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Limites na mídia: a representação da Tríplice Fronteira nos jornais Folha de S. Paulo e O Globo (2011-2019)1 1 Uma versão anterior deste texto foi publicada como preprint na plataforma SciELO em: <https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.3144.

Limits in the media: the representation of the Tri-Border Area in the newspapers Folha de S.Paulo and O Globo (2011-2019)

Límites en los medios: la representación de la Triple Frontera en los periódicos Folha de S.Paulo y O Globo (2011-2019)

Limites dans les médias : la représentation de la Triple Frontière dans les journaux Folha de S.Paulo et O Globo (2011-2019)

A Tríplice Fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai é muitas vezes associada a uma terra sem lei, o que desconsidera suas características de polo energético, comercial e turístico. O foco deste artigo é observar quais são as representações sobre a região nos jornais Folha de S.Paulo e O Globo e se elas tendem a reforçar essa imagem. Para tanto, são usados os pressupostos teóricos de framing e agenda-setting. Também optou-se por uma análise qualitativa, complementada pelo software NVivo, que detectou o léxico que mais frequentemente é associado à região. Os resultados demonstram uma prevalência de assuntos ligados a ilegalidades, com ênfase em terrorismo. Do total de textos sobre a Tríplice Fronteira publicados entre 2011 e 2019, 55,5% deles, em O Globo, e 47%, na Folha de S.Paulo, referem-se a ilegalidades. O radical terror- esteve presente, respectivamente, em 39% e 40% dos textos. Este artigo sugere que a cobertura jornalística feita pelos dois veículos de comunicação não segue acontecimentos pontuais e carece de vozes dissonantes das forças de segurança. Isso tende a reforçar a imagem de região insegura e, que, por isso, demandaria soluções de vigilância e controle.

Tríplice Fronteira; imprensa; terrorismo; framing; agenda-setting


Abstract

The Tri-Border Area between Brazil, Argentina, and Paraguay is often seen as a lawless region, which ignores its character as a center of energy resources, commerce, and tourism. The focus of this article is to identify the representations about the region in Brazil’s two most widely read newspapers, the Folha de S.Paulo and O Globo, and if they reinforce these images. To do so, the concepts of framing and agenda-setting are used. A qualitative analysis was complemented by the use of NVivo software to detect the words most frequently associated with the region. The results indicate a predominance of issues related to illegalities in the press coverage, especially terrorism. Of the total texts about the Tri-Border Area published between 2011 and 2019, 55.5% in O Globo and 47% in Folha contained references to illegalities. The root terror- was present, respectively, in 39% and 40% of the texts. We conclude that the press coverage of the region does not follow specific events (event-driven). Members of security forces are the preeminent sources of reports, and the absence of dissonant voices tends to reinforce the region’s image of insecurity and the need for solutions that involve support border surveillance and control solutions.

Triple Frontier; press; terrorism; framing; agenda-setting

Resumen

La Triple Frontera entre Brasil, Argentina y Paraguay es, muchas veces, vista como una tierra marginal, sin ley, desconsiderando su carácter de polo energético, comercial, educativo y turístico. El foco del presente artículo es determinar si las representaciones de la región fronteriza en los dos periódicos más leídos del país, Folha de S.Paulo y O Globo, tienden a reforzar esas imágenes, haciendo uso de los conceptos de framing y agenda-setting. Para ello, fue realizado un análisis cualitativo, complementado con el software NVivo a través de la medición de frecuencia del léxico más frecuentemente asociado a la región. Los resultados señalan que existe un predominio de los asuntos vinculados a ilegalidades, con énfasis en el terrorismo. Del total de textos encontrados con las palabras Triple Frontera, 55,5% en O Globo y 47% en Folha contenían referencias a ilegalidades. La raíz terror- estuvo presente, respectivamente, en el 39% y el 40% de los textos. Concluimos que la cobertura de prensa sobre la región no sigue acontecimientos puntuales (event-driven), y que la ausencia de voces disonantes entre las principales fuentes de reportajes, las fuerzas de seguridad, tiende a reforzar la imagen de una región insegura, y a favorecer soluciones de vigilancia y control de la frontera.

Triple Frontera; prensa; terrorismo; framing; agenda-setting

Résumé

La Triple Frontière entre le Brésil, l'Argentine et le Paraguay est, le plus souvent, considérée comme une terre marginale, sans loi, au mépris de sa nature de pôle énergétique, commercial, éducatif et touristique. L'objectif de cet article est de voir si les représentations de la région frontalière dans les deux journaux les plus lus du pays, Folha de S.Paulo et O Globo, tendent à renforcer ces images, en utilisant les concepts de framing et d'agenda-setting. Pour cela, une analyse qualitative a été réalisée, complétée avec le software Nvivo, afin de mesurer la fréquence du lexique associé à la région. Les résultats indiquent qu'il y a une prédominance de questions liées aux illégalités. Sur le total des textes trouvés avec les mots Triple Frontière, 55,5% dans O Globo et 47% dans Folha faire référence à des illégalités. La racine terror- était présente respectivement dans 39% et 40% des textes. Nous concluons que la couverture médiatique de la région ne suit pas des événements spécifiques (event-driven), et que l'absence de voix dissonantes parmi les principales sources de rapports, les forces de sécurité, tend à renforcer l'image d'une région précaire, et à favoriser des solutions de surveillance et de contrôle des frontières.

Triple Frontière; presse; terrorisme; framing; agenda-setting

Introdução

A importância da região que compreende o encontro dos limites entre Brasil, Paraguai e Argentina, conhecida como Tríplice Fronteira, abrange várias dimensões. A primeira delas é a estratégica. Entre os lados brasileiro e paraguaio está Itaipu Binacional, a maior usina geradora e em produção acumulada de energia do mundo. Cerca de 10% do total energético consumido no Brasil e 88% no Paraguai, em média, são fornecidos por suas turbinas (Itaipu Binacional, s.d.). O potencial hídrico da região se estende em seu subterrâneo, com o aquífero Guarani, que inclui os três países e o Uruguai. É uma das principais reservas de água doce da América do Sul e pertence ao sistema da bacia do rio Paraná, que divide os dois países vizinhos. O impacto econômico da região vai além: Ciudad del Este é a segunda maior cidade paraguaia, tendo como base o comércio potencializado pelo turismo de compras. Foz do Iguaçu, do lado brasileiro, assim como Puerto Iguazú, do lado argentino, possuem parques nacionais que atraem turistas de várias partes do mundo. Essa zona fronteiriça é ocupada por uma atuante comunidade internacional, que inclui libaneses e chineses, entre outros, e seus descendentes. É também um polo educacional e de geração de conhecimentos devido à presença de instituições públicas de ensino superior, como a Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) e a Universidade da Integração Latino-Americana (Unila), assim como do setor privado. Do lado paraguaio, centros universitários também atraem brasileiros em busca de cursos de medicina. As dinâmicas econômicas, sociais e culturais da região são diversas e perspassam as fronteiras nacionais.

Contudo, essas características podem ser menos aparentes na cobertura midiática e no imaginário popular. A Tríplice Fronteira é, muitas vezes, destacada como terra marginal, sem lei, na qual se combinariam atividades criminosas como contrabando, descaminho, tráfico de drogas, armas e pessoas. Em meados da década de 1990, e especialmente após os atentados de 11 de setembro de 2001, a região fronteiriça foi frequentemente mencionada como um hub para treinamento e arrecadação de fundos para grupos terroristas, o que resultou na inserção da região na agenda de securitização americana (Villa, 2021Villa, R. A. D. As várias imagens da Tríplice Fronteira. In: Silva, M. A.; Castro, I. C. S. (Eds.). Além dos limites: a Tríplice Fronteira nas relações internacionais contemporâneas. São Paulo: Alameda Editorial, p. 7-12, 2021., p. 7). Apesar da ausência de evidências e passadas mais de duas décadas dos ataques nos Estados Unidos, a narrativa parece perdurar em detrimento dos demais aspectos socioeconômicos, trazendo prejuízos à imagem da região, principalmente por meio de repercussão negativa para o turismo. Por isso, e contrastando empiricamente as análises de pesquisadores da região (Karam, 2013Karam, J. T. “The Lebanese Diaspora at the Tri-Border and the Redrawing of South American Geopolitics, 1950-1992”. Mashriq & Mahjar Journal of Middle East and North African Migration Studies, vol. 1, nº 1, p. 55-84, 2013.; Silva; Castro, 2021Silva, M. A.; Castro, I. C. S. A Tríplice Fronteira nas Relações Internacionais. In: Silva, M. A.; Castro, I. C. S. (Eds.). Além dos limites: a Tríplice Fronteira nas relações internacionais contemporâneas. São Paulo: Alameda Editorial, p. 15-31, 2021.; Villa, 2021Villa, R. A. D. As várias imagens da Tríplice Fronteira. In: Silva, M. A.; Castro, I. C. S. (Eds.). Além dos limites: a Tríplice Fronteira nas relações internacionais contemporâneas. São Paulo: Alameda Editorial, p. 7-12, 2021.), este artigo procura verificar se os principais meios jornalísticos do Brasil contribuem na construção de um imaginário negativo sobre a Tríplice Fronteira.

Assim, busca-se trazer à luz a imagem apresentada na imprensa nacional de uma das fronteiras mais importantes e vigiadas do Brasil. Para atingir esse objetivo, foi efetuada uma análise da representação da Tríplice Fronteira nos jornais Folha de S.Paulo e O Globo, a partir de 1 de janeiro de 2011, quase uma década após os eventos de 11 de setembro de 2001 nos EUA, até 31 de dezembro de 2019. Com a observação dos campos semânticos que prevalecem nos dois principais veículos de imprensa do país por nove anos, espera-se trazer um retrato de como a região se constituiu ao longo desse extenso recorte temporal. O início da análise também se dá quase duas décadas após os atentados ocorridos em Buenos Aires em 1992 e 1994. Tal distância temporal se justifica pela possibilidade de que estes eventos tenham influenciado a cobertura jornalística nos anos subsequentes. Dessa forma, este artigo busca complementar os estudos já realizados sobre a cobertura dos anos imediatamente posteriores aos atentados de 2001 (Montenegro; Béliveau, 2006Montenegro, S.; Béliveau, V. G. La Triple Frontera: Globalización y construcción social del espacio. Madrid: Miño y Dávila, 2006.; Jusionyte, 2015Jusionyte, I. Savage frontier: making news and security on the Argentine border. Berkeley: University of California Press, 2015.4 4 A pesquisa de campo de Jusionyte se refere ao período de 2008-9. ), e revelar se a visão da Tríplice Fronteira se mantém, mesmo superado o período de influência imediata, abrangendo um recorte temporal duradouro e mais tardio. A comparação entre os jornais tende a auxiliar no esforço para a compreensão e a identificação de tendências gerais nos temas e cobertura de acontecimentos, a partir da análise sobre diferenças no volume de notícias, no tratamento dado a elas, na variedade de abordagens, entre outros elementos.

O foco da pesquisa é observar como se articulam as representações sobre a região fronteiriça em dois dos mais lidos e influentes representantes da mídia tradicional do país. Os jornais Folha de S.Paulo e O Globo foram escolhidos por registrarem grande circulação e por atingirem um alcance nacional, que transcende as cidades em que são publicados, respectivamente, São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ). A Folha registrou a maior circulação diária no país entre os jornais impressos em 2019, com 328.438, e O Globo esteve logo atrás, com 323.172. Os dados fornecidos pelo Instituto Verificador de Comunicação (IVC) registram tanto os exemplares impressos como os referentes às assinaturas digitais (Meio e Mensagem, 2020). A abrangência, contudo, vai além do mensurado pelas edições únicas e page-views em seus sites próprios. Ambos comercializam seus conteúdos com outros veículos de imprensa do país, dispõem de portais (UOL e G1) que apresentam grande número de visualizações e, talvez, por todas essas características agregadas, desempenham um papel relevante no debate nacional.

É fato que pesquisas de opinião recentes apontam que os veículos de imprensa tradicionais vêm perdendo credibilidade. Segundo pesquisa realizada em 2021 pelo Instituto Gallup, somente 21% dos entrevistados nos Estados Unidos confiavam nos jornais impressos. O número cai para 16% quando a pergunta trata de confiança no noticiário televisivo (Brenan, 2021). No Brasil, uma pesquisa do Instituto Datafolha, em 2019, apurou que 22% dos entrevistados confiam muito na imprensa, 53% confiam um pouco e 24% não confiam (Datafolha, 2019Datafolha. “Forças Armadas têm maior grau de confiança entre instituições”, 10 jul. 2019. Disponível em: < https://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2019/07/1988221-forcas-armadas-tem-maior-grau-de-confianca-entre-instituicoes.shtml >. Acesso em: 15 jul. 2021.
https://datafolha.folha.uol.com.br/opini...
).

Ao mesmo tempo, observa-se a ascensão da influência das novas mídias, especialmente as redes sociais, na formação da opinião pública. Elas parecem ser o principal foco de análises e pesquisas na atualidade. Apesar de a observação dos trending topics e hashtags demonstrar a dinâmica do que se fala e os fluxos da informação, o estudo da imprensa tradicional ainda se mostra necessário para explorar tendências mais sedimentadas no discurso midiático sobre um tema específico. Ao contrário das novas mídias, a relação entre as instâncias da emissão e da recepção tem um caráter predominantemente unilateral. A informação é exposta, seguindo diversas estratégias, com a tarefa de despertar o interesse; o público, por outro lado, recebe e interpreta o que recebeu, sem que haja um espaço para maior diálogo ou troca. Portanto, a primeira instância exerce uma influência indireta sobre a segunda, sendo uma “relação de construção diferida da opinião pública” (Charaudeau, 2006, p. 124).

A análise da representação de um tema por veículos tradicionais não mede o impacto da cobertura jornalística sobre a opinião dos leitores, mas pode trazer um retrato da produção da “elite simbólica”. Para Pierre Bourdieu (2007)Bourdieu, P. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2007., essa elite controla o modo de produção do discurso e exerce o poder com base no “capital simbólico”, dispondo de relativa liberdade para determinar tópicos, estilo ou forma de apresentação. Pode ser representada por especialistas acadêmicos, líderes de associações de classe e de comércio local, integrantes do governo e das forças de segurança; pode contribuir de diferentes formas na construção da representação erguida pelos veículos de imprensa sobre a Tríplice Fronteira. Apesar de ser necessário destacar que os emissores são variados e podem não compartilhar um consenso sobre o assunto, na área de segurança, que parece ser o tema preferencial da cobertura sobre a região, a dissonância se mostra menos habitual. Estudos apontam que é comum a convergência da linguagem e da prática de consultores, policiais, burocratas e especialistas nessa área (Bigo, 2008Bigo, D. Globalized (in) Security: The field and the ban-opticon. In: Bigo, D.; Tsoukala, A. (Eds.). Terror, Insecurity, Liberty: Illiberal Practices of Liberal Regimes after 9/11. Londres: Routledge, p. 10-48, 2008.). Os temas também se mostram coincidentes. Salter e Piché (2011)Salter, M. B.; Piché, G. “The Securitization of the US-Canada Border in American Political Discourse”. Canadian Journal of Political Science, vol. 44, nº 4, p. 929-951, 2011. apontam que tanto burocratas de segurança como os do alto escalão dos governos dos Estados Unidos e do Canadá colocaram o terrorismo como a principal ameaça na fronteira entre os dois países, em comparação com outros ilícitos, como tráfico de pessoas e de drogas. Isso não significa que não haja disputas dentro da chamada “elite simbólica”, mas é provável que essas divergências sejam pouco evidenciadas, especialmente na cobertura de imprensa.

Este artigo se divide em seis seções, além desta introdução. A primeira delas, “A fronteira na mídia”, abrange os estudos já realizados sobre a cobertura da região na imprensa e sua inserção no discurso de securitização. A segunda, “Marco teórico”, traz o arcabouço conceitual no qual a pesquisa se baseia. A terceira, “Coleta e separação do corpus”, expõe os critérios utilizados para a preparação do corpus e para as escolhas metodológicas. A quarta, “Análise dos assuntos”, revela os principais temas encontrados na cobertura de cada jornal analisado. Em seguida, é apresentada a “Análise do léxico”, realizada com a utilização do software NVivo12. E, por último, em “Considerações finais”, são apresentados os principais resultados com base no que foi anteriormente exposto.

A fronteira na mídia

A associacão da Tríplice Fronteira com atividades terroristas internacionais é antiga. A presença de uma comunidade de imigrantes árabes e de seus descendentes gera estereótipos e preconceitos, que parecem ter se sustentado ao longo das últimas cinco décadas, apesar da ausência de evidências que comprovem essa associação. As primeiras conjecturas sobre a suposta relação de moradores da região com o terrorismo internacional se originaram em 1970, após um atentado contra a Embaixada de Israel em Assunção, capital do Paraguai, localizada a 330 quilômetros da fronteira. Na época, jornais brasileiros atribuíram à comunidade fronteiriça árabe um suposto apoio operacional aos dois atiradores que adentraram a representação diplomática, assassinaram uma secretária e feriram outra funcionária (Karam, 2013Karam, J. T. “The Lebanese Diaspora at the Tri-Border and the Redrawing of South American Geopolitics, 1950-1992”. Mashriq & Mahjar Journal of Middle East and North African Migration Studies, vol. 1, nº 1, p. 55-84, 2013.). Uma investigação recente apontou que o crime teria como motivação a cobrança de uma promessa não cumprida pelo governo israelense feita a um grupo de palestinos que seria reassentado no Paraguai e receberia um estipêndio mensal. Eles não tinham ligações com o lado brasileiro (Rivarola, 2020Rivarola, A. “Una millonaria coima para “importar” palestinos en la época de Stroessner”. ABC Color, 12 ago. 2020. Disponível em: < https://www.abc.com.py/nacionales/2020/08/12/una-millonaria-coima-para-importar-palestinos-en-la-epoca-de-stroessner/ >. Acesso em: 12 ago. 2020.
https://www.abc.com.py/nacionales/2020/0...
). Duas décadas depois desse episódio, os ataques contra alvos judaicos em Buenos Aires, nos anos de 1992 e 1994, trouxeram outra acusação semelhante contra a comunidade fronteiriça, que é majoritariamente de origem libanesa (Nasser, 2018; Pinto, 2016; Rabossi, 2004Rabossi, F. “Nas ruas de Ciudad del Este: vidas e vendas num mercado da fronteira”. Tese de Doutorado em Antropologia Social - Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Museu Nacional:Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004.). Desde então, os governos da Argentina e dos EUA, além de veículos de imprensa e think tanks conservadores, têm apontado a Tríplice Fronteira como uma base de apoio para grupos militantes que atuam no Oriente Médio, como a Al Qaeda, o Hamas e o Hezbollah5 5 Neste artigo, a grafia da palavra Hezbollah (usada por O Globo) também será encontrada como Hizbullah (usada pela Folha de S.Paulo). A diferença entre os jornais se dá pela preferência da Folha em aproximar-se mais da grafia árabe, que não dispõe das vogais “e” e “o”, enquanto O Globo utiliza a forma mais adotada por agências de notícias internacionais. , além da República Islâmica do Irã.

Essa perspectiva foi adotada por documentos oficiais do governo americano a partir de meados da década de 1990. A Tríplice Fronteira foi mencionada pela primeira vez em relatórios do Departamento de Estado sobre atividades terroristas na edição de 1997 do Patterns of Global Terrorism, referente ao ano de 19966 6 A região foi mencionada na edição de 1993, referente a 1992, do Patterns of Global Terrorism, não como “triborder area”, mas como área remota fronteiriça da Argentina, Brasil e Paraguai. . A denominação recém-cunhada na época, “triborder area”, foi inserida no item Argentina do documento – naquela edição não havia um item específico sobre o Brasil – e referia-se ao “aumento de preocupações com segurança” [growing security concerns] na região (Estados Unidos, 1997). A inclusão ocorreu após declarações do então Ministro do Interior argentino, Carlos Corach, que levantou suspeitas sobre a participação de membros da comunidade árabe/muçulmana dos lados brasileiro e paraguaio da fronteira no transporte de explosivos usados nos atentados em Buenos Aires (Castro, 2021b). A acusação não foi incluída na última denúncia realizada na Justiça argentina (Nisman, 2015Nisman, A. “Formula Denuncia”. Ministerio Público de la Nación. Buenos Aires, 21 jan. 2015. Disponível em: < https://www.pagina12.com.ar/fotos/20150121/notas/denuncia-nisman.pdf >. Acesso em: 20 out. 2017.
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) e até o momento não foi comprovada (Castro, 2021b; Folch, 2012Folch, C. “Trouble on the Triple Frontier”. Foreign Affairs, 6 set. 2012. Disponível em: < www.foreignaffairs.com/articles/argentina/2012-09-06/trouble-triple-frontier > Acesso em: 10 maio 2020.
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; Manero, 2011Manero, E. A Retrospective Look at the Nature of National Borders in Latin America. In: Wastl-Walter, D. (Ed.). The Ashgate Research Companion to Border Studies. London: Routledge, p. 301-323, 2011.), como também admite o documento conjunto de 2004 divulgado pelo Grupo 3+1 (atual Mecanismo Regional de Segurança), que inclui além de Brasil, Argentina e Paraguai, os Estados Unidos (Estados Unidos, 2004a).

Após os atentados em 11 de setembro de 2001, autoridades estrangeiras rearticularam os discursos sobre a ameaça terrorista na Tríplice Fronteira. Houve também um aumento de enviados especiais de veículos de imprensa americanos para a realização de reportagens sobre a região (Montenegro; Béliveau, 2006Montenegro, S.; Béliveau, V. G. La Triple Frontera: Globalización y construcción social del espacio. Madrid: Miño y Dávila, 2006.). Dessa vez, a novidade foi a alegação de que haveria contatos entre a Al Qaeda e a comunidade árabe/muçulmana de Foz do Iguaçu. Documentos diplomáticos brasileiros sugerem que as acusações teriam sido feitas por membros do governo argentino a homólogos americanos (Brasil, 2001). Mas as acusações não se mantiveram somente no âmbito governamental. A revista brasileira Veja publicou, dois anos após os atentados, uma extensa reportagem em que afirmava categoricamente que o próprio Osama Bin Laden teria visitado Foz do Iguaçu (Policarpo Junior, 2003). Mais uma vez, a informação carecia de evidências que a corroborassem, como apontou o relatório da comissão independente bipartidária que investigou as circunstâncias em que ocorreram os atentados em 11 de setembro de 2001 (Estados Unidos, 2004b)7 7 A suposta viagem chegou a virar anedota em uma peça publicitária de gosto duvidoso para promover o turismo em Foz do Iguaçu, que afirmava que até o saudita teria se encantado com as belezas da região (Valle, 2003). .

A associação da Tríplice Fronteira com atividades ilegais foi abordada por estudos que destacaram o papel da imprensa na construção de narrativas de natureza infundada e circular do vínculo entre a região e o terrorismo internacional – o nexo crime-terror. Além disso, muitos meios de comunicação promoveram um discurso securitizador8 8 O conceito e a aplicação dele na Tríplice Fronteira pode ser mais bem entendido no artigo de Castro, 2020. , uma forma de legitimar ações intervencionistas ao apresentar a presença de uma comunidade árabe na região como um perigo, uma ameaça, uma incerteza. Jusionyte (2015)Jusionyte, I. Savage frontier: making news and security on the Argentine border. Berkeley: University of California Press, 2015. destacou a importância do papel desempenhado por jornais e redes de TV9 9 As críticas de Jusionyte são especialmente direcionadas ao canal de TV CNN e aos jornais The New York Times e El Clarín. em torno das ameaças terroristas na Tríplice Fronteira como parte de um discurso mais amplo de segurança global. Segundo a autora, que observou veículos de imprensa argentinos e americanos, as alegações inseridas nas reportagens se mostravam recicladas, apoiadas, geralmente, em referências anteriores próprias, que acabavam por formar um “círculo fechado”. “Ao invés de dispor de novas informações, por quase uma década o discurso absorveu dados à narrativa existente reforçando-a e às vezes justificando retroativamente eventos anteriores”10 10 Tradução dos autores para: “Rather than adjusting to new information, for over a decade the discourse absorbed data into the existing narrative, strengthening it and at times retroactively justifying past events”. , afirma Jusionyte (2015Jusionyte, I. Savage frontier: making news and security on the Argentine border. Berkeley: University of California Press, 2015., p. 109).

Montenegro e Béliveau (2006)Montenegro, S.; Béliveau, V. G. La Triple Frontera: Globalización y construcción social del espacio. Madrid: Miño y Dávila, 2006. também realizaram uma leitura crítica da cobertura sobre a Tríplice Fronteira em jornais americanos e argentinos entre 2001 e 2003. Para as autoras, os eixos temáticos nos veículos dos EUA se mostraram redundantes, ou seja, com frequência versavam sobre o mesmo tema e usavam as mesmas informações. Nas primeiras reportagens analisadas pelas pequisadoras nos diários The New York Times e The Washington Times, logo após os atentados de 11 de setembro de 2001, houve maior ênfase na descrição da região. Depois, o foco voltou-se para o monitoramento da fronteira, pois os veículos de imprensa davam como certa a presença ativa de terroristas na região. Da mesma forma, “se tornou central a transmissão da ideia de capacidade escassa dos governos locais de controlar uma área vista como uma ‘zona cinza’, ‘espaço’ sem estado[sic]’ e ‘sem lei’”11 11 Tradução dos autores para: “...se tornó central la transmisión de la idea de la escasa capacidad de los gobiernos locales por controlar un área vista como prácticamente independiente, una ‘zona gris’, ‘un espacio sin estado’ y ‘sin ley’”. . As autoras também destacam a ausência de informações sobre as particularidades locais e uma homogeneização das três cidades fronteiriças (Foz do Iguaçu, Ciudad del Este e Puerto Iguazú). Os jornais argentinos El Clarín e La Nación, por sua vez, representaram a Tríplice Fronteira, logo após 11 de setembro de 2001, de uma forma semelhante aos noticiosos americanos. Posteriormente, cederam espaço a outros atores e a denúncias de que a região estava sendo “demonizada” (Montenegro; Béliveau, 2006Montenegro, S.; Béliveau, V. G. La Triple Frontera: Globalización y construcción social del espacio. Madrid: Miño y Dávila, 2006., p. 62, 67).

Mais recentemente, Silva et al. (2019)Silva, M. A., et al. “A imprensa nacional (Brasil, Argentina e Paraguai) e o nexo terrorismo-Tríplice Fronteira em 2018”. Orbis Latina, vol. 9, nº 2, p. 192–207, 2019. Disponível em: < https://revistas.unila.edu.br/orbis/article/view/1747/1653 > Acesso em: 10 maio 2020.
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promoveram um levantamento de notícias em veículos de imprensa dos três países que formam a Tríplice Fronteira. A pesquisa, que se refere somente ao que foi publicado no ano de 2018, escrutinou o que oito jornais e dois sites informativos12 12 Os veículos analisados por Silva et al. foram: Folha de S.Paulo, Veja, O Estado de S. Paulo e O Globo; os argentinos El Clarín, Infobae e La Nación; e os paraguaios ABC Color, Última Hora e La Nación. publicaram sobre “terrorismo”. Foram identificadas 96 reportagens (51 em veículos argentinos, 30 em paraguaios e 15 em brasileiros) que continham alguma menção à palavra. Segundo os pesquisadores, o foco dado pelos veículos de imprensa de cada país foi distinto. A imprensa brasileira concedeu pouco destaque à Tríplice Fronteira e promoveu mais associações entre o governo venezuelano e o terrorismo internacional, mesmo quando mencionava a região fronteiriça nas reportagens (Silva et al., 2019Silva, M. A., et al. “A imprensa nacional (Brasil, Argentina e Paraguai) e o nexo terrorismo-Tríplice Fronteira em 2018”. Orbis Latina, vol. 9, nº 2, p. 192–207, 2019. Disponível em: < https://revistas.unila.edu.br/orbis/article/view/1747/1653 > Acesso em: 10 maio 2020.
https://revistas.unila.edu.br/orbis/arti...
). A notícia relacionada à Tríplice Fronteira mais repercutida nos veículos nacionais em 2018 foi a prisão de Assad Ahmad Barakat, em Foz do Iguaçu, solicitada pelo governo do Paraguai, que o acusava de fraude na obtenção de um passaporte. Os diários do país vizinho deram mais ênfase à descoberta de que o comerciante libanês, que vive há décadas na região, conseguiu obter o documento apesar de ter perdido a cidadania paraguaia em 2003 ao ser condenado por evasão de divisas. Barakat era apontado como financiador do grupo libanês Hezbollah. Portanto, parece contraditório que a prisão de um acusado de falsidade ideológica tenha sido a menção mais frequente sobre terrorismo na região, considerando que ele não foi indiciado por atos terroristas, nem em 2003, nem recentemente. Na Argentina, por sua vez, a imprensa, em 2018, concedeu mais destaque a um esforço do então presidente do país, Maurício Macri, em tratar a região como um lugar de trânsito de membros do Hezbollah (Silva et al., 2019Silva, M. A., et al. “A imprensa nacional (Brasil, Argentina e Paraguai) e o nexo terrorismo-Tríplice Fronteira em 2018”. Orbis Latina, vol. 9, nº 2, p. 192–207, 2019. Disponível em: < https://revistas.unila.edu.br/orbis/article/view/1747/1653 > Acesso em: 10 maio 2020.
https://revistas.unila.edu.br/orbis/arti...
).

Neste artigo buscamos analisar um recorte temporal mais extenso do que o de estudos anteriores, o que permite verificar se o enfoque da imprensa não é consequência de desfechos de eventos pontuais, como os atentados de 11 de setembro de 2001, mas de um discurso que mantém uma dimensão mais perene na mídia. Optamos por uma abordagem comparativa entre dois veículos de imprensa nacionais a fim de observar se há indicativos de um padrão na mídia brasileira em relação à cobertura da região, ou se cada veículo tem uma abordagem diferente. Também promovemos um tratamento mais sistematizado ao recorte escolhido, com o uso de ferramentas metodológicas que contemplam tanto uma análise quantitativa como qualitativa do corpus. A partir dessa perspectiva, almejamos responder duas questões principais. A primeira delas é: quais assuntos relacionados à Tríplice Fronteira receberam cobertura mais extensa de ambos os jornais no recorte temporal? A segunda: a cobertura desses assuntos mais frequentes demonstrou algum viés? As opções metodológicas para responder aos questionamentos incluíram, primeiramente, uma análise dos assuntos mais publicados por meio do arcabouço conceitual dos estudos de comunicação. Depois, empreendemos uma análise do léxico por meio da aferição da frequência de palavras com o uso do software NVivo12. Ambas as abordagens nos pareceram complementares para atingir o principal objetivo deste artigo, que é observar quais são as representações elaboradas pelos dois jornais sobre a Tríplice Fronteira.

Marco teórico

Dentro dos estudos de comunicação, a perspectiva cognitiva traz algumas suposições sobre como as percepções da realidade são construídas entre os receptores. Do ponto de vista teórico, a imprensa pode exercer influência no imaginário e na opinião pública por meio de três mecanismos e afetar o que o público considera a partir da relevância dada a um tema (agenda-setting), da forma na qual ele é analisado e avaliado (framing), e do estabelecimento de preconceitos e juízos de valor que têm efeitos duradouros nas percepções do receptor (priming). A partir de conceitos estabelecidos nestes pressupostos teóricos, é possível observar como essas percepções podem ser formadas a partir da cobertura jornalística.

O agenda-setting é a definição de problemas que merecem a atenção da audiência (Entman, 2007Entman, R. M. “Framing Bias: Media in the Distribution of Power”. Journal of Communication, vol. 57, nº 1, p. 163-173, 2007.), a partir do entendimento de que a imprensa tem a capacidade de fazer com que sua agenda seja absorvida pela opinião pública ao conceder mais ênfase a assuntos específicos. Sob essa ótica, os aspectos de um tema privilegiado pela imprensa se tornariam frequentemente proeminentes entre o público e os policy-makers. Estudos apontam que há realmente um alto grau de correspondência entre os tópicos priorizados em veículos midiáticos de grande circulação ou audiência e a agenda discutida pela opinião pública (McCombs, 2005). Isso significa que os meios de comunicação definem o que é notícia e, portanto, o que merece consideração e análise.

O pressuposto teórico de framing (enquadramento) sugere que o viés de uma cobertura jornalística pode afetar a recepção de um assunto específico. Entman (1993)Entman, R. M. “Framing: Toward Clarification of a Fractured Paradigm”. Journal of Communication, vol. 43, nº 4, p. 51-58, 1993. define enquadramento como o ato de selecionar aspectos de uma realidade percebida em relação a um objeto no contexto da comunicação de tal forma a promover uma definição particular, uma interpretação causal, um juízo moral e/ou uma recomendação de tratamento. O framing introduz ou evidencia algumas ideias, “ativando esquemas que encorajam as audiências-alvo a pensar, sentir ou decidir de uma forma específica” (Entman, 2007Entman, R. M. “Framing Bias: Media in the Distribution of Power”. Journal of Communication, vol. 57, nº 1, p. 163-173, 2007., p. 164). Refere-se, portanto, à ênfase dada pela cobertura midiática a algumas características de um assunto em detrimento de outros. O ato de enquadrar é uma forma de delimitar certos sentidos ao objeto.

Essa forma de moldar e alterar as interpretações e preferências do público consumidor de notícias ocorre por meio da ideia de priming, um processo pelo qual aspectos dominantes da cobertura de imprensa servem de critério para a tomada de decisão (Entman, 1991Entman, R. M. “Framing U.S. Coverage of International News: Contrasts in Narratives of the KAL and Iran Air Incidents”. Journal of Communication, vol. 41, nº 4, p. 6-27, 1991.). É um processo pelo qual preconceitos, valores e juízos são introduzidos nos esquemas cognitivos do público (espectadores/leitores) de modo duradouro, e que se estende a outras áreas e temáticas das originalmente utilizadas. É constituído por meio de significados não explícitos, os quais, ao promover uma determinada perspectiva, sustentam um ponto de vista valorativo específico, definido ideologicamente. O priming, portanto, se estende além da mensagem original tanto em nível temporal quanto temático, criando uma base valorativa que afeta a tomada de decisões e opiniões dos indivíduos de modo geral.

A aplicabilidade dos conceitos também se estende para a averiguação da durabilidade dessas representações. Tromble e Meffert (2016)Tromble, R.; Meffert, M. “The Life and Death of Frames: Dynamics of Media Frame Duration”. International Journal of Communication, vol. 10, nº 0, p. 5079-5101, 2016. realizaram uma pesquisa sobre os impactos de características e de patrocinadores do framing em reportagens sobre a cobertura feita por dois jornais britânicos da controvérsia relacionada aos cartuns do Profeta Muhammad na Dinamarca, em 2006. O estudo concluiu que os frames encontrados se mostraram mais duradouros na imprensa quando associados a patrocinadores (frame sponsors) do que a eventuais ressonâncias culturais no país. Isso significa que, como também argumentam Gamson e Modigliani (1989)Gamson, W. A.; Modigliani, A. “Media Discourse and Public Opinion on Nuclear Power: a Constructionist Approach”. American Journal of Sociology, vol. 95, nº 1, p. 1-37, 1989., os patrocinadores são centrais para o processo de framing. O estudo dos cartuns não se prolongou ao longo dos anos e os autores indicaram a necessidade de acompanhar o tema escolhido por mais tempo. A importância da análise de um recorte temporal mais amplo, como propomos neste artigo, insere-se na busca da problematização de como uma imagem pode se consolidar nos veículos de imprensa, mesmo que publicada em período distante de eventos circunstanciais e independentemente da linha dos autores – considerando que há uma diversidade de editores, repórteres e redatores. Contudo, seriam necessárias outras fontes de análise para determinar se esses efeitos são produto de uma linha editorial específica de cada veículo.

A abordagem qualitativa, por sua vez, pode auxiliar a identificação de eventuais vieses na cobertura da mídia por meio da determinação de um tipo predominante de visão — como positiva, neutra ou negativa— sobre um assunto descrito. Norris (2000)Norris, P. A Virtuous Circle: political communications in postindustrial societies. Cambridge: Cambridge University Press, 2000. pesquisou a cobertura da mídia em relação à União Europeia e concluiu que dos 25 assuntos levantados no recorte estudado, relacionados ao bloco de países, 21 foram sobre temas impopulares, como desavenças entre países-membros, ineficiência da governança ou extravagâncias em Bruxelas. Ou seja, a maior parte das reportagens publicadas (84%) trazia notícias ruins sobre o bloco. O estudo, que também incluiu a receptividade das notícias, constatou que há uma forte associação entre a cobertura da mídia e o “euroceticismo”. Contudo, não foi possível afirmar se nesse caso específico houve causalidade. Generalizando os achados obtidos e considerando que a direção da influência é da mídia para o receptor, tem-se que o público não ficou totalmente imune às notícias negativas em relação aos problemas apontados nas reportagens em relação à União Europeia. Por isso, é possível supor que más notícias sobre um objeto tendem a, no mínimo, reforçar opiniões negativas já formadas pelo público (Norris, 2000Norris, P. A Virtuous Circle: political communications in postindustrial societies. Cambridge: Cambridge University Press, 2000.). Nessa perspectiva, a máxima de Bernard Cohen (1963)Cohen, B. C. The Press and Foreign Policy. Princeton: Princeton University Press, 1963. parece continuar atual: na maior parte do tempo, a imprensa pode ter sucesso limitado em dizer o que as pessoas devem pensar, mas é bastante efetiva em dizer sobre o que as pessoas devem pensar. Ou seja, o leitor pode não concordar com o que é falado, mas tende a prestar mais atenção ao assunto que recebe destaque, ação anteriormente identificada como agenda-setting.

Este artigo não se pauta pela experiência do leitor, o que demandaria uma avaliação da recepção das notícias. Também não se busca avaliar as condições de produção do noticiário, se foram, por exemplo, realizadas reportagens por equipes da região ou se as notícias foram apuradas em outras praças como Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro ou mesmo em outros países. O objetivo principal é observar o que emerge sobre a região nos dois jornais, e os pressupostos teóricos de agenda-setting e framing nos pareceram mais promissoras para a análise do objeto proposto, dado que abrangem, respectivamente, os temas que mais se destacaram e como eles foram abordados.

Contudo, ambos os pressupostos trazem desafios conceituais e metodológicos que ainda não foram superados. Nas últimas décadas, o que vem se consolidando nos estudos da área é a diferenciação de modelos e conceitos, com perspectivas que se fundamentam em noções distintas de framing (Vimieiro; Maia, 2011Vimieiro, A. C.; Maia, R. C. M. “Análise indireta de enquadramentos da mídia: uma alternativa metodológica para a identificação de frames culturais”. Revista FAMECOS, vol. 18, nº 1, p. 235-252, 2011.). Matthes e Kohring (2008)Matthes, J.; Kohring, M. “The Content Analysis of Media Frames: Toward Improving Reliability and Validity”. Journal of Communication, vol. 58, nº 2, p. 258-279, 2008. classificaram cinco diferentes abordagens metodológicas para a medição do framing: hermenêutica, linguística, holística manual, dedutiva e a que utiliza softwares. Optamos por utilizar dois métodos distintos para que a análise do corpus passasse por mais etapas. Assim haveria um melhor escrutínio dos dados e as conclusões teriam mais confiabilidade. Dessa forma, promovemos uma leitura hermenêutica para identificar os frames por meio de elementos interpretativos conhecidos, e uma análise com uso de software para realizar o mapeamento de palavras buscando as mais utilizadas nos textos analisados.

Na primeira fase da análise, portanto, identificamos o tema principal de cada unidade textual. Assim foi possível localizar em que contexto a Tríplice Fronteira é apresentada ao leitor. A disposição das unidades textuais por assunto também demonstra quais as pautas mais relevantes e que se encontram, portanto, na esfera de interesse dos dois jornais em relação à região. Além dessa camada de análise, acrescentamos outra, em uma segunda fase: a de frequência de palavras, que acrescenta mais elementos empíricos para o escrutínio de eventuais e distintos mecanismos de framing. De acordo com Entman (1993)Entman, R. M. “Framing: Toward Clarification of a Fractured Paradigm”. Journal of Communication, vol. 43, nº 4, p. 51-58, 1993., palavras específicas são blocos que constroem as molduras, e, assim, os clusters de vocábulos formariam os frames. Essa etapa foi realizada com o software NVivo12 que, ao hierarquizar os vocábulos mais mobilizados, também ajudou a agregar os radicais semelhantes e a definir os campos semânticos que mais se destacaram.

O léxico usado no noticiário é um marcador ainda mais específico da construção da mensagem. As reportagens, artigos, colunas e demais textos publicados nos meios de imprensa formam um discurso que, intermediado pela língua, não reflete a realidade social e fatos empíricos de forma neutra. Esses textos têm um papel mais ativo: intervêm na construção social da realidade. Segundo a abordagem da teoria da linguagem (ou linguística) sistêmico-funcional de Halliday, a língua teria três funções primordiais: ideacional, interpessoal e textual. A primeira delas é pautada pela construção de nossa experiência de mundo, ao nosso redor e dentro de nós, que gera as representações dele. A função interpessoal, por sua vez, abrange o funcionamento da língua na construção de identidades e relações sociais através da interação entre os emissores. A última das funções é a textual, que está associada à própria constituição dos textos. A base textual fornece os recursos que permitem ao falante/autor produzir um discurso contextualizado e guiar o ouvinte/leitor a fim de que ele possa interpretar esse discurso (Halliday; Matthiessen, 1999). A partir dessa perspectiva, o vocabulário ou léxico se mostra determinante para a estrutura ideacional do texto, que delimita a representação que fazemos de diferentes assuntos. Ele não apenas organiza nossa experiência em termos gerais, mas faz distinções entre classes de ideias. Os registros lexicais possuem, portanto, a função de categorizar. O valor do sentido da palavra é dado por seu lugar dentro do sistema de termos relacionados. As relações de sentido dentro dos sistemas explicam como o vocabulário de uma língua é neles estruturado, e não uma lista arbitrária que o dicionário sugere. Nessa perspectiva, existiria uma relação causal entre a estrutura semântica e a cognição, sendo que a língua influencia o pensamento, estruturando os canais de nossa experiência mental do mundo (Fowler, 1994Fowler, R. Language in the News. Discourse and Ideology in the press. Abingdon: Routledge, 1994.).

As opções entre diferentes elementos linguísticos feitas no texto, do léxico à gramática, são escolhas que impactam a interpretação e a cognição do que foi escrito. Esses elementos cristalizam e normalizam “os pedaços basicamente artificiais que são fatiados do bolo do mundo” (Fairclough, 1995Fairclough, N. Media discourse. London: Bloomsbury Academic, 1995., p. 103). A função do analista, portanto, seria observar quais termos habitualmente ocorrem, quais segmentos do mundo, da sociedade ganham atenção discursiva constante. Uma forma de abordar essas frequências é avaliar clusters de termos que se relacionam entre si, que marcam tipos distintos de assuntos e ênfases (Fowler, 1994Fowler, R. Language in the News. Discourse and Ideology in the press. Abingdon: Routledge, 1994.). O estudo dos campos semânticos, portanto, pode trazer contribuições para a compreensão de como se constroem nos textos dos jornais as bases que operam o framing dos assuntos abordados sobre a Tríplice Fronteira.

Coleta e separação do corpus

A coleta do corpus para a análise proposta foi realizada por meio de buscas nas plataformas digitais disponíveis para assinantes dos dois jornais com a palavra-chave “tríplice fronteira”, tendo como recorte temporal os anos de 2011 a 2019 iniciando-se, portanto, dez anos após os atentados de 11 de setembro de 2001. A pesquisa foi realizada e coletada das bases entre maio e agosto de 2020. As referências duplicadas foram retiradas. O resultado da busca originou um corpus de 107 unidades textuais somando-se os textos da Folha de S.Paulo e d’O Globo. A seguir, explicamos com mais detalhes como foram obtidos no arquivo digital de cada um dos dois jornais o que passamos a chamar de unidades textuais.

A pesquisa dessas unidades na Folha de S.Paulo foi empreendida com a ferramenta https://busca.folha.uol.com.br/. A palavra-chave foi “tríplice fronteira”, com aspas. Como outras tríplices fronteiras foram encontradas, removemos as que não se referiam à divisa entre Argentina, Brasil e Paraguai, objeto de nossa busca. A procura se concentrou em textos sob a alcunha “Edição Impressa”, que são acessíveis tanto para os leitores do jornal digital como do impresso. No recorte temporal de nove anos (2011-2019), não foi registrada nenhuma unidade textual com resultado positivo nos anos de 2016 e 2017. Foram obtidos resultados para vários tipos de unidades textuais: reportagens comuns, entrevistas, artigos de colunistas, colunas de assuntos específicos e editoriais. No caso de apenas uma nota informativa específica sobre a Tríplice Fronteira em uma coluna de notícias variadas, descartamos o restante do texto da coluna e utilizamos para a análise somente o trecho que mencionava a fronteira. Foi agregado ao corpus um total de 53 unidades textuais que atenderam aos critérios descritos.

No jornal O Globo, a seleção de textos se mostrou mais complexa, pois houve a necessidade de utilizar três formas distintas de busca. A primeira se deu no site do jornal, https://oglobo.globo.com/busca. Por essa ferramenta, o resultado para as palavras-chave não foi apresentado em ordem cronológica. A segunda forma de busca foi pelo Pressreader (https://infoglobo/pressreader.com), que ofereceu resultados somente até o ano de 2014. Além disso, os textos obtidos apareciam em formato diferente do publicado. A terceira forma foi via Acervo (site https://acervo.oglobo.globo.com/busca/), que traz a cópia do jornal impresso, inteiramente digitalizado. Esse formato torna mais complexa a extração do texto, por isso foi usado como base de checagem para o resultado das buscas anteriores. As unidades textuais que haviam sido publicadas no jornal impresso e exibidas no Acervo, mas não encontradas nas duas primeiras buscas, foram copiadas manualmente das páginas digitalizadas d’O Globo e agregados ao corpus. As unidades textuais encontradas nas duas primeiras buscas que traziam disparidades em relação ao Acervo também foram ajustadas para ficarem iguais às do jornal digitalizado. No caso de uma nota informativa correspondente à palavra-chave em uma coluna de notícias variadas, foi usada somente a unidade textual referente à Tríplice Fronteira, mesmo procedimento empregado em relação à Folha. Desse modo, 54 unidades textuais que se referiam especificamente à Tríplice Fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai, foram coletadas. O resultado final d’O Globo (54) foi muito próximo ao encontrado na Folha de S.Paulo (53).

Apesar da similaridade entre os dois jornais quanto ao número total de unidades textuais sobre a Tríplice Fronteira, observou-se uma discrepância quantitativa entre os jornais por ano de publicação. Enquanto em 2011, por exemplo, a Folha publicou 17 unidades textuais com menções à região, O Globo publicou sete. A balança se inverteu em 2014, quando O Globo registrou 14 unidades textuais sobre a região e a Folha apenas quatro. Dos nove anos observados, somente em 2013 e em 2019 houve incidência de unidades textuais com notícias iguais ou semelhantes entre os dois jornais. Esse achado sugere que a cobertura sobre a região não é necessariamente orientada por eventos (event-driven), pois estes dificilmente deixariam de ser publicados simultaneamente em ambos os diários e de ganharem peso similar.

A decisão sobre a publicação de notícias ou mesmo textos opinativos sobre a Tríplice Fronteira parece ser motivada por razões diversas e menos pontuais. Em 2011, a Folha de S.Paulo publicou mais unidades textuais que abordavam a região juntamente com questões de segurança relacionadas aos futuros grandes eventos que aconteceriam em 2014 (Copa do Mundo de Futebol) e 2016 (Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro). Das 17 unidades textuais publicadas naquele ano, três citavam diretamente a Copa e tratavam de questões de segurança da fronteira; as reportagens sobre turismo foram quatro; outras duas traziam informações dos bastidores das relações, logo após os atentados de 11 de setembro de 2001, entre os governos brasileiro e americano, que ao longo dos anos posteriores se mantiveram em constante discordância sobre a existência de suspeitos na região (Castro, 2021a).

Já no jornal O Globo, das 14 unidades textuais publicadas em 2014, três se referiam à efeméride dos 20 anos de um dos atentados ocorridos em Buenos Aires. Em 2013, cada jornal publicou pelo menos duas reportagens sobre turismo. Somente em 2019 houve maior similaridade em relação ao número de unidades textuais que citavam a Tríplice Fronteira (6 na Folha e 7 em O Globo), orientada por um fato: os governos paraguaio e argentino anunciaram que o Hezbollah seria considerado um grupo terrorista em seus respectivos países. O então presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, chegou a afirmar que faria o mesmo, mas a promessa acabou não se concretizando (Uribe, 2019Uribe, G. “Bolsonaro confirma plano para classificar Hizbullah como organização”. Folha de S.Paulo, 20 ago. 2019. Disponível em: < https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/08/bolsonaro-confirma-plano-para-classificar-hizbullah-como-organizacao-terrorista.shtml >. Acesso em: 1 jun. 2020.
https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019...
). Contudo, o tema que se mostrou mais frequente na Folha de S.Paulo foi terrorismo, não encontrado somente nos anos de 2015, 2016 e 2017, conforme pode ser observado nos Gráficos 1 e 2. Esse achado será abordado com mais detalhes nas seções seguintes.

Gráfico 1
Unidades textuais (n) sobre a Tríplice Fronteira na Folha de S.Paulo (2011-2019)

Gráfico 2
Unidades textuais (n) sobre a Tríplice Fronteira em O Globo – 2011-2019

Conforme observado nos gráficos, foram encontrados mais textos relacionando “terrorismo” com a região no jornal O Globo do que na Folha, ao longo do recorte temporal da pesquisa. O jornal carioca publicou com regularidade anual reportagens jornalísticas e/ou artigos de opinião que associavam a Tríplice Fronteira com o tema da segurança. A ênfase constante nesse assunto é uma forma de enquadramento (framing) da região no nicho de ameaças, o que se sobrepõe a qualquer outra variedade temática tanto na quantidade como na constância de textos publicados. A seleção desse aspecto unidimensional de um território multifacetado e que dispõe de características tão variadas, como descritas anteriormente, sugere que o jornal possui uma predisposição a cobrir somente uma delas, com bases menos críticas do que seu concorrente paulistano.

Análise dos assuntos

A cobertura da Tríplice Fronteira pela Folha de S.Paulo e por O Globo, no recorte temporal de 2011 a 2019, demonstrou uma frequente associação entre a região e a prática de ilegalidades. Na Folha, não foram encontradas menções à região nos anos de 2016 e 2017, enquanto em O Globo houve registros em todos os anos analisados. Nesses dois anos especificamente, as reportagens publicadas em O Globo tinham um caráter mais “frio”, ou seja, não continham informações inéditas ou de grande interesse público, o que pode explicar a ausência de cobertura pela Folha. Tal fato parece indicar uma maior predisposição do jornal carioca a cobrir temas relacionados a ameaças. Após uma leitura hermenêutica do corpus, foram observadas 30 unidades textuais em O Globo e 25 unidades textuais na Folha que traziam como principal assunto ilegalidades, o que corresponde, respectivamente, a 55,5% e 47% do total do corpus de cada diário. Ou seja, mais da metade das reportagens que mencionavam a Tríplice Fronteira publicadas no período de 2011 a 2019 em O Globo e quase a metade na Folha envolviam atividades ilícitas como contrabando, tráfico de drogas e de armas, lavagem de dinheiro e, principalmente, terrorismo, como mostrado nos Gráficos 1 e 2. Tal fato demonstra uma tendência contínua no noticiário de ambos os jornais em enquadrar (no sentido de framing) a região como um centro de práticas criminosas.

Uma análise comparativa entre os assuntos abordados também aponta a pequena diversidade de temas, principalmente em O Globo, como sugerem os Gráficos 3 e 4. O jornal publicou, nesse período, unidades textuais sobre a região relacionadas a somente quatro assuntos (ilegalidades, segurança pública, turismo e cultura), excetuando-se o ano de 2013, quando outros temas também foram abordados13 13 Há unidades textuais que abordam mais de um assunto, o que foi contemplado nos gráficos. . A cobertura da Folha de S.Paulo, por outro lado, incluiu mais diversidade no rol de temáticas, considerando que o item “outros assuntos” foi identificado em todos os anos em que foram encontradas unidades textuais sobre a Tríplice Fronteira, exceto no ano de 2018 como já mencionado, em 2016 e em 2017, quando não foram publicados textos sobre a região. Isso demonstra que a Folha trouxe um retrato mais abrangente em comparação com o trazido pelo concorrente carioca. Mas, ainda assim, é necessário registrar a grande ênfase concedida tanto pela Folha como por O Globo a assuntos ligados a ameaças.

Gráfico 3
Temas (n) mais recorrentes sobre a Tríplice Fronteira na Folha de S.Paulo (2011- 2019)

Gráfico 4
Temas (n) mais recorrentes sobre a Tríplice Fronteira em O Globo (2011-2019)

Dentro do escopo das ilegalidades, a associação da região com o terrorismo é a mais presente no corpus. Nos anos que antecederam dois grandes eventos que teriam o Brasil como sede, a Copa do Mundo de Futebol, em 2014, e os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016, reportagens que relacionavam a preocupação com a possibilidade de ocorrerem atentados terroristas no país foram publicadas nos dois jornais. A Tríplice Fronteira esteve presente em uma dessas unidades textuais – é necessário destacar que nenhum dos eventos esportivos ocorreria nessa região. Na reportagem “Brasil tem de se preocupar com terrorismo, diz perito”, publicada no caderno de Esportes da Folha de S.Paulo em 21 de abril de 2011, um membro das Forças Armadas israelenses afirmou que o Brasil tinha duas fortes estruturas terroristas (Rötzsch, 2011Rötzsch, R. “Brasil tem de se preocupar com terrorismo, diz perito”. Folha de S.Paulo, 21 abr. 2011.):

A primeira está na Tríplice Fronteira, que alguns apontam como principal área de levantamento de fundos fora do Oriente Médio para organizações terroristas islâmicas. A segunda é de cerca de 20 membros da Al Qaeda que operam no país e coordenam as atividades em mais de dez países.

Foram encontradas outras reportagens na mesma linha do relato do especialista israelense, que apresentavam alertas de atentados que poderiam ocorrer a qualquer momento. Entre as unidades textuais que trazem ameaças atualizadas está “Alerta de atentado terrorista na América Latina”, em O Globo. A reportagem relata que os periódicos El País, do Uruguai, e Infobae, da Argentina, informaram que um “documento recebido por órgãos da região [América Latina] confirma a possível realização de um ataque por grupos extremistas islâmicos” (Figueiredo, 2012Figueiredo, J. “Alerta de atentado terrorista na América Latina”. O Globo, 19 maio 2012.; s/p). Outro alerta de perigo iminente foi publicado no jornal carioca em 2015, ano anterior às Olimpíadas: “Segurança é reforçada na Tríplice Fronteira”. A reportagem informa que um jovem paraguaio de 17 anos foi preso na Espanha “por suposta participação em uma célula terrorista do país”. Por essa razão, “um portavoz [sic] do comando de segurança da região” teria dito que apesar de não haver nenhum alerta oficial, seria dada “maior ênfase na atenção à segurança” (O Globo, 2015, s/p). O texto também informa que o adolescente detido não tinha interlocutores no Paraguai e morava na Europa havia oito anos, ou seja, desde a infância, o que sugere ser improvável que tivesse conexões com uma célula no país onde nasceu.

Os artigos de opinião de O Globo também concederam ênfase à ameaça terrorista imediata que a região supostamente representava. Ainda no ano de 2015, O Globo publicou o artigo “Lei contra o terrorismo”, do delegado e ex-deputado federal (PSDB-RJ), entre 2007 e 2011, Marcelo Itagiba. No texto, o policial defende uma lei antiterrorismo: “É melhor prevenir do que chorar” (2015, s/p), escreveu ele. Segundo Itagiba, investigações da Polícia Federal haviam concluído que grupos “arregimentam pessoas, abrigam terroristas e lavam dinheiro para a prática de terror” na Tríplice Fronteira. Em 2016, editorial do mesmo jornal, sob o título “Combate ao terrorismo não tem volta”, seguiu a mesma linha de raciocínio. O texto comenta a deflagração da Operação Hashtag14 14 A Operação Hashtag foi deflagrada em julho de 2016 pela Polícia Federal brasileira para investigar uma suposta célula do grupo terrorista Estado Islâmico do Iraque e da Síria. A investigação resultou na prisão e, mais tarde, na condenação de um grupo de oito pessoas, os primeiros a serem condenados no país sob a lei antiterrorismo. e sugere um vínculo entre moradores da região fronteiriça e o terrorismo: “não pode ser considerado sem importância o fato de haver no Sul, na Tríplice Fronteira, [...] comunidades muçulmanas bem conectadas com o Oriente Médio” (O Globo, 2016, s/p). Deve-se salientar que nenhum dos oito condenados na operação eram originários ou viviam na região fronteiriça.

Outras referências mais comuns a terrorismo no recorte analisado abordam alegações antigas. Uma trágica efeméride também foi “gancho”15 15 Jargão jornalístico usado para justificar a publicação de uma reportagem que deve ter atualidade e interesse geral. para O Globo retomar a suposta relação da Tríplice Fronteira com grupos terroristas. Uma série de reportagens especiais que marcaram as duas décadas do atentado à Associação Mutual Israel Argentina (Amia), ocorrido em Buenos Aires, foi publicada em O Globo em 13 de julho de 2014. Três unidades textuais, entre elas uma chamada de capa16 16 A capa é uma vitrine que expõe o que a cúpula do jornal considera os principais assuntos publicados naquela edição. e duas reportagens de página inteira, mencionam uma suposta ligação entre a fronteira e o ato terrorista. Na chamada de capa para as reportagens, afirma-se: “A Justiça argentina liga grupos na Tríplice Fronteira a Irã e Hezbollah, apontados como culpados, relata José Casado” (O Globo, 2014, s/p). A informação a que se refere está na reportagem “Fios de uma intriga internacional que levam ao Líbano e ao Irã”. Segundo o autor da reportagem, moradores de Foz do Iguaçu, entre eles Assad Ahmad Barakat, teriam sido contatados por um dos supostos organizadores do atentado na época do crime (Casado, 2014Casado, J. “Fios de uma intriga internacional que levam ao Líbano e ao Irã”. O Globo, 13 jul. 2014.)17 17 Barakat, citado pelos jornais como o principal arrecadador de fundos do grupo na região, foi extraditado para o Paraguai em agosto de 2020 – período posterior à análise feita neste estudo. O preso foi levado pela Polícia Federal brasileira às autoridades paraguaias na ponte da Amizade, na Tríplice Fronteira, apesar de ela estar interditada devido às restrições impostas em razão da pandemia (Freire, 2020). Em abril de 2021, ele foi condenado pela Justiça paraguaia a dois anos e seis meses de prisão, por falsidade ideológica pela apresentação de documentos falsos para conseguir um passaporte. Como já havia cumprido a pena, pois se encontrava preso desde 2018, foi expulso do país e voltou ao Brasil em liberdade (ABC Color, 2021). .

Outra reportagem publicada meses depois no mesmo jornal, e que também recebeu uma chamada na capa, traz uma acusação inédita. O texto relata que traficantes de origem libanesa, que operariam na Tríplice Fronteira e seriam associados ao Hezbollah, tinham ligações com o Primeiro Comando da Capital (PCC). A informação, segundo a reportagem, era procedente de um relatório da Polícia Federal datado de 2008, cinco anos antes dessa publicação. Os serviços de inteligência brasileiros teriam “uma série de indícios de que traficantes de origem libanesa ligados ao Hezbollah, o ‘Partido de Deus’, se aventuraram numa associação com criminosos brasileiros” (Leali, 2014Leali, F. “Conexão Líbano Brasil”. O Globo, 9 nov. 2014., s/p). Uma foto de um papel datilografado, que seria o documento citado, também foi publicada. O trecho desse documento diz:

Durante a execução da Operação Spectro (conduzida pela DPF/FIG/PR) e delegacia em 12 de dezembro de 2008, chegaram ao conhecimento deste O.I. diversos dados obtidos através de contato pessoal com fonte humana de confiabilidade não avaliada, relacionadas ao envolvimento de cidadãos estrangeiros, a maioria de nacionalidade libanesa, presos nas penitenciárias de [rasurado] e [rasurado] com atividades relacionadas ao tráfico internacional de entorpecentes além de suposto envolvimento com o Hezbollah (“Partido de Deus”) e aproximação com o [rasurado].

A concentração de tais detentos vem auxiliando na aglutinação de indivíduos com interesses comuns, além de viabilizar o contato de traficantes de origem árabe com grupos como o [rasurado] com marcante presença nos estabelecimentos prisionais do Estado de São Paulo18 18 Os destaques feitos no texto são dos autores. .

A informação chegou a repercutir internacionalmente, o que demonstra que o modo como se dá o framing, sem que haja o contraditório ou outras vozes que tragam alguma dúvida sobre sua veracidade, faz com que a notícia torne uma suspeita em um fato comprovado. Dois think tanks americanos, Foundation for the Defense of Democracies (FDD) e The Counter Extremist Project, utilizaram a reportagem de O Globo para chamar a atenção de autoridades norte-americanas para a região, usando-a em relatórios e reportagens publicadas, demonstrando o papel do noticiário no efeito securitizador da região. Um dos membros do FDD, por exemplo, testemunhou em uma audiência da Comissão de Serviços Financeiros da Câmara de Representantes do Congresso americano, em 8 de junho de 2016, e citou a ligação entre o PCC e o Hezbollah, referindo-se ao jornal brasileiro O Globo (Ottolenghi, 2016Ottolenghi, E. “The Enemy in our Backyard: Examining Terror Funding Streams from South America” Hearing Before The House Committee on Financial Services. Task Force to Investigate Terrorism Financing. Washington DC, 8 jun. 2016. Disponível em: < https://s3.us-east-2.amazonaws.com/defenddemocracy/uploads/documents/Ottolenghi_The_Enemy_in_our_Backyard.pdf >. Acesso em: 27 set. 2021.
https://s3.us-east-2.amazonaws.com/defen...
), que havia publicado a reportagem dois anos antes. Contudo, o depoente não informou que o documento da polícia sugeria somente um “suposto envolvimento” e que a testemunha citada era de confiabilidade “não avaliada”19 19 Especialistas sobre a facção brasileira, que se encontra operando no Paraguai desde 2003, acreditam que havia “traficantes de ambos os grupos [Farc e Hezbollah] fazendo negócios estritamente mercantis com traficantes do PCC” (Feltran, 2018, p. 287). Ou seja, pode haver uma colaboração pontual entre operadores de ambos os lados, mas não uma associação entre os dois grupos. Como a estrutura do PCC é mais próxima de uma irmandade, como a maçonaria, considera-se que um acordo com os supostos líderes do grupo não seria exequível. . Também cita erroneamente o autor da reportagem – troca Leali por Reali. O mesmo depoente voltou a mencionar a informação em nova audiência no ano seguinte, mas desta vez no Senado americano. No novo depoimento, reiterou a relação PCC e Hezbollah na Tríplice Fronteira referindo-se a artigo do periódico Foreign Affairs20 20 O artigo mencionado é “Smoking Smoke. Paraguay’s Tobacco Business Fuels Latin America’s Black Market”, de Gomis, B. e Botero, N. C., publicado em 5 fev. 2016. O periódico é bastante influente nos meios acadêmicos e entre oficiais do governo americano. , que, por sua vez, fazia referência à mesma reportagem de O Globo citada pelo depoente na audiência do ano anterior (Ottolenghi, 2017Ottolenghi, E. “Emerging External Influences in the Western Hemisphere”. Senate Foreign Relation Committee. Subcommittee on Western Hemisphere, Transnational Crime, Civilian Security, Democracy, Human Rights, and Global Women’s Issues. Washington DC, 10 mai. 2017. Disponível em: < https://www.foreign.senate.gov/imo/media/doc/051017_Ottolenghi_Testimony.pdf >. Acesso em: 27 jun. 2021.
https://www.foreign.senate.gov/imo/media...
). Ou seja, a notícia trazida pelo jornal brasileiro se transformou em uma evidência da existência de um acordo entre os dois grupos, e assim foi apresentada em audiências no Congresso e em um veículo de imprensa dos EUA. O exemplo mencionado demostra como um determinado framing de imprensa, mesmo sem fundamentos, pode ser incorporado como peça acusatória. E, assim, instrumentalizado para a defesa de eventuais políticas de intervenção.

Outras 11 unidades textuais que abordavam questões relacionadas à repressão a crimes ou a temas de segurança pública em geral que envolviam a região foram encontradas no jornal O Globo; na Folha de S.Paulo, foram cinco. Entre elas, estão incluídos textos sobre ilegalidades e, portanto, também foram adicionados na contagem anterior. Um dos assuntos mais recorrentes nessa categoria é a compra e os problemas para colocar em operação dois Veículos Aéreos Não Tripulados (Vants). Eles seriam usados pela Polícia Federal para vigiar os limites fronteiriços, incluindo a Tríplice Fronteira. Em 2011, três unidades textuais (duas em O Globo e uma na Folha) trataram dos Vants. Em 2012, uma reportagem na Folha e uma em O Globo também abordaram o assunto, informando os altos gastos para treinar os operadores remotos dos veículos e outros entraves para que as aeronaves entrassem em atividade. A demanda por securitizar a região, que era insistentemente enquadrada pelos jornais como perigosa, pode ter justificado a compra das aeronaves. Os Vants deixaram de ser utilizados anos depois, segundo reportagem do próprio jornal O Globo, mesmo tendo sido gastos até aquele momento R$ 145 milhões (Amado, 2017Amado, G. “‘Espião’ abandonado”. O Globo, 24 jul. 2017.)21 21 Em 2019, outro veículo de imprensa informou que as duas aeronaves abandonadas pela Polícia Federal passaram para uso do Exército e um novo contrato, de valor não divulgado, foi fechado com a empresa fornecedora dos equipamentos, a estatal Israel Aerospace Industries, para treinamento de operadores e suporte do equipamento (Vinholes, 2019). . Foi contabilizado, portanto, um total de quatro unidades textuais em O Globo e três na Folha que tratavam dos Vants e mencionavam a região. As reportagens de ambos os veículos de imprensa tiveram como framing os gastos com os equipamentos e não com a ausência de monitoramento que a região sofreria com a retirada deles de circulação.

Como a Tríplice Fronteira tem grande potencial turístico e é um dos principais polos de atração de visitantes nacionais e internacionais esperava-se encontrar uma grande quantidade de unidades textuais sobre turismo. Foz do Iguaçu, a cidade do lado brasileiro da Tríplice Fronteira, é um dos destinos mais conhecidos do Brasil, sendo o terceiro mais procurado por estrangeiros que viajam ao país, depois do Rio de Janeiro e de Florianópolis (Brasil, 2021)22 22 A informação refere-se a dados coletados entre os anos de 2015 e 2019. . A região concentra, entre outras atrações, as cataratas do rio Iguaçu, localizadas entre o lado brasileiro e o argentino, e dispõe de um famoso centro de compras tax free instalado no lado paraguaio. O tema turismo, contudo, teve menor incidência do que os anteriores. Foram encontradas sete unidades textuais em O Globo e seis na Folha que envolviam o assunto, com informações sobre atrativos, hotéis, festas e o lançamento de um guia. Nenhuma das unidades textuais do corpus sobre turismo na região trouxe informações sobre crimes ou questões de segurança pública. O que parece demonstrar que, em ambos os jornais, há uma clara separação da cobertura sobre Foz do Iguaçu voltada para consumo de um potencial leitor turista e de outra para os demais. Elas não se misturaram nas unidades textuais observadas no recorte desta pesquisa.

Assuntos relacionados a cultura e/ou a entretenimento contabilizaram, coincidentemente, os mesmos resultados de reportagens sobre turismo no período analisado: sete unidades textuais na Folha de S.Paulo e seis em O Globo. Diferentemente das reportagens sobre turismo, nesse conjunto, a questão das ilegalidades esteve presente. As unidades textuais relacionadas a essa temática trataram do projeto de um filme sobre a prática de atividades ilegais e de dois programas de TV que exibiriam o trabalho das forças de segurança na repressão ao tráfico de drogas na Tríplice Fronteira. E uma delas, publicada em 2015 na Folha, informava que um lote de livros roubados em instituições públicas brasileiras havia sido encontrado pela polícia argentina na região, sem precisar o lugar (Folha de S.Paulo, 2015).

Em 2011, três reportagens (uma em O Globo e duas na Folha) informavam que o cineasta brasileiro José Padilha estaria sendo cotado para fazer um filme sobre a Tríplice Fronteira, juntamente com o ator Wagner Moura, e tendo Kathryn Bigelow como produtora. Padilha e Moura trabalharam juntos em “Tropa de Elite” e na série “Narcos”. Bigelow ganhou o Oscar de direção pelo filme “Guerra ao Terror”. Essas informações pareciam trazer indícios de qual seria a inclinação da película. Reproduzindo texto da revista Hollywood Reporter, a reportagem da Folha, de 27 de maio de 2011, afirma que o filme abordaria as “máfias chinesa e sérvia, traficantes bolivianos, colombianos e brasileiros, contrabandistas libaneses suspeitos de ajudar o Hezbollah, policiais e políticos corruptos de Brasil, Paraguai e Argentina” (Folha de S.Paulo, 2011, p. A4)23 23 Nem Padilha, nem Moura realizaram o filme. Somente em 2019, Bigelow produziu e lançou pela plataforma Netflix “Triple Frontier” (Operação Fronteira, em português), que tratava de traficantes sul-americanos em um lugar de selva não identificado da América Latina. O filme de ação foi dirigido por J.C. Chandor e protagonizado por Ben Affleck. .

A estreia de dois programas de TV sobre a Tríplice Fronteira também foi mencionada pelos jornais. Ambos retratavam o trabalho das forças de segurança no Oeste do Paraná em operações de combate ao tráfico de drogas. O primeiro deles é o “Papo de Polícia”, do Canal Multishow, anunciado nos dois diários em março de 2014. O outro mencionado é o programa “Tríplice Fronteira”, gravado pela produtora Mixer, nos mesmos moldes do anterior. Mais uma vez, o framing da região como um polo de atividades criminais se repetiu. Os programas de TV, assim como a cobertura dada a eles, pareciam priorizar o ponto de vista dos agentes policiais que atuam na fronteira, em detrimento de outros da sociedade civil. A narrativa “polícia versus bandido” veiculada nos programas de TV pareceu ser mais voltada ao consumo nacional, tendo como destaque o trabalho policial, ao contrário do filme de produção internacional, que se propunha a retratar os malfeitores, fossem eles criminosos ou agentes públicos. Contudo, as coberturas dadas aos programas nacionais e ao filme internacional não pareceram diferenciadas.

O fato de as ameaças representadas por terroristas, contrabandistas, criminosos em geral estarem presentes em unidades textuais de três dos quatro principais temas encontrados, mas ausentes de todas as reportagens sobre turismo, sugere a elaboração de um retrato fissurado da Tríplice Fronteira em ambos os diários. Se por um lado existe um lado sombrio, que pela predominância de matérias publicadas se sobressai, por outro existe um lugar edílico, rico em beleza natural, propício para compras e lazer. É como se os jornais sugerissem que são dois lugares geograficamente diferentes: um em que o submundo impera e outro seguro para fazer turismo. Essa abordagem maniqueísta deixa de lado a diversidade de nuances que a região apresenta, fazendo com que esse retrato se mostre não somente exagerado, mas irreal.

Desse modo, a análise dos assuntos encontrados, diante do pressuposto teórico de agenda-setting, demonstrou ser limitada para compreender a abordagem de ambos os jornais. As unidades textuais que remetem a ilegalidades se mostraram mais frequentes do que as demais, sobretudo relacionadas a terrorismo – mesmo que não tenha ocorrido nenhum atentado ou evento que justificasse a presença tão comum de palavras com a raiz terror-. Tal fato demonstra, especialmente em relação ao O Globo, uma tendência de dar maior relevância para notícias que se referem a ameaças. A cobertura sobre a região é primordialmente voltada a ações criminais e ilegalidades, que ocorrem ou que já ocorreram. Algumas dessas ações são comprovadamente relacionadas à região, outras são suposições que, em geral, carecem de evidências ou do contraditório – como no caso dos atentados ocorridos em Buenos Aires. Programas de TV e filmes também trouxeram à tona a temática de ameaças associadas à região.

Quanto ao framing, notou-se que os problemas da Tríplice Fronteira são vistos a partir de uma perspectiva de ilegalidades e segurança pública, com ênfase à própria atuação das forças de segurança e ao uso de tecnologias de controle e vigilância, como os Vants. As forças de segurança são as principais fontes de informação, narram e definem os crimes, as intervenções, as soluções, os equipamentos. São seus representantes que legitimam o discurso securitizador por serem observados como autoridades confiáveis, principalmente por não serem expostos a eventuais contestações. Até programas de TV sobre eles são produzidos e amplamente divulgados nos jornais. Os especialistas nas questões apresentadas são, em geral, oriundos de corporações como a polícia civil, o delegado carioca, o militar israelense, o porta-voz não identificado da Polícia Federal da região (da reportagem sobre o paraguaio que vive na Espanha), da fonte que traz a “ligação” entre PCC e Hezbollah. Acadêmicos, cientistas sociais, servidores públicos de outras áreas e mesmo outras vozes locais, dos diferentes lados da fronteira estão ausentes da narrativa. O predomínio de frame sponsors policiais e militares e a ausência de outras perspectivas faz com que o discurso securitizador predomine. E mesmo os produtores de TV e de cinema que se propuseram a fazer audiovisuais sobre Tríplice Fronteira não trouxeram pontos de vista dissonantes, mas a mesma narrativa de região perigosa, com a dicotomia “polícia versus bandido”.

Em relação às alegações sobre terrorismo, o enquadramento é o pressuposto de que a Tríplice Fronteira é um hub para práticas terroristas e que há uma ameaça latente que nunca se realiza. O discurso sobre o assunto parece ser circular: a (suposta) ligação da região com atentados ocorridos em Buenos Aires e nos Estados Unidos justificaria a crença de que a região é um lugar onde operam terroristas e um atentado pode ocorrer a qualquer momento, enquanto uma possível atuação de grupos terroristas na região justifica a convicção de que moradores locais estariam envolvidos nos atentados. Isso coincide com o que Jusionyte (2015Jusionyte, I. Savage frontier: making news and security on the Argentine border. Berkeley: University of California Press, 2015., p. 110) descreveu em relação ao noticiário sobre a região na imprensa norte-americana: “previsível e repetitivo, feito de fragmentos de evidências, mas que de forma eficiente legitima intervenção para lidar com ameaças emergentes na fronteira”.

Análise do léxico

Além da abordagem por temas, o corpus, que incluía os títulos e os subtítulos das unidades textuais, também foi submetido a uma análise do léxico com o uso do software NVivo12, versão para Mac OSX. O corpus foi dividido por ano e por jornal e, posteriormente, somou-se o total de cada veículo com a finalidade de estabelecer uma listagem geral por jornal. As palavras com menos de duas letras foram excluídas da busca e depois, manualmente, advérbios, preposições e alguns verbos que não traziam sentido também foram retirados24 24 As palavras retiradas da listagem da Folha, juntamente com as de mesma raiz, foram: foi (96 unidades encontradas), será (87), temos (85), pela (67), diz (62), são (55), segundo (53), também (53), partiu (52), pode (49), terá (46), disse (40), afirmou (40). Em O Globo, foram: foi (131), será (113), são (86), temos (86), poderão (81), também (76), partir (70), passaram (69), pela (68), foram (66). . O programa mediu a frequência das palavras, que foram dispostas em tabelas, por jornal. As mais utilizadas foram agregadas em campos semânticos, que se mostraram úteis para uma análise qualitativa.

Primeiro, observamos a frequência de palavras totais por jornal e atribuímos maior ênfase às 20 mais frequentes. Na Folha de S.Paulo, conforme pode ser observado na Figura 1 (mais detalhes na Tabela 1, em Anexo Anexo Tabela 1 Relação de palavras mais encontradas em unidades textuais da Folha de S.Paulo que mencionam Tríplice Fronteira (2011-2019) Posição Palavra* Palavras com a mesma raiz Número de aparições % em relação ao total 1 Brasil Brasil’, brasileira brasileiras, brasileiro, brasileiros 238 1,6 2 fronteira fronteiras 118 0,79 3 Paraguai paraguaia, paraguaias 108 0,73 4 país países 103 0,69 5 terroristas terror, terrorismo, terrorista 92 0,62 6 Argentina argentina, argentino, argentinos 85 0,57 7 EUA Estados Unidos 76 0,50 8 tríplice 69 0,46 9 grupo grupos 65 0,44 10 governos governador, governantes, governaria, governo, governou 64 0,43 11 região 58 0,39 12 americanos americana, americanas, americano 54 0,36 13 organizações organizada, organizado, organizados, organizaram, organização, organizem 53 0,36 14 Foz 52 0,35 15 presidente presidente, presidentes, presidência 51 0,34 16 Iguaçu 50 0,34 17 anos 47 0,32 18 crime crimes 40 0,27 19 contrabando 39 0,26 20 Hizbullah 38 0,26 *Palavras retiradas manualmente, juntamente com as que têm a mesma raiz: foi (96), será (87), temos (85), pela (67), diz (62), são (55), segundo (53), também (53), partiu (52), pode (49), terá (46), disse (40), afirmou (40). Fonte: Elaboração dos autores com dados da Folha de S.Paulo (2011-2019). Tabela 2 Relação de palavras mais encontradas em unidades textuais d’O Globo que mencionam Tríplice Fronteira (2011-2019) posição Palavra* Palavras com a mesma raiz Número de aparições % em relação ao total 1 Brasil Brasil, brasileiro, brasileira, brasileiras, brasileiros 288 1,42 2 fronteira fronteira', fronteiras, fronteira’ 160 0,77 3 país países 127 0,62 4 governos governador, governantes, governo, governou 108 0,5 5 terroristas terror, terrorismo, terrorista 106 0,51 6 Paraguai paraguaia, paraguaias 105 0,51 7 EUA Estados Unidos 91 0,44 8 Argentina argentinas, argentino, argentinos 90 0,44 9 polícia polícias 83 0,40 10 segurança seguranças 80 0,39 11 grupo grupos 77 0,37 12 Tríplice 75 0,36 13 anos 70 0,34 14 federal 68 0,33 15 Hezbollah 64 0,31 16 organizações organizadas, organizado, organizados, organizar, organização, organizou 62 0,30 17 investigações investiga, investigada, investigadas, investigado, investigadores, investigados, investigam, investigar, investigação 59 0,29 18 americanos american, americana, americanas, americano 56 0,27 18 inteligência 56 0,27 18 Operações opera, operada, operador, operadores, operados, operam, operar, operava, operação, 56 0,27 19 Estados Estado 53 0,26 19 rio 53 0,26 20 novos nova, novas, nove, novo 52 0,25 *Palavras retiradas manualmente, juntamente com as que têm a mesma raiz: foi (131), será (113), são (86), temos (86), poderão (81), também (76), partir (70), passaram (69), pela (68), foram (66). Fonte: Elaboração dos autores com dados d’O Globo (2011-2019). Tabela 3 Relação de UTs sobre TF e de UTs com raiz terror- (2011-2019) Folha de S.Paulo O Globo Ano UTs sobre Tríplice Fronteira UTs sobre TF contendo terror- (% do total) UTs sobre Tríplice Fronteira UTs sobre TF contendo terror- (% do total) 2011 17 8 (47)* 7 1 (14) 2012 9 3 (33)* 5 2 (40) 2013 6 2 (33)* 6 1 (17) 2014 4 1 (25) 14 7 (50) 2015 7 0 4 4 (100) 2016 0 0 3 1 (33)** 2017 0 0 6 1 (17)* 2018 4 2 (50) 2 1 (50) 2019 6 5 (83)** 7 3 (49)* TOTAL 53 21 (40)** 54 21 (39)* *Arredondado para cima < 0,5; **Arredondado para baixo > 0,5. Fonte: Elaboração dos autores com dados da Folha de S.Paulo e O Globo (2011-2019). ), o campo semântico que envolve nações e nacionalidades se mostrou o mais presente. Os nomes dos três países que dividem a fronteira estão entre os dez mais frequentes: Brasil (primeiro lugar), Paraguai (terceiro) e Argentina (sexto), incluindo-se os substantivos/adjetivos relativos à nacionalidade de cada um deles. Estados Unidos (e EUA) aparecem em sétimo lugar, apesar de a contagem não incluir a nacionalidade como no caso dos três países anteriormente citados. O país do Hemisfério Norte não faz parte da região, portanto a frequência observada nas unidades textuais do jornal sugere uma participação diferenciada dos demais. As palavras relacionadas àquele país, como americano, americana, americanos, se posicionaram em 12º lugar entre as mais usadas pelo jornal.

Figura 1
Nuvem de palavras mais frequentes na Folha de S.Paulo relacionadas à Tríplice Fronteira (2011-2019)

Em O Globo, o campo semântico de nacionalidades também se destacou, como pode ser observado na Figura 2 (mais detalhes na Tabela 2, em Anexo Anexo Tabela 1 Relação de palavras mais encontradas em unidades textuais da Folha de S.Paulo que mencionam Tríplice Fronteira (2011-2019) Posição Palavra* Palavras com a mesma raiz Número de aparições % em relação ao total 1 Brasil Brasil’, brasileira brasileiras, brasileiro, brasileiros 238 1,6 2 fronteira fronteiras 118 0,79 3 Paraguai paraguaia, paraguaias 108 0,73 4 país países 103 0,69 5 terroristas terror, terrorismo, terrorista 92 0,62 6 Argentina argentina, argentino, argentinos 85 0,57 7 EUA Estados Unidos 76 0,50 8 tríplice 69 0,46 9 grupo grupos 65 0,44 10 governos governador, governantes, governaria, governo, governou 64 0,43 11 região 58 0,39 12 americanos americana, americanas, americano 54 0,36 13 organizações organizada, organizado, organizados, organizaram, organização, organizem 53 0,36 14 Foz 52 0,35 15 presidente presidente, presidentes, presidência 51 0,34 16 Iguaçu 50 0,34 17 anos 47 0,32 18 crime crimes 40 0,27 19 contrabando 39 0,26 20 Hizbullah 38 0,26 *Palavras retiradas manualmente, juntamente com as que têm a mesma raiz: foi (96), será (87), temos (85), pela (67), diz (62), são (55), segundo (53), também (53), partiu (52), pode (49), terá (46), disse (40), afirmou (40). Fonte: Elaboração dos autores com dados da Folha de S.Paulo (2011-2019). Tabela 2 Relação de palavras mais encontradas em unidades textuais d’O Globo que mencionam Tríplice Fronteira (2011-2019) posição Palavra* Palavras com a mesma raiz Número de aparições % em relação ao total 1 Brasil Brasil, brasileiro, brasileira, brasileiras, brasileiros 288 1,42 2 fronteira fronteira', fronteiras, fronteira’ 160 0,77 3 país países 127 0,62 4 governos governador, governantes, governo, governou 108 0,5 5 terroristas terror, terrorismo, terrorista 106 0,51 6 Paraguai paraguaia, paraguaias 105 0,51 7 EUA Estados Unidos 91 0,44 8 Argentina argentinas, argentino, argentinos 90 0,44 9 polícia polícias 83 0,40 10 segurança seguranças 80 0,39 11 grupo grupos 77 0,37 12 Tríplice 75 0,36 13 anos 70 0,34 14 federal 68 0,33 15 Hezbollah 64 0,31 16 organizações organizadas, organizado, organizados, organizar, organização, organizou 62 0,30 17 investigações investiga, investigada, investigadas, investigado, investigadores, investigados, investigam, investigar, investigação 59 0,29 18 americanos american, americana, americanas, americano 56 0,27 18 inteligência 56 0,27 18 Operações opera, operada, operador, operadores, operados, operam, operar, operava, operação, 56 0,27 19 Estados Estado 53 0,26 19 rio 53 0,26 20 novos nova, novas, nove, novo 52 0,25 *Palavras retiradas manualmente, juntamente com as que têm a mesma raiz: foi (131), será (113), são (86), temos (86), poderão (81), também (76), partir (70), passaram (69), pela (68), foram (66). Fonte: Elaboração dos autores com dados d’O Globo (2011-2019). Tabela 3 Relação de UTs sobre TF e de UTs com raiz terror- (2011-2019) Folha de S.Paulo O Globo Ano UTs sobre Tríplice Fronteira UTs sobre TF contendo terror- (% do total) UTs sobre Tríplice Fronteira UTs sobre TF contendo terror- (% do total) 2011 17 8 (47)* 7 1 (14) 2012 9 3 (33)* 5 2 (40) 2013 6 2 (33)* 6 1 (17) 2014 4 1 (25) 14 7 (50) 2015 7 0 4 4 (100) 2016 0 0 3 1 (33)** 2017 0 0 6 1 (17)* 2018 4 2 (50) 2 1 (50) 2019 6 5 (83)** 7 3 (49)* TOTAL 53 21 (40)** 54 21 (39)* *Arredondado para cima < 0,5; **Arredondado para baixo > 0,5. Fonte: Elaboração dos autores com dados da Folha de S.Paulo e O Globo (2011-2019). ). Brasil, brasileiro e similares mais uma vez se destacaram em primeiro, seguidos por Paraguai (e paraguaia, paraguaias) em sexto lugar, Estados Unidos (e EUA) em sétimo e Argentina (argentinas, argentino, argentinos) em oitavo. Estados Unidos e EUA se mostraram ainda mais presentes do que na Folha. Já americanos, americano, american, americana e americanas ficaram na décima oitava posição. Outro campo semântico de destaque foi a indicação territorial. Na Folha de S.Paulo, observam-se entre as mais frequentes nesse nicho as palavras: fronteira (segunda posição), país (quarta), tríplice (oitava), região (11a), Foz (14ª), Iguaçu (16ª), como pode ser visto na Tabela 1, em Anexo Anexo Tabela 1 Relação de palavras mais encontradas em unidades textuais da Folha de S.Paulo que mencionam Tríplice Fronteira (2011-2019) Posição Palavra* Palavras com a mesma raiz Número de aparições % em relação ao total 1 Brasil Brasil’, brasileira brasileiras, brasileiro, brasileiros 238 1,6 2 fronteira fronteiras 118 0,79 3 Paraguai paraguaia, paraguaias 108 0,73 4 país países 103 0,69 5 terroristas terror, terrorismo, terrorista 92 0,62 6 Argentina argentina, argentino, argentinos 85 0,57 7 EUA Estados Unidos 76 0,50 8 tríplice 69 0,46 9 grupo grupos 65 0,44 10 governos governador, governantes, governaria, governo, governou 64 0,43 11 região 58 0,39 12 americanos americana, americanas, americano 54 0,36 13 organizações organizada, organizado, organizados, organizaram, organização, organizem 53 0,36 14 Foz 52 0,35 15 presidente presidente, presidentes, presidência 51 0,34 16 Iguaçu 50 0,34 17 anos 47 0,32 18 crime crimes 40 0,27 19 contrabando 39 0,26 20 Hizbullah 38 0,26 *Palavras retiradas manualmente, juntamente com as que têm a mesma raiz: foi (96), será (87), temos (85), pela (67), diz (62), são (55), segundo (53), também (53), partiu (52), pode (49), terá (46), disse (40), afirmou (40). Fonte: Elaboração dos autores com dados da Folha de S.Paulo (2011-2019). Tabela 2 Relação de palavras mais encontradas em unidades textuais d’O Globo que mencionam Tríplice Fronteira (2011-2019) posição Palavra* Palavras com a mesma raiz Número de aparições % em relação ao total 1 Brasil Brasil, brasileiro, brasileira, brasileiras, brasileiros 288 1,42 2 fronteira fronteira', fronteiras, fronteira’ 160 0,77 3 país países 127 0,62 4 governos governador, governantes, governo, governou 108 0,5 5 terroristas terror, terrorismo, terrorista 106 0,51 6 Paraguai paraguaia, paraguaias 105 0,51 7 EUA Estados Unidos 91 0,44 8 Argentina argentinas, argentino, argentinos 90 0,44 9 polícia polícias 83 0,40 10 segurança seguranças 80 0,39 11 grupo grupos 77 0,37 12 Tríplice 75 0,36 13 anos 70 0,34 14 federal 68 0,33 15 Hezbollah 64 0,31 16 organizações organizadas, organizado, organizados, organizar, organização, organizou 62 0,30 17 investigações investiga, investigada, investigadas, investigado, investigadores, investigados, investigam, investigar, investigação 59 0,29 18 americanos american, americana, americanas, americano 56 0,27 18 inteligência 56 0,27 18 Operações opera, operada, operador, operadores, operados, operam, operar, operava, operação, 56 0,27 19 Estados Estado 53 0,26 19 rio 53 0,26 20 novos nova, novas, nove, novo 52 0,25 *Palavras retiradas manualmente, juntamente com as que têm a mesma raiz: foi (131), será (113), são (86), temos (86), poderão (81), também (76), partir (70), passaram (69), pela (68), foram (66). Fonte: Elaboração dos autores com dados d’O Globo (2011-2019). Tabela 3 Relação de UTs sobre TF e de UTs com raiz terror- (2011-2019) Folha de S.Paulo O Globo Ano UTs sobre Tríplice Fronteira UTs sobre TF contendo terror- (% do total) UTs sobre Tríplice Fronteira UTs sobre TF contendo terror- (% do total) 2011 17 8 (47)* 7 1 (14) 2012 9 3 (33)* 5 2 (40) 2013 6 2 (33)* 6 1 (17) 2014 4 1 (25) 14 7 (50) 2015 7 0 4 4 (100) 2016 0 0 3 1 (33)** 2017 0 0 6 1 (17)* 2018 4 2 (50) 2 1 (50) 2019 6 5 (83)** 7 3 (49)* TOTAL 53 21 (40)** 54 21 (39)* *Arredondado para cima < 0,5; **Arredondado para baixo > 0,5. Fonte: Elaboração dos autores com dados da Folha de S.Paulo e O Globo (2011-2019). . Em O Globo, destacam-se: fronteira (segunda), país (terceira), Tríplice (12ª), rio (19ª) e Estados (19a), como demonstrado na Tabela 2. Ambos os campos semânticos podem ser considerados previsíveis em uma cobertura jornalística sobre o assunto.

Figura 2
Nuvem de palavras mais frequentes em O Globo relacionadas à Tríplice Fronteira (2011-2019)

Assim como foi verificado entre os assuntos abordados pelos dois jornais, os campos semânticos de ilegalidades e segurança também se sobressaíram entre os mais frequentes. E, dentro deles, destaque ao nicho que envolve terrorismo. Na Folha, vocábulos relacionados à raiz terror- (terroristas, terror, terrorismo, terrorista) ficaram em quinto lugar; organizações (organizada25 25 Mantivemos os verbos “investigar”, “organizar” e “operar”, pois, entendemos que trazem um conjunto de significados mais precisos do que os retirados como “disse”, “afirmou” etc. , organizado, organizados, organizaram, organização, organizem) em 13º; crime (e crimes) em 18º; contrabando em 19º; e Hizbullah26 26 O grupo foi inserido neste campo semântico dentro do contexto em que é colocado pelos jornais, como sendo uma organização que praticaria atos terroristas, assim como os governos do Paraguai e Argentina fizeram em 2019. em 20º27 27 A lista completa está na Tabela 1, em Anexo. . Em O Globo, estão presentes terroristas (terror, terrorismo, terrorista) na quinta posição; polícia (e polícias) na nona; segurança (e seguranças) na décima; federal (que em grande medida está ligada à Polícia Federal) em 14ª; Hezbollah na 15ª posição; organizações (e similares) na 16ª; investigações (investiga, investigada, investigadas, investigado, investigadores, investigados, investigam, investigar, investigação) na 17ª; inteligência e operações (opera, operada, operador, operadores, operados, operam, operar, operava, operação) na 18ª posição28 28 A lista completa está na Tabela 2, em Anexo. .

A análise lexical reforçou a percepção de que os jornais atribuem grande ênfase à cobertura de ameaças, assim como foi verificado anteriormente entre os assuntos que tiveram mais destaque. Mas a comparação entre ambos os jornais demonstrou que o campo semântico ligado à repressão se destacou mais em O Globo do que na Folha. Entre as vinte palavras mais presentes estão: terroristas, polícia, segurança, Hezbollah, investigações e inteligência, como pode ser visto na Tabela 2 (Anexo Anexo Tabela 1 Relação de palavras mais encontradas em unidades textuais da Folha de S.Paulo que mencionam Tríplice Fronteira (2011-2019) Posição Palavra* Palavras com a mesma raiz Número de aparições % em relação ao total 1 Brasil Brasil’, brasileira brasileiras, brasileiro, brasileiros 238 1,6 2 fronteira fronteiras 118 0,79 3 Paraguai paraguaia, paraguaias 108 0,73 4 país países 103 0,69 5 terroristas terror, terrorismo, terrorista 92 0,62 6 Argentina argentina, argentino, argentinos 85 0,57 7 EUA Estados Unidos 76 0,50 8 tríplice 69 0,46 9 grupo grupos 65 0,44 10 governos governador, governantes, governaria, governo, governou 64 0,43 11 região 58 0,39 12 americanos americana, americanas, americano 54 0,36 13 organizações organizada, organizado, organizados, organizaram, organização, organizem 53 0,36 14 Foz 52 0,35 15 presidente presidente, presidentes, presidência 51 0,34 16 Iguaçu 50 0,34 17 anos 47 0,32 18 crime crimes 40 0,27 19 contrabando 39 0,26 20 Hizbullah 38 0,26 *Palavras retiradas manualmente, juntamente com as que têm a mesma raiz: foi (96), será (87), temos (85), pela (67), diz (62), são (55), segundo (53), também (53), partiu (52), pode (49), terá (46), disse (40), afirmou (40). Fonte: Elaboração dos autores com dados da Folha de S.Paulo (2011-2019). Tabela 2 Relação de palavras mais encontradas em unidades textuais d’O Globo que mencionam Tríplice Fronteira (2011-2019) posição Palavra* Palavras com a mesma raiz Número de aparições % em relação ao total 1 Brasil Brasil, brasileiro, brasileira, brasileiras, brasileiros 288 1,42 2 fronteira fronteira', fronteiras, fronteira’ 160 0,77 3 país países 127 0,62 4 governos governador, governantes, governo, governou 108 0,5 5 terroristas terror, terrorismo, terrorista 106 0,51 6 Paraguai paraguaia, paraguaias 105 0,51 7 EUA Estados Unidos 91 0,44 8 Argentina argentinas, argentino, argentinos 90 0,44 9 polícia polícias 83 0,40 10 segurança seguranças 80 0,39 11 grupo grupos 77 0,37 12 Tríplice 75 0,36 13 anos 70 0,34 14 federal 68 0,33 15 Hezbollah 64 0,31 16 organizações organizadas, organizado, organizados, organizar, organização, organizou 62 0,30 17 investigações investiga, investigada, investigadas, investigado, investigadores, investigados, investigam, investigar, investigação 59 0,29 18 americanos american, americana, americanas, americano 56 0,27 18 inteligência 56 0,27 18 Operações opera, operada, operador, operadores, operados, operam, operar, operava, operação, 56 0,27 19 Estados Estado 53 0,26 19 rio 53 0,26 20 novos nova, novas, nove, novo 52 0,25 *Palavras retiradas manualmente, juntamente com as que têm a mesma raiz: foi (131), será (113), são (86), temos (86), poderão (81), também (76), partir (70), passaram (69), pela (68), foram (66). Fonte: Elaboração dos autores com dados d’O Globo (2011-2019). Tabela 3 Relação de UTs sobre TF e de UTs com raiz terror- (2011-2019) Folha de S.Paulo O Globo Ano UTs sobre Tríplice Fronteira UTs sobre TF contendo terror- (% do total) UTs sobre Tríplice Fronteira UTs sobre TF contendo terror- (% do total) 2011 17 8 (47)* 7 1 (14) 2012 9 3 (33)* 5 2 (40) 2013 6 2 (33)* 6 1 (17) 2014 4 1 (25) 14 7 (50) 2015 7 0 4 4 (100) 2016 0 0 3 1 (33)** 2017 0 0 6 1 (17)* 2018 4 2 (50) 2 1 (50) 2019 6 5 (83)** 7 3 (49)* TOTAL 53 21 (40)** 54 21 (39)* *Arredondado para cima < 0,5; **Arredondado para baixo > 0,5. Fonte: Elaboração dos autores com dados da Folha de S.Paulo e O Globo (2011-2019). ). Na Folha não ocorreu o mesmo. Tal achado pode demonstrar que o jornal carioca concede maior proeminência à ação das forças de segurança na região, assim como uma maior regularidade desses atores como fontes de informação para suas reportagens.

Das cinco palavras mais frequentes em ambos os diários, terroristas e similares se destacam entre as demais pelo viés negativo – as outras quatro palavras encontradas demonstram ter alguma afinidade com o que pode se esperar em um texto sobre a região, como Brasil, fronteira, Paraguai e país na Folha e Brasil, fronteira, país e governos em O Globo. O achado confirma a continuidade da antiga associação da região com a ameaça terrorista. Sabe-se da existência de redes de traficantes e contrabandistas em regiões fronteiriças, mas os vocábulos relacionados a esses crimes são, em geral, menos comuns do que terrorismo e similares.

A análise do grupo de palavras com a raiz terror- revela que ao menos uma delas esteve presente em, pelo menos, 40% das unidades textuais da Folha e em 39% das unidades textuais de O Globo que fazem parte do corpus, de 2011 a 2019 (ver a Tabela 3, em Anexo Anexo Tabela 1 Relação de palavras mais encontradas em unidades textuais da Folha de S.Paulo que mencionam Tríplice Fronteira (2011-2019) Posição Palavra* Palavras com a mesma raiz Número de aparições % em relação ao total 1 Brasil Brasil’, brasileira brasileiras, brasileiro, brasileiros 238 1,6 2 fronteira fronteiras 118 0,79 3 Paraguai paraguaia, paraguaias 108 0,73 4 país países 103 0,69 5 terroristas terror, terrorismo, terrorista 92 0,62 6 Argentina argentina, argentino, argentinos 85 0,57 7 EUA Estados Unidos 76 0,50 8 tríplice 69 0,46 9 grupo grupos 65 0,44 10 governos governador, governantes, governaria, governo, governou 64 0,43 11 região 58 0,39 12 americanos americana, americanas, americano 54 0,36 13 organizações organizada, organizado, organizados, organizaram, organização, organizem 53 0,36 14 Foz 52 0,35 15 presidente presidente, presidentes, presidência 51 0,34 16 Iguaçu 50 0,34 17 anos 47 0,32 18 crime crimes 40 0,27 19 contrabando 39 0,26 20 Hizbullah 38 0,26 *Palavras retiradas manualmente, juntamente com as que têm a mesma raiz: foi (96), será (87), temos (85), pela (67), diz (62), são (55), segundo (53), também (53), partiu (52), pode (49), terá (46), disse (40), afirmou (40). Fonte: Elaboração dos autores com dados da Folha de S.Paulo (2011-2019). Tabela 2 Relação de palavras mais encontradas em unidades textuais d’O Globo que mencionam Tríplice Fronteira (2011-2019) posição Palavra* Palavras com a mesma raiz Número de aparições % em relação ao total 1 Brasil Brasil, brasileiro, brasileira, brasileiras, brasileiros 288 1,42 2 fronteira fronteira', fronteiras, fronteira’ 160 0,77 3 país países 127 0,62 4 governos governador, governantes, governo, governou 108 0,5 5 terroristas terror, terrorismo, terrorista 106 0,51 6 Paraguai paraguaia, paraguaias 105 0,51 7 EUA Estados Unidos 91 0,44 8 Argentina argentinas, argentino, argentinos 90 0,44 9 polícia polícias 83 0,40 10 segurança seguranças 80 0,39 11 grupo grupos 77 0,37 12 Tríplice 75 0,36 13 anos 70 0,34 14 federal 68 0,33 15 Hezbollah 64 0,31 16 organizações organizadas, organizado, organizados, organizar, organização, organizou 62 0,30 17 investigações investiga, investigada, investigadas, investigado, investigadores, investigados, investigam, investigar, investigação 59 0,29 18 americanos american, americana, americanas, americano 56 0,27 18 inteligência 56 0,27 18 Operações opera, operada, operador, operadores, operados, operam, operar, operava, operação, 56 0,27 19 Estados Estado 53 0,26 19 rio 53 0,26 20 novos nova, novas, nove, novo 52 0,25 *Palavras retiradas manualmente, juntamente com as que têm a mesma raiz: foi (131), será (113), são (86), temos (86), poderão (81), também (76), partir (70), passaram (69), pela (68), foram (66). Fonte: Elaboração dos autores com dados d’O Globo (2011-2019). Tabela 3 Relação de UTs sobre TF e de UTs com raiz terror- (2011-2019) Folha de S.Paulo O Globo Ano UTs sobre Tríplice Fronteira UTs sobre TF contendo terror- (% do total) UTs sobre Tríplice Fronteira UTs sobre TF contendo terror- (% do total) 2011 17 8 (47)* 7 1 (14) 2012 9 3 (33)* 5 2 (40) 2013 6 2 (33)* 6 1 (17) 2014 4 1 (25) 14 7 (50) 2015 7 0 4 4 (100) 2016 0 0 3 1 (33)** 2017 0 0 6 1 (17)* 2018 4 2 (50) 2 1 (50) 2019 6 5 (83)** 7 3 (49)* TOTAL 53 21 (40)** 54 21 (39)* *Arredondado para cima < 0,5; **Arredondado para baixo > 0,5. Fonte: Elaboração dos autores com dados da Folha de S.Paulo e O Globo (2011-2019). ). Isso significa que, de cada dez unidades textuais que mencionam a Tríplice Fronteira em ambos os jornais, quatro delas contêm uma das seguintes palavras: terroristas, terror, terrorismo ou terrorista. Na Folha, não houve menções à Tríplice Fronteira nos anos de 2016 e 2017, mas das seis unidades textuais que mencionavam a região em 2019, cinco (83%) continham pelo menos uma palavra com a raiz terror-. Em O Globo, houve mais associações em 2015. As quatro unidades textuais encontradas naquele ano que continham Tríplice Fronteira também faziam uso de uma palavra com a mencionada raiz.

A relação com o Hezbollah/Hizbullah também se mostra menos usual, considerando que é o único nome de organização que aparece na lista de 20 principais palavras dos dois jornais. Em O Globo, o nome do grupo ocupou a 15ª posição entre as palavras mais frequentes associadas à Tríplice Fronteira, com 64 menções; na Folha, ficou em 20º lugar, com 38 menções (Tabelas 1 e 2, em Anexo Anexo Tabela 1 Relação de palavras mais encontradas em unidades textuais da Folha de S.Paulo que mencionam Tríplice Fronteira (2011-2019) Posição Palavra* Palavras com a mesma raiz Número de aparições % em relação ao total 1 Brasil Brasil’, brasileira brasileiras, brasileiro, brasileiros 238 1,6 2 fronteira fronteiras 118 0,79 3 Paraguai paraguaia, paraguaias 108 0,73 4 país países 103 0,69 5 terroristas terror, terrorismo, terrorista 92 0,62 6 Argentina argentina, argentino, argentinos 85 0,57 7 EUA Estados Unidos 76 0,50 8 tríplice 69 0,46 9 grupo grupos 65 0,44 10 governos governador, governantes, governaria, governo, governou 64 0,43 11 região 58 0,39 12 americanos americana, americanas, americano 54 0,36 13 organizações organizada, organizado, organizados, organizaram, organização, organizem 53 0,36 14 Foz 52 0,35 15 presidente presidente, presidentes, presidência 51 0,34 16 Iguaçu 50 0,34 17 anos 47 0,32 18 crime crimes 40 0,27 19 contrabando 39 0,26 20 Hizbullah 38 0,26 *Palavras retiradas manualmente, juntamente com as que têm a mesma raiz: foi (96), será (87), temos (85), pela (67), diz (62), são (55), segundo (53), também (53), partiu (52), pode (49), terá (46), disse (40), afirmou (40). Fonte: Elaboração dos autores com dados da Folha de S.Paulo (2011-2019). Tabela 2 Relação de palavras mais encontradas em unidades textuais d’O Globo que mencionam Tríplice Fronteira (2011-2019) posição Palavra* Palavras com a mesma raiz Número de aparições % em relação ao total 1 Brasil Brasil, brasileiro, brasileira, brasileiras, brasileiros 288 1,42 2 fronteira fronteira', fronteiras, fronteira’ 160 0,77 3 país países 127 0,62 4 governos governador, governantes, governo, governou 108 0,5 5 terroristas terror, terrorismo, terrorista 106 0,51 6 Paraguai paraguaia, paraguaias 105 0,51 7 EUA Estados Unidos 91 0,44 8 Argentina argentinas, argentino, argentinos 90 0,44 9 polícia polícias 83 0,40 10 segurança seguranças 80 0,39 11 grupo grupos 77 0,37 12 Tríplice 75 0,36 13 anos 70 0,34 14 federal 68 0,33 15 Hezbollah 64 0,31 16 organizações organizadas, organizado, organizados, organizar, organização, organizou 62 0,30 17 investigações investiga, investigada, investigadas, investigado, investigadores, investigados, investigam, investigar, investigação 59 0,29 18 americanos american, americana, americanas, americano 56 0,27 18 inteligência 56 0,27 18 Operações opera, operada, operador, operadores, operados, operam, operar, operava, operação, 56 0,27 19 Estados Estado 53 0,26 19 rio 53 0,26 20 novos nova, novas, nove, novo 52 0,25 *Palavras retiradas manualmente, juntamente com as que têm a mesma raiz: foi (131), será (113), são (86), temos (86), poderão (81), também (76), partir (70), passaram (69), pela (68), foram (66). Fonte: Elaboração dos autores com dados d’O Globo (2011-2019). Tabela 3 Relação de UTs sobre TF e de UTs com raiz terror- (2011-2019) Folha de S.Paulo O Globo Ano UTs sobre Tríplice Fronteira UTs sobre TF contendo terror- (% do total) UTs sobre Tríplice Fronteira UTs sobre TF contendo terror- (% do total) 2011 17 8 (47)* 7 1 (14) 2012 9 3 (33)* 5 2 (40) 2013 6 2 (33)* 6 1 (17) 2014 4 1 (25) 14 7 (50) 2015 7 0 4 4 (100) 2016 0 0 3 1 (33)** 2017 0 0 6 1 (17)* 2018 4 2 (50) 2 1 (50) 2019 6 5 (83)** 7 3 (49)* TOTAL 53 21 (40)** 54 21 (39)* *Arredondado para cima < 0,5; **Arredondado para baixo > 0,5. Fonte: Elaboração dos autores com dados da Folha de S.Paulo e O Globo (2011-2019). ). A organização libanesa, que tem conhecida atuação no Oriente Médio, mostrou-se presente no noticiário dos jornais devido à alegação de que teria operadores na América do Sul e seria responsável pelos atentados em Buenos Aires e por atividades ilegais na Tríplice Fronteira. Além disso, também houve a mencionada “associação” com o PCC pelo jornal O Globo em 2014.

As escolhas mais frequentes de certas palavras e campos semânticos, assim como os assuntos, determinam as bases do retrato que será construído pelo leitor dos jornais. E essa base se traduz em uma suposta alta incidência de crimes variados, especialmente terrorismo, que justificam a atuação policial e a implantação de medidas excepcionais para vigilância e controle da região, como a compra de aviões não tripulados usados em situações de conflito intenso. Dada a credibilidade que tanto a Folha como O Globo possuem, demonstrada pelos números relacionados à circulação, esse retrato hostil da fronteira é alçado a uma realidade inquestionável por meio da chancela de ambos os jornais.

A representação da Tríplice Fronteira, que nesta análise partiu da escolha de assuntos que foram abordados pelos jornais e perpassou pela escolha do léxico, estruturou o sistema de conhecimento sobre a região dos leitores dos jornais. Esse sistema ganha sentido a partir das recorrências de vocábulos que ajudam na construção da experiência do leitor, influenciando, portanto, como ele deve pensar a região. Como lembra Fowler (1994)Fowler, R. Language in the News. Discourse and Ideology in the press. Abingdon: Routledge, 1994., os vocábulos ajudam a categorizar e a organizar a cognição do leitor. Como os campos semânticos mais comumente encontrados giraram em torno de riscos, perigos, insegurança, e trouxeram palavras ligadas ao universo de ameaças e da repressão a crimes, os leitores podem ter poucas ferramentas para ir além das categorias apresentadas pelos jornais. Ao publicar essa versão específica de Tríplice Fronteira, a cobertura midiática pode colaborar com a ativação de estigmas, estereótipos e preconceitos.

Considerações finais

Este artigo teve como objetivo analisar a cobertura relacionada à Tríplice Fronteira por dois veículos brasileiros de mídia tradicionais, Folha de S.Paulo e O Globo, no período de 2011 e 2019. Observou-se que, no corpus pesquisado, a região obteve uma cobertura com ênfase em temáticas de ilegalidades e segurança pública e, ocasionalmente, em turismo e cultura. As ilegalidades estiveram presentes em mais da metade das unidades textuais que mencionavam a região em O Globo (55,5%) e pouco menos da metade na Folha de S.Paulo (47%). Essa prevalência das ameaças pode ser observada em análise qualitativa tanto entre os assuntos levantados como nos campos semânticos. Ambos os jornais tenderam a enquadrar (no sentido de framing) a fronteira como um problema de segurança, especialmente relacionado a terrorismo. Alertas sobre futuros atentados terroristas e supostas atuações passadas, além de hipotéticas arrecadações de fundos para grupos que promovem atentados no Oriente Médio, estiveram frequentemente associadas à região. Tal fato também se destaca pela ausência de ações terroristas ou prisões relacionadas a terrorismo na Tríplice Fronteira antes e durante o recorte temporal analisado. O frame de região onde supostamente atuariam terroristas se sobrepôs às características mais conhecidas da Tríplice Fronteira: de ser uma atração turística internacionalmente renomada, procurada por visitantes de diversas partes do mundo, e um local estratégica e economicamente relevante por abrigar Itaipu.

O enfoque sobre as ilegalidades não se mostrou prioritariamente relacionado a eventos (event-driven) no corpus, com algumas exceções como em 2019, quando os dois países vizinhos passaram a considerar o Hezbollah um grupo terrorista, e na cobertura do filme que seria realizado sobre a região em 2011. As diferenças, por ano, no volume de unidades textuais publicadas pelos dois jornais demonstraram que o assunto, especialmente terrorismo, prevalece mesmo que não haja um evento que justifique uma cobertura ampla. Se, por um lado, as ilegalidades estiveram presentes na produção cultural e, obviamente, em sua cobertura, por outro, não foram abordadas nas unidades textuais relacionadas a turismo, o que demonstra uma delimitação bastante marcada. No corpus observou-se a existência de duas regiões completamente diferentes: a Tríplice Fronteira dos crimes e a Tríplice Fronteira das belezas naturais, sendo que a primeira se sobrepõe em volume à segunda.

Palavras com o radical terror- foram encontradas em 40% das unidades textuais que mencionavam a região na Folha de S.Paulo e em 30% d’O Globo. Isso ocorreu mesmo diante das negativas dos governos locais e do governo norte-americano e da falta de credibilidade das versões sobre a atuação de grupos terroristas na região. Considerando o tempo decorrido desde os atentados em Buenos Aires e nos Estados Unidos e a falta de evidências que comprovem o nexo crime-terror, o framing da cobertura jornalística sugere um enfoque anacrônico e superado. Da mesma forma, ao evocar ações passadas, os veículos reproduzem uma lógica circular de repetição de informações, passando a estigmatizar a região e seus habitantes.

A regularidade com que militares e policiais são mobilizados como fontes de reportagens, entrevistas e textos de opinião mostra que a perspectiva securitizadora é valorizada pelos dois jornais, especialmente por O Globo, e por isso se sobressai diante de outras. A ausência de fontes da sociedade civil que tragam o contraditório em relação às acusações de que a região é um polo de terrorismo promove esse enquadramento e, consequentemente, parece advogar por uma solução que passe por mecanismos de vigilância e controle da fronteira. Essas forças de segurança se mostraram frame sponsors que colaboram para que o discurso securitizador não apenas seja bastante frequente, mas se sobressaia diante de qualquer outro. Dar tanto espaço a eles se mostra uma forma de legitimar esse enfoque.

A partir do exposto anteriormente e desde uma análise crítica da imprensa, é possível afirmar que a cobertura jornalística não abrange a complexidade e a diversidade dessa região tão importante da América do Sul. Também pode-se dizer que existe uma tendência de ambos os jornais, mas especialmente de O Globo, a publicar relatos de atividades ilegais e conteúdos relacionados à segurança pública. Os resultados da análise dos jornais sugerem a necessidade de ambos expandirem a abrangência de assuntos e de perspectivas sobre a região, que parece se encontrar em um processo contínuo de estigmatização. De uma perspectiva acadêmica, observa-se a necessidade de se promover mais pesquisas que tratem da receptividade das notícias sobre a região e especificamente do impacto delas sobre a percepção dos leitores. Com um noticiário tão repleto de crimes e ilegalidades, dificilmente a opinião pública não será afetada.

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    » https://revistas.unila.edu.br/orbis/article/view/1747/1653
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    » https://www.airway.com.br/forca-aerea-brasileira-assume-operacoes-de-vants-da-policia-federal/
  • 1
    Uma versão anterior deste texto foi publicada como preprint na plataforma SciELO em: <https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.3144.
  • 4
    A pesquisa de campo de Jusionyte se refere ao período de 2008-9.
  • 5
    Neste artigo, a grafia da palavra Hezbollah (usada por O Globo) também será encontrada como Hizbullah (usada pela Folha de S.Paulo). A diferença entre os jornais se dá pela preferência da Folha em aproximar-se mais da grafia árabe, que não dispõe das vogais “e” e “o”, enquanto O Globo utiliza a forma mais adotada por agências de notícias internacionais.
  • 6
    A região foi mencionada na edição de 1993, referente a 1992, do Patterns of Global Terrorism, não como “triborder area”, mas como área remota fronteiriça da Argentina, Brasil e Paraguai.
  • 7
    A suposta viagem chegou a virar anedota em uma peça publicitária de gosto duvidoso para promover o turismo em Foz do Iguaçu, que afirmava que até o saudita teria se encantado com as belezas da região (Valle, 2003)Valle, M. “Bin Laden vira garoto-propaganda de Foz”. Folha de S.Paulo, p. F2, 24 mar. 2003..
  • 8
    O conceito e a aplicação dele na Tríplice Fronteira pode ser mais bem entendido no artigo de Castro, 2020Castro, I. C. S. “The Securitization of the Tri-Border Area between Argentina, Brazil and Paraguay”. Contexto Internacional, vol. 42, nº. 3, p. 539-567, dez. 2020..
  • 9
    As críticas de Jusionyte são especialmente direcionadas ao canal de TV CNN e aos jornais The New York Times e El Clarín.
  • 10
    Tradução dos autores para: “Rather than adjusting to new information, for over a decade the discourse absorbed data into the existing narrative, strengthening it and at times retroactively justifying past events”.
  • 11
    Tradução dos autores para: “...se tornó central la transmisión de la idea de la escasa capacidad de los gobiernos locales por controlar un área vista como prácticamente independiente, una ‘zona gris’, ‘un espacio sin estado’ y ‘sin ley’”.
  • 12
    Os veículos analisados por Silva et al. foram: Folha de S.Paulo, Veja, O Estado de S. Paulo e O Globo; os argentinos El Clarín, Infobae e La Nación; e os paraguaios ABC Color, Última Hora e La Nación.
  • 13
    Há unidades textuais que abordam mais de um assunto, o que foi contemplado nos gráficos.
  • 14
    A Operação Hashtag foi deflagrada em julho de 2016 pela Polícia Federal brasileira para investigar uma suposta célula do grupo terrorista Estado Islâmico do Iraque e da Síria. A investigação resultou na prisão e, mais tarde, na condenação de um grupo de oito pessoas, os primeiros a serem condenados no país sob a lei antiterrorismo.
  • 15
    Jargão jornalístico usado para justificar a publicação de uma reportagem que deve ter atualidade e interesse geral.
  • 16
    A capa é uma vitrine que expõe o que a cúpula do jornal considera os principais assuntos publicados naquela edição.
  • 17
    Barakat, citado pelos jornais como o principal arrecadador de fundos do grupo na região, foi extraditado para o Paraguai em agosto de 2020 – período posterior à análise feita neste estudo. O preso foi levado pela Polícia Federal brasileira às autoridades paraguaias na ponte da Amizade, na Tríplice Fronteira, apesar de ela estar interditada devido às restrições impostas em razão da pandemia (Freire, 2020)Freire, A. C. “Assad Ahmad Barakat, membro do Hezbollah, é extraditado para o Paraguai” (online). Paraná Portal, 17 jul. 2020. Disponível em: < https://paranaportal.uol.com.br/politica/assad-ahmad-barakat-extraditado-paraguai/ >. Acesso em: 6 ago. 2021.
    https://paranaportal.uol.com.br/politica...
    . Em abril de 2021, ele foi condenado pela Justiça paraguaia a dois anos e seis meses de prisão, por falsidade ideológica pela apresentação de documentos falsos para conseguir um passaporte. Como já havia cumprido a pena, pois se encontrava preso desde 2018, foi expulso do país e voltou ao Brasil em liberdade (ABC Color, 2021)ABC Color. “Tras condena, expulsan a Barakat” (online), 8 abr. 2021. Disponível em: < https://www.abc.com.py/nacionales/2021/04/08/tras-condena-expulsan-a-barakat/ >. Acesso em: 6 ago. 2021.
    https://www.abc.com.py/nacionales/2021/0...
    .
  • 18
    Os destaques feitos no texto são dos autores.
  • 19
    Especialistas sobre a facção brasileira, que se encontra operando no Paraguai desde 2003, acreditam que havia “traficantes de ambos os grupos [Farc e Hezbollah] fazendo negócios estritamente mercantis com traficantes do PCC” (Feltran, 2018, p. 287). Ou seja, pode haver uma colaboração pontual entre operadores de ambos os lados, mas não uma associação entre os dois grupos. Como a estrutura do PCC é mais próxima de uma irmandade, como a maçonaria, considera-se que um acordo com os supostos líderes do grupo não seria exequível.
  • 20
    O artigo mencionado é “Smoking Smoke. Paraguay’s Tobacco Business Fuels Latin America’s Black Market”, de Gomis, B. e Botero, N. C., publicado em 5 fev. 2016. O periódico é bastante influente nos meios acadêmicos e entre oficiais do governo americano.
  • 21
    Em 2019, outro veículo de imprensa informou que as duas aeronaves abandonadas pela Polícia Federal passaram para uso do Exército e um novo contrato, de valor não divulgado, foi fechado com a empresa fornecedora dos equipamentos, a estatal Israel Aerospace Industries, para treinamento de operadores e suporte do equipamento (Vinholes, 2019)Vinholes, T. “Força Aérea Brasileira assume operações de VANTs da Polícia Federal” (online). Airway, 25 jun. 2019. Disponível em: < https://www.airway.com.br/forca-aerea-brasileira-assume-operacoes-de-vants-da-policia-federal/. Acesso em: 5 jun. 2020.
    https://www.airway.com.br/forca-aerea-br...
    .
  • 22
    A informação refere-se a dados coletados entre os anos de 2015 e 2019.
  • 23
    Nem Padilha, nem Moura realizaram o filme. Somente em 2019, Bigelow produziu e lançou pela plataforma Netflix “Triple Frontier” (Operação Fronteira, em português), que tratava de traficantes sul-americanos em um lugar de selva não identificado da América Latina. O filme de ação foi dirigido por J.C. Chandor e protagonizado por Ben Affleck.
  • 24
    As palavras retiradas da listagem da Folha, juntamente com as de mesma raiz, foram: foi (96 unidades encontradas), será (87), temos (85), pela (67), diz (62), são (55), segundo (53), também (53), partiu (52), pode (49), terá (46), disse (40), afirmou (40). Em O Globo, foram: foi (131), será (113), são (86), temos (86), poderão (81), também (76), partir (70), passaram (69), pela (68), foram (66).
  • 25
    Mantivemos os verbos “investigar”, “organizar” e “operar”, pois, entendemos que trazem um conjunto de significados mais precisos do que os retirados como “disse”, “afirmou” etc.
  • 26
    O grupo foi inserido neste campo semântico dentro do contexto em que é colocado pelos jornais, como sendo uma organização que praticaria atos terroristas, assim como os governos do Paraguai e Argentina fizeram em 2019.
  • 27
    A lista completa está na Tabela 1, em Anexo Anexo Tabela 1 Relação de palavras mais encontradas em unidades textuais da Folha de S.Paulo que mencionam Tríplice Fronteira (2011-2019) Posição Palavra* Palavras com a mesma raiz Número de aparições % em relação ao total 1 Brasil Brasil’, brasileira brasileiras, brasileiro, brasileiros 238 1,6 2 fronteira fronteiras 118 0,79 3 Paraguai paraguaia, paraguaias 108 0,73 4 país países 103 0,69 5 terroristas terror, terrorismo, terrorista 92 0,62 6 Argentina argentina, argentino, argentinos 85 0,57 7 EUA Estados Unidos 76 0,50 8 tríplice 69 0,46 9 grupo grupos 65 0,44 10 governos governador, governantes, governaria, governo, governou 64 0,43 11 região 58 0,39 12 americanos americana, americanas, americano 54 0,36 13 organizações organizada, organizado, organizados, organizaram, organização, organizem 53 0,36 14 Foz 52 0,35 15 presidente presidente, presidentes, presidência 51 0,34 16 Iguaçu 50 0,34 17 anos 47 0,32 18 crime crimes 40 0,27 19 contrabando 39 0,26 20 Hizbullah 38 0,26 *Palavras retiradas manualmente, juntamente com as que têm a mesma raiz: foi (96), será (87), temos (85), pela (67), diz (62), são (55), segundo (53), também (53), partiu (52), pode (49), terá (46), disse (40), afirmou (40). Fonte: Elaboração dos autores com dados da Folha de S.Paulo (2011-2019). Tabela 2 Relação de palavras mais encontradas em unidades textuais d’O Globo que mencionam Tríplice Fronteira (2011-2019) posição Palavra* Palavras com a mesma raiz Número de aparições % em relação ao total 1 Brasil Brasil, brasileiro, brasileira, brasileiras, brasileiros 288 1,42 2 fronteira fronteira', fronteiras, fronteira’ 160 0,77 3 país países 127 0,62 4 governos governador, governantes, governo, governou 108 0,5 5 terroristas terror, terrorismo, terrorista 106 0,51 6 Paraguai paraguaia, paraguaias 105 0,51 7 EUA Estados Unidos 91 0,44 8 Argentina argentinas, argentino, argentinos 90 0,44 9 polícia polícias 83 0,40 10 segurança seguranças 80 0,39 11 grupo grupos 77 0,37 12 Tríplice 75 0,36 13 anos 70 0,34 14 federal 68 0,33 15 Hezbollah 64 0,31 16 organizações organizadas, organizado, organizados, organizar, organização, organizou 62 0,30 17 investigações investiga, investigada, investigadas, investigado, investigadores, investigados, investigam, investigar, investigação 59 0,29 18 americanos american, americana, americanas, americano 56 0,27 18 inteligência 56 0,27 18 Operações opera, operada, operador, operadores, operados, operam, operar, operava, operação, 56 0,27 19 Estados Estado 53 0,26 19 rio 53 0,26 20 novos nova, novas, nove, novo 52 0,25 *Palavras retiradas manualmente, juntamente com as que têm a mesma raiz: foi (131), será (113), são (86), temos (86), poderão (81), também (76), partir (70), passaram (69), pela (68), foram (66). Fonte: Elaboração dos autores com dados d’O Globo (2011-2019). Tabela 3 Relação de UTs sobre TF e de UTs com raiz terror- (2011-2019) Folha de S.Paulo O Globo Ano UTs sobre Tríplice Fronteira UTs sobre TF contendo terror- (% do total) UTs sobre Tríplice Fronteira UTs sobre TF contendo terror- (% do total) 2011 17 8 (47)* 7 1 (14) 2012 9 3 (33)* 5 2 (40) 2013 6 2 (33)* 6 1 (17) 2014 4 1 (25) 14 7 (50) 2015 7 0 4 4 (100) 2016 0 0 3 1 (33)** 2017 0 0 6 1 (17)* 2018 4 2 (50) 2 1 (50) 2019 6 5 (83)** 7 3 (49)* TOTAL 53 21 (40)** 54 21 (39)* *Arredondado para cima < 0,5; **Arredondado para baixo > 0,5. Fonte: Elaboração dos autores com dados da Folha de S.Paulo e O Globo (2011-2019). .
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    A lista completa está na Tabela 2, em Anexo Anexo Tabela 1 Relação de palavras mais encontradas em unidades textuais da Folha de S.Paulo que mencionam Tríplice Fronteira (2011-2019) Posição Palavra* Palavras com a mesma raiz Número de aparições % em relação ao total 1 Brasil Brasil’, brasileira brasileiras, brasileiro, brasileiros 238 1,6 2 fronteira fronteiras 118 0,79 3 Paraguai paraguaia, paraguaias 108 0,73 4 país países 103 0,69 5 terroristas terror, terrorismo, terrorista 92 0,62 6 Argentina argentina, argentino, argentinos 85 0,57 7 EUA Estados Unidos 76 0,50 8 tríplice 69 0,46 9 grupo grupos 65 0,44 10 governos governador, governantes, governaria, governo, governou 64 0,43 11 região 58 0,39 12 americanos americana, americanas, americano 54 0,36 13 organizações organizada, organizado, organizados, organizaram, organização, organizem 53 0,36 14 Foz 52 0,35 15 presidente presidente, presidentes, presidência 51 0,34 16 Iguaçu 50 0,34 17 anos 47 0,32 18 crime crimes 40 0,27 19 contrabando 39 0,26 20 Hizbullah 38 0,26 *Palavras retiradas manualmente, juntamente com as que têm a mesma raiz: foi (96), será (87), temos (85), pela (67), diz (62), são (55), segundo (53), também (53), partiu (52), pode (49), terá (46), disse (40), afirmou (40). Fonte: Elaboração dos autores com dados da Folha de S.Paulo (2011-2019). Tabela 2 Relação de palavras mais encontradas em unidades textuais d’O Globo que mencionam Tríplice Fronteira (2011-2019) posição Palavra* Palavras com a mesma raiz Número de aparições % em relação ao total 1 Brasil Brasil, brasileiro, brasileira, brasileiras, brasileiros 288 1,42 2 fronteira fronteira', fronteiras, fronteira’ 160 0,77 3 país países 127 0,62 4 governos governador, governantes, governo, governou 108 0,5 5 terroristas terror, terrorismo, terrorista 106 0,51 6 Paraguai paraguaia, paraguaias 105 0,51 7 EUA Estados Unidos 91 0,44 8 Argentina argentinas, argentino, argentinos 90 0,44 9 polícia polícias 83 0,40 10 segurança seguranças 80 0,39 11 grupo grupos 77 0,37 12 Tríplice 75 0,36 13 anos 70 0,34 14 federal 68 0,33 15 Hezbollah 64 0,31 16 organizações organizadas, organizado, organizados, organizar, organização, organizou 62 0,30 17 investigações investiga, investigada, investigadas, investigado, investigadores, investigados, investigam, investigar, investigação 59 0,29 18 americanos american, americana, americanas, americano 56 0,27 18 inteligência 56 0,27 18 Operações opera, operada, operador, operadores, operados, operam, operar, operava, operação, 56 0,27 19 Estados Estado 53 0,26 19 rio 53 0,26 20 novos nova, novas, nove, novo 52 0,25 *Palavras retiradas manualmente, juntamente com as que têm a mesma raiz: foi (131), será (113), são (86), temos (86), poderão (81), também (76), partir (70), passaram (69), pela (68), foram (66). Fonte: Elaboração dos autores com dados d’O Globo (2011-2019). Tabela 3 Relação de UTs sobre TF e de UTs com raiz terror- (2011-2019) Folha de S.Paulo O Globo Ano UTs sobre Tríplice Fronteira UTs sobre TF contendo terror- (% do total) UTs sobre Tríplice Fronteira UTs sobre TF contendo terror- (% do total) 2011 17 8 (47)* 7 1 (14) 2012 9 3 (33)* 5 2 (40) 2013 6 2 (33)* 6 1 (17) 2014 4 1 (25) 14 7 (50) 2015 7 0 4 4 (100) 2016 0 0 3 1 (33)** 2017 0 0 6 1 (17)* 2018 4 2 (50) 2 1 (50) 2019 6 5 (83)** 7 3 (49)* TOTAL 53 21 (40)** 54 21 (39)* *Arredondado para cima < 0,5; **Arredondado para baixo > 0,5. Fonte: Elaboração dos autores com dados da Folha de S.Paulo e O Globo (2011-2019). .
  • Financiamento FAPESP nos: 2016/12824-6 e 2018/06825-5.

Anexo

Tabela 1
Relação de palavras mais encontradas em unidades textuais da Folha de S.Paulo que mencionam Tríplice Fronteira (2011-2019)
Tabela 2
Relação de palavras mais encontradas em unidades textuais d’O Globo que mencionam Tríplice Fronteira (2011-2019)
Tabela 3
Relação de UTs sobre TF e de UTs com raiz terror- (2011-2019)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    16 Nov 2021
  • Revisado
    04 Maio 2023
  • Aceito
    01 Nov 2023
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