Justice". American Journal of Political Science, p. 459-489, 1995., 2003Gibson, J. L.; Caldeira, G. A. "Defenders of democracy? Legitimacy, popular acceptance, and the South African Constitutional Court". The Journal of Politics, vol. 65, nº 1, p. 1-30, 2003.; Gibson; Caldeira; Baird, 1998; Gibson; Caldeira; Spence, 2003). Essa lealdade reflete a percepção generalizada de que a instituição terá desempenho aceitável no futuro mesmo em face de alguma decisão impopular. Segundo esses autores, a lealdade está ligada à noção de legitimidade na medida em que quem apoia mudanças estruturais fundamentais na Corte desconfia dela e confere pouca legitimidade à instituição.
Dialogando com essa literatura, propomos no presente artigo três medidas de apoio difuso (um indicador de familiaridade, uma medida de diferenciação do Tribunal da política convencional e um indicador de lealdade ao STF) e uma medida de apoio específico (avaliação do desempenho do STF nos casos relacionados à Covid-19), buscando relacioná-las à imagem pública do Tribunal em termos de confiança institucional. Nosso argumento é o de que a probabilidade de confiar no STF é maior quanto maior é a familiaridade e a lealdade com a Suprema Corte, sendo maior também entre aqueles que percebem os ministros do STF como distintos dos demais políticos, e entre os que avaliam positivamente o desempenho de curto prazo do Tribunal.
Uma vez que as pesquisas de opinião pública sobre o STF têm como principal referência a literatura da ciência política norte-americana, apresentamos as principais hipóteses sobre as relações entre opinião pública e a Suprema Corte nos Estados Unidos, e a forma como tais hipóteses têm sido exploradas nos estudos sobre o STF e a opinião pública no Brasil. Na sequência, apresentamos nossas medidas de apoio público e o modelo, a fim de testar o argumento apresentado.
As pesquisas de opinião pública sobre a Suprema Corte norte-americana
Partindo da já citada diferença entre apoios difuso e específico, proposta por Easton (1975)Easton, D. "A re-assessment of the concept of political support". British Journal of Political Science, vol. 5, nº 4, p. 435-457, jan. 1975., Caldeira e Gibson (1992)Caldeira, G. A.; Gibson, J. L. "The Etiology of Public Support for the Supreme Court". American Journal of Political Science, vol. 36, nº 3, p. 635-664, ago. 1992. afirmam que a satisfação com o desempenho (apoio específico) pode aumentar ou diminuir dependendo das decisões da Corte, mas a legitimidade (apoio difuso) muda muito lentamente e independe do desempenho dos seus membros. De acordo com Gibson e Caldeira (1992Gibson, J. L.; Caldeira, G. A. "Blacks and the United States Supreme Court: Models of Diffuse Support." Journal of Politics, vol. 54, nº4, p. 1120-1145, nov. 1992., p. 1227), conceber o apoio difuso como uma simples função do apoio específico reduziria o alcance analítico dos conceitos, pois tornaria difícil distinguir lealdade institucional da expectativa e satisfação com os seus resultados.
O conceito de legitimidade tem um forte componente normativo, expressando a crença de que a instituição tem o direito moral e legal de decidir, levando ao consentimento da maioria das pessoas, devido a um senso voluntário de obrigação, mesmo quando há discordância do conteúdo da decisão (Easton, 1975Easton, D. "A re-assessment of the concept of political support". British Journal of Political Science, vol. 5, nº 4, p. 435-457, jan. 1975.; Tyler, 1990Tyler, T. R. Why People Obey the Law: Procedural Justice, Legitimacy, and Compliance. New Haven, CT: Yale University Press, 1990.). Nessa perspectiva, a legitimidade é um capital político usado pelos tribunais quando decidem contrariamente aos valores da maioria. Argumenta-se que quanto maior a legitimidade, maior é a possibilidade de os tribunais decidirem contra a opinião pública, sem necessariamente comprometer sua legitimidade institucional no curto prazo. Uma vez que gozem de legitimidade, há a presunção de que suas decisões, mesmo as impopulares, serão aceitas e respeitadas (Gibson; Caldeira, 2011Gibson, J. L.; Caldeira, G. A. "Has legal realism damaged the legitimacy of the US Supreme Court?". Law & Society Review, vol. 45, nº 1, p. 195-219, 2011., p. 199). Assim, espera-se que a legitimidade isole os tribunais da perda de apoio público diante de decisões impopulares, e aumente as chances de que tais decisões sejam acatadas e implementadas (Gibson; Caldeira; Spence, 2003).
No geral, as pesquisas de opinião sobre a Suprema Corte dos Estados Unidos mostraram, ao longo dos anos 2000, que existe uma correlação positiva, mas fraca, entre os apoios específico e difuso. Essa relação foi teorizada enquanto gradual e incremental (Gibson; Caldeira; Baird, 1998; Baird, 2001Baird, V. "Building institutional legitimacy: the role of procedural justice". Political Research Quarterly, vol. 54, nº 2, p. 333-54, jun. 2001.; Gibson; Nelson, 2014Gibson, J. L.; Nelson, M. J. "The Legitimacy of the US Supreme Court: Conventional Wisdoms and Recent Challenges Thereto". Annual Review of Law and Social Science, vol. 10, p. 201-219, 2014.).
Segundo Baird (2001)Baird, V. "Building institutional legitimacy: the role of procedural justice". Political Research Quarterly, vol. 54, nº 2, p. 333-54, jun. 2001., as pessoas parecem manter um registro contínuo das decisões: avaliam positivamente a Corte quando ela toma uma decisão compatível com seus valores, e negativamente quando incompatível. A autora sugere que o apoio difuso ao Tribunal pode sofrer abalos quando um limiar acumulado de insatisfação for atingido. Gibson, Caldeira e Spence (2003) também sugerem que o efeito de decisões impopulares pontuais na legitimidade da Corte é baixo, uma vez que as pessoas mantêm um registro ativo contínuo das decisões com as quais concordam e das quais discordam.
O argumento geral que se extrai desses estudos é o de que decisões pontuais contrárias ao ponto de vista das pessoas não abalariam a lealdade à Corte, mas uma série sucessiva de decisões contra as preferências da maioria poderia, sim, impactar negativamente a legitimidade (Gibson; Nelson, 2016Gibson, J. L.; Nelson, M. J. U.S. Supreme Court Legitimacy: Unanswered Questions and an Agenda for Future Research. In: Randazzo, K. A.; Howard, R. M. (Eds.). Routledge Handbook of Judicial Behavior. New York, Routledge, p. 132-150, 2016.). E o inverso também é verdadeiro: uma sucessão de decisões alinhadas às preferências da maioria impactaria positivamente a legitimidade.
Em artigo que traz o estado da arte dos estudos sobre as relações entre legitimidade e confiança institucional, Gibson e Nelson (2014Gibson, J. L.; Nelson, M. J. "The Legitimacy of the US Supreme Court: Conventional Wisdoms and Recent Challenges Thereto". Annual Review of Law and Social Science, vol. 10, p. 201-219, 2014., p. 201) sumarizam que a relativa estabilidade da legitimidade da Suprema Corte norte-americana, observada nas pesquisas de opinião, repousaria em dois aspectos principais: (i) no papel que os símbolos de autoridade judicial desempenham na diferenciação da Corte de outras instituições políticas; e (ii) na distribuição relativamente equilibrada entre decisões judiciais liberais e conservadoras, o que daria à população, independentemente de sua ideologia, algumas decisões para discordar e outras para concordar, em quantidade aproximada.
Os símbolos de autoridade judicial vêm sendo explorados como uma das principais fontes de legitimidade da Suprema Corte, o que não implica a crença no chamado “mito da legalidade”, segundo o qual, as decisões judiciais seriam baseadas na aplicação mecânica e neutra da lei (Gibson; Nelson, 2016Gibson, J. L.; Nelson, M. J. U.S. Supreme Court Legitimacy: Unanswered Questions and an Agenda for Future Research. In: Randazzo, K. A.; Howard, R. M. (Eds.). Routledge Handbook of Judicial Behavior. New York, Routledge, p. 132-150, 2016.). Os autores argumentam, com base na teoria do viés de positividade, que as opiniões da população são mais complexas e sofisticadas do que geralmente se assume, havendo alguma percepção e aceitação de que a tomada de decisão judicial é discricionária e fundamentada em ideologia, mas que é distinta da política convencional por não ser movida por comportamento estratégico e interesse próprio, e sim por princípios políticos gerais.
A teoria do viés de positividade foi elaborada por Caldeira e Gibson (1992)Caldeira, G. A.; Gibson, J. L. "The Etiology of Public Support for the Supreme Court". American Journal of Political Science, vol. 36, nº 3, p. 635-664, ago. 1992. com o argumento de que saber mais sobre a Corte tende a aumentar a lealdade a ela - “to know it, is to love it” (Gibson; Caldeira, 2009Gibson, J. L.; Caldeira, G. A. "Knowing the Supreme Court? A Reconsideration of Public Ignorance of the High Court". Journal of Politics, vol. 71, nº 2, p. 429-441, abr. 2009., p. 437). Isso porque, ao prestarem atenção ao trabalho do Tribunal, as pessoas aprenderiam a reconhecê-lo como um tipo diferente de instituição política. Esse aprendizado passa por percepções de justiça procedimental e é reforçado quando as pessoas são expostas a símbolos judiciais legitimadores que as Cortes exibem tão assiduamente, como vestes pomposas, linguagem técnica (jurídica), deferência pelos meios de comunicação de massa etc. (Gibson; Caldeira; Baird, 1998, p. 356).
A exposição a essas imagens, na grande maioria das vezes reforçadas pela mídia, ativa lealdades preexistentes ao Tribunal e reforça o imaginário de que a Corte é uma instituição legalista e processualmente justa, tornando as pessoas mais propensas a aceitarem decisões das quais discordam por serem ideologicamente distantes da sua visão de mundo. Nos termos dos autores, conhecer a Suprema Corte é aprender a diferenciá-la da política convencional, em um “processo de aprendizagem social, por meio do qual os cidadãos passam a compreender e apreciar o papel do Judiciário no sistema político norte-americano” (Gibson; Caldeira, 2009Gibson, J. L.; Caldeira, G. A. "Knowing the Supreme Court? A Reconsideration of Public Ignorance of the High Court". Journal of Politics, vol. 71, nº 2, p. 429-441, abr. 2009., p. 439).
Isso posto, esses autores ainda argumentam que a legitimidade é negativamente afetada quando o processo de tomada de decisão é percebido como inaceitável, por violar expectativas normativas sobre como a Corte deve chegar às decisões – aqui o procedimento importa mais do que o conteúdo das decisões. Retomando o “legitimacy is for losers”, de Gibson (2015)Gibson, J. L. Legitimacy is for losers: the interconnections of institutional legitimacy, performance evaluations, and the symbols of judicial authority. In: Bornstein, B., Tomkins, A. (Eds.). Motivating cooperation and compliance with authority: the role of institutional trust, vol. 62, p. 81-116, 2015., Gibson e Nelson (2016Gibson, J. L.; Nelson, M. J. U.S. Supreme Court Legitimacy: Unanswered Questions and an Agenda for Future Research. In: Randazzo, K. A.; Howard, R. M. (Eds.). Routledge Handbook of Judicial Behavior. New York, Routledge, p. 132-150, 2016., p. 23) afirmam que o lado vencedor aceita o resultado sem questionamentos enquanto o lado perdedor se preocupa com o processo pelo qual foi derrotado. Assim, é fundamental que aqueles que discordam das decisões do Tribunal ainda assim considerem a instituição legítima para decidir.
Recentes estudos questionaram esse argumento, mostrando que a legitimidade pode ser negativamente impactada com uma única decisão "saliente". Por exemplo, Bartels e Johnston (2013)Bartels, B.; Johnston, C. "On the Ideological Foundations of Supreme Court Legitimacy in the American Public". American Journal of Political Science, vol. 57, nº 1, p. 184-199, jan. 2013. sustentam, com base em evidências empíricas, que a incongruência entre as preferências ideológicas de uma pessoa e a percepção do direcionamento ideológico da Corte pode ter um impacto deletério sobre a legitimidade do Tribunal, ou seja, quanto maior a discordância das pessoas em relação à direção ideológica das decisões da Corte, menor seria o apoio difuso. Além disso, os autores relatam dados de um experimento de pesquisa cujos resultados sugerem que mesmo uma única decisão impopular pode resultar em uma diminuição no suporte difuso em nível individual.
De maneira similar, Christenson e Glick (2018)Christenson, D. P., & Glick, D. M. "Reassessing the Supreme Court: How Decisions and Negativity Bias Affect Legitimacy". Political Research Quarterly, vol. 72, nº3, p. 637-652, 2018. analisaram o impacto de duas decisões específicas na legitimidade do Tribunal: uma decisão conservadora em relação ao Voting Rights Act6 6 Trata-se da proibição federal de políticas discriminatórias com relação às eleições nos Estados Unidos. (VRA) e uma decisão mais liberal sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo. A partir de dados de percepção sobre essas decisões, os autores mostram que o apoio difuso ao Tribunal é sensível às decisões nesses dois casos importantes, condicionado à distância ideológica dos indivíduos em relação ao Tribunal e ao seu apoio político. Além disso, observaram que os efeitos negativos de uma decisão desfavorável são mais fortes do que os efeitos positivos de uma decisão favorável (Christenson; Glick, 2018Christenson, D. P., & Glick, D. M. "Reassessing the Supreme Court: How Decisions and Negativity Bias Affect Legitimacy". Political Research Quarterly, vol. 72, nº3, p. 637-652, 2018.).
Em outro estudo, Christenson e Glick (2015)Christenson, D. P., & Glick, D. M. "Issue-specific opinion change: The Supreme Court and health care reform". Public Opinion Quarterly, vol. 79, nº 4, p. 881-905, 2015. analisaram as respostas à decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos sobre o Affordable Care Act7 7 Trata-se da maior reforma no sistema de saúde norte-americano, também conhecido como OBAMACARE. , de 2012, e descobriram que tanto a exposição às informações sobre o caso quanto a concordância ou a discordância em nível individual com a decisão influenciam a mudança nos níveis de apoio difuso entre os entrevistados. Contudo, Gibson e Nelson (2014)Gibson, J. L.; Nelson, M. J. "The Legitimacy of the US Supreme Court: Conventional Wisdoms and Recent Challenges Thereto". Annual Review of Law and Social Science, vol. 10, p. 201-219, 2014. contestam esses resultados, afirmando que na modelagem desses estudos faltam controles com medidas apropriadas de apoio difuso, e, ainda, apresentam outro estudo que mostrou que o impacto negativo da insatisfação com uma única decisão sobre o apoio ao Tribunal é de curta duração (Mondak; Smithey, 1997, apudGibson; Nelson, 2014Gibson, J. L.; Nelson, M. J. "The Legitimacy of the US Supreme Court: Conventional Wisdoms and Recent Challenges Thereto". Annual Review of Law and Social Science, vol. 10, p. 201-219, 2014., p. 206).
Assim, verificamos a existência de duas vertentes concorrentes na literatura sobre a imagem pública das Cortes em termos de sua legitimidade institucional. De um lado, o argumento prevalente do viés de positividade, que sustenta que a legitimidade da Suprema Corte decorre mais dos níveis de informação e conhecimento sobre seu papel no sistema político, e da percepção de que a Corte se constituiu em um poder político diferente da política partidária, e menos do conteúdo das suas decisões e da percepção do seu desempenho. De outro, o argumento da preferência ideológica, que afirma que o melhor preditor do apoio público é a distância ideológica ou política entre os valores dos indivíduos e as decisões do Tribunal, que sustenta que o apoio específico é muito mais determinante do que o viés de positividade sugere, sendo a legitimidade dos tribunais diretamente ligada aos níveis de concordância com suas decisões (Bartels; Johnston, 2013Bartels, B.; Johnston, C. "On the Ideological Foundations of Supreme Court Legitimacy in the American Public". American Journal of Political Science, vol. 57, nº 1, p. 184-199, jan. 2013.).
Nosso modelo de análise para explicar o apoio público ao STF foi desenvolvido no sentido de permitir testar os argumentos dessas teorias em disputa.
As pesquisas de opinião pública sobre o Supremo Tribunal Federal
A produção acadêmica sobre confiança e legitimidade do STF baseada em pesquisas de opinião pública, com base em amostras representativas da população brasileira, é relativamente recente. Em mapeamento dos trabalhos empíricos sobre o sistema de justiça brasileiro, Sadek e Oliveira (2012)Sadek, M. T. A.; Oliveira, F. L. Estudos, Pesquisas e Dados em Justiça. In: Oliveira, F. L.; Sadek, M. T. A. (Orgs.). Justiça em Foco? Estudos Empíricos. 1 ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012. encontraram poucos estudos tratando de percepção pública sobre as instituições de justiça e o Poder Judiciário – 2% dos trabalhos sobre sistema de justiça apresentados na Anpocs entre os anos 1998-2010, e 3% dos artigos publicados nas revistas indexadas no SciELO sobre o mesmo tema traziam dados de percepção, mas nenhum deles abordava especificamente o STF.
A existência de dados em séries históricas para avaliar percepções de legitimidade e a confiança pública no STF é escassa. As séries históricas disponíveis são restritas a uma ou duas perguntas sobre o Tribunal, inseridas em pesquisas sobre avaliação geral do governo, conduzidas por institutos comerciais, como o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) e o Datafolha. A inclusão do STF entre as instituições avaliadas nessas pesquisas passou a ser mais frequente a partir da visibilidade que a instituição ganhou com o julgamento do Mensalão (AP 470). Ao menos desde 2012, o Datafolha, por exemplo, apresenta uma pergunta geral sobre o nível de confiança no STF e sobre o desempenho dos seus ministros, entre um conjunto de instituições avaliadas8 8 As perguntas na série do Datafolha são: “Você diria que confia muito, confia um pouco ou não confia no Supremo Tribunal Federal?” e “Os juízes do Supremo Tribunal Federal, STF, estão tendo um desempenho ótimo, bom, regular, ruim ou péssimo?”. .
Outra fonte de dados de acesso público sobre a opinião da população brasileira acerca do STF é a pesquisa de cultura e valores políticos do Latin American Public Opinion Project (LAPOP), capitaneado pela Universidade Vanderbilt, que permite avaliar uma medida próxima ao apoio difuso para o STF. O questionário do LAPOP – anos 2006, 2008, 2010, 2012, 2014, 2019 - traz duas perguntas sobre o Supremo, uma medida geral de confiança e uma medida de lealdade institucional9 9 As perguntas na série do LAPOP são: “Até que ponto o(a) sr./sra. tem confiança no Supremo Tribunal Federal?” e “O(a) Sr.(a) acredita que quando o país está enfrentando dificuldades é justificável que o Presidente da República dissolva o Supremo Tribunal Federal e governe sem o Supremo Tribunal Federal?”. . Porém, um problema potencial dessa última medida é o viés de validade de face. Por fazer menção explícita ao "Presidente da República", pode haver contaminação, com a resposta tendo mais relação com o nível de apoio dos entrevistados ao titular da presidência do que com seu apreço pelo Tribunal10 10 Estratégia semelhante foi empregada em pesquisa do Jota em parceria com o Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados (Ibpad) em 2019, que mensurou o nível de concordância com as frases “Em algumas situações, o governo deve fechar o Supremo Tribunal Federal” e “Em nenhuma situação é aceitável fechar o Congresso ou o Supremo Tribunal Federal” (Marcelino; Mello; Helfstein, 2019). . As medidas de larga escala existentes hoje funcionam como um termômetro da legitimidade institucional do STF, mas são incompletas e imprecisas, e, se interpretadas isoladamente, podem levar a conclusões apressadas e equivocadas (Oliveira, 2020a).
Embora séries históricas sejam restritas, existem levantamentos pontuais que buscaram descrever a opinião da população brasileira acerca do STF e de algumas de suas decisões. Em pesquisa sobre a percepção da população brasileira sobre o papel do Poder Judiciário no processo político eleitoral, Falcão e Oliveira (2012)Falcão, J.; Oliveira, F. L. "Poder Judiciário e Competição Política: as eleições de 2010 e a lei da 'ficha-limpa'". Opinião Pública, Campinas, vol. 18, nº 2, p. 337-354, 2012., por exemplo, abordaram a avaliação dos entrevistados sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal no caso da validade da aplicação da Lei da Ficha Limpa nas eleições de 2010. Os autores observaram que, embora o conhecimento espontâneo da população sobre o envolvimento do STF no caso fosse baixo, quando apresentado o conteúdo da decisão do Tribunal, a vasta maioria (91%) declarou concordar com a posição do STF.
Em levantamento posterior, centrado no STF, Falcão e Oliveira (2012Falcão, J.; Oliveira, F. L. "Poder Judiciário e Competição Política: as eleições de 2010 e a lei da 'ficha-limpa'". Opinião Pública, Campinas, vol. 18, nº 2, p. 337-354, 2012., p. 448-449) observaram que a maioria dos brasileiros conhecia ou já tinha ouvido falar do Supremo (69%), e quase um terço (30%) sabia mencionar algo sobre o papel do Tribunal no sistema político brasileiro. Segundo os autores,
apesar de o STF continuar sendo “o outro desconhecido” para a maioria da população, existe sim um percentual significativo de brasileiros que conhece a instituição e, entre estes que conhecem alguma função do tribunal, há maior confiança e valorização dele. Os dados sugerem que, também no Brasil, é aplicável a conclusão a que chegaram Gibson e Caldeira (2009Gibson, J. L.; Caldeira, G. A. "Knowing the Supreme Court? A Reconsideration of Public Ignorance of the High Court". Journal of Politics, vol. 71, nº 2, p. 429-441, abr. 2009., p. 437) acerca da Suprema Corte norte-americana, de que conhecer a corte é valorizá-la (“to know the court is to love it”) (Falcão; Oliveira, 2012Falcão, J.; Oliveira, F. L. "Poder Judiciário e Competição Política: as eleições de 2010 e a lei da 'ficha-limpa'". Opinião Pública, Campinas, vol. 18, nº 2, p. 337-354, 2012., p. 452-453).
Falcão e Oliveira investigaram, também, as notícias que mais chamaram a atenção dos entrevistados, constatando que as mais mencionadas foram a decisão do Supremo reconhecendo a união estável para casais do mesmo sexo (união homoafetiva); a decisão que concedeu liberdade ao italiano Cesare Battisti; e a autorização das manifestações conhecidas como “marchas da maconha” (Falcão; Oliveira, 2012Falcão, J.; Oliveira, F. L. "Poder Judiciário e Competição Política: as eleições de 2010 e a lei da 'ficha-limpa'". Opinião Pública, Campinas, vol. 18, nº 2, p. 337-354, 2012., p. 454). Desse modo, os autores recorreram à teoria do agendamento (agenda setting) para entender porque essas decisões foram as mais lembradas nesse período em detrimento de outros casos que também estiveram na pauta do Tribunal em 2011 e que teriam impacto mais direto no cotidiano das pessoas, como, por exemplo, as novas regras para pagamento de aviso prévio proporcional a trabalhadores demitidos. Ao analisar reportagens da Folha de S. Paulo, os autores encontraram 130 notícias referentes ao caso Cesare Battisti; 40 referentes à decisão sobre união homoafetiva e sobre a marcha da maconha; e apenas 7 notícias sobre a decisão relativa ao aviso prévio proporcional.
Além disso, outra iniciativa pontual está em Oliveira e Ramos (2016)Oliveira, F. L.; Ramos, L. O. "Judiciário, crise institucional e despolitização". Jota, Brasília, 30 set. 2016., que, a partir de dados do survey ICJBrasil (2015)11 11 Cunha et al. (2015). Disponível em: < https://repositorio.fgv.br/items/4a9e9414-62c6-440f-a190-7b027436e7db >. Acesso em: 19 ago. 2024. , abordaram o conhecimento e a avaliação da população brasileira com relação à participação do STF no processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff12 12 Foram três as perguntas: “O(a) Sr.(a) conhece ou tem acompanhado a participação do Supremo Tribunal Federal no caso do impeachment da presidente Dilma?”; “Como o(a) Sr.(a) avalia esta participação do Supremo Tribunal Federal no caso do impeachment da presidente Dilma? O(a) Sr.(a) acha que o Supremo tem sido ótimo, bom, regular, ruim ou péssimo?”; e “Na sua opinião, o Supremo Tribunal Federal é pior, igual ou melhor do que o Judiciário em geral?”. . A maioria dos entrevistados (77%) afirmou que estava acompanhando a participação do STF nesse caso. Um terço desses que acompanhavam declarou acreditar que o desempenho do Supremo no processo era ótimo ou bom; um terço percebia o desempenho como regular; e o outro terço como ruim ou péssimo. Conforme as autoras mostraram, a percepção de desempenho difere de acordo com a confiança no Poder Judiciário e o nível de familiaridade com o Judiciário declarado pelos respondentes: quanto maior o conhecimento e a confiança nesse poder, mais positiva é a visão sobre o desempenho do STF no processo de impeachment,
entre aqueles que declararam confiar no Judiciário, 44% avaliam a atuação do STF no processo como ótima, enquanto entre os que declararam não confiar no Judiciário, apenas 29% avaliam como ótima ou boa a atuação do Supremo no processo de impeachment. E no que se refere ao conhecimento, entre aqueles que declaram conhecer bem o Judiciário, 36% avaliam a atuação do STF como ótima, enquanto entre os que declaram não conhecer o Judiciário, somente 29% avaliam positivamente essa atuação (Oliveira; Ramos, 2016Oliveira, F. L.; Ramos, L. O. "Judiciário, crise institucional e despolitização". Jota, Brasília, 30 set. 2016.).
O survey “A Cara da Democracia”, realizado em 2019 pelo Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação13 13 Pesquisa disponível em: <https://www.institutodademocracia.org/a-cara-da-democracia>. Acesso em: 18 abr. 2023. , também produziu uma medida de confiança no STF. Os resultados mostraram que apenas 35% dos brasileiros confiavam no STF (12% dos entrevistados afirmaram que confiavam muito no STF e 23% declararam que confiavam mais ou menos). A maioria (62%) apresentava baixa confiança no Tribunal (20% declararam confiar pouco e, 42%, não confiar no STF), e 3% não souberam responder.
Embora as pesquisas de opinião pública sobre o STF privilegiem as percepções da população brasileira em geral, algumas pesquisas se voltaram a segmentos especializados da opinião pública, cobrindo grupos profissionais, como magistrados e advogados.
Nesse sentido, uma das primeiras iniciativas foi a pesquisa patrocinada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), coordenada por Sadek (2006)Sadek, M. T. A. Magistrados: uma imagem em movimento. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006., a qual buscou delinear o perfil social e a visão de mundo dos magistrados, abordando, entre outros aspectos, suas percepções sobre o STF. A pesquisa trouxe uma avaliação do desempenho do Poder Judiciário, diferenciando instâncias e justiças especializadas, considerando a agilidade, as custas e a imparcialidade. Além disso, um bloco de perguntas específicas questionou sobre a atuação e a composição do STF, além de índices de apoio a propostas de mudanças, tanto na forma de indicação dos ministros quanto nos poderes do Tribunal.
Já a pesquisa mais recente da AMB (2019)Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB. Relatório Sumário Executivo Estudo da Imagem do Judiciário. AMB, FGV, IPESP, 2019. Disponível em: <https://ciapj.fgv.br/sites/ciapj.fgv.br/files/estudo_da_imagem_do_judiciario_brasileiro.pdf >. Acesso em: 05 mar 2023.
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mapeou as percepções de jurisdicionados (população em geral), advogados e defensores públicos. Entre os jurisdicionados, foi avaliado o nível de conhecimento do STF: 36% afirmaram conhecer o STF; 40%, conhecer só de ouvir falar; e 24% declararam não conhecer ou não responderam à questão.
No que se refere à percepção da atuação do STF, 19% dos jurisdicionados avaliaram como ótima e boa, 47% como regular e 29% como ruim e péssima - sendo que 4% dos entrevistados não souberam ou não responderam a essa pergunta. Entre os advogados, 25% julgaram a atuação como ótima ou boa, 42%, regular e 32%, ruim ou péssima. Entre os defensores públicos, a percepção foi mais positiva, com 48% avaliando como ótima ou boa, 38% como regular e apenas 5% como ruim ou péssima.
Essa pesquisa abordou, ainda, a percepção quanto à forma de indicação dos ministros do STF pelo Presidente da República: 22% dos jurisdicionados se declararam favoráveis, entre os defensores públicos, 23%, e, entre os advogados, o nível de aprovação foi o mais elevado, 43%.
Embora forneçam dados relevantes que permitem descrever a percepção geral da população brasileira com relação ao STF, esse acúmulo de pesquisas pode ser lido mais como um termômetro geral do apoio público ao STF do que como uma medida precisa de legitimidade institucional. Por isso, a construção de um retrato mais preciso da legitimidade institucional do Supremo e da sua relação com a confiança pública no Tribunal demanda um conjunto de informações adicionais, que inclua o nível de conhecimento e a compreensão da população sobre o papel do STF no sistema político brasileiro, as expectativas em relação ao desempenho desse papel, o conhecimento sobre decisões salientes do Tribunal e a concordância com tais decisões, além da concordância da população com mudanças fundamentais na integridade institucional do Supremo – por exemplo, a remoção de ministros, a redução de jurisdição e o fechamento do Tribunal, conforme a medida proposta por Gibson, Caldeira e Spence (2003).
Segundo esses autores, a medida geral sobre confiança na Suprema Corte captura ambos os tipos de apoio, a aprovação de curto prazo com relação ao desempenho da instituição e os vínculos de longo prazo (lealdade) com a própria instituição, embora afirmem que as evidências são ambíguas sobre qual dos tipos de apoio é mais determinante.
Confiança não é o mesmo que apoio difuso a uma instituição. Nem é inteiramente dependente de eventos e decisões atuais. Aqueles que analisam a confiança para aprender algo sobre a legitimidade da Suprema Corte devem ser sensíveis a essas descobertas de que a confiança reflete uma mistura de julgamentos de curto e longo prazo da instituição. A primeira variação provavelmente está relacionada a eventos contemporâneos; a última variação provavelmente não (Gibson; Caldeira; Spence, 2003, p. 364)14 14 Possível tradução do original em inglês: “Confidence is not the same thing as diffuse support for an institution. Nor is it entirely dependent upon current events and decisions. Those who analyze confidence to learn something about the legitimacy of the Supreme Court ought to be sensitive to these findings that confidence reflects a blend of short-term and long - term judgments of the institution. The former variance is likely related to contemporary events; the latter variance is most likely not”. .
Partindo das medidas propostas por Gibson, Caldeira e Spence (2003), testamos os argumentos prevalentes e em disputa na literatura sobre confiança e legitimidade da Suprema Corte norte-americana para verificar sua aplicabilidade ao caso do Supremo Tribunal Federal.
Resultados - determinantes do apoio público ao STF
Entre novembro de 2020 e janeiro de 2021, na pesquisa ICJBrasil, 80% dos brasileiros declaravam conhecer ou já ter ouvido falar do STF. Para 34% da população, o STF era percebido como uma instituição confiável (5% consideravam o STF muito confiável e, 29%, confiável) e para 44%, como não confiável (33% consideravam o Tribunal pouco confiável e, 11%, nada confiável). Os que não souberam ou não responderam somavam 22%. Esse dado indica que o STF possui baixa confiança entre a população brasileira, mas é importante considerar que os brasileiros apresentam baixos níveis de confiança nas instituições democráticas em geral, além de baixos índices de confiança interpessoal (Moisés, 2015Moisés, J. A. "A desconfiança nas instituições democráticas". Opinião Pública, Campinas, vol. 11, nº 1, p. 33-63, mar. 2015.; Oliveira; Cunha, 2017Oliveira, F. L.; Cunha, L. G. A legitimidade das leis e das instituições de justiça na visão dos brasileiros. Contemporânea - Revista de Sociologia da UFSCar, vol. 7, nº 2, p. 275-296, jul. 2017.). Como parâmetro de comparação, nessa mesma pesquisa (Ramos et al., 2021Ramos, L. O., et al. Relatório ICJBrasil, 2021. São Paulo: FGV Direito SP., 2021. Disponível em: <https://hdl.handle.net/10438/30922 >. Acesso em: 05 mar. 2023.
https://hdl.handle.net/10438/30922...
), apenas 29% dos entrevistados disseram confiar na Presidência da República (7% confiavam muito e 22% confiavam), 12% no Congresso Nacional (1% confiava muito e 11% confiavam) e 7% nos partidos políticos (1% confiava muito e 6% confiavam).
Para entender os determinantes da confiança no STF, trabalhamos com quatro hipóteses:
H1: Quanto maior a familiaridade com o STF, maior a probabilidade de confiar no Tribunal.
H2: Quanto maior a lealdade ao STF, maior a probabilidade de confiar no Tribunal.
H3: A probabilidade de confiar no STF é maior entre aqueles que percebem os ministros como distintos da política convencional.
H4: A probabilidade de confiar no STF é maior entre aqueles que avaliam positivamente o desempenho do Tribunal nos casos relativos à Covid-19.
Como variáveis de controle, utilizamos dois indicadores de perfil socioeconômico (renda e escolaridade), e uma medida de preferência política (votou em Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2018), como proxy para o argumento de que considerações partidárias ou políticas influenciam o apoio ao Tribunal (no sentido proposto por Bartels e Kramon, 2020Bartels, B.; Kramon, E. "Does Public Support for Judicial Power Depend on Who is in Political Power? Testing a Theory of Partisan Alignment in Africa". American Political Science Review, vol. 114, nº 1, p. 144-163, nov. 2020.), complementando o argumento da distância ideológica, que afirma que a distância política entre os valores dos indivíduos e as decisões do Tribunal é o melhor preditor do apoio público à corte.
Aquela medida de preferência política testa a hipótese de que a probabilidade de confiar no STF é menor entre aqueles que votaram em Bolsonaro do que entre os que não votaram, dados os constantes ataques15
15
Desde o início de seu governo, em 2019, o ex-presidente Bolsonaro fez várias críticas ao Supremo Tribunal Federal, deflagrando entre seus apoiadores diversos ataques à Corte. Exemplos desses episódios estão registrados em diversas notícias divulgadas pelos mais variados veículos de imprensa, tais como: “STF reage a Bolsonaro e apoiadores e diz que usará ’todos os remédios’ para defender Corte e democracia”. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2020-06-15/stf-reage-a-bolsonaro-e-apoiadores-diz-que-usara-todos-os-remedios-para-defender-corte-e-democracia.html>. Acesso em: 15 dez. 2023; “Escalada de ataques de Bolsonaro ao STF provoca reação inédita na Corte”. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/politica/escalada-de-ataques-de-bolsonaro-ao-stf-provoca-reacao-inedita-na-corte>. Acesso em: 15 dez. 2023; e “Ataques de Bolsonaro à Justiça seguem agenda de crises do governo”. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2022/04/27/bolsonaro-x-stf-ofensas-ameacas-tse-democracia-linha-do-tempo.html>. Acesso em: 15 dez. 2023.
do então Presidente da República ao Tribunal, escolhido por ele como o principal inimigo do sucesso de sua agenda de governo, inclusive mobilizando sua base em manifestações frequentes contra o Supremo (Oliveira, 2020b; Oliveira; Cunha; Ramos, 2021Ramos, L. O., et al. Relatório ICJBrasil, 2021. São Paulo: FGV Direito SP., 2021. Disponível em: <https://hdl.handle.net/10438/30922 >. Acesso em: 05 mar. 2023.
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).
Para medir a familiaridade dos brasileiros com relação ao STF, construímos um indicador que varia de 0 (não conhece e nunca ouviu falar do Tribunal) a 5 (sabe nomear corretamente ministros do STF, conhece bem as funções do Tribunal, acompanha o noticiário sobre o Supremo e acompanhou as decisões do Tribunal relativas à Covid-19)16 16 O indicador foi construído com base em quatro perguntas: i) O quanto o(a) Sr.(a) diria que sabe sobre o que o STF faz? (recebendo 0 se a resposta foi “não sabe nada sobre o que o STF faz” (34,9% dos entrevistados), 1 se disse que “sabe um pouco sobre o que o STF faz” (53,3%), e 2 se disse que “sabe muito sobre o que o STF faz” (11,8%)); ii) O(a) Sr.(a) saberia dizer o nome de algum ministro do STF? (recebendo 0 se disse que não sabe ou se citou nome de forma incorreta (58,5% dos entrevistados), e 1 se citou corretamente nome de algum ministro (41,5%)); iii) Qual foi a última notícia que o(a) Sr.(a) ouviu sobre o STF? (recebendo 0 se não citou ou não lembrou de notícia (67,9% dos entrevistados), e 1 se soube citar alguma notícia (32,1%)); e iv) O(a) Sr.(a) conhece ou tem acompanhado a atuação do Supremo Tribunal Federal nos processos relacionados à Covid-19/ao Coronavírus? (recebendo 0 se a resposta foi não (63,6% dos entrevistados), e 1 se respondeu que sim (36,4%)). O indicador consiste na soma dos pontos obtidos nas quatro questões, com mínimo de 0 (27,3% dos entrevistados) e máximo de 5 se obteve a pontuação máxima em cada uma das quatro questões (6,2%). A escala de familiaridade tem mediana de 2 pontos e desvio-padrão de 1,58 pontos. .
A medida de lealdade institucional foi construída com base na proposta de Gibson, Caldeira e Spence (2003), operacionalizada como o grau de oposição a fazer mudanças estruturais e funcionais fundamentais no STF. Os autores mensuram o grau de concordância dos entrevistados com um conjunto de afirmações, passando pela redução de jurisdição e mudanças mais extremas, como remoção de ministros e o fechamento do Tribunal. Assim, adaptamos as questões propostas à realidade brasileira, numa medida que varia de 0 (menor nível de lealdade) a 8 (maior nível de lealdade)17 17 A escala de lealdade foi construída com base na combinação de respostas a quatro questões. Com relação às três primeiras, mensuramos o nível de concordância com a afirmação, com os respondentes recebendo 2 pontos se responderam que discordam totalmente, 1 ponto se discordam em parte e 0 nas demais respostas (concorda totalmente, concorda em parte ou não respondeu): i) O direito do STF de anular leis aprovadas pelos demais poderes deveria ser reduzido (12,5% dos entrevistados discordam totalmente e, 19,3%, parcialmente); ii) Se o STF começar a tomar muitas decisões com as quais a maioria das pessoas discorda, é melhor fechar o Tribunal (27% dos entrevistados discordam totalmente e, 19,3%, parcialmente); iii) O Presidente da República deveria poder trocar os ministros do STF quando achar que suas decisões atrapalham o governo (38,2% dos entrevistados discordam totalmente e, 11,3%, parcialmente). A quarta e última pergunta recebeu 2 pontos se a resposta foi não e 0 se a resposta foi sim ou se não respondeu: iv) O(a) Sr.(a) acredita que quando o país está enfrentando dificuldades é justificável que o Presidente da República feche o Supremo Tribunal Federal e governe o país sem o STF? (76,1% dos entrevistados responderam que não). O indicador consiste na soma dos pontos, com mínimo de 0 (14,9% dos respondentes) e o máximo de 8 pontos (7%). A escala de lealdade tem mediana de 3 pontos e desvio-padrão de 2,42 pontos. Vale lembrar que o grau de lealdade foi considerado maior quanto maior o grau de oposição às mudanças drásticas no desenho institucional da instituição. Por isso a pontuação máxima 2 foi atribuída às pessoas que discordam totalmente das afirmações acima. .
Incluímos, também, uma medida de percepção da imparcialidade do STF, trabalhando com a crença na distinção dos ministros do Supremo da política convencional, sendo que 39% dos entrevistados discordam que “os ministros do STF são iguais a quaisquer outros políticos”, 39% concordam, e 22% não souberam responder. Essa percepção é diretamente influenciada pelo conhecimento das competências do Tribunal, sendo que quanto maior o conhecimento do papel do STF no sistema político, maior a discordância, e, portanto, maior o reconhecimento de que o STF se diferenciaria da política convencional: 61% dos entrevistados que afirmaram conhecer bem as competências do Tribunal não enxergam os ministros do STF como políticos convencionais.
A medida utilizada para capturar a percepção de desempenho de curto prazo do Tribunal foi a avaliação da participação do Supremo Tribunal Federal nos processos relacionados à Covid-19. A maioria dos respondentes não soube avaliar por não ter acompanhado essas decisões (64%), sendo que 14% avaliaram de forma positiva, 13% de forma regular e 9% avaliaram negativamente. No modelo, consideramos o impacto da avaliação positiva na confiança institucional. O motivo da escolha das decisões relacionadas à Covid-19 se deve tanto à disponibilidade de dados quanto à sua adequabilidade ao argumento do efeito incremental do apoio específico, segundo o qual uma sucessão de decisões alinhadas às preferências da maioria impactaria positivamente a legitimidade (Gibson; Nelson, 2016Gibson, J. L.; Nelson, M. J. U.S. Supreme Court Legitimacy: Unanswered Questions and an Agenda for Future Research. In: Randazzo, K. A.; Howard, R. M. (Eds.). Routledge Handbook of Judicial Behavior. New York, Routledge, p. 132-150, 2016.). Uma série de estudos já documentou as sucessivas decisões que o Supremo tomou se contrapondo às ações e omissões do governo nas questões relativas à pandemia (Oliveira, 2020b; Oliveira; Madeira, 2021Oliveira, V. E.; Madeira, L. M. "Judicialização da política no enfrentamento à Covid-19: um novo padrão decisório do STF?". Revista Brasileira de Ciência Política, vol. 35, 2021.).
Já o proxy utilizado para a preferência política foi o voto em Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2018 (34,1% dos entrevistados declararam ter votado em Bolsonaro; 29,3%, em Haddad; 14,5%, branco ou nulo; 14% declararam não ter votado; e 8% não quiseram responder à pergunta)18 18 Trabalhamos a preferência política como variável binária, considerando 34,1% que declararam ter votado em Bolsonaro, e 65,9% que declararam outro comportamento de voto (essencialmente não ter votado em Bolsonaro). .
Por fim, incluímos duas variáveis de controle: 1) renda familiar, em faixas de salário mínimo, variando do intervalo mais baixo de até um salário mínimo mensal (9,4% dos entrevistados) ao mais alto, acima de 16 salários mínimos mensais (9,5%); e 2) anos completos de escolaridade (mediana de 9 anos e média de 10,33, com desvio-padrão de 5,2).
Como nosso fenômeno de interesse foi mensurado como um indicador dicotômico (1 = confia no STF, e 0 = não confia no STF ou não sabe responder), utilizamos a técnica de regressão logística binária para testar o modelo proposto, uma vez que ela permite estimar o efeito individual das variáveis preditoras na probabilidade de confiar no Supremo Tribunal Federal.
A Tabela 1 apresenta os resultados da regressão da variável que mede a confiança no STF sobre os vários indicadores de atitudes referentes ao apoio público ao Tribunal. A equação de regressão logística tem capacidade preditiva razoável, respondendo por cerca de um quarto da variação na confiança pública no STF.
Regressão Logística Considerando como Alvo a Variável Confiança no STF (muito confiável ou confiável)[19 19 Os coeficientes (B) mostram a mudança no logaritmo das chances preditas de confiar no STF para cada mudança de uma unidade na variável preditora. As chances de confiar no STF são obtidas a partir do exponencial do coeficiente B, o Exp(B). O exponencial do coeficiente mostra a mudança nas chances preditas de confiar no STF em relação à possibilidade de não confiar (ou não saber se confia). Se o exponencial do coeficiente [Exp(B)] tem valor igual a um, ele não altera as chances do confiar no STF; se o valor é maior do que um, ele aumenta as chances de confiar no STF, e se o valor é menor do que um, diminui as chances de confiar no STF. Ou seja, quanto mais distante de um, maior seu efeito sobre a confiança no STF (Oliveira, 2012, p, p. 108). ]
Os coeficientes mostram que as quatro hipóteses propostas encontram respaldo empírico, sendo que a variável preditora que mais contribui para a variação na confiança no STF é a avaliação do desempenho do Tribunal nos casos relativos à Covid-19. As chances de confiar no STF aumentam num fator de 2,83 quando a avaliação do desempenho é positiva. Como a distância de um coeficiente exponencial em relação ao valor 1 indica o tamanho do efeito, é possível calcular a porcentagem de aumento ou de diminuição nas chances em decorrência da mudança de uma unidade na variável preditora. Nesse caso, as chances de confiar no STF são 183% maiores quando a avaliação de desempenho nos casos de Covid-19 é positiva do que quando é negativa. Aqueles que acreditam que o STF desempenhou bem seu trabalho julgando casos relacionados à pandemia são mais propensos a ter confiança na instituição. Assim, o apoio específico, ligado à performance e ao conteúdo das decisões, se mostrou o principal determinante no modelo de explicação da confiança no STF no período analisado, dando força ao argumento da preferência ideológica.
A segunda variável com maior impacto na confiança institucional é a percepção de que os ministros são diferentes dos demais políticos. As chances de confiar no STF aumentam num fator de 1,78, ou são 78% maiores, quando se partilha dessa percepção do que quando se avalia que os ministros não se diferenciam da política convencional. A percepção de diferenciação do Tribunal de outras instituições políticas tem sido teorizada como um dos principais preditores do apoio público à Suprema Corte norte-americana, e se mostrou significativa, também, no caso do Tribunal brasileiro.
A lealdade institucional, conceito central da teoria do viés de positividade, se mostrou como o terceiro preditor com maior poder explicativo, estando positivamente relacionada à confiança no Supremo. Os resultados mostram que as chances de confiar no STF aumentam num fator de 1,23 (ou 23%) conforme aumenta o indicador de lealdade.
Por fim, o nível de familiaridade com o Tribunal, outro fator central da teoria do viés de positividade, também se mostrou positivamente associado à confiança institucional, sendo que as chances de confiar no STF aumentam num fator de 1,14, ou são 14% maiores, conforme aumenta a familiaridade com o Tribunal. Aqui, como nos Estados Unidos, conhecer o Supremo implica em confiar mais no Tribunal.
Como podemos observar na Tabela 1, a variável utilizada como proxy para medir a preferência política apresentou, como esperado, um coeficiente negativo, mas excedeu o grau de significância, o que não implica que não tenha efeito sobre a confiança no STF, mas sim que o efeito que exerce não é significativo quando considerada em conjunto com as demais variáveis do modelo. Assim, na forma como foi operacionalizada aqui, e no período em análise, a opção político-eleitoral não encontrou aderência empírica para explicar o apoio público ao STF.
A variável escolaridade também não teve significância estatística, sendo seu coeficiente positivo, mas muito próximo de zero. Por sua vez, a variável renda apresentou uma associação negativa e estatisticamente significativa com confiança, indicando que quanto maior a renda, menores são as chances de confiar no STF.
Os resultados do nosso modelo permitem afirmar que, no caso do STF, a confiança também parece ser explicada por uma combinação de avaliações (percepções) de curto e de longo prazo da instituição (Gibson; Caldeira; Spence, 2003), embora as percepções de curto prazo (desempenho em casos específicos) tenham maior poder preditivo, impactando mais fortemente a confiança institucional.
Assim, a confiança parece mais próxima de uma medida da satisfação com o desempenho específico da instituição, ainda que as variáveis associadas à teoria do viés de positividade também exerçam peso significativo na explicação do apoio público ao Supremo Tribunal Federal.
Considerações Finais
Neste artigo, testamos os argumentos prevalentes na literatura sobre apoio público às Supremas Cortes, derivados da teoria do viés de positividade, no sentido de que, para explicar os níveis de confiança nesses tribunais, importam mais as características ligadas à percepção de lealdade, familiaridade e distinção da política partidária, e o argumento da teoria concorrente, de que o principal determinante da confiança nessas Cortes é a preferência política ou ideológica, estando intimamente relacionada com o desempenho de curto prazo desses tribunais.
Assim, verificamos se a probabilidade de confiar no STF é maior quanto maior é a familiaridade e a lealdade com o Tribunal; se é maior entre aqueles que percebem os ministros do STF como atores distintos dos agentes políticos; e entre os que avaliam positivamente o desempenho de curto prazo do Tribunal. Verificamos, também, se a probabilidade de confiar no STF é menor entre os eleitores de Bolsonaro do que entre os que não votaram nele na eleição de 2018 – isso porque o ex-presidente criticou e desafiou a autoridade do STF durante todo seu mandato.
Os resultados mostram que o argumento da preferência política ou ideológica, de que o desempenho de curto prazo é o principal preditor de apoio público, teve maior poder explicativo. A variável preditora que mais contribuiu para a variação na confiança no STF no período foi a avaliação do desempenho do Tribunal nos casos relativos à Covid-19, visto que as chances de confiar no Supremo foram 183% maiores quando a avaliação de desempenho do Tribunal nos casos de Covid-19 foi positiva. Ou seja, quem acredita que o STF desempenhou bem seu trabalho julgando os casos relacionados à pandemia mostrou-se mais propenso a confiar na instituição do que quem avaliou mal ou desconhecia as decisões do STF nesses casos. Mas é preciso considerar que o caso da Covid-19 é bastante específico e atípico, porque afeta diretamente a percepção das pessoas sobre questões sensíveis como a saúde e a vida, especialmente porque as e os entrevistados foram perguntados sobre o assunto enquanto a pandemia ainda estava em curso, o que dá uma dimensão particular ao tema. Se tivéssemos abordado outros casos tão relevantes quanto esse, mas menos sensíveis à proteção da vida das pessoas, o resultado poderia ser diferente. Por isso, novas pesquisas são necessárias para testar o poder preditivo do apoio específico na explicação da atitude de confiar no Supremo.
Por outro lado, a preferência partidária, operacionalizada a partir do candidato em que votou na eleição presidencial de 2018, não teve significância estatística, sugerindo que há pouca relação entre a perspectiva partidária dos indivíduos e sua percepção sobre se o STF tem legitimidade.
Ao mesmo tempo, as hipóteses derivadas da teoria do viés de positividade encontram respaldo empírico, sendo que a segunda variável com maior poder preditivo foi a da distinção entre política judicial e política ordinária (convencional ou majoritária). Confiar no STF é 78% mais provável entre os que percebem que os ministros se diferenciam dos políticos convencionais do que entre os que não percebem diferença entre política judicial e ordinária. O que implica que qualquer situação que aproxime o Supremo da política comum tem potencial de prejudicar a legitimidade da instituição.
Além disso, os resultados revelam que a confiança no STF também parece ser explicada por uma combinação de avaliações de curto e de longo prazo da instituição (Gibson; Caldeira; Spence, 2003) embora as percepções de curto prazo - isto é, o desempenho em casos específicos - tenham apresentado maior impacto na confiança institucional. Isso significa dizer que a confiança está mais conectada a uma medida de satisfação com o desempenho do STF em casos específicos.
Assim, ao contrário do prevalente nas pesquisas sobre a Suprema Corte norte-americana, o conteúdo das decisões e a percepção do desempenho do Supremo importam mais do que os níveis de familiaridade e lealdade para a imagem pública e a confiança institucional. Mas o porquê de isso acontecer ainda está em aberto, e demanda maior aprofundamento teórico e a necessidade da condução de mais pesquisas de opinião, cobrindo diferentes tipos de decisão na mensuração de apoio específico, para que possamos ter uma compreensão mais apurada sobre a legitimidade do Supremo e seus impactos na confiança da população nessa instituição.
Por fim, cabe ressaltar que a maior parte da literatura sobre apoio público e legitimidade dos tribunais se refere à Suprema Corte norte-americana, e, nesse sentido, uma contribuição relevante do presente artigo é investigar a aplicabilidade desse conhecimento acumulado na compreensão do apoio público à Suprema Corte no contexto brasileiro.
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Para detalhamento do desenho amostral, ver Ramos et al. (2021)Ramos, L. O., et al. Relatório ICJBrasil, 2021. São Paulo: FGV Direito SP., 2021. Disponível em: <https://hdl.handle.net/10438/30922 >. Acesso em: 05 mar. 2023.
https://hdl.handle.net/10438/30922... . Relatório disponível em: < https://repositorio.fgv.br/items/c50527f9-8183-46ae-b152-f3bb0737a03c >. Acesso em: 19 ago. 2024. -
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Trata-se da proibição federal de políticas discriminatórias com relação às eleições nos Estados Unidos.
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7
Trata-se da maior reforma no sistema de saúde norte-americano, também conhecido como OBAMACARE.
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8
As perguntas na série do Datafolha são: “Você diria que confia muito, confia um pouco ou não confia no Supremo Tribunal Federal?” e “Os juízes do Supremo Tribunal Federal, STF, estão tendo um desempenho ótimo, bom, regular, ruim ou péssimo?”.
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9
As perguntas na série do LAPOP são: “Até que ponto o(a) sr./sra. tem confiança no Supremo Tribunal Federal?” e “O(a) Sr.(a) acredita que quando o país está enfrentando dificuldades é justificável que o Presidente da República dissolva o Supremo Tribunal Federal e governe sem o Supremo Tribunal Federal?”.
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Estratégia semelhante foi empregada em pesquisa do Jota em parceria com o Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados (Ibpad) em 2019, que mensurou o nível de concordância com as frases “Em algumas situações, o governo deve fechar o Supremo Tribunal Federal” e “Em nenhuma situação é aceitável fechar o Congresso ou o Supremo Tribunal Federal” (Marcelino; Mello; Helfstein, 2019).
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11
Cunha et al. (2015). Disponível em: < https://repositorio.fgv.br/items/4a9e9414-62c6-440f-a190-7b027436e7db >. Acesso em: 19 ago. 2024.
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Foram três as perguntas: “O(a) Sr.(a) conhece ou tem acompanhado a participação do Supremo Tribunal Federal no caso do impeachment da presidente Dilma?”; “Como o(a) Sr.(a) avalia esta participação do Supremo Tribunal Federal no caso do impeachment da presidente Dilma? O(a) Sr.(a) acha que o Supremo tem sido ótimo, bom, regular, ruim ou péssimo?”; e “Na sua opinião, o Supremo Tribunal Federal é pior, igual ou melhor do que o Judiciário em geral?”.
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13
Pesquisa disponível em: <https://www.institutodademocracia.org/a-cara-da-democracia>. Acesso em: 18 abr. 2023.
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Possível tradução do original em inglês: “Confidence is not the same thing as diffuse support for an institution. Nor is it entirely dependent upon current events and decisions. Those who analyze confidence to learn something about the legitimacy of the Supreme Court ought to be sensitive to these findings that confidence reflects a blend of short-term and long - term judgments of the institution. The former variance is likely related to contemporary events; the latter variance is most likely not”.
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Desde o início de seu governo, em 2019, o ex-presidente Bolsonaro fez várias críticas ao Supremo Tribunal Federal, deflagrando entre seus apoiadores diversos ataques à Corte. Exemplos desses episódios estão registrados em diversas notícias divulgadas pelos mais variados veículos de imprensa, tais como: “STF reage a Bolsonaro e apoiadores e diz que usará ’todos os remédios’ para defender Corte e democracia”. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2020-06-15/stf-reage-a-bolsonaro-e-apoiadores-diz-que-usara-todos-os-remedios-para-defender-corte-e-democracia.html>. Acesso em: 15 dez. 2023; “Escalada de ataques de Bolsonaro ao STF provoca reação inédita na Corte”. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/politica/escalada-de-ataques-de-bolsonaro-ao-stf-provoca-reacao-inedita-na-corte>. Acesso em: 15 dez. 2023; e “Ataques de Bolsonaro à Justiça seguem agenda de crises do governo”. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2022/04/27/bolsonaro-x-stf-ofensas-ameacas-tse-democracia-linha-do-tempo.html>. Acesso em: 15 dez. 2023.
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O indicador foi construído com base em quatro perguntas: i) O quanto o(a) Sr.(a) diria que sabe sobre o que o STF faz? (recebendo 0 se a resposta foi “não sabe nada sobre o que o STF faz” (34,9% dos entrevistados), 1 se disse que “sabe um pouco sobre o que o STF faz” (53,3%), e 2 se disse que “sabe muito sobre o que o STF faz” (11,8%)); ii) O(a) Sr.(a) saberia dizer o nome de algum ministro do STF? (recebendo 0 se disse que não sabe ou se citou nome de forma incorreta (58,5% dos entrevistados), e 1 se citou corretamente nome de algum ministro (41,5%)); iii) Qual foi a última notícia que o(a) Sr.(a) ouviu sobre o STF? (recebendo 0 se não citou ou não lembrou de notícia (67,9% dos entrevistados), e 1 se soube citar alguma notícia (32,1%)); e iv) O(a) Sr.(a) conhece ou tem acompanhado a atuação do Supremo Tribunal Federal nos processos relacionados à Covid-19/ao Coronavírus? (recebendo 0 se a resposta foi não (63,6% dos entrevistados), e 1 se respondeu que sim (36,4%)). O indicador consiste na soma dos pontos obtidos nas quatro questões, com mínimo de 0 (27,3% dos entrevistados) e máximo de 5 se obteve a pontuação máxima em cada uma das quatro questões (6,2%). A escala de familiaridade tem mediana de 2 pontos e desvio-padrão de 1,58 pontos.
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A escala de lealdade foi construída com base na combinação de respostas a quatro questões. Com relação às três primeiras, mensuramos o nível de concordância com a afirmação, com os respondentes recebendo 2 pontos se responderam que discordam totalmente, 1 ponto se discordam em parte e 0 nas demais respostas (concorda totalmente, concorda em parte ou não respondeu): i) O direito do STF de anular leis aprovadas pelos demais poderes deveria ser reduzido (12,5% dos entrevistados discordam totalmente e, 19,3%, parcialmente); ii) Se o STF começar a tomar muitas decisões com as quais a maioria das pessoas discorda, é melhor fechar o Tribunal (27% dos entrevistados discordam totalmente e, 19,3%, parcialmente); iii) O Presidente da República deveria poder trocar os ministros do STF quando achar que suas decisões atrapalham o governo (38,2% dos entrevistados discordam totalmente e, 11,3%, parcialmente). A quarta e última pergunta recebeu 2 pontos se a resposta foi não e 0 se a resposta foi sim ou se não respondeu: iv) O(a) Sr.(a) acredita que quando o país está enfrentando dificuldades é justificável que o Presidente da República feche o Supremo Tribunal Federal e governe o país sem o STF? (76,1% dos entrevistados responderam que não). O indicador consiste na soma dos pontos, com mínimo de 0 (14,9% dos respondentes) e o máximo de 8 pontos (7%). A escala de lealdade tem mediana de 3 pontos e desvio-padrão de 2,42 pontos. Vale lembrar que o grau de lealdade foi considerado maior quanto maior o grau de oposição às mudanças drásticas no desenho institucional da instituição. Por isso a pontuação máxima 2 foi atribuída às pessoas que discordam totalmente das afirmações acima.
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Trabalhamos a preferência política como variável binária, considerando 34,1% que declararam ter votado em Bolsonaro, e 65,9% que declararam outro comportamento de voto (essencialmente não ter votado em Bolsonaro).
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Os coeficientes (B) mostram a mudança no logaritmo das chances preditas de confiar no STF para cada mudança de uma unidade na variável preditora. As chances de confiar no STF são obtidas a partir do exponencial do coeficiente B, o Exp(B). O exponencial do coeficiente mostra a mudança nas chances preditas de confiar no STF em relação à possibilidade de não confiar (ou não saber se confia). Se o exponencial do coeficiente [Exp(B)] tem valor igual a um, ele não altera as chances do confiar no STF; se o valor é maior do que um, ele aumenta as chances de confiar no STF, e se o valor é menor do que um, diminui as chances de confiar no STF. Ou seja, quanto mais distante de um, maior seu efeito sobre a confiança no STF (Oliveira, 2012, pOliveira, F. L. Justic¸a, profissionalismo e poli´tica: o STF e o controle da constitucionalidade das leis no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012., p. 108).
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A pesquisa contou com suporte financeiro da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e do CNPq (408404/2022-1).
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
04 Out 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
19 Jun 2023 -
Aceito
03 Maio 2024