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Análise Histórico-Discursiva do Editorial “1964” da Folha de São Paulo

Resumo

O artigo tem por objetivo analisar o Editorial “1964” da Folha de São Paulo à luz da Abordagem Histórico-Discursiva (AHD), lastreando a discussão nos conceitos de discurso, mídia e história e a historiografia sobre imprensa e ditadura. Este texto, publicado em 30 de março de 2014, às vésperas do aniversário de cinquenta anos do golpe de 1964, se insere em um movimento mais amplo, que engloba também outros jornais da grande imprensa, de reavaliação e reescrita da sua história durante o período da ditadura militar brasileira (1964-1985). A metodologia empregou os oito estágios da AHD e suas cinco questões centrais. A partir da identificação de três macrotópicos dicotômicos (apoio à ditadura militar como erro versus apoio como longo e doloroso aprendizado; violências do regime versus realizações econômicas; e disputa entre socialismo revolucionário versus economia de mercado) e das estratégias discursivas utilizadas (predicação, argumentação, perspectiva, intensificação e mitigação), foi possível observar que o jornal discursivamente: a) invisibiliza os problemas causados pelo regime militar; b) enfatiza o crescimento econômico vivenciado pelo país no período e; c) justifica suas ações atrelando-as ao contexto da época, o que levanta questionamentos sobre o exame de sua posição. As principais conclusões sugerem que a ambiguidade com que a empresa se posiciona, de atenuação de sua contribuição para o regime militar e, ao tempo, de intensificação do seu papel democrático, faz sentido à luz da estratégia empresarial contextualizada e que deve ser considerada na discussão sobre as interfaces entre discurso, mídia e história.

abordagem histórico-discursiva; empresas jornalísticas; passado; estudos organizacionais

Abstract

The article aims to analyze the Folha de São Paulo editorial "1964" in the light of the historical-discursive approach (HDA), basing the discussion on the concepts of discourse, media and history, and the historiography of the press and dictatorship. This text, published on March 30, 2014, on the eve of the 50th anniversary of the 1964 coup, is part of a broader movement that also includes other newspapers of the mainstream press to reassess and rewrite their history during the period of the Brazilian military dictatorship (1964-1985). The methodology used was the eight stages of the HDA and its five central questions. By identifying three dichotomous macro-topics (support for the military dictatorship as a mistake versus support as a long and painful learning process; the regime's violence versus its economic achievements; and the dispute between revolutionary socialism versus the market economy) and the discursive strategies used (predication, argumentation, perspective, intensification, and mitigation), it was possible to observe that the newspaper discursively: (a) makes the problems caused by the military regime invisible; (b) emphasizes the economic growth that the country experienced during the period; and (c) justifies its actions by linking them to the context of the time, which raises questions about the examination of its position. The main conclusions suggest that the ambiguity with which the company positions itself, attenuating its contribution to the military regime and at the same time intensifying its democratic role, makes sense in the light of a contextualized business strategy and should be considered in the discussion about the interfaces between discourse, media and history.

historical-discursive approach; newspaper companies; the past; organizational studies

Introdução

Propor-se não lembrar é como propor não perceber um cheiro, porque a lembrança, assim como um cheiro, acomete, até mesmo quando não é convocada. ( Sarlo, 2007Sarlo, B. (2007). Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva. Belo Horizonte: UFMG. , p. 10)

Estudos que tratam da relação entre linguagem e organização emergiram a partir da década de 1980 ( Westwood & Linstead, 2001Westwood, R. & Linstead, S. (2001). Language/organization: introduction. In R. Westwood & S. Linstead (Eds.). The language of organization (pp. 310-328). London: Sage. ), quando pesquisadores deixaram de tratar a linguagem como mero mecanismo de comunicação e passaram a observá-la como internúncia de significados e também como meio de representar as organizações. Desde então, a linguagem passou a ser entendida como um instrumento das organizações, uma vez que possui capacidade de estruturar nossos pensamentos de mundo e também de produzir nosso real ( Chia & King, 2001)Chia, R. & King, I. (2001). The language of organization theory. In R. Westwood & S. Linstead (Eds.). The language of organization (pp. 1-19). London: Sage. . Em outras palavras, o discurso é o meio central pelo qual membros de uma organização criam uma realidade social capaz de moldar o senso a respeito de quem eles são, mas não apenas isso, se considerarmos que as organizações não estão isoladas da sociedade em que estão inseridas ( Van Dijk, 1997)Van Dijk, T. A. (1997). The study of discourse. In T. A. Van Dijk (Ed.). Discourse as structure and process (pp. 1-34). London: Sage. .

Entre os muitos percursos possíveis para o enfrentamento de aspectos discursivos, a Análise Crítica do Discurso (ACD), abordagem adotada neste artigo, destaca-se por ir “além de como e por que o discurso contribui cumulativamente para a reprodução de macroestruturas e destaca os traços de significado cultural e ideológico1 1 . Tradução nossa. ” ( Ramanathan & Hoon, 2015Ramanathan, R. & Hoon, T. B. (2015). Application of critical discourse analysis in media discourse studies. 3L: The Southeast Asian Journal of English Language Studies, 21(2), 57-68. , p. 57). A análise das estruturas linguísticas não pode ser o único elemento na ACD, “embora o conhecimento linguístico seja essencial para uma teoria do discurso, é um erro (...) acreditar que problemas discursivos podem ser acessados projetando o conhecimento linguístico em contextos sociais2 2 . Tradução nossa. ” ( Santander Molina, 2009, pSantander Molina, P. (2009). Critical analysis of discourse and of the media: challenges and shortcomings. Critical Discourse Studies, 6(3), 185-198. , p. 196).

Nesta discussão, Wodak (2009)Wodak, R. (2009). The discourse of politics in action: politics as usual. Berlin: Springer. defende a Abordagem Histórico-Discursiva (AHD) como uma lente analítica particular da ACD para a pesquisa organizacional. Esta abordagem fornece uma ferramenta capaz de analisar o fenômeno do poder ao integrar e triangular fontes históricas e antecedentes dos campos sociais e políticos nos quais os eventos discursivos estão inseridos ( Wodak, 2009Wodak, R. (2009). The discourse of politics in action: politics as usual. Berlin: Springer. ). A AHD permite, então, assumir a perspectiva de que as relações estabelecidas entre empresas e governo, por exemplo, não são isentas de posicionamentos ideológicos, em consonância com diferentes áreas do conhecimento em Administração que problematizam tal pressuposto, como as áreas de negócios e direitos humanos, de responsabilidade social corporativa e de responsabilidade histórica corporativa ( Barros, 2018Barros, A. (2018). Empresas e direitos humanos: premissas, tensões e possibilidades. Organizações & Sociedade, 25(84), 87-99. ; Costa & Silva, 2018Costa, A. S. M. & Silva, M. A. C. (2018). Empresas, violação dos direitos humanos e ditadura civil-militar brasileira: a perspectiva da Comissão Nacional da Verdade. Organizações & Sociedade, 25(84), 15-29. ; Schrempf-Stirling, Palazzo & Phillips, 2016).

Nesse cenário, a pesquisa histórica em estudos organizacionais emerge como uma das possíveis formas de identificar e problematizar essa relação entre empresas e governos. Isso porque as pesquisas organizacionais nessa linha baseiam-se amplamente em fontes, métodos e conhecimentos históricos para melhor compreender as organizações em seu contexto sócio-histórico, fornecendo perspectivas alternativas para narrativas hegemônicas (Maclean, Harvey; Clegg, 2016). A pesquisa histórica em estudos organizacionais possui a capacidade de informar a crítica ao desnaturalizar as organizações, enquanto reescreve seu passado, problematiza suas origens e mostra que os pontos de partida não são naturais, mas, culturalmente, construídos ao longo do tempo (Costa, Barros & Martins, 2010; Durepos, Shaffner & Taylor, 2021). Assim, os estudos organizacionais históricos compreendem as organizações dentro de seu contexto sócio-histórico, a fim de elaborar narrativas teóricas historicamente informadas e atentas para mudanças nas interpretações de significado ao longo do tempo (Decker, Hassard & Rowlinson, 2021; Maclean, Harvey & Clegg, 2016).

No caso específico de empresas jornalísticas, esta relação é ainda amplificada, partindo de que, ao exercer o seu fazer informativo, produzem um sentido com a finalidade de influir sobre os outros ( Fiorin, 2006Fiorin, J. L. (2006). Linguagem e ideologia (8a ed). São Paulo: Ática. , p. 74). Desse modo, a linguagem da mídia, particularmente, é investigada como um lugar de poder, de luta e onde “a linguagem é aparentemente transparente” (Wodak, 2001a, p. 6). Segundo a autora, as instituições midiáticas, muitas vezes, se apresentam como neutras, no sentido de que fornecem espaço para o discurso público que reflete o estado de coisas desinteressadamente, o que é compreendido como uma falácia e apresenta a relevância da AHD para desnudar a atuação de mediação e construção da mídia. No Brasil, um exemplo interessante da relação entre empresas jornalísticas e governo está no papel dos jornais da grande imprensa na deposição do presidente João Goulart, no Golpe de Estado de 1964. A grande imprensa brasileira colaborou com a desestabilização do governo de Goulart sugerindo que, ao afastá-lo do poder, a ordem seria restaurada e o país seria preservado da subversão de valores, o que culminou na tomada de poder pelos militares que resultou em mais de vinte anos de Ditadura no país ( Biroli, 2009Biroli, F. (2009). Representações do golpe de 1964 e da ditadura na mídia. Sentidos e silenciamentos na atribuição de papéis à imprensa, 1984-2004. Varia Historia, 25(41), 269-291. ; Santos & Costa, 2019Santos, C. A. S. & Costa, A. S. M. (2019). Imprensa, discurso ideológico e golpe de Estado: uma análise crítica do discurso. Revista Eletrônica de Ciência Administrativa, 18(3), 371-393. ; 2021).

Mais recentemente, numa tentativa de reconstrução da história do golpe e da ditadura militar brasileira, parte dos jornais da grande imprensa realizou publicações narrando esta história e assumindo sua atuação, uma forma de os jornais exporem suas interpretações sobre o período, selecionando o que e quem deve figurar nessa história ( Carvalho, 2015Carvalho, A. (2015). “Contando a história” da ditadura civil-militar: a grande imprensa e a construção da memória do Brasil democrático. In S. V. Quadrat & D. Rollemberg (Orgs.). História e memória das ditaduras do século XX, V.1 (pp. 394-424). Rio de Janeiro: FGV. ). Em virtude dos cinquenta anos do golpe de 1964, a sociedade brasileira como um todo pareceu estar vivendo uma “febre memorialística” em torno da ditadura militar ( Napolitano, 2015Napolitano, M. (2015). Recordar é vencer: as dinâmicas e vicissitudes da construção da memória sobre o regime militar brasileiro. Antíteses, 8(15), 9-45. ). O jornal O Globo, por exemplo, fez uma retratação por meio do editorial “Apoio editorial ao golpe de 64 foi um erro” publicado no dia 31 de agosto de 2013 (O Globo, 31/08/2013). A Folha de São Paulo, por sua vez, narra o que foi o período e como se posicionou por meio do editorial “1964”, publicado no dia 30 de março de 2014, assumindo que “apoiar a ditadura militar foi um erro” (Folha de S. Paulo, 30/03/2014). O jornal Estado de São Paulo publica o editorial “Meio século depois” em que afirma que a partir do segundo Ato Institucional (AI-2) o componente civil do movimento foi definhando, tornando-se “essencialmente militar”. O jornal aponta ainda que ali começou o autoritarismo (O Estado de S. Paulo, 31/03/2014).

Marques, Mont'Alverne e Mitozo (2018) ressaltam que os editoriais são escritos por profissionais designados pela direção do jornal para representar a opinião da empresa. Deste modo, o editorial confere maior liberdade para o jornal expressar seu alinhamento político e ideológico ( Bowie, 2019)Bowie, D. (2019). Contextual analysis and newspaper archives in management history research. Journal of Management History, 25(4), 516-532. . Napolitano (2015, pNapolitano, M. (2015). Recordar é vencer: as dinâmicas e vicissitudes da construção da memória sobre o regime militar brasileiro. Antíteses, 8(15), 9-45. , p. 15) acrescenta que a “mídia3 3 . Mídia é “um sistema cultural complexo. Por um lado esse sistema possui uma dimensão simbólica num constante jogo entre signos e sentidos –, que compreende a (re)construção, armazenamento, reprodução e circulação de produtos repletos de sentidos, tanto para quem os produziu (os media) como para quem os consome (leitores, espectadores, telespectadores etc.)” – Grifos do autor ( Medrado, 2000 , p. 244). apresenta, historicamente, maior legitimidade e sofisticação argumentativa na produção das memórias sobre um período histórico, fazendo repercutir seus argumentos de forma mais simplificada”. Assim, contribuindo com o entendimento de que os jornais ajudam a construir narrativas ao elaborarem diferentes significados sobre determinados acontecimentos, e tendo em vista que a AHD defende que os discursos são alterados ao longo do tempo considerando metamorfoses sociopolíticas, o presente artigo tem por objetivo analisar o editorial “1964” da Folha de S. Paulo a partir da Abordagem Histórico-Discursiva. Não se busca reconstruir o relato histórico realizado pela Folha, mas identificar os mecanismos discursivos utilizados pelo jornal para revisitar seu passado.

A relevância desta pesquisa reside, prioritariamente, em três aspectos. Primeiro, a problematização acerca do posicionamento ideológico de empresas permite que se desvele a fictícia relação de neutralidade entre estas e o momento político que as perpassa, e que se reflita sobre a atuação dessas na trajetória política do país. Tendo em vista que a política é entendida como uma esfera que integrou a mídia e que, simultaneamente, faz com que cada vez mais suas operações ocorram por meio da mídia, o segundo aspecto se refere à problematização da atuação político-discursiva de empresas jornalísticas ( Wodak & Forchtner, 2017Wodak, R. & Forchtner, B. (2017). The fictionalisation of politics. In: The Routledge handbook of language and politics / Wodak, R; Forchtner, B (Ed.). Routledge. ). Isso porque, à medida que a mídia produz e reproduz ideologias e histórias e, os jornais envolvem uma série de estratégias específicas projetadas para chamar a atenção de leitores, ela se coloca como um ator político, isto é, como uma ferramenta muito poderosa de domínio que influencia a sociedade em todas as suas dimensões ( Martin & Wodak, 2003Martin, J. R., Wodak, R. (2003). Introduction. In J. R. Martin & R. Wodak (Eds.). Re/reading the past: critical and functional perspectives on time and value (pp. 1-16). Philadelphia: John Benjamins Publishing. ; Capelato, 2014)Capelato, M. H. (2014). História do Tempo Presente: a grande imprensa como fonte e objeto de estudo. In L. A. N. Delgado & M. M. Ferreira (Orgs.). História do Tempo Presente (pp. 299-315). Rio de Janeiro: FGV. . Por fim, esta pesquisa contribui com os Estudos Organizacionais ao defender a AHD como uma teórico-metodologia potencial para os Estudos Organizacionais Históricos (Decker, Hassard & Rowlinson, 2021) e para as Pesquisas Históricas em Administração que adotem a análise crítica do discurso para análise das diferentes fontes, por ser uma abordagem que pressupõe a centralidade do contexto ( Wodak, 2009Wodak, R. (2009). The discourse of politics in action: politics as usual. Berlin: Springer. ; Wodak, Kwon & Clarke, 2011).

Para alcançar este objetivo, este artigo se divide em quatro partes: na primeira, apresentamos os conceitos de discurso, mídia e história trazidos pela AHD. Em seguida, recuperamos o contexto histórico do Golpe de 1964, período em que o editorial analisado narra, considerando a participação da imprensa. Na sequência, apresentamos os procedimentos metodológicos adotados para a realização da pesquisa. Por fim, analisamos o editorial empregando o referencial metodológico da Abordagem Histórico-Discursiva, seguida das considerações finais.

Discurso, mídia e história

Van Dijk (1997Van Dijk, T. A. (1997). The study of discourse. In T. A. Van Dijk (Ed.). Discourse as structure and process (pp. 1-34). London: Sage. , p. 25) delimita o discurso como ações que são realizadas intencionalmente a fim de provocar outras ações, eventos, situações ou estado de espírito. Serve, portanto, como o “meio pelo qual as ideologias são comunicadas de forma persuasiva na sociedade e, assim, ajuda a reproduzir o poder e a dominação de grupos ou classes específicas”. Nesse sentido, o poder entra visivelmente em jogo assim que as diferentes narrativas do passado são confrontadas umas com as outras e as elites selecionam uma das narrativas concorrentes e a naturalizam como sendo o passado ( Martin & Wodak, 2003Martin, J. R., Wodak, R. (2003). Introduction. In J. R. Martin & R. Wodak (Eds.). Re/reading the past: critical and functional perspectives on time and value (pp. 1-16). Philadelphia: John Benjamins Publishing. ).

A Abordagem Histórico-Discursiva (AHD), comprometida com a Análise Crítica do Discurso (ACD), adere à orientação sócio-filosófica da teoria crítica seguindo um conceito complexo de crítica social que abrange a dimensão da ação (Wodak, 2001b) e forte ênfase na análise histórica ( Wodak & Meyer, 2009Wodak, R. & Meyer, M. (2009). Critical discourse analysis: history, agenda, theory and methodology. In: R. Wodak & M. Meyer (Eds.). Methods of critical discourse analysis (pp. 1-33). London: Sage. ). Desenvolvida pela linguista Ruth Wodak, com a intenção de analisar instituições políticas e organizações, a AHD considera as relações interdiscursivas entre enunciados, textos e discursos, bem como variáveis extralinguísticas como a história de uma organização e seus quadros situacionais (Clarke, Kwon & Wodak, 2011). Enquanto se concentra nestes níveis de significado, busca explorar como os discursos são alterados em relação às mudanças sociopolíticas, fornecendo aos pesquisadores uma abordagem para examinar, mais profundamente, texto e contexto.

Uma das características distintivas mais proeminentes da abordagem histórico-discursiva é seu esforço em trabalhar com a interdisciplinaridade ( Wodak, 2015Wodak, R. (2015). Critical discourse analysis, discourse‐historical approach. In K Tracy, C. Ilie, & T. Sandel (Eds.). The international encyclopedia of language and social interaction (pp. 1-14). London: John Wiley & Sons. ). Esta abordagem combina a análise qualitativa do discurso ao mesmo tempo em que relaciona a análise do contexto estrutural da organização e à respectiva história de práticas específicas (Wodak, Kwon & Clarke, 2011). Isso porque a história das nações, das pessoas, dos grupos não se trata de um fato dado, mas de algo discursivamente construído ( Bourdieu, 2011)Bourdieu, P. (2011). Razões práticas: sobre a teoria da ação (11a ed.). Papirus Editora. de forma contínua na mídia, por políticos em seus discursos em eventos importantes, por administradores e por indivíduos relatando suas próprias histórias de vida.

Do ponto de vista da AHD, a ideologia é definida como “uma perspectiva (muitas vezes) unilateral ou [como uma] cosmovisão composta de representações mentais, convicções, opiniões relacionadas, atitudes e avaliações” ( Wodak, 2015Wodak, R. (2015). Critical discourse analysis, discourse‐historical approach. In K Tracy, C. Ilie, & T. Sandel (Eds.). The international encyclopedia of language and social interaction (pp. 1-14). London: John Wiley & Sons. , p. 3). A autora reforça que as ideologias são compartilhadas por membros de grupos sociais específicos e servem como um meio importante de estabelecer e manter relações desiguais por meio do discurso. Assim, o discurso é entendido como um grupo de práticas semióticas dependentes do contexto que estão situadas dentro de campos específicos de ação social, sendo socialmente constituído e constitutivo ( Wodak, 2009Wodak, R. (2009). The discourse of politics in action: politics as usual. Berlin: Springer. ).

Constituído aproximadamente no Século XIX, o campo jornalístico impõe sobre os diferentes campos de produção cultural “um conjunto de efeitos que estão ligados, em sua forma e sua eficácia, à sua estrutura própria, isto é, à distribuição dos diferentes jornais e jornalistas segundo sua autonomia em relação às forças externas, as do mercado de leitores e às do mercado dos anunciantes” ( Bourdieu, 1997Bourdieu, P. (1997). Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. , p. 102). Este se trata de um segmento em intensas interfaces:

é claro, com efeito, que os diferentes poderes, e em particular as instâncias governamentais, agem não apenas pelas pressões econômicas que estão em condições de exercer, mas também por todas as pressões autorizadas pelo monopólio da informação legítima – especialmente das fontes oficiais –; em primeiro lugar, esse monopólio proporciona às autoridades governamentais e à administração, à polícia, por exemplo, mas também às autoridades jurídicas, científicas etc., armas na luta que as opõem aos jornalistas e na qual tentam manipular as informações ou os agentes encarregados de transmiti-las, ao passo que a imprensa tenta, por seu lado, manipular os detentores da informação para tentar obtê-la e assegurar para si sua exclusividade. Sem esquecer o poder simbólico excepcional conferido às autoridades do Estado, pela capacidade de definir, por suas ações, suas decisões e suas intervenções no campo jornalístico (entrevistas, entrevistas coletivas etc.), a ordem do dia e a hierarquia dos acontecimentos que se impõem aos jornais. ( Bourdieu, 1997Bourdieu, P. (1997). Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. , p. 103, grifos do autor)

A mídia constrói histórias e utiliza-se de uma série de estratégias projetadas para chamar a atenção dos leitores, produzindo e reproduzindo ideologias e crenças, o que a transforma em uma ferramenta poderosa de domínio que influencia o mundo em todas as suas dimensões ( Martin & Wodak, 2003Martin, J. R., Wodak, R. (2003). Introduction. In J. R. Martin & R. Wodak (Eds.). Re/reading the past: critical and functional perspectives on time and value (pp. 1-16). Philadelphia: John Benjamins Publishing. ). Se por um lado a mídia envolve um “tipo de produção discursiva comprometida com um circuito econômico movido pela obtenção e manutenção da audiência máxima, por outro ela encontra-se inserida em um contexto histórico-cultural de interação entre indivíduos e entre eles e o espaço social do qual fazem parte” ( Lysardo-Dias, 2006, pLysardo-Dias, D. (2006). O discurso do estereótipo na mídia. In W. Emediato, I. L. Machado, & W. Menezes (Orgs.). Análise do discurso: gêneros, comunicação e sociedade (pp. 25-36). Belo Horizonte: NAD/POSLIN/FALE/UFMG. , p. 29). O’Keefe (2012, pO’Keefe, A. (2012). Media and discourse analysis. In J. Gee & M. Handford (Eds.). The Routledge handbook of discourse analysis (pp. 441-454). London: Routledge. , p. 441) destaca que “o discurso de mídia se refere a interações que ocorrem através de uma plataforma de transmissão, seja falada ou escrita, na qual o discurso é orientado a um leitor, ouvinte ou espectador não presente”, um processo que vai muito além do esquema enunciador-enunciatário da mensagem.

Muitas vezes as organizações midiáticas pretendem ser neutras por fornecerem um espaço para o discurso público, mas apesar desta presunção, como qualquer outra organização, não são isentas de posicionamento político, ainda que seja manifesto de formas mais ou menos explícitas ( Calfano, 2019Calfano, B. (Ed.) (2019). Media and politics. San Diego: Cognella Academic Publishing. ). Isso porque, em se tratando de discursos jornalísticos alguns posicionamentos são mais explícitos que outros. Para Bourdieu (1998Bourdieu, P. (1998). Contrafogos: táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. , p. 95), “o campo jornalístico produz e impõe uma visão inteiramente particular do campo político, que encontra seu princípio na estrutura do campo jornalístico e no interesse pessoal dos jornalistas que aí vão se engendrando”. De toda sorte, como aponta Lysardo-Dias (2006Lysardo-Dias, D. (2006). O discurso do estereótipo na mídia. In W. Emediato, I. L. Machado, & W. Menezes (Orgs.). Análise do discurso: gêneros, comunicação e sociedade (pp. 25-36). Belo Horizonte: NAD/POSLIN/FALE/UFMG. , p. 31), os produtos midiáticos se baseiam “em um único princípio: aproximar a instância de produção e a instância de recepção de forma que a segunda se identifique com a primeira e possa ter acesso e aceitar o que lhe é proposto”.

Política e mídia são dois campos interdependentes em algum grau, e cada vez mais entrelaçados de maneiras complexas e com profundas implicações para cada um deles ( Wodak, 2009Wodak, R. (2009). The discourse of politics in action: politics as usual. Berlin: Springer. ). Além de essas relações serem complexas, ainda não há respostas claras sobre quem influencia quem e como essas influências são dirigidas. Todavia, a mídia está se tornando cada vez mais global, facilitando a formação de tendências e opiniões em grande escala. Nesse sentido, a atuação da mídia na produção e reprodução de construções específicas da política cotidiana precisa ser investigada de perto, uma vez que a linguagem midiática é compreendida como um lugar de poder, de luta, onde a linguagem aparentemente é transparente (Wodak, 2001a).

Do ponto de vista linguístico, este processo pode incorporar diversas estratégias discursivas de persuasão ideológica, uma vez que, a rigor, mesmo com as especificidades da mídia, o discurso midiático é, antes de qualquer coisa, um discurso, portanto voltado a influir sobre os outros. “Quando um enunciador reproduz em seu discurso elementos da formação discursiva dominante, de certa forma, contribui para reforçar as estruturas de dominação” ( Fiorin, 2006Fiorin, J. L. (2006). Linguagem e ideologia (8a ed). São Paulo: Ática. , p. 74). No contexto específico da ditadura brasileira, se um veículo da grande mídia eventualmente enunciou discursos explícitos destacando o “milagre econômico” e silenciou sobre as violações de direitos humanos, por exemplo, inegavelmente apoiou o autoritarismo do período e contribuiu para reforçá-lo.

Para o passado se desdobrar discursivamente e atender aos interesses dessas organizações no presente, a narrativa por elas utilizada costuma ser emocionalmente atraente e instrumental, não sendo necessariamente precisa (Decker, Hassard & Rowlinson, 2021; Ybema, 2014)Ybema, S. (2014). The invention of transitions: history as a symbolic site for discursive struggles over organizational change. Organization, 21(4), 495-513. , pois entre a “captação dos fatos in situ e sua representação pública em um jornal há um processo de transformação da informação da fonte ligado à especificidade da empresa jornalística e seu meio ambiente particular, pois a informação só faz sentido dentro de um sistema psicossocial” ( Emediato, 2005, pEmediato, W. (2005). O problema da informação midiática entre as ciências da comunicação e análise de discurso. In I. L. Machado, J. B. C. Santos, & W. A. Menezes (Orgs.). Movimentos de um percurso em análise do discurso: memória acadêmica do Núcleo de Análise do Discurso da FALE/UFMG (pp. 99-115). Belo Horizonte: NAD/POSLIN/FALE/UFMG. , p. 106, grifo do autor). “Falar em mídia é falar, sobretudo, da circularidade de discursos através dos quais os indivíduos atuam como sujeitos históricos e participam de diferentes tipos de produção cultural” ( Lysardo-Dias, 2006, pLysardo-Dias, D. (2006). O discurso do estereótipo na mídia. In W. Emediato, I. L. Machado, & W. Menezes (Orgs.). Análise do discurso: gêneros, comunicação e sociedade (pp. 25-36). Belo Horizonte: NAD/POSLIN/FALE/UFMG. , p. 25). Sobre o discurso da mídia, assim, incidem interesses da própria empresa, bem como aspectos contextuais, levando a uma contínua transformação dos fatos.

Na investigação de tópicos e textos históricos, organizacionais e políticos, a abordagem histórico-discursiva tenta “integrar uma grande quantidade de conhecimento disponível sobre as fontes históricas e os antecedentes dos campos sociais e políticos nos quais os ‘eventos’ discursivos estão inseridos” (Wodak, 2001b, p. 65). A AHD analisa a dimensão histórica das ações discursivas explorando as maneiras pelas quais determinados gêneros de discurso estão sujeitos à alteração diacrônica ( Wodak, 2015Wodak, R. (2015). Critical discourse analysis, discourse‐historical approach. In K Tracy, C. Ilie, & T. Sandel (Eds.). The international encyclopedia of language and social interaction (pp. 1-14). London: John Wiley & Sons. ). O mais importante nessa abordagem é que isso não é visto apenas como informação, mas integra teorias sociais para poder explicar o chamado contexto (Wodak, 2001b). Desse modo, na próxima seção será abordada a historiografia da imprensa no Golpe de 1964.

Metodologia

A presente pesquisa analisa o Editorial “1964” do jornal Folha de S. Paulo, publicado no dia 30 de março de 2014, cujo conteúdo está disponível ao público no acervo do próprio site da empresa4 4 . Disponível em: https://acervo.folha.com.br/index.do . . A escolha pelo editorial de retratação do jornal Folha de S. Paulo ocorreu devido a este jornal ser considerado um significativo representante da grande imprensa brasileira na época ( Capelato, 2014Capelato, M. H. (2014). História do Tempo Presente: a grande imprensa como fonte e objeto de estudo. In L. A. N. Delgado & M. M. Ferreira (Orgs.). História do Tempo Presente (pp. 299-315). Rio de Janeiro: FGV. ), e pelo fato de suas relações com o regime militar já terem sido foco de pesquisas anteriores. Isso porque, a Folha de S. Paulo alinhou-se a grande parte do empresariado nacional, que enxergava o governo de João Goulart como de extrema esquerda e que caminhava para o comunismo, ao apoiar o golpe de Estado em 1964 ( Dias, 2012Dias, A. B. (2012). O presente da memória: usos do passado e as (re)construções de identidade da Folha de S. Paulo, entre o 'golpe de 1964' e a 'ditabranda'. Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil. ; Capelato, 2014Capelato, M. H. (2014). História do Tempo Presente: a grande imprensa como fonte e objeto de estudo. In L. A. N. Delgado & M. M. Ferreira (Orgs.). História do Tempo Presente (pp. 299-315). Rio de Janeiro: FGV. ; Santos & Costa, 2019Santos, C. A. S. & Costa, A. S. M. (2019). Imprensa, discurso ideológico e golpe de Estado: uma análise crítica do discurso. Revista Eletrônica de Ciência Administrativa, 18(3), 371-393. ; 2021; 2022) e também conservou importantes vínculos com o novo governo instalado, uma vez que o governo anunciava na Folha de S. Paulo de maneira ainda mais intensa que outros veículos de comunicação. A Folha de S. Paulo também colaborou com a instalação e a manutenção da ditadura civil-militar e com os seus métodos repressivos ( Dias, 2012)Dias, A. B. (2012). O presente da memória: usos do passado e as (re)construções de identidade da Folha de S. Paulo, entre o 'golpe de 1964' e a 'ditabranda'. Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil. , sendo essa colaboração nominalmente citada no volume 3 do Relatório da CNV: “Os agentes de repressão colocaram na rua um jipe do Exército aparentemente com problemas e à volta dele, em um caminhão baú do jornal Folha de São Paulo, estavam escondidos os agentes do DOI-CODI/SP portando metralhadoras” ( Dias et al., 2014, pDias, J. C., Cavalcanti Filho, J. P., Kehl, M. R., Pinheiro, P. S., Dallaro, P. B. A., Cunha, R. M. C. (2014). Mortos e desaparecidos políticos (Relatório da Comissão Nacional da Verdade, CNV, v. III). Brasília: CNV. , p. 735).

Além disso, em consonância com pesquisadores que trabalham com a imprensa como objeto de pesquisa e seus editoriais como expressões de seu alinhamento político e/ou ideológico ( Luca, 2006Luca, T. R. (2006). Fontes impressas: história nos, dos e por meio dos periódicos. In C. B. Pinsky (Org). Fontes históricas (pp. 111-153). São Paulo: Contexto. ; Capelato & Prado, 1980Capelato, M. H. & Prado, M. L. (1980). O bravo matutino: imprensa e ideologia no jornal O Estado de S. Paulo. São Paulo: Alfa-Omega. ), esta pesquisa assume que é possível observar o posicionamento da Folha de S. Paulo a partir do editorial analisado. Mont’Alverne e Marques (2015, pMont’Alverne, C., Marques, F. P. J. A. (2015). A opinião da empresa no Jornalismo brasileiro: Um estudo sobre a função e a influência política dos editoriais. Estudos Em Jornalismo e Mídia, 12(1), 121-137. , p. 122) acrescentam que, no Brasil, “ainda são poucos os trabalhos dedicados a examinar, especificamente, a função e a influência política dos editoriais jornalísticos – não obstante ser este, justamente, um espaço capaz de revelar traços singulares da relação mantida entre as empresas jornalísticas e agentes do campo político”. Perlatto (2019, pPerlatto, F. (2019). Variações do mesmo tema sem sair do tom: imprensa, Comissão Nacional da Verdade e a Lei da Anistia. Revista Tempo e Argumento, 11(27), 78-100. , p. 84) complementa que o editorial aborda, “na maioria das vezes (...) assuntos que ganharam destaque e visibilidade na esfera pública, no momento mesmo em que aquele artigo é escrito”. Desse modo, por meio desse editorial, é possível compreender o interesse da Folha de S.Paulo e como esse interesse foi comunicado aos leitores.

No que se refere à análise do documento selecionado como fonte, foi utilizada a Abordagem Histórico-Discursiva. Reisigl e Wodak (2008)Reisigl, M. & Wodak, R. (2008). The Discourse-Historical Approach (DHA). In R. Wodak & M. Meyer (Eds.). Methods of critical discourse analysis (2nd ed) (pp. 87-121). New Delhi: Sage. apontam que, idealmente, esta abordagem completa segue um programa de oito estágios, como observado na Tabela 1 . Os autores salientam que, normalmente, as oito etapas são implementadas de forma decorrente.

Tabela 1
: Programa de oito estágios da AHD

As etapas 1 e 2 foram realizadas por meio do levantamento bibliográfico e historiográfico anterior que integra as informações disponíveis sobre o contexto histórico do evento discursivo analisado, resultando na construção do capítulo “A Imprensa e o Golpe de 1964”. Além disso, a dimensão histórica do ato discursivo é abordada explorando historicamente como os discursos da mídia estão sujeitos à mudança diacrônica. Com relação à etapa 3, o editorial “1964” foi selecionado considerando que foi publicado às vésperas do aniversário de cinquenta anos do golpe e se tratar de uma retratação do jornal sobre seu apoio ao golpe e à posterior ditadura civil-militar. A etapa 4 – de formulação da questão de pesquisa – foi previamente elaborada em virtude do interesse de estudo dos pesquisadores em compreender como as empresas jornalísticas constroem discursivamente o passado. Em seguida, o texto foi esmiuçado, para a identificação dos macrotópicos que emergiriam do texto, como descrito na etapa 5. A etapa 6 consistiu em aprofundar o entendimento sobre o contexto em que o texto selecionado foi escrito. Foi possível perpassar ainda pelas etapas 7 e 8 ao interpretar de maneira crítica a fonte analisada.

Wodak (2015)Wodak, R. (2015). Critical discourse analysis, discourse‐historical approach. In K Tracy, C. Ilie, & T. Sandel (Eds.). The international encyclopedia of language and social interaction (pp. 1-14). London: John Wiley & Sons. indica que para a análise discursiva nesta abordagem é necessário analisar a coerência do texto pela identificação dos macrotópicos relacionados, e compreender o objetivo do produtor do texto. Para realizar tal investigação, após a compreensão do contexto, Reisigl e Wodak (2008)Reisigl, M. & Wodak, R. (2008). The Discourse-Historical Approach (DHA). In R. Wodak & M. Meyer (Eds.). Methods of critical discourse analysis (2nd ed) (pp. 87-121). New Delhi: Sage. apresentam cinco questões centrais para AHD, como observado na Tabela 2 .

Tabela 2
: Perguntas centrais na investigação em AHD

A presente pesquisa se propôs a responder estas cinco perguntas. Primeiro, identificando como os atores sociais (presidentes, militares, empresários, entre outros), os eventos sociais e as mudanças políticas foram nomeados por esse editorial. Segundo, observando que características e avaliações foram realizadas pelo editorial sobre estes atores, eventos e mudanças. Terceiro, reconhecendo os argumentos utilizados pelo jornal para tais avaliações. Em quarto lugar, visualizando de que perspectivas esses argumentos são expressos e a que outros discursos eles estão conectados. Por fim, identificando se estes discursos foram sendo intensificados ou enfraquecidos ao longo do texto.

De acordo com estas cinco questões, Reisigl e Wodak (2008Reisigl, M. & Wodak, R. (2008). The Discourse-Historical Approach (DHA). In R. Wodak & M. Meyer (Eds.). Methods of critical discourse analysis (2nd ed) (pp. 87-121). New Delhi: Sage. , p. 94) elaboraram cinco tipos de estratégias discursivas para investigação. Por estratégia, os autores apontam para um “plano de práticas mais ou menos intencional (incluindo práticas discursivas) adotadas para alcançar um determinado objetivo social, político, objetivo psicológico ou linguístico”. Wodak (2009)Wodak, R. (2009). The discourse of politics in action: politics as usual. Berlin: Springer. acrescenta que se interessa nestes cinco tipos de estratégias discursivas, uma vez que essas sustentam a justificação/legitimação de inclusão/exclusão e da construção de identidades, como são apresentadas na Tabela 3 .

Tabela 3
: Estratégias Discursivas

Dessa forma, após a compreensão do contexto de produção do editorial e a busca pelas respostas das cinco perguntas centrais de investigação em AHD, a presente pesquisa buscou identificar quais estratégias discursivas acima apresentadas são utilizadas pelo editorial “1964” da Folha de S. Paulo, como será realizado na seção de análise do editorial.

A Imprensa e o golpe de 1964

O Golpe de 1964 e a posterior instalação do governo ditatorial são marcados por diversas historiografias que apontam para diferentes perspectivas sobre este acontecimento político no Brasil ( Napolitano, 2011Napolitano, M. (2011). O golpe de 1964 e o regime militar brasileiro. Apontamentos para uma revisão historiográfica. Contemporânea, 2(2), 209-217. ). A linha adotada nesta pesquisa ressalta a conspiração empresarial-militar que objetivou à conquista do Estado apontando para o papel da articulação entre a direita, pautada no empresariado brasileiro que envolveu militares, e governo estadunidense, resultando na deposição do então presidente João Goulart ( Dreifuss, 1981Dreifuss, R. A. (1981). A conquista do Estado. Petrópolis: Vozes. ; Napolitano, 2011Napolitano, M. (2011). O golpe de 1964 e o regime militar brasileiro. Apontamentos para uma revisão historiográfica. Contemporânea, 2(2), 209-217. ; Silva, 2018Silva, M. A. C. (2018). As práticas de normalização da violência operacionalizadas pela Volkswagen do Brasil na Ditadura Militar Brasileira (1964-1985). Tese de doutorado, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. ).

Para entender o golpe, daremos um passo atrás para visualizar o cenário que o antecedeu. O contexto político do governo de João Goulart (1961-1964) era muito particular: a reforma agrária avançava e impactava a produção e a renda do campo; a reforma urbana interferia no crescimento desordenado das cidades; a reforma bancária previa uma nova estrutura financeira sob o controle do Estado; e a reforma eleitoral poderia alterar o equilíbrio político, com a concessão do direito de voto aos analfabetos ( Schwarcz & Starling, 2015Schwarcz, L. M., Starling, H. M. (2015). Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia de Letras. ). O contexto econômico era de inflação alta, salários desvalorizados e aumento de custo de vida. Na imprensa, ocorria ainda crise no setor, resultado do aumento dos custos do papel, exatamente em um momento em que várias modificações foram introduzidas no processo de produção da imprensa ( Abreu, 2005)Abreu, A, A. (2005). A imprensa e a queda do governo de João Goulart. In A. Bragança & S. V. Moreira (Orgs.). Comunicação, acontecimento e memória. São Paulo: Intercom. .

João Goulart era o principal herdeiro político de Getúlio Vargas e presidente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), tendo sido ministro do trabalho de Vargas (1953-1954). Sua atuação neste período o marcou como um político de tendências ideológicas de esquerda, como um agitador que propiciou greves e participação de líderes esquerdistas e comunistas nos sindicatos, sendo identificado por parte da elite política brasileira como sem capacidade para governar o país ( Abreu, 2005Abreu, A, A. (2005). A imprensa e a queda do governo de João Goulart. In A. Bragança & S. V. Moreira (Orgs.). Comunicação, acontecimento e memória. São Paulo: Intercom. ). É consensual entre os historiadores que nesse período a maior parte dos jornais do país se posicionou a favor do afastamento de João Goulart e, consequentemente, a favor do golpe. O foco dos jornais estava em mostrar que, ao afastá-lo a ordem seria restaurada e se preservaria o país do comunismo, da subversão de valores e de uma suposta ditadura de esquerda ( Biroli, 2009Biroli, F. (2009). Representações do golpe de 1964 e da ditadura na mídia. Sentidos e silenciamentos na atribuição de papéis à imprensa, 1984-2004. Varia Historia, 25(41), 269-291. ; Santos & Costa, 2019Santos, C. A. S. & Costa, A. S. M. (2019). Imprensa, discurso ideológico e golpe de Estado: uma análise crítica do discurso. Revista Eletrônica de Ciência Administrativa, 18(3), 371-393. ; 2021).

Ao lado dos militares, os empresários se integraram à coalizão conservadora que conduziu o movimento pela destituição do presidente constitucional ( Diniz, 1994Diniz, E. (1994). Empresariado, regime autoritário e modernização capitalista: 1964-85. In G. A. D. Soares & M. C. D’Araújo (Orgs.). 21 anos do regime militar: balanços e perspectivas (pp. 198-231). Rio de Janeiro: FGV. ). A natureza empresarial-militar desta aliança golpista ocorreu pelo interesse de se preservar a ordem capitalista no país diante das supostas ameaças comunistas e ajustar o sistema estatal à dinâmica do capitalismo mundial ( Lemos, 2016Lemos, R. L. C. N. (2016). O complexo industrial-militar e o Estado brasileiro (1964-1967). In Anais 9º Simpósio Nacional Estado e Poder: Gramsci e a Pesquisa Histórica, Niterói, RJ, Brasil, 9º. ). De forma geral, a grande imprensa se opunha às mobilizações de massa e às pretendidas reformas de base propostas por Goulart, como a reforma agrária e a sindicalização de militares ( Abreu, 2005Abreu, A, A. (2005). A imprensa e a queda do governo de João Goulart. In A. Bragança & S. V. Moreira (Orgs.). Comunicação, acontecimento e memória. São Paulo: Intercom. ). Este panorama aponta que, apesar da imprensa se colocar na função de porta-voz do povo, ela é um “ator social e político, porém com um viés econômico que lhe determina os objetivos, metas, visando lucros financeiros para aumentar a renda” ( Santos, 2019Santos, D. E. R. (2019). A atuação da imprensa no contexto ditatorial. In A. R. V. V. Pereira, A. R. O. Pelegrine, D. L. R. Almeida, M. G. Damartini, M. L. Martins, P. E. Fagundes, R. G. Britto (Orgs.). Das utopias ao autoritarismo: historiografia, memória e cultura (pp. 67-84). Serra: Milfontes. , p. 69).

Para Abreu (2005)Abreu, A, A. (2005). A imprensa e a queda do governo de João Goulart. In A. Bragança & S. V. Moreira (Orgs.). Comunicação, acontecimento e memória. São Paulo: Intercom. , a sequência de greves, as fortes críticas à política econômica do governo juntamente com a mobilização dos grupos de esquerda e de direita e a revolta dos sargentos permitiram a manifestação de um clima de grande instabilidade política e econômica do país. Os jornais, que até então defendiam a manutenção do regime constitucional, passaram a pedir intervenção das Forças Armadas, intensificando as notícias sobre o tema da “comunização” do país ( Abreu, 2005Abreu, A, A. (2005). A imprensa e a queda do governo de João Goulart. In A. Bragança & S. V. Moreira (Orgs.). Comunicação, acontecimento e memória. São Paulo: Intercom. ). A posse do general Castello Branco era o

prelúdio de uma completa mudança no sistema político, moldada através da colaboração ativa entre militares e setores civis interessados em implantar um projeto de modernização impulsionado pela industrialização e pelo crescimento econômico, e sustentado por um formato abertamente ditatorial. ( Schwarcz & Starling, 2015Schwarcz, L. M., Starling, H. M. (2015). Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia de Letras. , p. 449)

Após o golpe de 1964, a ditadura civil-militar brasileira caminhou em paralelo ao processo de modernização da grande imprensa no país ( Abreu, 2005Abreu, A, A. (2005). A imprensa e a queda do governo de João Goulart. In A. Bragança & S. V. Moreira (Orgs.). Comunicação, acontecimento e memória. São Paulo: Intercom. ; Dias, 2012Dias, A. B. (2012). O presente da memória: usos do passado e as (re)construções de identidade da Folha de S. Paulo, entre o 'golpe de 1964' e a 'ditabranda'. Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil. ), no qual o governo militar assumiu um papel de importante aliado, tanto como financiador de linhas de crédito, quanto como na forma de principal anunciante. Mas não se tratava de uma relação de mão única, pelo contrário: “a ideia de uma ‘modernização’ da imprensa era de extrema importância enquanto estratégia político-ideológica dos militares para garantir uma conjuntura de segurança nacional” ( Dias, 2012Dias, A. B. (2012). O presente da memória: usos do passado e as (re)construções de identidade da Folha de S. Paulo, entre o 'golpe de 1964' e a 'ditabranda'. Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil. , p. 45). Assim, a imprensa atuava com forte empenho na propagação dos preceitos “nacionais” e “democráticos”, pelo estabelecimento da “ordem” e da “legalidade”, tendo sido peça-chave no combate contra o fantasma do comunismo.

Dessa forma, é possível identificar que a atuação da imprensa como apoiadora do golpe de 1964 está retratada por grande parte da historiografia sobre a imprensa brasileira. No entanto, este apoio não ocorreu sempre de forma homogênea, simultânea e convergente entre os diferentes jornais do período ( Carvalho, 2015Carvalho, A. (2015). “Contando a história” da ditadura civil-militar: a grande imprensa e a construção da memória do Brasil democrático. In S. V. Quadrat & D. Rollemberg (Orgs.). História e memória das ditaduras do século XX, V.1 (pp. 394-424). Rio de Janeiro: FGV. ). Após o golpe, os jornais sofreram influência do Estado tanto de ordem financeira (com vantagens ou publicidade oficial) quanto por ameaças ou ações coercitivas. Quando o regime militar “adotou medidas para cercear a imprensa e agrediu os valores liberais tradicionais (opinião, manifestação, garantias individuais), a maioria dos veículos jornalísticos mostrou-se descontente” ( Motta, 2013Motta, R. P. S. (2013). A Ditadura nas representações verbais e visuais da grande imprensa: 1964-1969. Topoi. Revista de História, 14(26), 62-85. , p. 68).

Em sua periodização, Napolitano (2015)Napolitano, M. (2015). Recordar é vencer: as dinâmicas e vicissitudes da construção da memória sobre o regime militar brasileiro. Antíteses, 8(15), 9-45. resgata quatro fases de construções e reconstruções históricas sobre o período ditatorial. Para o autor, a primeira fase (1964-1974) é marcada pelas experiências que serviram para as reconstruções posteriores no campo da memória, tais como o golpe, a censura e os métodos repressivos pós-AI-5. A segunda fase (1974-1994) é por ele chamada como a fase de construção da memória crítica, como resultado de “um processo complexo e multifacetado de revisão e de construção de novos sentidos para as experiências do período anterior pelos protagonistas e analistas” ( Napolitano, 2015Napolitano, M. (2015). Recordar é vencer: as dinâmicas e vicissitudes da construção da memória sobre o regime militar brasileiro. Antíteses, 8(15), 9-45. , p. 21). Em meados dos anos 1970, por exemplo, surgiu um movimento editorial oposicionista, sendo “lançados livros de parlamentares de oposição, depoimentos de exilados e ex-presos políticos, livros e romances-reportagem, memórias e outras obras de denúncia contra o governo” ( Bauer, 2022Bauer, C. S. (2022). A mobilização do relatório Brasil: Nunca Mais nas sugestões encaminhadas pela população à Assembleia Nacional Constituinte. Varia Historia, 38(76), 227-259. , p. 235). No final dos anos 1970, grupos sociais se mobilizavam para pensar, repensar e responsabilizar as violências perpetradas pela ditadura, ocorrendo uma série de iniciativas para construir um conhecimento social sobre o terrorismo de Estado, enfrentando o negacionismo e o silenciamento do regime ( Bauer, 2022Bauer, C. S. (2022). A mobilização do relatório Brasil: Nunca Mais nas sugestões encaminhadas pela população à Assembleia Nacional Constituinte. Varia Historia, 38(76), 227-259. ).

O debate destes temas só ocorreu por conta de uma conjuntura de transformações políticas e sociais que o tornou possível. O início do governo Geisel (1974-1979) e suas promessas de liberalização se articulou à percepção desses grupos de que o país havia entrado em uma espiral de violência arrastando todos os atores políticos e a sociedade civil ( Napolitano, 2015Napolitano, M. (2015). Recordar é vencer: as dinâmicas e vicissitudes da construção da memória sobre o regime militar brasileiro. Antíteses, 8(15), 9-45. ). No final dos anos 1980, a Assembleia Nacional Constituinte é instituída, abrindo espaço para a discussão de temáticas concernentes à ditadura e ao terrorismo de Estado, principalmente, “quando se discutiram seções da constituição que poderiam demarcar uma ruptura com a ordem ditatorial precedente” ( Bauer, 2022Bauer, C. S. (2022). A mobilização do relatório Brasil: Nunca Mais nas sugestões encaminhadas pela população à Assembleia Nacional Constituinte. Varia Historia, 38(76), 227-259. , p. 235).

A terceira fase (1995-2004) é compreendida como um período em que esta memória hegemônica crítica influencia as políticas do Estado brasileiro pós-ditadura. A partir dos anos 1990, o Estado passa a desenvolver uma política de memória, “ainda que tímida, pontual e um tanto desencontrada, calcada na memória das vítimas das violências do regime que se tornou mais explícita e normatizada a partir de 1995” ( Napolitano, 2015Napolitano, M. (2015). Recordar é vencer: as dinâmicas e vicissitudes da construção da memória sobre o regime militar brasileiro. Antíteses, 8(15), 9-45. , p. 25). Ainda de acordo com o autor, a partir deste momento, o Estado se pautou por uma política de reparações e de recuperação das histórias de vida das vítimas da violência do regime militar, ao mesmo tempo em que promoveu ações institucionais e simbólicas situadas no campo da memória hegemônica crítica à ditadura.

A quarta e última fase (2003-2014) da memória social acerca do regime militar é apontada pelo autor como uma das mais ricas e complexas, marcada por revisionismos ideológicos e historiográficos. Coincidindo com os governos de Luís Inácio Lula da Silva e de Dilma Roussef, Napolitano (2015)Napolitano, M. (2015). Recordar é vencer: as dinâmicas e vicissitudes da construção da memória sobre o regime militar brasileiro. Antíteses, 8(15), 9-45. ressalta dois movimentos dicotômicos. Por um lado, a política de memória do Estado, calcada na memória hegemônica crítica ao regime militar e, de outro, no plano da sociedade civil, o crescimento do revisionismo, em alguns casos partilhado por historiadores reconhecidos e de viés progressista. Cabe salientar que os estudos da memória social podem ser compreendidos como um campo de pesquisa que discute como o passado é lembrado e continua a influenciar o presente ( Foroughi, 2020Foroughi, H. (2020). Collective Memories as a Vehicle of Fantasy and Identification: Founding stories retold. Organization Studies, 41(10), 1347–1367. https://doi.org/10.1177/0170840619844286.
https://doi.org/10.1177/0170840619844286...
). De acordo com o autor, essas memórias são moldadas e sustentadas por diferentes práticas culturais ou produtos mnemônicos como histórias, monumentos e memoriais que são utilizados para manter uma versão do passado.

Neste contexto, em 2012, é instaurada a Comissão Nacional da Verdade (CNV). Sua missão era esclarecer “fatos ainda obscuros ligados sobretudo à repressão política contra opositores e produzir uma espécie de história oficial do período a partir da perspectiva de uma democracia golpeada” ( Napolitano, 2015Napolitano, M. (2015). Recordar é vencer: as dinâmicas e vicissitudes da construção da memória sobre o regime militar brasileiro. Antíteses, 8(15), 9-45. , p. 25). Tardiamente constituída, ao mesmo tempo em que investigou as autorias destas violações, buscou identificar as estruturas do regime ditatorial, tais como suas instituições políticas, empresariais e financeiras ( Costa & Silva, 2018Costa, A. S. M. & Silva, M. A. C. (2018). Empresas, violação dos direitos humanos e ditadura civil-militar brasileira: a perspectiva da Comissão Nacional da Verdade. Organizações & Sociedade, 25(84), 15-29. ). Em dezembro de 2014, foi publicado o extenso relatório elaborado por esta comissão, apontando para uma série de ações simbólicas que “sinalizam o triunfo da memória hegemônica crítica no plano do discurso oficial, embora seu resultado não tenha agradado plenamente as organizações de direitos humanos mais combativas” ( Napolitano, 2015, pNapolitano, M. (2015). Recordar é vencer: as dinâmicas e vicissitudes da construção da memória sobre o regime militar brasileiro. Antíteses, 8(15), 9-45. , p. 25).

Nesta conjuntura, não é por acaso que os jornais começam com este movimento de mea-culpa. Depois de todo o processo de reabertura democrática, a discussão em torno da Assembleia Nacional Constituinte e, mais recentemente, a constituição da Comissão Nacional da Verdade, na busca por uma responsabilização pelos atos, crimes, apoio e colaboração com o regime ditatorial, demonstra para os jornais uma demanda social: de que as empresas se posicionem frente ao seu passado colaboracionista. Por ocasião dos 50 anos do golpe de 1964, Napolitano (2015)Napolitano, M. (2015). Recordar é vencer: as dinâmicas e vicissitudes da construção da memória sobre o regime militar brasileiro. Antíteses, 8(15), 9-45. aponta que, a sociedade brasileira pareceu estar vivendo uma “febre memorialística” em torno do regime militar, incluindo as empresas jornalísticas que, diante desta mudança do contexto, adaptaram seu discurso frente às novas demandas sociais.

Análise do editorial “1964”

O Editorial “1964” foi publicado no dia 30 de março de 2014, nas vésperas do aniversário de cinquenta anos do golpe. Neste período, no governo de Dilma Roussef (2011-2016), a Comissão Nacional da Verdade (CNV) investigava os crimes e as violações aos direitos humanos, com ênfase principal nos vinte e um anos da ditadura brasileira (1964-1985), conforme Costa & Silva (2018)Costa, A. S. M. & Silva, M. A. C. (2018). Empresas, violação dos direitos humanos e ditadura civil-militar brasileira: a perspectiva da Comissão Nacional da Verdade. Organizações & Sociedade, 25(84), 15-29. . A CNV, criada pela Lei 12.528/2011 e instituída em 16 de maio de 2012, publicou seu Relatório Final em dezembro de 2014, tendo provocado uma série de debates envolvendo diferentes setores da sociedade. Tais debates ampliaram as discussões acerca da relação entre a ditadura e o empresariado, que pode ser compreendido também como um desdobramento do processo de abertura dos arquivos da repressão, até então sigilosos ( Estevez & Bandeira, 2014)Estevez, A. & Bandeira, F. (2014). A ditadura militar como tema: uma radiografia da produção acadêmica sobre o regime. In I. Thiesen (Org.). Documentos sensíveis: informação, arquivo e verdade na Ditadura de 1964 (pp. 105-129). Rio de Janeiro: Letras. . Nesta ocasião, os jornais buscaram justificar suas atuações no passado, assim como a Folha de S. Paulo no editorial analisado.

A partir do exame deste editorial, foram identificados três macrotópicos dicotômicos: 1) apoio à ditadura militar como erro versus apoio como longo e doloroso aprendizado, 2) violências do regime versus realizações econômicas, e 3) disputa entre dois modelos de sociedade: socialismo revolucionário versus economia de mercado. Ao analisá-los, foi possível atestar que o jornal empregou estratégias discursivas de predicação, argumentação, perspectiva, intensificação e mitigação nesta reconstrução do passado para: a) invisibilizar os problemas causados pelo regime militar; b) enfatizar o crescimento econômico vivenciado pelo país no período; e c) justificar suas ações atrelando-as ao contexto da época, como será discutido a seguir. Para possibilitar um entendimento mais amplo com relação a análise realizada, serão apresentados todos os trechos do editorial, agrupados de acordo com os macrotópicos destacados.

Apoio à ditadura militar como erro versus longo e doloroso aprendizado

Às vezes se cobra, desta Folha, ter apoiado a ditadura durante a primeira metade de sua vigência, tornando-se um dos veículos mais críticos na metade seguinte. Não há dúvidas de que, aos olhos de hoje, aquele apoio foi um erro . (Folha de S. Paulo, 30/03/2014)

O jornal abre o editorial circunscrevendo a decisão que por eles foi tomada como tendo sido resultado de um período com condições adversas: “Aos olhos de hoje, apoiar a ditadura militar foi um erro , mas as opções de então se deram em condições bem mais adversas que as atuais”. O jornal explicitamente circunscreve o apoio apenas à primeira metade do regime, criando um interdiscurso de combatividade, uma vez que assume que na segunda metade atuou como “um dos veículos mais críticos”. Apresenta, assim, estratégias de intensificação do contexto de opressão, o que sugere poucas alternativas de ação disponíveis senão o apoio que a empresa tinha na época, e de mitigação, como forma de apagamento da escolha de apoiar à ditadura pelo menos em parte do período. Essa estratégia discursiva minimiza a aproximação empresarial-militar que desencadeou o golpe ( Lemos, 2016Lemos, R. L. C. N. (2016). O complexo industrial-militar e o Estado brasileiro (1964-1967). In Anais 9º Simpósio Nacional Estado e Poder: Gramsci e a Pesquisa Histórica, Niterói, RJ, Brasil, 9º. ) ao ocultar, por exemplo, os ganhos que as empresas ligadas ao governo militar tiveram na época ( Dreifuss, 1981Dreifuss, R. A. (1981). A conquista do Estado. Petrópolis: Vozes. ), um silêncio conveniente e conivente. Como se pode observar no trecho a seguir, a Folha defende que agiu “como lhes pareceu melhor ou inevitável naquelas circunstâncias”:

Este jornal deveria ter rechaçado toda violência, de ambos os lados, mantendo-se um defensor intransigente da democracia e das liberdades individuais. É fácil, porém, condenar agora os responsáveis pelas opções daqueles tempos, exercidas em condições tão mais adversas e angustiosas que as atuais. Agiram como lhes pareceu melhor ou inevitável naquelas circunstâncias. (Folha de S. Paulo, 30/03/2014)

Neste trecho, a Folha de S. Paulo defende ser neste momento fácil “condenar agora os responsáveis pelas opções daqueles tempos”, referindo-se às cobranças dirigidas à empresa. Mais uma vez faz uso de estratégias de mitigação e de intensificação. Mitigação ao afirmar que o apoio à ditadura foi um erro – mas apenas aos olhos de hoje; intensificação ao explicitar que as condições adversas, que a levaram a agir de forma inevitável. Tendo em vista que a Folha apoiou o golpe, colaborou com o regime militar, mas passou a ser identificada como um jornal de resistência e uma porta-voz da sociedade civil no período de redemocratização ( Dias, 2012Dias, A. B. (2012). O presente da memória: usos do passado e as (re)construções de identidade da Folha de S. Paulo, entre o 'golpe de 1964' e a 'ditabranda'. Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil. ), o editorial põe em evidência esta discussão produzindo um discurso de que não obstante este apoio pontual é “um jornal a serviço do país”. Cabe salientar que esse slogan era utilizado pelo jornal desde 1961. Entretanto, em seu editorial “Democracia, nunca menos”, publicado no dia 28 de junho de 2020, o jornal informou que passaria a adotar o slogan “um jornal a serviço da democracia” temporariamente até as próximas eleições presidenciais, tendo em vista suas críticas ao último governo. Nele, o jornal afirma buscar “inspiração no seu papel histórico nas Diretas Já para resgatar a cor amarela como símbolo da democracia” (Folha de S. Paulo, 28/03/2020). O jornal retomou seu tradicional slogan após as eleições de 2022 em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito. Todavia, ao longo do editorial, a colaboração do jornal com o regime ditatorial, inclusive no empréstimo de sua frota de carros aos agentes de repressão ( Dias et al., 2014Dias, J. C., Cavalcanti Filho, J. P., Kehl, M. R., Pinheiro, P. S., Dallaro, P. B. A., Cunha, R. M. C. (2014). Mortos e desaparecidos políticos (Relatório da Comissão Nacional da Verdade, CNV, v. III). Brasília: CNV. ), não é evidenciada. Em contrapartida, traz a narrativa de um aprendizado com o passado, como se observa no trecho a seguir:

Visto em perspectiva, o período foi um longo e doloroso aprendizado para todos os que atuam no espaço público, até atingirem a atual maturidade no respeito comum às regras e na renúncia à violência como forma de lutar por ideias. Que continue sendo assim. (Folha de S. Paulo, 30/03/2014)

O editorial utiliza a estratégia de perspectiva ao mostrar como a Folha de S. Paulo encara este passado como um período de “longo e doloroso aprendizado ”, o que lhe trouxe maturidade, acrescentando que deseja “que continue sendo assim”. Nesta reconstrução do passado, ao mesmo tempo em que discursivamente silencia sobre os efeitos causados pelos governantes militares nos anos de ditadura, minimizando-os, deles tira um aprendizado enquanto organização a serviço da sociedade. Mas a custa de que? Os equívocos militares são associados no editorial ao potencial de crescimento econômico “possibilitado” por este regime, um subterfúgio comum entre os apoiadores da ditadura, como será observado a seguir.

Violências do regime versus realizações econômicas

O regime militar (1964-1985) tem sido alvo de merecido e generalizado repúdio. A consolidação da democracia, nas últimas três décadas, torna ainda mais notória a violência que a ditadura representou. Violência contra a população, privada do direito elementar ao autogoverno. E violência contra os opositores, perseguidos por mero delito de opinião, quando não presos ilegalmente e torturados, sobretudo no período de combate à guerrilha, entre 1969 e 1974. (Folha de S. Paulo, 30/03/2014)

No trecho acima, o jornal apresenta o regime militar como alvo merecido de repúdio. Para tanto, destaca o aspecto da violência exercida no regime ditatorial. De forma a salientar seu repúdio à estas ações do governo ditatorial, o jornal enuncia, três vezes no mesmo parágrafo, o termo violência: “notória violência”, “violência contra a população” e “violência contra opositores”. Desse modo, o jornal utiliza a estratégia de predicação ao avaliar o período como digno de repulsa. Todavia, apesar de se posicionar no editorial contra a violência exercida pelo governo no período, a Folha não se retrata por seus vínculos colaborativos – à época – com agentes de repressão (Dias et al ., 2014). Ao mesmo tempo, utiliza a estratégia de argumentação afirmando que no caso da economia , não houve retrocesso na ditadura:

Isso não significa que todas as críticas à ditadura tenham fundamento. Realizações de cunho econômico e estrutural desmentem a noção de um período de estagnação ou retrocesso. Em 20 anos, a economia cresceu três vezes e meia. O produto nacional per capita mais do que dobrou. A infraestrutura de transporte e comunicações se ampliou e se modernizou. A inflação, na maior parte do tempo, manteve-se baixa. Todas as camadas sociais progrediram, embora de forma desigual, o que acentuou a iniquidade. Mesmo assim, um dado social revelador como a baixa taxa de mortalidade infantil a cada mil nascimentos, que era 116 em 1965, caiu a 63 em 1985 (e melhorou cada vez mais até chegar a 15,3 em 2011). No atendimento às demandas de saúde e educação, contudo, a ditadura ficou aquém de seu desempenho econômico. (Folha de S. Paulo, 30/03/2014)

Como observado no trecho acima, o jornal argumenta que a infraestrutura de transporte e comunicações se ampliou, a inflação manteve-se baixa, a taxa de mortalidade infantil caiu, a economia se diversificou, a sociedade se urbanizou e as metrópoles cresceram. A Folha enfatiza ainda que “todas as camadas sociais progrediram” e entre todos os aspectos citados no editorial, o jornal escolhe trazer como dado a baixa taxa de mortalidade infantil no período. Essa construção narrativa do jornal de apoio a um modelo específico de capitalismo, demonstra o que Dreifuss (1981)Dreifuss, R. A. (1981). A conquista do Estado. Petrópolis: Vozes. já apontava sobre a aliança de dependência mútua entre o Estado e as empresas privadas no período, que tinha a intenção não apenas aprofundar o processo capitalista no país, mas, de inserir estes interesses empresariais no Estado, garantindo o controle da sociedade e da economia por parte desses grupos:

Sob um aspecto importante, 1964 não marca uma ruptura, mas o prosseguimento de um rumo anterior. Os governos militares consolidaram a política de substituição de importações, via proteção tarifária, que vinha sendo a principal alavancada da industrialização induzida pelo Estado e que permitiu, nos anos 70, instalar a indústria pesada no país. A economia se diversificou e a sociedade não apenas se urbanizou (metade dos brasileiros viva em cidades em 1964; duas décadas depois, eram mais de 70%), mas também se tornou mais dinâmica e complexa. Metrópoles cresceram de modo desorganizado, ensejando problemas agudos de circulação e segurança. O regime passou por fases diferente, desde o surto repressivo do primeiro ano e o interregno moderado que precedeu a ditadura desabrida, brutal, da passagem da década, até uma demorada abertura política, iniciada dez anos antes de sua extinção formal, em 1985. As crises do petróleo e da dívida externa desencadearam desarranjos na economia, logo trazidos em perda de apoio, inclusive eleitoral. O regime se tornara estreito para uma sociedade que não cabia mais em seus limites. Dissolveu-se numa transição negociada da qual a anistia recíproca foi o alicerce. (Folha de S. Paulo, 30/03/2014)

Estes argumentos vão de encontro aos de Diniz (1994Diniz, E. (1994). Empresariado, regime autoritário e modernização capitalista: 1964-85. In G. A. D. Soares & M. C. D’Araújo (Orgs.). 21 anos do regime militar: balanços e perspectivas (pp. 198-231). Rio de Janeiro: FGV. , p. 203), de que o núcleo de interesses militar-empresarial “foi responsável pela implementação de um projeto de modernização capitalista, que levou o país ao aprofundamento do processo de industrialização”. Este modelo brasileiro, que durou mais de duas décadas, conseguiu fazer algumas mudanças nas estruturas sociais e, com as facilidades criadas pelos militares para os investimentos estrangeiros, a ditadura acabou por beneficiar-se com um crescimento econômico bastante elevado que ficou conhecido como “milagre econômico”. Nesse período, o Brasil foi o país subdesenvolvido que mais cresceu em todo o mundo. No entanto, por essa acumulação, a sociedade acabou pagando um preço muito alto, no início dos anos 70, este modelo de desenvolvimento começava a dar sinal de esgotamento (Sanguiné Junior, 1998). Schwarcz e Starling (2015Schwarcz, L. M., Starling, H. M. (2015). Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia de Letras. , p. 453), corroboram que “o crescimento da economia se fez acompanhar de um processo acentuado de concentração de renda, resultado de uma política salarial restritiva, em que os ganhos de produtividade não eram repassados para os trabalhadores”.

Tendo sido publicado em 2014, momento em que revisionismos ideológicos e historiográficos acerca da ditadura civil-militar estavam ocorrendo ( Napolitano, 2015Napolitano, M. (2015). Recordar é vencer: as dinâmicas e vicissitudes da construção da memória sobre o regime militar brasileiro. Antíteses, 8(15), 9-45. ), este editorial demonstra a preocupação da Folha de S. Paulo em apontar a relevância do período para o crescimento econômico do país, corroborando os argumentos utilizados pelas correntes que defendem a importância de ter ocorrido a ditadura no Brasil. O editorial desassocia a sociedade da economia ao enfatizar aspectos positivos do período como se não estivessem ligados à repressão de quaisquer manifestações que propugnassem a divergência de opiniões, e outras pautas prioritárias para o país, por exemplo. A economia, que dependia de arranjos institucionais que poderiam ser levados a cabo de forma unilateral por um governo centralizador e autoritário, foi o mote perfeito para ser explorado como um grande trunfo do período, com o acobertamento dos graves atentados aos direitos humanos. Por outro lado, ao apontar a violência ocorrida no período, o jornal demonstra reconhecer a memória hegemônica crítica ao regime militar ( Napolitano, 2015Napolitano, M. (2015). Recordar é vencer: as dinâmicas e vicissitudes da construção da memória sobre o regime militar brasileiro. Antíteses, 8(15), 9-45. ) e concordar com ela em certos termos, ainda que a ênfase aos ganhos econômicos reforce o imaginário de que a violência na sociedade foi “compensada” pelos avanços da economia, interdiscurso até hoje em vigor em muitos segmentos do país, e reforçado pela ideia de disputa entre o socialismo e o capitalismo.

Disputa entre dois modelos de sociedade: socialismo revolucionário versus economia de mercado

Aquela foi uma era de feroz confronto entre dois modelos de sociedade – o socialismo revolucionário e a economia de mercado. Polarizadas, as forças engajadas em cada lado sabotavam as fórmulas intermediárias e a própria confiança na solução pacífica das divergências, essencial à democracia representativa. (Folha de S. Paulo, 30/03/2014)

De modo a justificar o apoio dado ao regime, o editorial evoca dois modelos de sociedade em disputa, conforme pode ser observado no trecho acima. Neste fragmento, o editorial narra o passado como um momento de forte confronto entre dois – e considerados únicos – modelos de sociedade. Utilizando a estratégia de argumentação, o jornal discorre que eram as forças polarizadas que sabotavam a democracia. Para isso, apresenta tanto os erros da “direita e parte dos liberais” quanto os erros da esquerda, se posicionando como uma organização que se afastava das duas perspectivas:

A direita e parte dos liberais violaram a ordem constitucional em 1964 e impuseram um governo ilegítimo. Alegavam fazer uma contrarrevolução, destinada a impedir seus adversários de implantar uma ditadura ainda pior, mas com isso detiveram todo um impulso de mudança e participação social. Parte da esquerda forçou os limites da legalidade na urgência de realizar, no começo dos anos 60, reformas que tinham muito de demagógico. Logo após 1964, quando a ditadura ainda se continha em certas balizas, grupos militarizados desencadearam uma luta armada dedicada a instalar, precisamente como eram acusados pelos adversários, uma ditadura comunista no país. As responsabilidades pela espiral de violência se distribuem, assim, pelos dois extremos, mas não igualmente: a maior parcela de culpa cabe ao lado que impôs a lei do mais forte, e o pior crime foi cometido por aqueles que fizeram da tortura uma política clandestina de Estado. (Folha de S. Paulo, 30/03/2014)

De acordo com o jornal, por um lado a direita impôs um governo ilegítimo e por outro, a esquerda forçou os limites da legalidade. É possível observar que o discurso remonta a ações da direita como uma resposta às ações da esquerda, reforçando a justificativa dos jornais de que o golpe de 1964 foi a única resposta possível a “comunização” do país ( Santos & Costa, 2021Santos, C. A. S. & Costa, A. S. M. (2021). A construção metafórica do Golpe de 1964: uma análise discursiva dos editoriais do jornal Folha de São Paulo. Revista ADM.Made, 25(1), 81-103. ). Isso porque, quando Goulart começou a promover comícios nas principais cidades do país para mobilizar a população a favor das reformas de base, a relação entre o comício e o comunismo foi estabelecida pelos jornais ( Abreu, 2005)Abreu, A, A. (2005). A imprensa e a queda do governo de João Goulart. In A. Bragança & S. V. Moreira (Orgs.). Comunicação, acontecimento e memória. São Paulo: Intercom. . O editorial reforça ainda que a responsabilidade pela violência é de ambos os extremos, mas não igualmente: a culpa maior é responsabilidade do governo militar, que fez “da tortura uma política clandestina de Estado”.

Mais uma vez, o editorial é reticente a respeito da contribuição da empresa ao regime que se instalou no país por igualar os dois lados e criar uma justificativa de que a violência governamental era uma resposta à tentativa da esquerda de “tomar o país” ( Vasconcelos, 2013Vasconcelos, C. B. (2013). Os militares e a legitimidade do regime ditatorial (1964-1968): a preservação do Legislativo. Varia Historia, 29(49), 333-358. ). Não se trata apenas de uma narrativa convenientemente fantasiosa, porque o governo nunca foi ameaçado de fato, mas que também criou uma explicação relativamente válida para sustentar quaisquer iniciativas de manutenção da ordem, mesmo que elas implicassem em supressão de direitos. Há uma assimetria considerável entre as ações da direita e da esquerda, inclusive no que se refere à violência, mas o editorial as equipara e, ao pretensamente se posicionar de forma crítica sobre ambos os lados no período, na verdade lava as mãos quanto a um período para o qual terminou contribuindo ao não se posicionar contra o terror vigente.

Retomando as questões centrais

A partir desta análise foi possível responder às cinco questões centrais da AHD ( Reisigl & Wodak, 2008Reisigl, M. & Wodak, R. (2008). The Discourse-Historical Approach (DHA). In R. Wodak & M. Meyer (Eds.). Methods of critical discourse analysis (2nd ed) (pp. 87-121). New Delhi: Sage. ), a saber: 1) Como são nomeados linguisticamente; 2) Quais características ou qualidade são atribuídas; 3) Que argumentos são empregados; 4) De que perspectiva esses argumentos são empregados; e 5) Os enunciados são intensificados ou atenuados, para os três macrotópicos dicotômicos identificados no editorial.

No que diz respeito ao macrotópico de apoio à ditadura, é possível observar que a Folha de S. Paulo constrói essa ação de duas formas: como erro e como longo e doloroso aprendizado. Sendo nomeado linguisticamente enquanto erro, o jornal caracteriza seu apoio como circunscrito temporalmente, utilizando o argumento de que as decisões foram tomadas sob condições adversas, mea culpa somente após cinquenta anos da tomada de poder pelos militares, sendo o apoio ao golpe reconhecido como erro, mas atenuado considerando o aprendizado que este apoio trouxe ao jornal. Por outro lado, sendo linguisticamente enunciado enquanto aprendizado, o apoio a ditadura, caracterizado como longo e doloroso, trouxe maturidade para o jornal, na perspectiva de uma empresa que atua no espaço público, e que culminou com a Folha se tornando uma porta-voz da sociedade civil no período de redemocratização.

Concernente ao segundo macrotópico dicotômico identificado no editorial, é possível observar que o regime ditatorial é marcado por duas vertentes: violências e realizações econômicas. Sendo denominado como um período com pontos negativos, o jornal caracteriza a ditadura como um regime em que houve muitas violências, dignas de um merecido de repúdio. Deve ser destacado, porém, que tais argumentos são empregados por uma empresa que colaborou com a repressão do regime. Apesar disso, de modo a salientar seu repúdio a essas ações, a Folha intensifica o enunciado sobre as violências do regime no editorial, dissociando-as das realizações econômicas no período. Para tanto, o jornal utiliza o argumento de que nem todas as críticas ao regime têm fundamento, algo parcialmente explicado do ponto de vista de uma empresa que foi beneficiada pela relação empresarial-militar da ditadura. Assim, as realizações econômicas da ditadura são intensificadas pela Folha, ocupando parte significativa do editorial.

Por fim, o último macrotópico identificado e analisado no editorial “1964”, é a disputa entre socialismo revolucionário e economia de mercado. A direita é enunciada como economia de mercado, enquanto a esquerda, de socialismo revolucionário. Ambas são caracterizadas como modelos de sociedade e forças polarizadas que sabotavam a democracia. Para a primeira, é empregado o argumento de que ela impôs um governo ilegítimo; para a segunda, que ela forçou os limites da legalidade. Esses argumentos são usados na perspectiva de uma empresa que, independente da ordem vigente, modifica seu posicionamento político conforme seus interesses. Nessa conjuntura polarizada, a comparação é intensificada na medida em que busca argumentar que a ditadura é resultado do erro de ambos os modelos de sociedade. De modo a sintetizar as respostas às cinco questões centrais da AHD ( Reisigl & Wodak, 2008Reisigl, M. & Wodak, R. (2008). The Discourse-Historical Approach (DHA). In R. Wodak & M. Meyer (Eds.). Methods of critical discourse analysis (2nd ed) (pp. 87-121). New Delhi: Sage. ), a Tabela 4 foi elaborada.

Tabela 4
: Síntese das respostas às perguntas centrais na investigação em AHD

Conclusões

Este artigo teve por objetivo analisar, à luz da Abordagem Histórico-Discursiva, o Editorial “1964” da Folha de S. Paulo publicado no dia 30 de março de 2014, às vésperas do aniversário de cinquenta anos do golpe de 1964. Ao assim proceder, buscou contribuir com a discussão sobre discurso, mídia e história e destacar como os editoriais jornalísticos atuam discursivamente na sociedade: seja para apoiar e/ou legitimar um movimento social, seja para construir e reconstruir histórias empresariais ao longo do tempo. A partir da leitura e análise do editorial, foram identificados três macrotópicos dicotômicos: 1) apoio à ditadura militar como erro versus apoio como longo e doloroso aprendizado, 2) violências do regime versus realizações econômicas, e 3) disputa entre dois modelos de sociedade: socialismo revolucionário versus economia de mercado. Ao analisá-los, foi possível identificar que o jornal utiliza as estratégias discursivas de predicação, argumentação, perspectiva, intensificação e mitigação nesta reconstrução do passado para: invisibilizar os problemas causados pelo regime militar; enfatizar o crescimento econômico vivenciado pelo país no período e justificar suas ações atrelando-as ao contexto da época.

Foi possível observar ainda que a Folha de S. Paulo, por meio da construção deste editorial, escolheu o que evidenciar e o que silenciar sobre o período histórico reconstruído. Um exemplo está no fato de seu apoio ao governo ditatorial não ter sido descrito, apesar de o editorial ter iniciado seu discurso enunciando-o. Esta narrativa nos permite observar, por um lado, que o jornal se preocupa mais em mostrar a inexorabilidade de suas ações colaborativas com o governo militar em um contexto assumido como complexo e de posições extremas, algo de que ele teria sido uma espécie de vítima das circunstâncias. Por outro lado, o jornal dedica um significativo espaço de seu editorial para relatar as contribuições positivas do governo militar para a economia brasileira, sem evidenciar para o leitor, no entanto, o quanto o mesmo período foi financeiramente favorável para a empresa e tampouco que um elevado preço social e político foi pago na repressão violenta dos que não assentissem com aquela perspectiva.

Este trabalho contribui para o debate sobre como o passado das empresas afeta e/ou influencia o tempo presente. Uma vez que as narrativas históricas são espaços de disputas na construção de um passado dito oficial, esta (re)construção do passado pode ser identificada no caso do editorial analisado: o jornal problematiza a sua história e modifica seu discurso para permanecer atendendo a seus interesses particulares em novos contextos. Da mesma forma como foi conivente com a violência no período aos opositores da ditadura silenciando sobre o que acontecia, e ressaltando o “milagre brasileiro”, o que lhe garantiu ganhos econômicos e espaço no período, cinquenta anos depois, em um contexto social de repúdio ao golpe de 1964 e de severa investigação sobre o período da ditadura militar, a empresa jornalística sente-se “no dever” de também dar uma resposta à sociedade. Para isso, discursivamente assume seu erro como um processo longo e doloroso de aprendizagem – como se empresas que atuam no espaço público com a relevância de grandes jornais pudessem fazê-lo como pessoas comuns; reconhece o contexto de violência da ditadura, mas ao mesmo tempo em que destaca ganhos econômicos e estruturais do período, desassociando os dois aspectos, como se sociedade e economia não fizessem parte da mesma complexidade de um país; e, por fim, e não menos importante, acusa parte da direita e da esquerda do período como extremistas que terminaram por justificar as ações do governo militar, despolitizando de que lado o governo estava, e as fantasias em torno do socialismo que serviram para alimentar um fantasma que nunca existiu, e que serviu para a supressão de direitos de opositores à ditadura.

Dessarte, essa pesquisa contribui com a área de Estudos Organizacionais ao enfatizar a potencialidade da Abordagem Histórico-Discursiva de Ruth Wodak, como um modelo analítico para análise de editoriais. Tendo em vista que essa abordagem integra e triangula o conhecimento sobre as fontes históricas e os campos sociais e políticos nos quais os eventos discursivos estão inseridos (Wodak, 2009), a AHD fornece um veículo para analisar o poder e seus agentes potenciais. Além disso, por ser uma abordagem que pressupõe a centralidade do contexto, a AHD pode ser compreendida como uma teórico-metodologia potencial para os Estudos Organizacionais Históricos e para a Pesquisa Histórica em Administração que adote a análise crítica do discurso para análise de diferentes fontes.

A pesquisa oferece, ainda, indícios de que a articulação entre discurso, mídia e história possui grande potencial analítico para a compreensão da atuação político-discursiva das organizações na sociedade. Em especial por permitir cotejamentos entre fatos históricos e possibilidades de releituras a partir de enunciados discursivos que problematizam as formas pelas quais tais fatos se apresentam em termos de nomeação linguística de eventos, processos e ações, de aspectos atribuídos aos atores sociais, de argumentos empregados, de perspectivas assumidas, e de articulação dos enunciados em termos de intensificação ou de atenuação. Estes aspectos, questões centrais na investigação na perspectiva da abordagem histórico-discursiva ( Wodak, 2015Wodak, R. (2015). Critical discourse analysis, discourse‐historical approach. In K Tracy, C. Ilie, & T. Sandel (Eds.). The international encyclopedia of language and social interaction (pp. 1-14). London: John Wiley & Sons. ), endereçam uma agenda promissora que pode investir, para além da análise de textos pontuais, em necessários exames longitudinais que contemplem períodos mais longos, a fim de compreender a relação entre mudanças sociopolíticas, mídia e atuação discursiva de agentes sociais. Assim, tendo em vista o escopo da presente pesquisa, sugerimos dois caminhos importantes para pesquisas futuras: (1) a análise longitudinal dos editoriais memorialísticos da Folha de S.Paulo desde o ano seguinte ao golpe de 1964, para a compreensão das mudanças discursivas realizadas pelo jornal sobre o mesmo tema em contextos políticos, sociais e econômicos distintos e, (2) a análise comparativa dos editoriais publicados, no mesmo período, por outras empresas jornalísticas da grande imprensa de modo a compreender as aproximações e os afastamentos entre elas.

Agradecimentos

Os autores agradecem o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes) e aos editores e pareceristas anônimos da O&S pelos comentários.

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Notas

  • 1
    . Tradução nossa.
  • 2
    . Tradução nossa.
  • 3
    . Mídia é “um sistema cultural complexo. Por um lado esse sistema possui uma dimensão simbólica num constante jogo entre signos e sentidos –, que compreende a (re)construção, armazenamento, reprodução e circulação de produtos repletos de sentidos, tanto para quem os produziu (os media) como para quem os consome (leitores, espectadores, telespectadores etc.)” – Grifos do autor ( Medrado, 2000Medrado, B. (2000). Textos em cena: a mídia como prática discursiva. In M. J. Spink (Org.). Práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano: aproximações teóricas e metodológicas (pp. 243-271). São Paulo: Cortez. , p. 244).
  • 4
  • Linguagem inclusiva
    Os autores usam linguagem inclusiva que reconhece a diversidade, demonstra respeito por todas as pessoas, é sensível a diferenças e promove oportunidades iguais.
  • Verificação de plágio
    A O&S submete todos os documentos aprovados para a publicação à verificação de plágio, mediante o uso de ferramenta específica.
  • Disponibilidade de dados
    A O&S incentiva o compartilhamento de dados. Entretanto, por respeito a ditames éticos, não requer a divulgação de qualquer meio de identificação dos participantes de pesquisa, preservando plenamente sua privacidade. A prática do open data busca assegurar a transparência dos resultados da pesquisa, sem que seja revelada a identidade dos participantes da pesquisa.
Editora Associada: Josiane Silva de Oliveira

Disponibilidade de dados

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2024

Histórico

  • Recebido
    18 Out 2023
  • Aceito
    06 Dez 2023
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