Resumo
Ao considerar as muitas transformações sociais protagonizadas pela evolução tecnológica e a atual produção científica sobre o tema inclusão digital, esta pesquisa apresenta os bastidores do processo de inclusão digital, compreendendo a descrição do processo de aprendizagem sobre as tecnologias de informação e comunicação, a identificação de fatores que implicam no processo e a verificação dos efeitos individuais no processo de inclusão digital de adolescentes, jovens, adultos e idosos, no contexto de três ações de inclusão digital. Os resultados foram explorados a partir de um estudo etnográfico. Como evidências, destaca-se a inclusão digital como ferramenta para a inclusão social e o impacto dos efeitos sociais e afetivos na inclusão digital.
Palavras-chave:
Inclusão digital; Inclusão social; Afetividade; Sociabilidade; TICs
Abstract
When considering the many social changes lead by technological developments and the current scientific production regarding digital inclusion topic, this research presents the backstage of the digital inclusion process, comprising the description of the process of learning about information technology and communication, the identification of factors that involve in the process and the verification of the individual effects in the digital inclusion process of teenager, young, adults and elderly, in the context of three digital inclusion actions. Results were explored through an ethnographic study. As evidence, one can highlight the digital inclusion as a tool to provide social inclusion and affective and social impacts on digital inclusion.
Keywords:
Digital inclusion; Social inclusion; Affection; Sociability; CIT
Introdução
A disseminação desigual das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) pelo mundo resultou em uma agravante divisão de massas, a divisão digital, que cria uma nova classificação social: incluídos e excluídos digitais, baseado nos aspectos simplistas de acesso e familiaridades com recursos digitais (TEIXEIRA, 2001TEIXEIRA, A. C. Internet e democratização do conhecimento: repensando o processo de exclusão social. 2001. 132 p. Dissertação (Mestrado em Tecnologia de Informação)–Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, 2001.; BUCCI, 2009BUCCI, E. Cultura digital.br. In: SAVAZONI, R.; COHN, S. Cultura Digital.br. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2009. 315 p.). Quanto ao limite de acesso, no entendimento de Cubillos e Silva (2009)CUBILLOS, D. A. C. V.; SILVA, A. S. C. Inclusão digital: sistemas de engrenagens. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, p. 32-44, 2009., ocorre porque grande parte da população não pode pagar por ele, constituindo uma massa de excluídos. No que se refere à familiaridade, Silveira (2005)SILVEIRA, S. A. Exclusão digital: a miséria na era da informação. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2005. 48 p. e Madon et al. (2009)MADON, S. et al. Digital inclusion projects in developing countries: processes of institutionalization. Information Technology for Development, v. 15, n. 2, p. 95-107, 2009.afirmam que os diferentes níveis de conhecimento sobre as TICs podem ocorrer em virtude da capacidade de incorporações dos benefícios tecnológicos, resultantes de questões sociais, políticas, institucionais e culturais. Com o objetivo de suavizar a disparidade entre incluídos e excluídos digitais, foram criadas as políticas públicas de inclusão digital. Esses programas objetivam a construção do conhecimento sobre as TICs, transformando os indivíduos que dela participam em cidadãos conscientes de seus deveres e em busca de benefícios individuais e coletivos.
Sob as lentes de Demo (2005)DEMO, P. Inclusão digital: cada vez mais no centro da inclusão social. Inclusão Social, Brasília/CNPq, v. 1, n. 1, p. 36-39, 2005., o processo de inclusão na sociedade é bastante complexo, uma vez que não bastam mecanismos normatizadores de acesso a bens e serviços, é preciso considerar a utilização desses instrumentos para promover a transformação social, interferindo, de maneira positiva, no cotidiano dos indivíduos e potencializando mudanças significativas na vida daqueles que são foco do processo de inclusão digital (GRIEBLER; ROKOSKI; DALRI, 2010GRIEBLER, C. N.; ROKOSKI, M. C.; DALRI, M. T. Digital inclusion experience with visual handicapped. Revista de Novas Tecnologias na Educação, Rio Grande do Sul, v. 8, n. 2, 2010.). Para conceber esse trabalho, apropriei-me do conhecimento da antropóloga Rose Marie Muraro, autora que discute as mudanças assistidas pelos séculos XX e XXI. Na compreensão de Muraro (2009)MURARO, R. M. Os avanços tecnológicos e o futuro da humanidade: querendo ser Deus? Petrópolis: Vozes, 2009. 360 p., o século XX assistiu e o XXI está assistindo a mais fantástica revolução histórica da humanidade, que não se trata de uma revolução política, social ou econômica, mas sim de uma revolução humana, em sua totalidade, centrada no desenvolvimento da ciência e da tecnologia. De acordo com Castells e Cardoso (2005)CASTELLS, M.; CARDOSO, G. A sociedade em rede: do conhecimento à ação política. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2005. 439 p., as TICs surgiram nos anos 1960 e se difundiram de forma desigual pelo mundo todo.
A grande questão reside em como lidar com a exclusão digital em um país como o Brasil, que conta com altos índices de pobreza e analfabetismo. É certo que a pobreza e o analfabetismo se constituem como problemas que precisam ser sanados com urgência. Mesmo assim, não há como pensar a exclusão digital em segundo plano, visto que o desenvolvimento das tecnologias se dá cada vez mais rapidamente e o abismo existente entre incluídos e excluídos tende a aumentar (LEMOS, 2007LEMOS, A. Cidade digital. Portais, inclusão e redes no Brasil. Salvador: EDUFBA, 2007.).
A respeito das investigações sobre inclusão digital, os estudos bibliométricos de Notten et al. (2008)NOTTEN, N. et al. Research note: digital divide across borders – a cross-national study of adolescents' use of digital technologies. European Sociological Review, v. 25, n. 5, p. 551-560, 2008. e Löbler et al. (2011)LÖBLER, M. L. et al. Inclusão digital: mapeamento de publicações sobre o tema, na área de administração. Revista de Novas Tecnologias na Educação, Rio Grande do Sul, v. 8, n. 3, 2011. revelam uma lacuna acerca do processo de construção do conhecimento sobre as tecnologias digitais. Trata-se do processo de transformação de indivíduos considerados excluídos digitais para incluídos digitais, uma vez que os estudos exploram a inclusão digital de forma ampla e generalista. Considerando a existência dessa lacuna, busca-se neste trabalho compreender melhor o processo de apropriação de conhecimento sobre as TICs. Assim, o objetivo deste estudo é compreender como se dá o processo de inclusão digital, com os seguintes objetivos específicos: a) descrever o processo de aprendizagem sobre as TICs; b) identificar fatores que implicam no processo de inclusão digital; e c) verificar os efeitos individuais do processo de inclusão digital.
Dessa forma, esta pesquisa foi desenvolvida, inicialmente, buscando aprofundar teorizações concernentes à inclusão digital e aos efeitos sociais e afetivos dela. Em termos metodológicos, foi utilizada a etnografia, pois o intuito do estudo exigia uma pesquisa em profundidade, então, optou-se pela apresentação de vivências em propostas de aprendizado em informática, visando à inclusão digital. Finalmente, envolveu-se o trabalho na discussão dos achados em campo, com as teorias pertinentes. Acreditamos que as implicações sociais e afetivas apontadas nos resultados desse trabalho podem dar suporte a decisões acerca das políticas públicas de inclusão digital.
A inclusão digital
Com o objetivo de suavizar as disparidades entre aqueles com e sem acesso e familiaridade com as TICs, são desenvolvidas políticas públicas de inclusão digital, que, conforme Menezes (2006)MENEZES, E. C. P. Informática e educação inclusiva: discutindo limites e possibilidades. Santa Maria: Editora UFSM, 2006. 130 p., permitem que indivíduos ampliem sua capacidade de inclusão social a partir da inclusão digital. Para o desenvolvimento deste trabalho, consideramos como conceito de inclusão digital uma compilação proposta por Löbler et al. (2011)LÖBLER, M. L. et al. Inclusão digital: mapeamento de publicações sobre o tema, na área de administração. Revista de Novas Tecnologias na Educação, Rio Grande do Sul, v. 8, n. 3, 2011., que consideram o processo de inclusão digital dinâmico. Esse processo torna possível o acesso a TICs e a apropriação do conhecimento sobre tecnologias de informação e comunicação, para que o indivíduo possa desenvolver e aperfeiçoar habilidades capazes de propiciar autonomia sobre as ferramentas digitais e sua utilização crítica. É imprescindível, também, que o processo de inclusão digital possibilite o aprimoramento da interação, ou seja, atualização do conhecimento (LÖBLER et al., 2011LÖBLER, M. L. et al. Inclusão digital: mapeamento de publicações sobre o tema, na área de administração. Revista de Novas Tecnologias na Educação, Rio Grande do Sul, v. 8, n. 3, 2011.).
No que tange ao processo de inclusão digital proposto por políticas públicas, pode se originar na esfera pública ou em organizações do terceiro setor. Quanto àquelas propostas pela esfera pública, pode-se citar, resumidamente: os telecentros e telecentros educativos, nos quais há acesso gratuito a computadores conectados a internet e (em alguns casos) aulas de informática – telecentro educativo; as políticas públicas de subsídios, que facilitam a aquisição de computadores pela população; e a interação entre TICs e educação pública, sendo que essa, segundo Menezes (2006)MENEZES, E. C. P. Informática e educação inclusiva: discutindo limites e possibilidades. Santa Maria: Editora UFSM, 2006. 130 p., ainda apresenta inúmeros obstáculos para expansão e efetividade. Até 2013, o Governo Federal elaborou mais de 20 programas de inclusão digital. No que se refere às organizações não governamentais (ONG), geralmente, propõem acesso gratuito a computadores conectados à internet e aulas de informática.
O objetivo das políticas públicas de inclusão digital é a transformação de um indivíduo excluído digital para incluído digital. Trata-se de uma mudança de comportamento que ocorre no momento em que o indivíduo atinge um grau de capacitação para utilizar, processar e interagir com dados e informações, utilizando-se de recursos tecnológicos aliados ao desenvolvimento de competências nas áreas motora, cognitiva e afetiva (SANTOS, 2007SANTOS, D. B. Avaliação de habilidades de inclusão digital: uma proposta de instrumento de medida. 2007. 66 f. Monografia. Universidade de Brasília, Brasília, 2007.). Nesse sentido, Rebêlo (2005)REBÊLO, P. Inclusão digital: o que é e a quem se destina? Webinsider. 2005. Disponível em: <http://webinsider.com.br/2005/05/12/inclusao-digital-o-que-e-ea-quem-se-destina/>. Acesso em: nov. 2011.
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, Cusin e Vidotti (2009)CUSIN, C. A.; VIDOTTI, S. A. B. G. Inclusão digital via acessibilidade web. Laboratório interdisciplinar em informação e conhecimento em revista, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, p. 45-65, 2009. e Medeiros Neto e Miranda (2010)MEDEIROS NETO, B.; MIRANDA, A. L. C. Uso da tecnologia e acesso à informação pelos usuários do Urograma GESAC e de ações de inclusão digital do governo brasileiro. Inclusão Social, Brasília, v. 3, n. 2, p. 81-96, 2010. alertam que apenas fornecer acesso às TICs, seja por meio de provimento gratuito ou de oferta a preço mais acessível, não caracteriza inclusão digital. Para a efetividade de um projeto de inclusão digital, é necessário, além do acesso, apresentar e promover a interpretação dos benefícios individuais e coletivos proporcionados pelas novas tecnologias (REBÊLO, 2005REBÊLO, P. Inclusão digital: o que é e a quem se destina? Webinsider. 2005. Disponível em: <http://webinsider.com.br/2005/05/12/inclusao-digital-o-que-e-ea-quem-se-destina/>. Acesso em: nov. 2011.
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; AKHRAS, 2010AKHRAS, F. N. Inclusão digital contextualizada para a inclusão social de comunidades isoladas. Inclusão Social, Brasília, DF, v. 4, n. 1, p. 19-27, 2010.). Com relação ao Brasil, de acordo com as premissas gerais do documento oficial da Oficina para a Inclusão Digital: “A toda a população deve ser garantido o direito de acesso ao mundo digital, tanto no âmbito técnico/físico (sensibilização, contato e uso básico) quanto intelectual (educação, formação, geração de conhecimento, participação e criação)” (LEMOS, 2007LEMOS, A. Cidade digital. Portais, inclusão e redes no Brasil. Salvador: EDUFBA, 2007.).
As políticas públicas de inclusão digital são complexas e necessitam de grandes financiamentos, por causa da extensão territorial e carências sociais e educacionais brasileiras. Isso configura um grande desafio para a gestão pública, em relação à avaliação e ao acompanhamento dessas ações sociais (BRANDÃO, 2010BRANDÃO, M. Dimensões da inclusão digital. São Paulo: All Print, 2010. 73 p.; MEDEIROS NETO; MIRANDA, 2010MEDEIROS NETO, B.; MIRANDA, A. L. C. Uso da tecnologia e acesso à informação pelos usuários do Urograma GESAC e de ações de inclusão digital do governo brasileiro. Inclusão Social, Brasília, v. 3, n. 2, p. 81-96, 2010.). Visando atuar nessa lacuna de conhecimento, este trabalho apresenta como se dá o processo de inclusão digital em uma política pública. Desses resultados poderão ser extraídos potenciais indicadores de efetividade, além de retratar as dimensões que implicam no processo de inclusão digital.
Lemos (2007)LEMOS, A. Cidade digital. Portais, inclusão e redes no Brasil. Salvador: EDUFBA, 2007., após listar 49 projetos de inclusão digital no Brasil e analisar de maneira mais profunda 14 projetos da cidade de Salvador (BA), concluiu que os processos de apropriação criativa e autônoma das TICs ficam prejudicados pelo foco na dimensão tecnocrática. Essa dimensão pede por uma ação mais ampla. Não há também acompanhamento sistemático dos egressos, não permitindo ligar de forma causal a inclusão com empregabilidade. Entendemos que a inclusão digital seja impensável sem o capital técnico. Ele é condição sine qua non de destreza para com as TICs, mas é, também, incapaz de verdadeiramente incluir sozinho. Incluir digital e socialmente deve ser uma ação que ofereça ao indivíduo condições mínimas de autonomia e de habilidade cognitiva para compreender e agir na sociedade informacional contemporânea. Incluir é ter capacidade de livre apropriação dos meios. Trata-se de criar condições para o desenvolvimento de um pensamento crítico, autônomo e criativo em relação às novas tecnologias de comunicação e informação.
Bonilla e Pretto (2011)BONILLA, M. H. S.; PRETTO, N. de L. Inclusão digital: polêmica contemporânea. Salvador: EDUFBA, 2011. afirmam que, apesar do termo “inclusão digital” possuir um amplo poder de comunicação, é insuficiente para explicitar as potencialidades das TICs para a organização dos sujeitos em torno de seus objetivos e para a transformação social. No entanto, na falta de um termo que melhor expresse as potencialidades das TICs e que tenha força comunicacional, continuamos utilizando o popularizado “inclusão digital”, sem deixar de explicitar suas ambiguidades, contradições e implicações.
Inclusão digital: dimensões sociais e afetivas
A respeito das análises do processo de inclusão digital, devem ser considerados seus efeitos sociais. Demo (2005)DEMO, P. Inclusão digital: cada vez mais no centro da inclusão social. Inclusão Social, Brasília/CNPq, v. 1, n. 1, p. 36-39, 2005. problematiza os processos de inclusão na sociedade ao afirmar que não se deve analisar somente os mecanismos normatizadores de acesso a bens e serviços pela população. É preciso considerar como os excluídos estão sendo inseridos nos diversos espaços sociais, pois, por vezes, o acesso aos bens faz com que os indivíduos continuem marginalizados por não conseguirem utilizar esses instrumentos na transformação da realidade social em que vivem.
Nesse sentido, Harris, Kumar e Balaji (2003)HARRIS, R. W.; KUMAR, A.; BALAJI, V. Sustainable telecentres? Two cases from India. In: KRISHN, S.; MADON, S. (Ed.). The digital challenge: information technology in the development context. Aldershot: Ashgate Publishing, 2003. p. 124-125., Rebêlo (2005)REBÊLO, P. Inclusão digital: o que é e a quem se destina? Webinsider. 2005. Disponível em: <http://webinsider.com.br/2005/05/12/inclusao-digital-o-que-e-ea-quem-se-destina/>. Acesso em: nov. 2011.
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, Cusin e Vidotti (2009)CUSIN, C. A.; VIDOTTI, S. A. B. G. Inclusão digital via acessibilidade web. Laboratório interdisciplinar em informação e conhecimento em revista, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, p. 45-65, 2009., Akhras (2010)AKHRAS, F. N. Inclusão digital contextualizada para a inclusão social de comunidades isoladas. Inclusão Social, Brasília, DF, v. 4, n. 1, p. 19-27, 2010. e Medeiros Neto e Miranda (2010)MEDEIROS NETO, B.; MIRANDA, A. L. C. Uso da tecnologia e acesso à informação pelos usuários do Urograma GESAC e de ações de inclusão digital do governo brasileiro. Inclusão Social, Brasília, v. 3, n. 2, p. 81-96, 2010. afirmam que, além de prover à população o acesso as TICs, é necessário promover a interpretação dos benefícios individuais e coletivos proporcionados pelas tecnologias digitais, ou seja, é necessário promover acesso e aprendizado a respeito de tecnologias digitais. Segundo Freire (2011)FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011. 144 p., o conhecimento é capaz de transformar indivíduos em protagonistas sociais. Sendo assim, o acesso às TICs apresenta uma dimensão social, à medida que o conhecimento sobre as tecnologias digitais estimula interesses e aprendizagem tanto individual como coletivamente, interferindo, de maneira positiva, no cotidiano dos indivíduos e potencializando mudanças significativas na vida daqueles que são foco do processo de inclusão digital (GRIEBLER; ROKOSKI; DALRI, 2010GRIEBLER, C. N.; ROKOSKI, M. C.; DALRI, M. T. Digital inclusion experience with visual handicapped. Revista de Novas Tecnologias na Educação, Rio Grande do Sul, v. 8, n. 2, 2010.). Além disso, Marcon (2011)MARCON, K. Na outra ponta da rede: o interesse dos alunos por projetos de inclusão digital. Revista de Novas Tecnologias na Educação, Rio Grande do Sul, v. 10, n. 2, 2011., Griebler, Rokoski e Dalri (2010)GRIEBLER, C. N.; ROKOSKI, M. C.; DALRI, M. T. Digital inclusion experience with visual handicapped. Revista de Novas Tecnologias na Educação, Rio Grande do Sul, v. 8, n. 2, 2010., Wolf et al. (2010)WOLF, T. M. et al. O empoderamento de mulheres através da inclusão digital. Inclusão Social, Brasília, v. 3, n. 2, p. 106-122, 2010., Ordones, Yassuda e Cachioni (2011)ORDONES, T. N.; YASSUDA, M. S.; CACHIONI, M. Elderly online: effects of a digital inclusion program in cognitive performance. Archives of Gerontology and Geriatrics, v. 53, p. 216-219, 2011. destacam o aumento do nível de autoestima percebida naqueles que se tornam incluídos digitais, por meio da segurança frente à máquina, das novas expectativas quanto ao mercado de trabalho e da possibilidade de melhorias a respeito da qualidade de vida.
O processo de inclusão digital, além dessas dimensões sociais, que podem ser desenvolvidas como mecanismos de socialização, conforme discutem Montardo, Passerino e Bez (2008)MONTARDO, S. P.; PASSERINO, L. M.; BEZ, M. R. Acessibilidade digital em blogs: limites e possibilidades para socialização on-line de pessoas com necessidades especiais (PNE). Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación, v. 10, n. 1, p. 1-16, 2008. e Griebler, Rokoski e Dalri (2010)GRIEBLER, C. N.; ROKOSKI, M. C.; DALRI, M. T. Digital inclusion experience with visual handicapped. Revista de Novas Tecnologias na Educação, Rio Grande do Sul, v. 8, n. 2, 2010., também podem implicar efeitos afetivos entre os indivíduos que participam dessa dinâmica (XAVIER, 2007XAVIER, S. L. C. Afetividade e inclusão digital: um estudo de caso em uma universidade particular. Revista Digital, Rio Grande do Sul, v. 4, n. 3, p. 1-14, 2007.). Tal como no trabalho de Vianna e Lovisolo (2011)VIANNA, J. A.; LOVISOLO, H. R. A inclusão social através do esporte: a percepção dos educadores. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, São Paulo, v. 25, n. 2, p. 285-96, abr./jun. 2011., Maciel (2000)MACIEL, M. R. C. Portadores de deficiência: a questão da inclusão social. São Paulo em Perspectiva, v. 14, n. 2, p. 51-56, 2000. e Dayrell (2007)DAYRELL, J. A escola “faz” as juventudes? Reflexões em torno da socialização juvenil. Educação Social, Campinas, v. 28, n. 100, p. 1105-1128, 2007. Edição especial., nesta pesquisa, a socialização (positiva) foi entendida como sinônimo de inclusão social. Griebler, Rokoski e Dalri (2010) exploram como o processo de inclusão digital é uma experiência afetiva, pois, além da inclusão, possibilita a transformação subjetiva dos indivíduos nas relações com a sociedade, bem como no acesso aos bens e serviços disponibilizados por ela. A esse respeito, Freedman, Carlsmith e Sears (1970)FREEDMAN, J. L.; CARLSMITH, J. M.; SEARS, D. O. Psicologia social. São Paulo: Cultix, 1970. 487 p.elucidam a necessidade de o homem se agrupar, seja por causa do instinto, das características inatas, da aprendizagem, seja em razão da necessidade de afiliação. Sob as lentes dos autores, desde o homem de neanderthalus existia a busca pelo coletivo, quando caçavam em pequenos grupos, sendo o homo sapiens também gregário.
Xavier (2007)XAVIER, S. L. C. Afetividade e inclusão digital: um estudo de caso em uma universidade particular. Revista Digital, Rio Grande do Sul, v. 4, n. 3, p. 1-14, 2007. discute a afetividade nas relações entre participantes de um curso oferecido no ambiente digital, destacando o processo de responsabilidade compartilhada entre alunos e professores, especialmente no processo de aprendizagem. De acordo com Xavier (2007)XAVIER, S. L. C. Afetividade e inclusão digital: um estudo de caso em uma universidade particular. Revista Digital, Rio Grande do Sul, v. 4, n. 3, p. 1-14, 2007., no ambiente das TICs, além do ensino das técnicas de utilização das ferramentas digitais, é imprescindível reconhecer como são construídos mecanismos de superação de resistências frente à utilização da tecnologia, a exemplo do medo de “um click errado”, de adaptação do corpo para a utilização de equipamentos periféricos (mouse), ou mesmo da participação em chats (salas de bate-papo) no mundo virtual. A esse respeito, Vianna e Lovisolo (2011, p. 293)VIANNA, J. A.; LOVISOLO, H. R. A inclusão social através do esporte: a percepção dos educadores. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, São Paulo, v. 25, n. 2, p. 285-96, abr./jun. 2011.alertam que “a afetividade surge como o elemento principal no processo de inclusão social”.
Sobre a contribuição relativa ao comportamento do educador, Freire (2011)FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011. 144 p. acrescenta que o papel do educador pode representar muito na vida de um educando. Para a pedagogia freiriana, “um gesto aparentemente insignificante pode valer como força formadora ou como contribuição à assunção do educando por si mesmo” (FREIRE, 2011FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011. 144 p., p. 43). Sendo assim, as políticas de inclusão digital produzem efeitos sociais e afetivos no cotidiano dos indivíduos que participam desse processo de inclusão. Esses efeitos tecem redes sociais e afetivas, que são destacadas na análise dos resultados como impactos da inclusão digital.
Método de estudo
O estudo busca a compreensão de um fenômeno social, abrangendo sua subjetividade e essência no dia a dia. Trata-se de um estudo em que o fenômeno estudado foi explorado em profundidade, a fim de gerar conhecimento e contribuir para a geração de teoria sobre o tema (MORGAN, 1980MORGAN, G. Paradigms, metaphors, and puzzle solving in organization theory. Administrative Science Quarterly, v. 25, n. 4, p. 605-22, 1980.; CASALI, 2004CASALI, A. M. Comunicação organizacional: considerações epistemológicas. In: ENCONTRO DA ANPAD, 28., 2004, Curitiba. Anais... Curitiba: 2004. CD-ROM.). No que tange ao método de pesquisa proposto, foram utilizadas técnicas etnográficas, que, conforme Cavedon (2008)CAVEDON, N. R. Antropologia para administradores. 2. ed. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2008. 182 p., comportam a captação de fenômenos na sua essência, admitindo entender um fenômeno dentro da realidade em que acontece, pois envolve a participação direta do pesquisador. Na concepção de Malinowski (1978, p. 18)MALINOWSKI, B. Argonautas do Pacífico Ocidental.São Paulo: Abril Cultural, 1978. 436 p., ao utilizar o método etnográfico, o pesquisador é, ao mesmo tempo, “o seu próprio cronista e historiador; suas fontes de informação são, indubitavelmente, bastante acessíveis, mas também extremamente enganosas e complexas”. Para Silva (2000)SILVA, V. G. O antropólogo e sua magia. São Paulo: Editora da USP, 2000. 201 p., o método etnográfico trata do estudo das pessoas em seus ambientes, e ocorre de maneira natural por meio de métodos de coletas de dados que captam seus significados sociais e suas atividades comuns. O autor salienta que esse método envolve a participação direta do pesquisador no local, senão também nas atividades.
A ida a campo, com um olhar de “estranhamento”, foi precedida pela consolidação da bagagem teórica no que concerne aos clássicos antropológicos e ao tema central da pesquisa. A esse respeito, Silva (2000)SILVA, V. G. O antropólogo e sua magia. São Paulo: Editora da USP, 2000. 201 p. destaca que o campo de um etnógrafo contempla os livros lidos sobre o tema, os relatos das experiências e os demais dados de primeira mão, coletados na aldeia escolhida para as observações. A utilização do método etnográfico se justifica porque a análise do processo de inclusão digital, sob a ótica dos indivíduos que constroem conhecimento sobre as TICs por meio de políticas públicas, é um fenômeno que necessita da observação em sua realidade para ser atendido (MALINOWSKI, 1978MALINOWSKI, B. Argonautas do Pacífico Ocidental.São Paulo: Abril Cultural, 1978. 436 p.; CAVEDON, 2008CAVEDON, N. R. Antropologia para administradores. 2. ed. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2008. 182 p.).
Vale destacar que o método etnográfico sofreu ampliação no que se refere à técnica de coleta de dados, tendo em vista os últimos estudos antropológicos, uma pesquisa etnográfica não se legitima tão somente pela observação participante (SILVA, 2000SILVA, V. G. O antropólogo e sua magia. São Paulo: Editora da USP, 2000. 201 p.; FLICK, 2009FLICK, U. An introduction to qualitative research.London: SAGE Publications Ltda, 2009. 528 p.). Por esse motivo, além da observação participante, foram realizadas entrevistas semiestruturadas (cujo protocolo foi elaborado a partir de dados retirados da interação com o campo, visando confirmar o observado e desvendar o sentido de determinados comportamentos), pesquisas documentais, conversas informais e fotografias digitais como técnicas de coleta de dados.
A coleta de dados desse estudo se deu em três aldeias. Os motivos para escolha recaíram em duas premissas, a primeira que fossem projetos de inclusão digital não espontâneos, e sim induzidos (classificação de Lemos, 2007LEMOS, A. Cidade digital. Portais, inclusão e redes no Brasil. Salvador: EDUFBA, 2007.), classificada na categoria técnica ou econômica. Segundo Lemos (2007)LEMOS, A. Cidade digital. Portais, inclusão e redes no Brasil. Salvador: EDUFBA, 2007., um projeto de inclusão digital induzido pode ter uma categorização técnica que se preocupa com a habilidade e destreza no manuseio do computador, dos principais softwares e do acesso à internet; categorização cognitiva que se preocupa com a autonomia e independência no uso complexo das TICs, visão crítica dos meios, estímulo dos capitais cultural, social e intelectual, prática social transformadora e consciente, capacidade de compreender os desafios da sociedade contemporânea; e, por último, a econômica (não interessava no presente estudo), que se preocupa com a capacidade financeira em adquirir e manter computadores e custeio para acesso à rede e softwares básicos; reforço dos quatro capitais (técnico, social, cultural, intelectual).
A segunda premissa é que não fossem promovidos pelo poder público, já que esses são alvo de grande parte dos estudos precedentes nesse campo, e sim projetos promovidos pela iniciativa privada ou terceiro setor. Hoje, o terceiro setor possui papel fundamental na inclusão digital no Brasil. Rogério Santanna dos Santos (2005)SANTOS, R. S. dos. A inclusão digital requer novo pacto social entre governos e sociedade. Inclusão Social, v. 1, n. 1, 2005., secretário executivo do Comitê Executivo do Governo Eletrônico Brasileiro, afirma que para ampliar o acesso às tecnologias da informação o governo promove o Programa Brasileiro de Inclusão Digital e também estabelece parcerias com governos estaduais, municipais, organizações não governamentais e outras entidades da sociedade civil. Justifica tais decisões com o argumento de que não se pode fazer uma política de inclusão digital apenas do ponto de vista do Estado. É preciso criar um ambiente institucional que promova a inclusão na sociedade em rede.
Vencida essa primeira etapa, o critério foi que trabalhassem com diferente públicos. Assim, foram escolhidas: uma aldeia que trabalhava com crianças e adolescentes; outra com jovens e adultos (misto); e a última com idosos.
A coleta de dados desse estudo se deu em três aldeias. A primeira, uma fundação, na qual me inseri e pude vivenciar como se dava a inclusão digital de jovens e adultos, mas também participei da construção de relações entre os educandos e educandos e educador. Nessa realizei 33 inserções em um curso de informática básica, que tinha um total de 45 encontros. Em outra aldeia, prática filantrópica de uma congregação religiosa, realizei 40 inserções durante um semestre. Nessa, tive experiências junto a adolescentes, como professora, participei ajudando da inclusão digital e, com muito carinho por cada um deles, fiz parte do processo de maturidade. Na última aldeia foram 20 inserções, tratava-se de um curso de vivência para idosos. Com eles observei como se dava a inclusão digital na terceira idade, além de como eram importantes aqueles momentos de convivência.
É importante destacar que o bom-humor, o clima de solidariedade e o respeito estiveram presentes em todas as interações. Isso fez com que, em alguns momentos, a emoção da pesquisadora fosse externada em sorrisos, expressões de carinho e até lágrimas. Isso não é tratado como uma limitação da pesquisa, ao contrário, contribuiu na compreensão de como se dá o processo de inclusão digital “de corpo e alma”, conforme diria Wacquant (2002)WACQUANT, L. Corpo e alma: notas etnográficas de um aprendiz de boxe. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002. 293 p., e permitiu uma prévia dos resultados intersubjetivos de um trabalho científico que engloba e vai além dos objetivos da pesquisa.
Saliento que, na construção do texto, foi privilegiada a polifonia, ou seja, o texto foi construído pela minha voz (pesquisadora), pela voz do campo que me inseriu e, para legitimar a discussão, pela voz de teóricos a respeito do tema. Logo, buscou-se tornar identificáveis as categorias êmico, ético e teórico. Em relação aos sujeitos da pesquisa, são utilizados nomes fictícios quando apresentados durante o texto.
Processos de inclusão digital
Os resultados deste estudo foram apresentados por aldeias. Inicialmente, relatos do que vivenciei em uma fundação voltada à promoção do desenvolvimento e do bem-estar humano e social por intermédio do conhecimento. Fundada em 21 de outubro de 1978, em 2011 oferecia mais de 30 cursos gratuitos para a parcela menos favorecida da população. Esses cursos abordavam tecnologia, artes, esportes, artesanato e geração de renda. Nesse projeto realizei 33 inserções. Cabe destacar que a fundação passou por dificuldades financeiras no ano de 2012 e encerrou suas atividades no início de 2013. Os cursos oferecidos pela instituição buscavam atender indivíduos com mais de 11 anos, que tinham renda familiar menor que a terça parte do salário mínimo por integrante da família.
Na sequência, conto o que vivenciei em uma prática filantrópica de uma rede educacional de determinada congregação religiosa. Fundada em março de 2008, essa rede agrega várias iniciativas que promovem o desenvolvimento da capacidade de compreender o ambiente natural, social e os valores que fundamentam a sociedade. Essa prática filantrópica está inserida em uma comunidade em situação de vulnerabilidade social, trata-se de uma fazenda desapropriada e doada em 1984. O local foi escolhido pela congregação religiosa porque a comunidade, iniciada com 34 famílias, em 1991, três anos depois, contava com 1.900 famílias, que formavam um dos maiores grupos de ocupação fundiária urbana da América Latina. Nessa aldeia realizei 40 inserções, e 19 adolescentes foram os atores/autores dessa história. Saliento que foi o único em que observei o uso do software livre.
Por último, ilustro um projeto com idosos realizado por associação internacional de empresários, fundada em 27 de março de 1962. Os encontros que promoviam a inclusão digital de 11 idosos ocorriam duas vezes por semana, nas terças e quintas à tarde. Participei de 20 encontros.
O processo de inclusão digital de jovens e adultos
Nessa aldeia, minha inserção se deu como pesquisadora e minha aceitação permitiu que houvesse interação com todos os atores, bem como com todos os colaboradores da organização no momento que fosse preciso. O processo de coleta de dados iniciou no primeiro encontro da proposta, desde já esclareço que a pesquisa não influenciou em conteúdos explorados e nas datas dos encontros. No primeiro dia, a pedido da coordenadora pedagógica da fundação, me apresentei aos alunos como pesquisadora, deixando claro meus objetivos e, sobretudo, o respeito com que eu trataria todos os comportamentos observados. Os alunos não reprovaram minha presença, pelo contrário, seus olhares eram de admiração e carinho, acompanhados de sorrisos muito acolhedores. Em seguida, solicitei o consentimento de cada um e expliquei que a instituição de ensino a qual eu fazia parte me pedia o aceite de minha presença, durante os encontros, por escrito. Entreguei, então, a cada um, o Termo de Confidencialidade e o Termo de Consentimento Livre Esclarecido, exigidos pelo comitê de ética da instituição de ensino. Outro dia, ao recolher, enquanto os educandos me entregavam, desejavam boa sorte e sucesso ao trabalho, alguns inclusive se ofereciam para ajudar no que mais fosse necessário e outros elogiavam a iniciativa.
Minha interação aconteceu de diferentes formas. Com Aline, conversei sobre a escolha de um curso de graduação, questionei seus gostos e suas expectativas, tentando encontrar uma pista para relacionar com alguma profissão, decidimos por medicina veterinária pela paixão por animais, dela e do namorado, e ao contato e cuidado com animais que, segundo ela, a fazem bem. Outra vez, Camila puxou-me pela mão a fim de levar-me até o computador que ela ocupava, para me mostrar um vídeo que ela gostaria de “gravar no computador”, perguntando-me como faria. Eu então expliquei como poderia ser feito e a ajudei a fazer o downloaddesejado. Depois disso, Camila sempre me oferecia balas e caminhava comigo até o ponto de ônibus.
Nos encontros, o conhecimento sobre a utilização de tecnologias digitais era transmitido pelo educador com o auxílio de um computador e de um datashow a ele conectado. Exemplos de tarefas foram demonstrados e explicados detalhadamente por intermédio do suporte dado pela projeção, possibilitada pelo datashow, na lousa. A projeção permitia a visualização de cada ação realizada pelo professor, e isso facilita a compreensão dos alunos. Depois de cada explicação, eram propostos exercícios com o objetivo de reforçar o conhecimento adquirido. Torna-se importante destacar que o educador é um homem bem-humorado e solidário, preocupado com seu trabalho e com o desenvolvimento de cada aluno. O educador se diz apaixonado pelo que faz e seu comportamento me remete à pedagogia freiriana, “Quando vivemos a autenticidade exigida pela prática de ensinar-aprender participamos de uma experiência total, diretiva, política, ideológica, gnosiológica, pedagógica, estética e ética em que a boniteza acha-se de mãos dadas com a decência e com a seriedade” (FREIRE, 2011FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011. 144 p., 24). Sob o olhar da pesquisadora, o educador agia naturalmente, como se estivesse entre seus amigos e, provavelmente, o fato de tratar os educandos como amigos o transformou em uma pessoa querida por eles.
A captação da nova informação, a reflexão sobre o conhecimento adquirido e a mudança ou as adaptações de uma tarefa, visando reforçar o aprendizado, foram etapas identificadas no processo de construção de conhecimento sobre as TICs. Etapas essas que se assemelham à dinâmica do ciclo de aprendizagem vivencial, proposto por Kolb (1984)KOLB, D. A gestão e o processo de aprendizagem. In: STARKEY, K. Como as organizações aprendem: relatos dos sucessos das grandes empresas. São Paulo: Futura, 1984. p. 321-341.. A captação da informação era proporcionada pela explicação do educador e as mudanças se davam mediante oportunidade de testar os novos conhecimentos por meio dos exercícios. Outra estratégia utilizada pelo professor com a finalidade de potencializar o aprendizado foram as analogias. O uso de analogias pode ser ilustrado pela teoria de Ausubel (1978)AUSUBEL, D. P. Psicologia educativa: um ponto de vista cognitivo. México: Trilha, 1978. 769 p., que explica que o aprendizado se dá quando um conceito conhecido é usado como âncora para a captação de uma nova informação, ou seja, para o aprendizado.
Acerca do processo de aprendizagem, todos os educandos mostraram-se satisfeitos, e o educador também revelou estar satisfeito com o desempenho dos educandos. Assim, conforme Alonso, Ferneda e Santana (2010)ALONSO, L. B. N.; FERNEDA, E.; SANTANA G. P. Inclusão digital e inclusão social: contribuições teóricas e metodológicas. Barbarói, Rio Grande do Sul, v. 1, n. 32, p. 154-197, 2010., a fundação cumpriu o objetivo da inclusão digital, pois as políticas públicas de inclusão digital não objetivam a formação de técnicos em informática, mas sim de cidadãos responsáveis, que reconheçam suas potencialidades e responsabilidades, apropriando-se de forma criativa e autônoma do conhecimento sobre as TICs, libertando o ser humano de uma posição passiva. Vale destacar que, durante a realização das tarefas, foi possível perceber que os nativos digitais, ou seja, aqueles nascidos depois dos anos 1980, tinham mais facilidade para aprender o que o educador transmitia, tal como sugeriram Palfrey e Gasser (2011)PALFREY, J.; GASSER, U. Nascidos na era digital: entendendo a primeira geração de nativos digitais. Porto Alegre: Artmed, 2011. 352 p..
Nos primeiros contatos entre educandos e computador, percebi algumas dificuldades, a exemplo a dificuldade motora com o controle do mouse. Os alunos apresentavam problemas para clicar sucessivamente e para compreender os movimentos do cursor. Esses achados corroboram os resultados dos estudos de Marcon (2011)MARCON, K. Na outra ponta da rede: o interesse dos alunos por projetos de inclusão digital. Revista de Novas Tecnologias na Educação, Rio Grande do Sul, v. 10, n. 2, 2011. e Bolzan et al. (2012)BOLZAN, L. M. et al. Determinants of the use of information and communication technologies by behaviour analysis of servers in a higher education institution. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON INFORMATION SYSTEMS AND TECHNOLOGY MANAGEMENT, 9., 2012, São Paulo. Anais eletrônicos... São Paulo: 2012., quando afirmam que a dificuldade motora com o mouse é a primeira observada em aprendizes que não têm contato com o computador. Outra dificuldade observada foi a memorização dos procedimentos. Os alunos, mesmo que já tivessem realizado a tarefa, muitas vezes esqueciam como deveriam proceder para finalizar a atividade.
Ainda, observei que a atonicidade frente à TICs era uma limitação ao aprendizado, principalmente nos educandos mais velhos. Nesse sentido, Xavier (2007)XAVIER, S. L. C. Afetividade e inclusão digital: um estudo de caso em uma universidade particular. Revista Digital, Rio Grande do Sul, v. 4, n. 3, p. 1-14, 2007. discute que no contato com as TICs o medo é uma das formas de expressão emocional que mais dificulta a aprendizagem e a utilização das ferramentas digitais. Essa forma de resistência é, em geral, superada a partir das interações e do envolvimento dos indivíduos com as atividades educadoras. Para Freire (2011)FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011. 144 p., essa característica chama-se intransitividade, que se trata de uma impermeabilidade a desafios. A esse respeito, Franco (2003)FRANCO, M. H. P. Cuidados paliativos e o luto no contexto hospitalar. O Mundo da Saúde, São Paulo, v. 27, n. 1, p. 182-4. 2003. explora que muitas vezes o sentimento de impotência diante de uma situação rotineira com relação à tecnologia tende a provocar ansiedade.
Algo que merece destaque nesta pesquisa é a dimensão afetiva percebida em sala de aula. O educador tinha uma boa relação com seus educandos e suas explicações eram engraçadas e carregadas de afeto. Durante a realização da atividade, o educador incentivava a interação entre os educandos, pedia que aqueles com mais facilidade ajudassem os colegas, aos poucos os alunos incorporaram o espírito colaborativo e solidário e por conta própria uns auxiliavam os outros. Jéssica, uma menina de 15 anos, contou-me na entrevista que, antes dos encontros que promoveram a inclusão digital, tinha preconceito quanto aos mais velhos e, depois da interação com pessoas de várias idades, uma de suas melhores amigas (que encontrou no curso) tem 40 anos a mais do que ela. Em meu diário de campo encontrei relatos de que Jéssica, muitas vezes, afastava-se do computador que ocupava nos encontros e caminhava até o computador da senhora (a qual se referiu na entrevista) para oferecer ajuda, carinhosamente a menina aproximava-se da senhora e beijava-lhe o rosto, como agradecimento, ao final da ajuda a senhora retribuía o carinho. Bruce relatou experiência semelhante.
Com relação ao comportamento dos jovens, cabe a discussão com Bourdieu (2005)BOURDIEU, P. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. 159 p.. O autor discorre que, culturalmente, as pessoas mais velhas se impõem sobre os mais novos e a reação de independência jovem define uma ordem cultural moderna, determinando o lugar de cada idade no mundo. Na entrevista realizada com Lucas (o educador), ele se mostrava bastante contente com o processo de socialização observado. A Figura 1ilustra um encontro.
Durante a entrevista com a Cibele, coordenadora pedagógica, ficou visível a importância de seu papel no processo de inclusão digital. Ela contou sobre os conselhos de classe realizados com os educadores da fundação e seu trabalho, principalmente com aqueles que tinham uma “formação mais técnica, mais dura”, para que adaptassem sua maneira de explicar e para que não se preocupassem somente em transmitir conhecimentos técnicos e práticos aos alunos. A coordenadora busca sensibilizar os educadores para promover o processo de socialização aos alunos. Isso reporta novamente a Paulo Freire, quando fala sobre a prática educativa e afirma que um educador não se torna educador nem por acaso, nem facilmente, ser educador requer esforço permanente e constante reflexão sobre a prática de ensino (FREIRE, 1991FREIRE, P. A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 1991. 144 p.).
Ainda acerca dos efeitos sociais e afetivos, cabe destacar o comportamento que remetia à felicidade. Quando os educandos obtinham êxito ao final de alguma tarefa, quando enviavam e recebiam e-mail pela primeira vez, quando realizavam seu primeiro download, ou quando eram elogiados pelo professor e pelos colegas, observava-se sorrisos e comemorações. O sentimento de felicidade também foi explorado na entrevista. Todos os educandos afirmaram que, depois dos encontros, sentiam-se mais seguros e felizes por acreditarem ser capazes de, agora, detentores do conhecimento sobre uma tecnologia antes desconhecida, conseguir um novo emprego, ingressar no mercado de trabalho com uma melhor perspectiva, poder usar o computador de casa, ajudar os filhos a usarem o computador e saber usar o computador para se comunicar com parentes e amigos distantes geograficamente. Esse sentimento foi constatado anteriormente nos estudos de Marcon (2011)MARCON, K. Na outra ponta da rede: o interesse dos alunos por projetos de inclusão digital. Revista de Novas Tecnologias na Educação, Rio Grande do Sul, v. 10, n. 2, 2011., Griebler, Rokoski e Dalri (2010)GRIEBLER, C. N.; ROKOSKI, M. C.; DALRI, M. T. Digital inclusion experience with visual handicapped. Revista de Novas Tecnologias na Educação, Rio Grande do Sul, v. 8, n. 2, 2010., Wolf et al. (2010)WOLF, T. M. et al. O empoderamento de mulheres através da inclusão digital. Inclusão Social, Brasília, v. 3, n. 2, p. 106-122, 2010. e Ordones, Yassuda e Cachioni (2011)ORDONES, T. N.; YASSUDA, M. S.; CACHIONI, M. Elderly online: effects of a digital inclusion program in cognitive performance. Archives of Gerontology and Geriatrics, v. 53, p. 216-219, 2011.. Os resultados apontaram que os indivíduos que participam de propostas de inclusão digital sentem-se mais seguros no dia a dia.
Ainda, foi possível perceber outras mudanças que o processo causou nos educandos. Maria, que nunca apresentara um trabalho em aula, o que, conforme a entrevista, prejudicava sua nota, superou a timidez e esperava ansiosamente o próximo trabalho da escola. Pedro afirma ter superado a depressão e estar preocupado com os próximos passos, preocupado porque o curso estava acabando e ele teria que “sonhar outros sonhos para voltar a aprender”. Todos estavam contentes com as novas amizades, compartilhando alegrias e tristezas.
A relação construída a cada encontro também resultou em afetividade, um sentimento que se mostrou fundamental em um momento de superação da dor de uma perda (LE BRETON, 2009LE BRETON, D. As paixões ordinárias: antropologia das emoções. Trad. Luís Alberto Salton Peretti. Rio de Janeiro: Vozes, 2009. 276 p.). Oscar, um dos alunos do curso, perdeu a mãe durante o período dos encontros, o professor Lucas avisou em aula e alguns alunos externaram a intenção de ligar ou ir até a casa do amigo prestar-lhe solidariedade nessa visita. No primeiro dia que Oscar retornou ao curso depois da perda, usava roupa preta, tinha olheiras e aparentava abatimento, os colegas fizeram fila para abraçá-lo e prestar solidariedade. Em sua entrevista, Oscar conta que o sofrimento seria muito maior se não fosse a amizade dos colegas, do professor e a atenção despendida aos estudos exigidos pelo curso, que fazia “a dor sair do seu foco de atenção”.
Outra situação indicou a união do grupo de educandos. O professor chegava, aproximadamente, 15 minutos antes de iniciar cada encontro, para abrir a sala e organizar alguns recursos que usaria durante aula. Algumas vezes eu cheguei antes dele e interagi com os educandos fora da sala de aula. Destacarei três momentos, o dia 23 de abril, o dia 2 de maio e o dia 21 de maio. No dia 23 de abril observei uma divisão em dois grupos, era uma divisão entre gêneros. No dia 2 de maio havia uma nova divisão, tratava-se de uma escolha por afinidade. E no dia 21 de maio um grande círculo se formou em frente à fundação, não existiam mais grupos, todos interagiam entre si.
Ao final do curso pude perceber a mudança que o processo causou nos educandos. Nos últimos encontros, mais precisamente nos dois encontros que precederam a entrega de certificado, houve, respectivamente, a entrega de notas, provas e as respectivas correções, e a troca de presentes de um amigo secreto. No dia do amigo secreto, todos compartilhariam lanches trazidos sem compromisso. Todos levaram lanches, a mesa ficou repleta de doces, salgados, frutas, refrigerantes, sucos e chás. Cabe destaque às frutas, aos sucos, ao chá e ao bolo integral, que foram levados em consideração ao Lucas, que é vegano. A troca de presentes foi animada e rendeu muitas risadas. Depois do amigo secreto, a turma decidiu contar piadas, quando acabou o repertório de todos e ainda havia tempo, o professor sugeriu uma brincadeira chamada “o jogo da memória”. Tratava-se de memorizar a sequência de toques nos objetos e repeti-las na ordem correta. O primeiro participante tocou no computador, o segundo no computador e na cadeira e assim chegarem a mais de 30 toques. O vencedor da brincadeira foi o professor.
Chegando ao final do jogo da memória, eram 11 horas e 40 minutos. O professor Lucas falou que o encontro estava encerrado, e um coro de “ahh não” terminou a frase do professor. Observei a expressão de tristeza de cada um dos alunos, até que um deles, bastante jovem, disse: “vamos jogar de novo, ou acabar a comida?”. O Lucas sugeriu outro jogo, o jogo de “qual grupo varria primeiro o seu lado da sala”. Nessa brincadeira a turma se dividiu em dois grupos, cada grupo com uma vassoura, os componentes dos grupos deveriam varrer uma pequena parte do chão e passar a vassoura para que quem estivesse ao seu lado na brincadeira, para que continuasse varrendo de onde aquele parou. O lado que acabasse primeiro ganharia o jogo, desde que o chão ficasse limpo. Depois de verificar qual grupo ganhou, todos ajudaram a limpar também a mesa na qual ficaram os lanches. Novamente, destaco a atitude do professor, Lucas, e a discuto com as teorias de Paulo Freire. Para Freire (2011, p. 43)FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011. 144 p., “Às vezes, mal se imagina o que pode passar a representar na vida de um aluno um simples gesto do professor. O que pode um gesto aparentemente insignificante valer como força formadora ou como contribuição à assunção do educando por si mesmo”.
A entrega dos certificados iniciou com um incentivo. O professor Lucas entregou a Pedro, um aluno, duas caixas de chocolates, expondo que isso ocorreu porque Pedro não teve nenhuma falta durante o curso. Demonstrações de carinho se repetiram durante todo o último encontro, os senhores mais velhos agradeciam emocionados pelo suporte que os seus amigos nativos digitais ofereceram durante todos os encontros. Pedro, um senhor com mais de 50 anos, aparentemente preocupado, fez uma reflexão sobre o término curso: “agora tenho que sonhar outros sonhos para voltar a aprender”.
Nas entrevistas, eu questionei os alunos sobre o motivo dessa interação tão saudável e da afetividade resultante da interação. A resposta foi rápida e única, o estímulo do professor Lucas e o clima que ele criava em aula. Segundo os alunos, Lucas instigava a amizade e o intercâmbio entre os diferentes conhecimentos. O processo de sociabilidade, segundo Griebler, Rokoski e Dalri (2010)GRIEBLER, C. N.; ROKOSKI, M. C.; DALRI, M. T. Digital inclusion experience with visual handicapped. Revista de Novas Tecnologias na Educação, Rio Grande do Sul, v. 8, n. 2, 2010., objetiva desenvolver ações que levem à inclusão social, estimulando interesses pessoais e também a aprendizagem coletiva, interferindo, positivamente, no cotidiano dos indivíduos e potencializando mudanças significativas em suas vidas.
O processo de inclusão digital de adolescentes
Localizada em uma comunidade em situação de vulnerabilidade social, essa ação filantrópica oferece aos moradores da região escola de ensino fundamental e cursos profissionalizantes. Em sua estrutura comporta, além de salas de aula, biblioteca, videoteca, laboratórios, telecentro, igreja e um ambulatório médico e dentário para o atendimento da comunidade (o atendimento não é realizado com recursos financeiros da rede de escola da congregação religiosa, esta apenas oferece a estrutura para tal atendimento). A comunidade é formada em grande parte por crianças e adolescentes, e esses são o foco de atendimento.
Quanto aos cursos profissionalizantes, semestralmente é oferecido o curso de Informática Básica, e anualmente os cursos de Metarreciclagem, Meta Arte e Robótica Livre. O curso de Metarreciclagem visa tornar indivíduos aptos a realizar montagem, manutenção e reaproveitamento de equipamentos de informática. O curso de Robótica Livre trabalha conceitos de eletrônica, mecânica, física, entre outros. Com o objetivo de desenvolver soluções tecnológicas sustentáveis na área da robótica, utiliza o lixo eletrônico para fazer seus dispositivos. E, por fim, o curso de Meta Arte visa desenvolver habilidades artesanais por meio da proposta de reaproveitamento do lixo digital que não foi utilizado nem na Metarreciclagem, nem na Robótica Livre, ou seja, lixo eletrônico sem condições de ser ligado à energia.
Os encontros que correspondiam à inclusão digital eram do curso de Informática Básica. Nele, semestralmente 30 adolescentes participavam dos encontros com o objetivo de construir conhecimento sobre as tecnologias de informação e comunicação. Estruturalmente, vale destaque à relação entre o número de educandos e o número de computadores (27 alunos para 19 computadores), relação que obrigava a formação de duplas de trabalho, o que, segundo o professor, potencializava conversas paralelas, resultados também encontrados nos estudos de Menezes (2006)MENEZES, E. C. P. Informática e educação inclusiva: discutindo limites e possibilidades. Santa Maria: Editora UFSM, 2006. 130 p. e Marcon (2011)MARCON, K. Na outra ponta da rede: o interesse dos alunos por projetos de inclusão digital. Revista de Novas Tecnologias na Educação, Rio Grande do Sul, v. 10, n. 2, 2011.. Característico de uma turma de adolescentes, os educandos eram bastante agitados. Na tentativa de controlar as conversas paralelas e dar suporte ao aprendizado, o professor escolheu duas monitoras e promoveu a eleição de uma líder. As monitoras auxiliavam os colegas na realização das tarefas e a líder era uma ponte entre educandos e educador. A Figura 2 ilustra um encontro.
Nessa aldeia, minha inserção se deu de diferentes formas para os professores e para a coordenação pedagógica. Eu estava fazendo uma pesquisa que fazia parte da minha dissertação, mas para os alunos eu fui a professora ajudante. Isso porque Eric, o educador, temia que eu não fosse respeitada e que houvesse rejeição ou resistência à minha presença por parte dos educandos durante os encontros. Minha interação com os educandos foi maior nesse campo, porque eu os auxiliava durante a realização das tarefas e isso gerou mais aproximação. Durante o período de pesquisa conheci muitos protagonistas de um “futuro melhor”, além dos educandos foram também seus familiares e amigos.
Nesse projeto, além da inclusão digital, existia uma preocupação muito grande em disciplinar os educandos. A coordenadora pedagógica, na entrevista, foi bastante clara no seu compromisso acerca de despertar comprometimento nos educandos. Segundo ela, os alunos eram influenciados por familiares mais próximos a não frequentar a escola nos dias de chuva, quando está muito frio ou muito quente, entre outros argumentos. Nos encontros, algo que atraía minha atenção era a importância dada a dialogicidade. Não foram raras as vezes em que assisti Tanise, a coordenadora pedagógica, abraçar os educandos, ou se dirigir a qualquer um deles que estivesse chorando e levá-lo para sua sala, ou, após observar os educandos, se aproximar daquele cujo comportamento indicava que havia algo a ser sabido (FREIRE, 2011FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011. 144 p.). No entendimento de Freire (2011)FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011. 144 p., a dialogicidade verdadeira é algo bastante positivo no que se refere à promoção de aprendizado e do crescimento, em que ambos respeitam as diferenças e aprendem por meio do respeito delas.
Muitas vezes, assumindo o papel de professora, também conversei com os educandos, os quais me confidenciavam seus sentimentos e seus conflitos familiares. Luciane, uma aluna, em sua entrevista, contou ter estudado em outras escolas, mas nenhuma igual a essa, argumentando que nessa escola havia uma preocupação com os educandos e, por isso, ela se sentia amparada. Os educandos, desde o primeiro momento, atribuíram a mim a denominação “sora”, tal como no estudo de Machado (2002)MACHADO, F. E. Crianças cegas: uma etnografia das classes de alfabetização do Instituto Benjamin Constant. 2002. 291 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social)–Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2002., uma etnografia na qual os educandos chamavam a autora de “tia”. Ao caminhar do ponto de ônibus até a escola onde ocorriam os encontros, a própria comunidade me conhecia como “a professora da informática básica”, isso porque eu chegava antes e acabava conversando com todos os educandos que passavam pela escola naqueles minutos que precediam o encontro da informática básica, assim como com a comunidade que muitas vezes ia lá apenas para usar o telecentro. Dessa forma, tombei de observador invisível para um personagem encarregado de operar transformações (MACHADO, 2002MACHADO, F. E. Crianças cegas: uma etnografia das classes de alfabetização do Instituto Benjamin Constant. 2002. 291 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social)–Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2002.).
Certo dia, Emanuelle, sempre muito equilibrada e agradável, chegou ao CMID chorando desesperadamente, não quis falar com ninguém a respeito. Psicóloga, professor, assistente social, coordenadora pedagógica, colegas, todos preocupados a rodeavam. A menina desesperada não falava uma única palavra. Nesse dia eu me atrasei e fui informada do acontecido pelos educandos e pelo educador, a menina chegou à aula pouco antes da hora do lanche, ainda abalada. Tentei contato e, para minha surpresa, ela me abraçou emocionada, conversamos muito. Nesse momento, notei que a pesquisa tinha ultrapassado os limites das páginas do diário de campo, e todo o cuidado epistemológico, gramatical, entre outros, estavam sendo permeados pela mudança, não só no meu campo, mas em mim.
As aulas ministradas pelo educador aconteciam com o auxílio do computador destinado ao seu uso e um datashow a ele conectado. O datashow possibilitava a projeção, na lousa branca, das páginas das apostilas que os alunos haviam recebido impressas e encadernadas no início do semestre. Com o assunto abordado no encontro projetado na lousa, o educador sugeria que alguns educandos lessem um parágrafo para que depois ele explicasse o assunto e fizesse um resumo. Ao final, o educador sugeria o uso do computador para reforçar o que havia sido explicado.
Quanto à apropriação de conhecimento sobre as tecnologias de informação e comunicação, tal como nos educandos da fundação, observei que a maneira que os alunos aprendiam estava de acordo com a dinâmica do ciclo de aprendizado vivencial de Kolb (1984)KOLB, D. A gestão e o processo de aprendizagem. In: STARKEY, K. Como as organizações aprendem: relatos dos sucessos das grandes empresas. São Paulo: Futura, 1984. p. 321-341.. Muitas foram as vezes que os próprios alunos pediram para que o educador propusesse atividades que reforçassem o que haviam sido explicado anteriormente. Durante os encontros, foram ainda utilizadas pelo educador estratégias identificadas como o princípio da ancoragem, teoria de Ausubel (1978)AUSUBEL, D. P. Psicologia educativa: um ponto de vista cognitivo. México: Trilha, 1978. 769 p., ou seja, analogias.
Como dificuldades nesse campo, identifiquei o fato de os alunos não se lembrarem de como determinada tarefa deveria ser realizada, mesmo que a houvessem realizado outras vezes; o controle do mouse, que acarretava em problemas no que se referia à seleção de textos e ao clicar em algumas opções de formatação (MARCON, 2011MARCON, K. Na outra ponta da rede: o interesse dos alunos por projetos de inclusão digital. Revista de Novas Tecnologias na Educação, Rio Grande do Sul, v. 10, n. 2, 2011.; BOLZAN et al., 2012BOLZAN, L. M. et al. Determinants of the use of information and communication technologies by behaviour analysis of servers in a higher education institution. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON INFORMATION SYSTEMS AND TECHNOLOGY MANAGEMENT, 9., 2012, São Paulo. Anais eletrônicos... São Paulo: 2012.). Havia também um comportamento que se repetia, eram os cliques sucessivos no mouse quando o computador demorava a responder, Franco (2003)FRANCO, M. H. P. Cuidados paliativos e o luto no contexto hospitalar. O Mundo da Saúde, São Paulo, v. 27, n. 1, p. 182-4. 2003. atribuiu essas atitudes à ansiedade.
Nesse campo, muitas vezes observei indisciplina, comportamento agressivo, tom ácido nas discussões entre os educandos e mentiras. Tanise afirmou na entrevista que podia ser em virtude da cultura da comunidade, mas, apesar disso, eram adolescentes muito carinhosos. Njaine e Minayo (2003)NJAINE, K.; MINAYO, M. C. S. Violence in schools: identifying clues for prevention. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, São Paulo, v. 7, n. 13, p. 119-134, 2003. exploram três fatores que podem causar esse comportamento em adolescentes: família composta por muitos filhos, nas quais os pais dedicam pouca atenção à educação; presença cada vez menor do adulto na vida da criança; e substituição do convívio familiar pela programação da televisão. Frente a esses comportamentos, o educador atuava com autoridade, buscando legitimar seu papel. A esse respeito, Freire (2011)FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011. 144 p. esclarece que a autoridade não necessita de discurso sobre sua existência, ela apenas existe quando é exercida com sabedoria.
Outro ponto que gostaria de destacar nesse campo é a felicidade dos educandos nos momentos em que o professor depositava confiança neles para realizar alguma atividade, ou quando ele reconhecia um bom trabalho, bastava Eric exclamar “Muito bem!” que os educandos sorriam e comemoravam. A mim também cabia a responsabilidade de reconhecer um acerto, logo depois que Eric pronunciava o referido elogio ao trabalho, os educandos me olhavam aguardando um simbólico sorriso. Nesse sentido, Senos e Diniz (1998)SENOS, J.; DINIZ, T. Crianças e jovens sobredotados: intervenção educativa. Brasília: Ministério da Educação – Departamento do Ensino Básico, 1998. 40 p. explicam que a adolescência é um período da vida em que o reconhecimento por uma atividade bem feita faz com que o aluno reconheça sua capacidade e assuma níveis de autoestima favoráveis para o desenvolvimento e o investimento no futuro, se tornando um indivíduo mais seguro de sua capacidade e de sua potencialidade. No que se refere à autoestima, outros trabalhos relacionados à inclusão digital encontraram esses resultados: Xavier (2007)XAVIER, S. L. C. Afetividade e inclusão digital: um estudo de caso em uma universidade particular. Revista Digital, Rio Grande do Sul, v. 4, n. 3, p. 1-14, 2007., Griebler, Rokoski e Dalri (2010)GRIEBLER, C. N.; ROKOSKI, M. C.; DALRI, M. T. Digital inclusion experience with visual handicapped. Revista de Novas Tecnologias na Educação, Rio Grande do Sul, v. 8, n. 2, 2010., Marcon (2011)MARCON, K. Na outra ponta da rede: o interesse dos alunos por projetos de inclusão digital. Revista de Novas Tecnologias na Educação, Rio Grande do Sul, v. 10, n. 2, 2011., Wolf et al. (2010)WOLF, T. M. et al. O empoderamento de mulheres através da inclusão digital. Inclusão Social, Brasília, v. 3, n. 2, p. 106-122, 2010., Ordones, Yassuda e Cachioni (2011)ORDONES, T. N.; YASSUDA, M. S.; CACHIONI, M. Elderly online: effects of a digital inclusion program in cognitive performance. Archives of Gerontology and Geriatrics, v. 53, p. 216-219, 2011. e Passos e Abreu (2011)PASSOS, J. C.; ABREU, M. A. A. A inclusão digital como mecanismo de inclusão social: um olhar sobre os resultados de alguns projetos sociais. In: ENCONTRO DA ANPAD, 35., 2011, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: 2011..
Como resultado desse projeto, pude observar uma mudança além da construção de conhecimento sobre TICs, tratou-se de uma mudança comportamental. Os educandos tornaram-se mais conscientes de seus papéis na sociedade, mais calmos e mais comportados. Na entrevista com Tanise, a coordenadora pedagógica afirmou que o projeto é importante para romper o preconceito com os moradores da comunidade. Ela contou-me que quando alguém daquela região busca um emprego e fala o endereço, esse alguém é descartado, mas quando o potencial empregador vê o nome da escola no currículo, o estigma se desfaz e o morador retorna ao rol de candidatos ao emprego. Assim, é possível afirmar que o projeto atinge o objetivo de não formar técnicos em informática, mas cidadãos responsáveis, ou seja, o projeto proporcionou aos adolescentes, além da inclusão digital, a inclusão social.
O processo de inclusão digital de idosos
Os encontros que promoveram a inclusão digital de idosos eram realizados na sede da associação, em um parque localizado na região central da cidade, o que facilitava para os familiares levarem os senhores a as senhoras até o local, fazendo apenas pequenos desvios do seu trajeto para o trabalho. O referido parque é um belo e bucólico cenário, é um convite para casais fazerem passeios românticos, passearem de mãos dadas, namorarem na grama sob a sombra das árvores ou nos bancos e mesas de concreto. Muitos desses casais são homoafetivos, esse fato causava desconforto aos senhores e senhoras que frequentavam o curso.
Para o primeiro contato com os idosos fui preparada pela tesoureira da associação. Tamires me alertou que a trajetória de muitos daqueles atores era de rejeição em ambiente familiar, e que a busca não era apenas por conhecimento, mas principalmente por convivência, atenção, carinho e afeto. E que, em contrapartida, a associação só esperava que eu compartilhasse momentos com os idosos com bastante carinho, fazendo com que eles se sentissem importantes e felizes ali.
No meu primeiro contato com os idosos, eles me contaram por iniciativa própria e bastante claramente que a busca pelo aprendizado sobre as TICs se dava porque se sentiam excluídos dos assuntos e dos contatos com a família e grupos de amigos. Depoimentos como “meu neto tenta me ensinar, mas não tem paciência, daí ele diz: ‘ahh vó tu é burra, sai daí!’”, “Cuidado que tu vai quebrar” eram bastante comuns durante as interações. Essas situações de preconceito e violência são consideradas naturais para Freitas e Passerino (2012)FREITAS, G. A.; PASSERINO, L. M. 3ª idade na rede: ferramentas de comunicação proporcionando a socialização. In: SEMINÁRIO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO DA REGIÃO SUL, 9., 2012, Caxias, RS. Anais... Caxias: ANPED SUL, 2012., uma vez que a maioria das pessoas acredita que os idosos não tem interesse em aprender sobre TICs e/ou utilizá-las.
Nesse campo minha inserção se deu como pesquisadora e minha interação foi bastante fácil e agradável. As voluntárias da associação que promovia os encontros, carinhosamente, chamavam as educandas de meninas. Então, eu também as chamava assim. A esse respeito, cabe uma relação com o estudo de Locatelli e Cavedon (2011)LOCATELLI, P. A. P. C.; CAVEDON, N. R. As gurias: exercício etnográfico realizado com mulheres idosas praticantes de hidroginástica. Ciências Sociais em Perspectivas, Paraná, v. 10, n. 18, p. 45-61, 2011., que identificou o uso da denominação gurias em um grupo de hidroginástica composto por idosas, que acontecia na capital gaúcha. Conforme Goldfarb (1997)GOLDFARB, D. C. Corpo, tempo e envelhecimento.1997. 96 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica)–Programa de Psicologia Clínica. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1997., é comum o eufemismo para nomear o envelhecimento e tudo que a ele remete. De acordo com o autor, trata-se de uma tentativa falida de suavizar o peso que o termo “velho” causa na consciência da nossa sociedade.
No primeiro momento, observei a sala onde ocorreram os encontros. O local era equipado com 18 computadores doados. Em conversa com o educador e com as voluntárias, soube que essas máquinas eram antigas, desatualizadas e não passavam por revisão antes de serem utilizadas como objeto de estudo, ocasionando falhas no funcionamento. A relação entre o número de computadores em funcionamento e o número de alunos que frequentavam as aulas obrigava a formação de duplas e a troca de computadores por causa de possíveis defeitos e/ou desatualizações de software ou hardware. Cabe ressaltar que o transtorno quanto à troca de lugares para uso de outro computador não desmotivava os alunos. Em determinado encontro, Esther precisou trocar de lugar quatro vezes, e na quarta vez exclamou: “vamos lá com esse professor bom para a gente aprender um monte de coisas boas” (fala de Esther, anotações do Diário de Campo do dia 16 de outubro de 2012). Já a formação de duplas gerava desconforto para alguns educandos, pois esses acreditavam ser necessária a interação com o computador para que houvesse aprendizado, as entrevistas evidenciaram isso.
O educador era jovem e paciente com as alunas. Ele era o responsável pelo planejamento e condução da construção do conhecimento. A dinâmica das aulas era a apresentação do procedimento pela verbalização, complementada por meio de figuras que o educador desenhava na lousa. Em seguida, era permitido e incentivado o treinamento por parte dos alunos no computador. A construção do conhecimento sobre as TICs se dava em uma dinâmica semelhante ao ciclo de Kolb (1984)KOLB, D. A gestão e o processo de aprendizagem. In: STARKEY, K. Como as organizações aprendem: relatos dos sucessos das grandes empresas. São Paulo: Futura, 1984. p. 321-341.. Nas entrevistas, Iberê, uma aluna, destacou que “mexer no computador depois que o professor explica faz toda a diferença, ajuda muito, é por isso que se aprende”. Assim como nas experiências etnográficas anteriores, as analogias foram utilizadas para potencializar o conhecimento (AUSUBEL, 1978AUSUBEL, D. P. Psicologia educativa: um ponto de vista cognitivo. México: Trilha, 1978. 769 p.).
Durante os encontros também observei algumas dificuldades, tais como o controle do mouse, também evidenciado nos estudos de Kachar (2003)KACHAR, V. Terceira idade & informática: aprender revelando potencialidades. São Paulo: Cortez, 2003., Marcon (2011)MARCON, K. Na outra ponta da rede: o interesse dos alunos por projetos de inclusão digital. Revista de Novas Tecnologias na Educação, Rio Grande do Sul, v. 10, n. 2, 2011., Pereira e Neves (2011)PEREIRA, C.; NEVES, R. Os idosos e as TIC – competências de comunicação e qualidade de vida. Revista Kairós Gerontologia, São Paulo, v. 14, n. 1, p. 5-26, mar. 2011. e Bolzan et al. (2012)BOLZAN, L. M. et al. Determinants of the use of information and communication technologies by behaviour analysis of servers in a higher education institution. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON INFORMATION SYSTEMS AND TECHNOLOGY MANAGEMENT, 9., 2012, São Paulo. Anais eletrônicos... São Paulo: 2012.. Essa limitação motora acarretava problemas acerca da abertura de um programa ou arquivo, pois o clique duplo também é uma dificuldade – na entrevista, Eliane revela que não consegue “dar os dois cliques porque escorrega”. A seleção de textos e clicar em algumas opções de formatação são atividades consideradas bastante difíceis também em razão da dificuldade com o mouse. Outra dificuldade encontrada por esses educandos foi o fato de não lembrarem o procedimento das atividades já realizadas, mesmo que várias vezes. Esse fato pode ser justificado porque os indivíduos na terceira idade, geralmente, apresentam lapsos de memória e menor velocidade de raciocínio (KACHAR, 2003KACHAR, V. Terceira idade & informática: aprender revelando potencialidades. São Paulo: Cortez, 2003.).
Ainda, posso apontar mais um comportamento que se repetia nesse campo e nos apresentados anteriormente. Trata-se dos cliques sucessivos no mouse quando o computador “demorava a responder”. Entendi esse comportamento como ansiedade, sentimento explorado pelo estudo de Franco (2003)FRANCO, M. H. P. Cuidados paliativos e o luto no contexto hospitalar. O Mundo da Saúde, São Paulo, v. 27, n. 1, p. 182-4. 2003.. De acordo com o conhecimento de Pereira e Neves (2011)PEREIRA, C.; NEVES, R. Os idosos e as TIC – competências de comunicação e qualidade de vida. Revista Kairós Gerontologia, São Paulo, v. 14, n. 1, p. 5-26, mar. 2011., a responsabilidade de suavizar as dificuldades encontradas pelos idosos na construção do conhecimento sobre as TICs é do educador. Os autores orientam o respeito ao ritmo de cada educando, cedendo maior período de tempo para a execução de tarefas, promovendo descansos frequentes e a repetição das atividades.
Os educandos tinham uma relação afetuosa entre si. No início da aula, conforme as alunas chegavam, cumprimentavam-se com abraços e beijos no rosto. Esse tratamento se estendia a mim, ao professor e às voluntárias. Aquelas que tinham um laço de amizade já consolidado ou um assunto em comum, procuravam sentar-se próximas, usar computadores vizinhos ou formarem duplas usando o mesmo computador. Do ponto de vista de Freedman, Carlsmith e Sears (1970)FREEDMAN, J. L.; CARLSMITH, J. M.; SEARS, D. O. Psicologia social. São Paulo: Cultix, 1970. 487 p., o projeto proporcionou aos idosos o processo de socialização, coerente ao ambiente em que eles se propuseram estar – ambiente escolar. A Figura 3 ilustra um encontro.
Durante a realização das atividades, assim como no primeiro campo, o educador interagia com as alunas e incentivava a interação entre elas. As educandas, por sua vez, eram solidárias e ajudavam umas as outras. A solidariedade se dava, muitas vezes, entre aquelas que já se conheciam, mas também era um fator que auxiliava a aproximação. O professor sempre estava atento ao rendimento e às potenciais dificuldades das alunas ao realizarem as tarefas e, sempre que necessário, se dispunha a ajudar de maneira individual. Ainda quanto ao comportamento do educador, acrescento que quando as educandas realizavam a atividade proposta com sucesso, o educador elogiava e incentivava. De acordo com Senos e Diniz (1998)SENOS, J.; DINIZ, T. Crianças e jovens sobredotados: intervenção educativa. Brasília: Ministério da Educação – Departamento do Ensino Básico, 1998. 40 p., o reconhecimento por uma atividade bem feita faz com que o educando reconheça sua capacidade e assuma níveis de autoestima favoráveis para o desenvolvimento e o investimento no aprendizado, tornando-se um indivíduo mais seguro de sua capacidade e de sua potencialidade.
A reação dos educandos frente a um elogio do professor ou diante de uma tarefa realizada corretamente provocava expressões de alegria. Foram observados sorrisos, necessidade de compartilhar com a colega mais próxima, comemorar e se automotivar para novos desafios quanto ao aprendizado das TICs. Esse sentimento foi chamado de autoestima pelos autores Xavier (2007)XAVIER, S. L. C. Afetividade e inclusão digital: um estudo de caso em uma universidade particular. Revista Digital, Rio Grande do Sul, v. 4, n. 3, p. 1-14, 2007., Kachar (2003)KACHAR, V. Terceira idade & informática: aprender revelando potencialidades. São Paulo: Cortez, 2003., Griebler, Rokoski e Dalri (2010)GRIEBLER, C. N.; ROKOSKI, M. C.; DALRI, M. T. Digital inclusion experience with visual handicapped. Revista de Novas Tecnologias na Educação, Rio Grande do Sul, v. 8, n. 2, 2010., Marcon (2011)MARCON, K. Na outra ponta da rede: o interesse dos alunos por projetos de inclusão digital. Revista de Novas Tecnologias na Educação, Rio Grande do Sul, v. 10, n. 2, 2011., Wolf et al. (2010)WOLF, T. M. et al. O empoderamento de mulheres através da inclusão digital. Inclusão Social, Brasília, v. 3, n. 2, p. 106-122, 2010., Ordones, Yassuda e Cachioni (2011)ORDONES, T. N.; YASSUDA, M. S.; CACHIONI, M. Elderly online: effects of a digital inclusion program in cognitive performance. Archives of Gerontology and Geriatrics, v. 53, p. 216-219, 2011., Passos e Abreu (2011)PASSOS, J. C.; ABREU, M. A. A. A inclusão digital como mecanismo de inclusão social: um olhar sobre os resultados de alguns projetos sociais. In: ENCONTRO DA ANPAD, 35., 2011, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: 2011. e Pereira e Neves (2011)PEREIRA, C.; NEVES, R. Os idosos e as TIC – competências de comunicação e qualidade de vida. Revista Kairós Gerontologia, São Paulo, v. 14, n. 1, p. 5-26, mar. 2011., que, em seus estudos, identificaram o mesmo.
Passos e Abreu (2011)PASSOS, J. C.; ABREU, M. A. A. A inclusão digital como mecanismo de inclusão social: um olhar sobre os resultados de alguns projetos sociais. In: ENCONTRO DA ANPAD, 35., 2011, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: 2011. ainda discutem que a inclusão digital pode promover melhoria da autoestima, fazendo os idosos se sentirem valorizados perante a família e a sociedade. Os autores justificam essa mudança explorando o fator construção do conhecimento, e Freire (2011)FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011. 144 p. corrobora ao afirmar que o aprender não pode dar-se distante da alegria, da boniteza e da procura do que faz feliz aquele que aprende.
Considerações finais
Considerando a maneira como acontece a inclusão digital em um processo, e respeitando minha formação e seus vieses, a Figura 4objetiva apresentar resumidamente os fatores que influenciam na inclusão digital e social (inputs) e os efeitos da apropriação de conhecimento sobre as TICs (outputs).
Acerca dos fatores que implicam no processo de inclusão digital, posso citar a didática do professor, o comportamento e o envolvimento dele com a turma, a autoridade e a licenciosidade ou, ainda, o equilíbrio entre ambos. O fator sociabilidade se fez presente e apresentou papel importante nos três campos, por meio da solidariedade em momentos específicos ou por meio da colaboração entre os colegas para que todos realizassem a atividade corretamente. Mais um fator importante para a inclusão digital foi a disponibilidade de equipamentos para o treinamento dos educandos e o ambiente favorável ao aprendizado. As interrupções, a idade, a possibilidade de acesso em outros lugares, que não apenas no curso, os diferentes níveis de educação, a ansiedade e a motivação para o aprendizado também foram responsáveis pela inclusão digital, segundo os dados empíricos. Encerrando a compreensão dos fatores, saliento que os efeitos sociais e afetivos implicam no processo de inclusão digital dos indivíduos foco do processo.
Quanto ao impacto causado pela proposta de inclusão digital de cada curso, é possível destacar um aumento do nível de autoestima dos participantes. Os educandos tornam-se mais seguros frente à família e à sociedade depois de aprenderem a manipular as TICs. No caso dos idosos, trata-se de uma reconquista da atenção da família, principalmente dos filhos e dos netos, e de seu espaço na sociedade. Como resultado também posso citar a afetividade desenvolvida entre os participantes do processo de inclusão digital, amizades entre diferentes faixas etárias que renderam o “adeus” ao preconceito. A sociabilidade ocorrida durante os encontros que promoveram a inclusão digital e os desafios propostos pelo processo proporcionaram a superação da timidez e de problemas pessoais, como depressão e perdas de entes queridos. Por meio das observações, evidenciei como resultado do processo de inclusão digital a inclusão social, considerando a potencialização da sociabilidade (positiva) como sinônimo de inclusão social e a afetividade como uma dimensão que a compõe. A esse respeito, os autores Çilan, Bolat e Coskun (2009)ÇILAN, Ç. A.; BOLAT, B. A.; COSKUN, E. Analyzing digital divide within and between member and candidate countries of European Union. Government Information Quarterly, v. 26, p. 98-105, 2009., Griebler, Rokoski e Dalri (2010)GRIEBLER, C. N.; ROKOSKI, M. C.; DALRI, M. T. Digital inclusion experience with visual handicapped. Revista de Novas Tecnologias na Educação, Rio Grande do Sul, v. 8, n. 2, 2010. e Ferro, Helbig e Garcia (2011)FERRO, E.; HELBIG, N. C.; GARCIA, J. R. G. The role of IT literacy in defining digital divide policy needs. Government Information Quarterly, n. 28, p. 3-10, 2011. compreendem a inclusão digital de indivíduos à margem do processo de desenvolvimento social como uma ferramenta cujo principal objetivo é a inclusão social. Por isso, a mim os resultados permitem julgar que os projetos de inclusão digital etnografados foram um instrumento efetivo para o atingimento do objetivo de incluir socialmente os educandos, agora incluídos digitais e sociais.
Na conclusão, torno claro que o efeito dos programas de inclusão digital não podem ser considerados uma panaceia para as mazelas sociais. Bonilla e Pretto (2001, p. 25)BONILLA, M. H. S.; PRETTO, N. de L. Inclusão digital: polêmica contemporânea. Salvador: EDUFBA, 2011. explicam que:
[...] diversas ações desenvolvidas no âmbito de programas de inclusão digital, e os discursos políticos que as afirmam, configuram declaradamente, e indubitavelmente, uma situação em que se acredita ser capaz de minimizar as mazelas sociais das comunidades participantes das atividades promovidas no âmbito desses programas.
No entanto, tais ações, geralmente, são propostas de forma isolada e não consideram a complexidade dos processos que acometem as comunidades, nem suas causas.
Como contribuições, este artigo explora o processo de inclusão digital sob as lentes dos indivíduos foco do processo, descrevendo como ocorre a apropriação de conhecimento sobre as TICs, aprendizagem, expõe os fatores que influenciam a inclusão digital e os resultados desse processo. Foi possível também verificar que muitos comportamentos se repetiam, como as dificuldades, a ansiedade, as facilidades, entre outros. Cabe ainda acrescentar sugestões quanto a estudos futuros na área de políticas públicas de inclusão digital. Compete ao campo da administração um estudo minucioso quanto à gestão de políticas públicas, podendo ser desenvolvidas pela esfera pública ou delegadas a organizações não governamentais. Pertence também a essa ciência investigar, em profundidade, o papel de cada cargo no processo de inclusão digital, destacam-se os cargos do professor e da coordenadora pedagógica, que se mostraram essenciais no contexto analisado.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jan-Mar 2016
Histórico
-
Recebido
03 Mar 2014 -
Aceito
12 Mar 2015