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A presença do capital social nas comunidades atendidas pelos projetos de combate à pobreza rural (PCPR) em Pernambuco

Resumo

Os programas de desenvolvimento têm contemplado cada vez mais a participação das comunidades na sua gestão. As idéias de participação tão conhecidas e defendidas pelas ciências sociais começaram a fazer sentido, mesmo que, pelo viés utilitarista, com o aparecimento do que se entende hoje por capital social. o capital social seria uma riqueza oriunda das relações sociais, possibilitando certos objetivos que sem ele não seriam alcançados. Os projetos de combate à pobreza rural (PCPR) em Pernambuco partem da crença de que mecanismos que incluem maior participação da sociedade civil e maior descentralização nas decisões sobre alocação de recursos financeiros tendem a gerar melhores resultados para comunidades rurais pobres. O capital social seria o fator que potenc1al1zana este modelo de desenvolvimento empregado no PCPR. A metodologia de trabalho do PCPR se dá através de financiamentos de projetos, onde a elaboração, implantação e operação são acompanhadas pelas comunidades, representadas pelas associações. O que se busca· entender, neste trabalho, é em que medida o capital social presente nas comunidades influencia a qualidade das organizações políticas que as representa.

Abstract

On such study, we seeked to understand how the existing community social capital influenciates the political quality of its representative organizations. We analyzed projects who fight rural poverty in municipalities of the state of Pernambuco (northeast Brazil). In order to do so we analyzed the existing relations among both the community social capital and the political quality of its representative organizations. We also seeked to comprehend how the social capital and the political quality of rural communities comes out, identifying indicators to evaluate the local social capital and the political quality of the local organizations. Three indicator were identified for social capital measurement: (1) social rules for the use of collective good, (2) cooperation and (3) social networks; and eight indicators for the political quality of the local organizations: (1) year of foundation of the organizations, (2) percentile of families participating in local organizations in comparison to the total number of families ln the community, (3) frequency of the organizations' members on their own meetings, (4) number and frequency of the meetings, (5) power turnover, (6) level of information of the organizations' members, (7) level of collaboration on the organizations' boards of directors, (8) level of collaboration of the organizations' members. Fourteen towns were researched, all over Pernambuco, in a total of sixteen rural communities where projects were set up to fight poverty. The communities were visited between November 2002 and February 2003. The main conclusions of that study are: (1) the frequency in meetings varies by the quantity of social capital in given community, (2) the number of meetings has strongly to do with the quantity of social capital, (3) the level of information of the organizations' members depends on the quantity of social capital, (4) the level of collaboration of the organizations' members also depends on the quantity of social capital. ln front of the above issues addresses, the hypotheses: the existing community social capital influenciates the political/quality of its representative organizations is true.

INTRODUÇÃO

Os projetos de combate à pobreza rural (PCPR), financiados pelo Banco Mundial em parceria com os estados do Nordeste brasileiro, tem buscado aliviar pobreza rural através da provisão de infra-estrutura social, física e econômica básica e a geração de oportunidades de emprego. De forma descentralizada e com a participação das comunidades tendidas pelo programa, de certa forma, o PCPR tem ampliado as liberdades de participação dessas comunidades no processo de desenvolvimento. A proposta do PCPR parte da crença de que mecanismos que incluem maior participação da sociedade civil e maior descentralização nas decisões sobre alocação de recursos financeiros tendem a gerar melhores resultados· para comunidades rurais pobres. Nesse sentido, parte da ação deste programa destina-se a promover a mobilização e organização das populações rurais em organizações representativas, o que impulsiona a formação e acumulação de capital social (IICA, 2001IICA - Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura. Carta convite: Avaliação do Programa de Combate à Pobreza Rural (PCPR) no Nordeste do Brasil. 6 de junho de 2001.). Este capital social seria o fator que potencializaria este modelo de desenvolvimento empregado no PCPR. Capital social pode ser entendido, segundo Putnam, como o grau de confiança existente entre os atores sociais de uma sociedade, normas de comportamento cívico praticado e o nível de associativismo. nela inserido. Assim como as outras formas de capital, o capital social é produtivo, possibilitando certos objetivos que não seriam alcançados sem ele. Assim, em grupos cujos membros demonstrem confiabilidade e que depositem ampla confiança uns nos outros, é capaz de realizar muito mais que em outro grupo que careça de confiabilidade e confiança (PUTNAM, 1996PUTNAM, Robert. Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1996.).

A crença de que mecanismos que incluem maior participação da sociedade civil e maior descentralização nas decisões sobre alocação de recursos financeiros tendem a gerar melhores resultados para comunidades rurais pobres é o fator determinante para o sucesso do PCPR. A metodologia de trabalho do PCPR se dá através de financiamentos de projetos, onde a elaboração, implantação e operação são acompanhadas pelas comunidades, representadas pelas associações. Essas organizações refletiriam a qualidade política dessa comunidade, pois isso depende decisivamente das organizações que permeiam essa comunidade, ou seja, a falta de qualidade política nessas organizações retrata a falta de qualidade política da comunidade (DEMO, 1999DEMO, Pedro. Participação é conquista: noções de política social participativa. 4º edição. São Paulo: Cortez, 1999.).

É buscando compreender a relação entre capital social nas comunidades e a qualidade política nas associações que as representa que partimos para esta pesquisa sobre os projetos de combate à pobreza rural no estado de Pernambuco. Diante do exposto, o que buscamos entender é em que medida o capital social presente nas comunidades influencia a qualidade política das organizações que as representam.

OBJETIVOS DA PESQUISA

Geral

Analisar a relação entre capital social presente nas comunidades e a qualidade política das associações que as representa.

Específicos

  1. Compreender como se manifesta o capital social nas comunidades;

  2. Compreender como se manifesta a qualidade política nas associações;

  3. Identificar indicadores que possibilitem avaliar estoque de capital social nas comunidades;

  4. Identificar indicadores que possibilitem avaliar a qualidade política nas associações.

REFERENCIAL TEÓRICO

Crise do paradigma de desenvolvimento

Por mais de quatro décadas, o desenvolvimento foi visto principalmente como assunto econômico. Um pequeno número de indicadores de inflação, oferta crescente de dinheiro, taxa de juros e déficit comercial poderiam servir como a base para um conjunto de recomendações políticas. Esta linha de pensamento conduzi ria a altas rendas e esperançosamente a alto desenvolvimento (STIGLITIZ, 1998aSTIGLITIZ, J. More instruments and broader goals: moving toward the post-Washington Consensus. World Bank, January 7, 1998a.). Nas palavras de Kliksberg: "o desenvolvimento seria tanto, que se derramaria a todos da sociedade" (KLIKSBERG, 2000aKLIKSBERG, Bernardo. El rol del capital social y de la cultura en el proceso de desarrollo. In: KLIKSBERG, Bernando; TOMASSINI, Luciano. Capital social y cultura: claves estratégicas para desarrollo. (compiladores) Banco Interamericano de Desarrollo, 2000a.). Esta promessa da derrama não se concretizou. Stiglitiz sugere que vivemos numa "economia dual", crescimento econômico e desigualdades. O referido autor afirma que é possível haver economias com alta produtividade e, mesmo assim, a população estar na pobreza (STIGLITIZ, 1998bSTIGLITIZ, J. Towards a new paradigm for development: strategic, polices, and Processes. World Bank, October 19, 1998b. Disponível em: http://www.worldbank.org/html/extdr/extme/jssp101998.htm
http://www.worldbank.org/html/extdr/extm...
). O objetivo final do desenvolvimento tem a ver com a ampliação das oportunidades reais dos seres humanos de desenvolverem suas potencialidades (KLIKSBERG, 2000bKLIKSBERG, Bernardo. Seis tesis no convencionales sobre participación. In: KLIKSBERG, Bernando; TOMASSINI, Luciano. Capital social y cultura: claves estratégicas para desarrollo. (compiladores) Banco Interamericano de Desarrollo, 2000b.). As metas técnicas são respeitáveis e relevantes, mas são apenas meios. Não se pode perder de vista os horizontes do desenvolvimento, para não haver equívocos entre meios e fins. O Produto Interno Bruto (PIB) é importante mas não podemos tê-lo como horizonte. O PIB não pode ser mais importante, como critério de desenvolvimento, que os índices de nutrição, saúde, educação e liberdade, por exemplo, pois estes representam melhor o nível de qualidade de vida. O paradigma reducionista está cedendo lugar para outro com objetivos mais amplos, que percebe a complexidade do problema e que busca capturá-lo numa perspectiva integradora, com variáveis múltiplas inclusas e não somente as de natureza econômica.

Nas palavras de Stiglitiz, "o desenvolvimento representa uma transformação da sociedade, uma marcha que parte das tradicionais relações, tradicionais caminhos de pensamento, tradicionais caminhos de lidar com a saúde e a educação, tradicionais métodos de produção, para mais modernos caminhos. Uma característica da tradicional sociedade é a aceitação do mundo como ele é". A moderna perspectiva reconhece mudança, reconhece que nós, como indivíduos e sociedade, podemos fazer ações que, por exemplo, reduzam a mortalidade infantil, prolonguem a vida e aumentem a produtividade (STIGLITIZ, 1998bSTIGLITIZ, J. Towards a new paradigm for development: strategic, polices, and Processes. World Bank, October 19, 1998b. Disponível em: http://www.worldbank.org/html/extdr/extme/jssp101998.htm
http://www.worldbank.org/html/extdr/extm...
). Essa transformação da sociedade não pode ser de fora para dentro, mas a partir da própria sociedade e é, neste momento, que reside a importância do capital social. O processo de desenvolvimento não pode ser conduzido apenas pelo governo, necessita de participação da sociedade.

A perspectiva de desenvolvimento de Amartya Sen passa pela questão de qual é o seu fim, ou seja, o que se pretende com ele. A finalidade do desenvolvi mento não é reduzir a inflação ou liberar preços, isto são apenas meios. Para o referido autor, o desenvolvimento é visto como um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam (SEN, 2000SEN, Amartya K. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo. Ed: Companhia das Letras. 2000.). O êxito de uma economia e de uma sociedade não pode estar desassociado das vidas que podem levar os membros desta sociedade, pois esta não apenas deseja viver bem e com satisfação, mas também aprecia ter o controle sobre suas próprias vidas. Neste processo de expansão das liberdades, o desenvolvimento requer que se removam as suas principais fontes de privação. A pobreza econômica, por exemplo, rouba das pessoas a liberdade de saciar a fome, de obter uma nutrição satisfatória ou remédios para doenças tratáveis, a oportunidade de vestir-se ou morar de modo apropriado, de ter acesso a água tratada ou saneamento básico. A negação de liberdades políticas, em regimes autoritários, também rouba das pessoas a liberdade de participar da vida política social da sua comunidade. Não estamos tratando apenas da vida que devemos levar, mas, principalmente, das escolhas que podemos fazer. A idéia de desenvolvimento como liberdade reside na ampliação da liberdade de escolhas que podemos fazer em nossas vidas (SEN, 2000SEN, Amartya K. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo. Ed: Companhia das Letras. 2000.).

Para Sen, as liberdades são importantes não apenas como meios, mas, principalmente como fins. A liberdade política e as liberdades civis são, por exemplo, constitutivas da natureza humana e, por isso, importantes por si mesmas, de um modo direto, não é necessário justificá-la indiretamente como meios instrumentais. Estas privações restringem a vida social e a vida política e devem ser consideradas repressivas mesmo sem acarretar outros males, como efeitos negativos na economia. Como as liberdades políticas e civis são elementos constitutivos da liberdade humana, sua negação é, em si, uma deficiência. O deslocamento da atenção para os fins em lugar dos meios, muda radicalmente nosso entendimento. Sen analisa a pobreza como privação das capacidades básicas em detrimento da visão tradicional de baixo nível de renda. Esta. perspectiva não significa uma negação da idéia lógica que baixa renda é claramente uma das causas principais da pobreza, pois a falta de renda pode ser uma razão determinante da privação de capacidades de uma pessoa. Entretanto, a pobreza não está exclusivamente relacionada à renda, pois há outros fatores que a influenciam. As capacidades das pessoas também estão relacionadas com a idade da pessoa, papéis sexuais e sociais e, também, obrigações familiares, por exemplo. Estas capacidades podem ser aumentadas pela política pública, mas também, por outro lado, a direção da política pública pode ser influenciada pelo uso efetivo das capacidades participativas do povo. Neste senti do, as liberdades influenciam-se mutualmente (SEN, 2000SEN, Amartya K. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo. Ed: Companhia das Letras. 2000.).

CAPITAL SOCIAL

Há pelo menos quatro tipos de capital: capital natural, constituído pelos recursos naturais disponíveis; capital construído, criado pelos seres humanos como, por exemplo, a infra-estrutura, o comércio e as indústrias; o capital humano, de terminado pelo grau de educação e saúde das pessoas, e o capital social, mais recente e que vem sendo amplamente estudado nos estudos sobre desenvolvi- mento (KLIKSBERG, 2000aKLIKSBERG, Bernardo. El rol del capital social y de la cultura en el proceso de desarrollo. In: KLIKSBERG, Bernando; TOMASSINI, Luciano. Capital social y cultura: claves estratégicas para desarrollo. (compiladores) Banco Interamericano de Desarrollo, 2000a.).

O termo capital social entrou no mundo acadêmico nos anos 80 e mais recentemente nos anos 90, com os trabalhos de Putnam (1996PUTNAM, Robert. Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1996.), Coleman (1999COLEMAN, James S. Social capital in the creation of human capital. In: DASGUPTA, Partha; SERAGELDIN, Ismail. Social Capital: A multifaceted perspective. Washington, D.C, The World Bank, 1999.) e outros pesquisadores, principalmente nas discussões focando definição e mensuração do conceito (SORENSEN, 2000SORENSEN, Casper. Social capital and rural development: a discussion of issues. Social Capital Initiative Working Paper nº. 10. The World Bank Social Development Family Environmentally and Socially Sustainable Development Network. October 2000.). Já são muitas as pesquisas sobre capital social e sua influência no desenvolvimento. Apesar de divergirem em certos aspectos, os pesquisadores norteiam suas pesquisas basicamente em dois referenciais teóricos: os estudos de Putnam e os de Coleman.

Capital social possui características nas quais se distingue de outras formas de capital porque é social e nas quais também se distingue de outras formas de comportamento social por ser capital. Capital social é chamado de social porque envolve interação entre pessoas. Os economistas têm um interesse especial por este tema porque estas interações não são originárias de interações tradicional mente comerciais, mas que, todavia, possuem efeitos econômicos. O mercado opera mediante relações sociais com fins comerciais, e, capital social seria um componente que ajudaria a reduzir custos de transação. As relações de confiança e de cooperação ajudam a superar os problemas de informação e transparência, facilitando a execução de acordos. Neste caso, os efeitos econômicos são conseqüências não internalizadas dentro do cálculo das decisões desses agentes. Estes efeitos seriam externalidades, fins não intencionais (COLLIER, 1998COLLIER, Paul. Social capital and poverty. The World Bank: Social Development Family Environmentally and Socially Sustainable Development Network. Initiative Working Paper nº. 4. November 1998. http://www.worldbank.org/socialdevelopment.
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). Capital social também é chamado de capital porque gera riquezas. Estas riquezas são produtos de relações sociais com fins não comerciais, mas que geram um tecido social que propicia um conjunto de ações que só poderiam acontecer se, por exemplo, essa comunidade seguisse normas de comportamento social.

Putnam foi quem popularizou o tema com seu importante estudo sobre desempenho institucional dos governos do Norte e do Sul da Itália, definindo capital social como grau de confiança existente entre os atores sociais de uma sociedade, normas de comportamento cívico praticadas e o nível de associativismo dos membros dessa sociedade. Estes elementos caracterizam a natureza social dessa sociedade, evidenciando a riqueza e a fortaleza nela incrustadas. Estes elementos apesar de subjetivos, propiciam riquezas que, sem eles, não seriam possíveis, por exemplo, onde a confiança pode atuar na dissolução de potenciais conflitos, inibindo o comportamento oportunista. Em comunidades onde uns confiam nos outros, as associações de crédito rotativo podem se desenvolver, pois os membros confiam que nenhum dos associados irá descumprir o acordo. A manutenção de bens públicos como, por exemplo, um chafariz, pode depender de normas sociais que puniriam aqueles que o depredem (PUTNAM, 1996PUTNAM, Robert. Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1996.).

O referido autor define comunidade cívica aquela sociedade onde a confiança abunda, que resulta de um processo histórico cujas tradições associativas são preservadas mediante o capital social. Esta forma de organização permite evitar os dilemas da ação coletiva através de laços de confiança social. Estas relações de confiança pessoal chegam a gerar uma confiança social quando prevalecem normas de reciprocidade e redes de compromisso cívico. O capital social seria analisa do como um estoque acumulado historicamente, do qual dependem as opções atuais de desenvolvimento. Neste sentido, a existência ou ausência de capital social seria um dado histórico relativamente fixo, sendo até possível prever precisamente o desenvolvimento de uma determinada comunidade por esta variável (LECHNER, 2000LECHNER, Norbert. Desafíos de un desarrollo humano: individualización y capital social. In: KLIKSBERG, Bernardo & TOMASSINI, Luciano. Capital social y cultura: claves estratégicas para desarrollo. (compiladores) Banco Interamericano de Desarrollo, 2000.). Numa comunidade cívica, a cidadania se caracteriza primeiramente pela participação na coisa pública. O significado básico da virtude cívica reside em um reconhecimento e uma busca perseverante do bem público à custa de todo interesse individual e particular. A confiança mútua é talvez o preceito moral que mais necessita ser difundido entre as pessoas. As relações de confiança permitem à comunidade cívica superar facilmente o que os economistas chamam de oportunismo, no qual os interesses comuns não prevalecem porque o indivíduo, por desconfiança, prefere agir isoladamente e não coletivamente. Putnam afirma que um bom indicador da qualidade política é a vibração da vida associativa, pois, segundo ele, no âmbito interno das associações se incutem em seus membros hábitos de cooperação, solidariedade e espírito público. A participação em organizações cívicas desenvolve b espírito de cooperação e o senso de responsabilidade comum para com os empreendimentos coletivos. Neste sentido, a vida coletiva nas comunidades cívicas é facilitada pela expectativa de que os outros provavelmente seguirão as regras. Por não terem a mesma autodisciplina confian te dos cidadãos das comunidades cívicas, as pessoas das comunidades menos cívicas não dispõem de outro recurso para solucionar o dilema hobbesiano funda mental da ordem pública, pois carecem dos vínculos horizontais de reciprocidade coletiva que funcionam mais eficientemente nas comunidades cívicas. Na falta de solidariedade e de autodisciplina, a hierarquia e a força constituem a única alternativa à anarquia (HOBBES, 2002HOBBES, Thomas. Leviatã: ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. São Paulo: Martin Claret, 2002. Coleção a Obra-Prima de cada autor.).

David Hume nos conta uma pequena história que ilustra bem como o capital social pode gerar riqueza:

Teu milho está maduro hoje; o meu estará amanhã. É vantajoso para nós dois que eu te ajude a colhê-lo hoje e que tu me ajudes amanhã. Não tenho amizade por ti e sei que também não tens por mim. Portanto não farei nenhum esforço em teu favor; e sei que se eu te ajudar, esperando alguma retribuição, certamente me decepcionarei, pois não poderei contar com tua gratidão. Então, deixo de ajudar-te; e tu me pagas na mesma moeda. As estações mudam; e nós dois perdemos nossas colheitas por falta de confiança mútua (apud PUTNAM, 1996PUTNAM, Robert. Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1996., p 174).

Na citação acima, ambas as partes poderiam ganhar, se cooperassem. Não havendo um compromisso mútuo confiável, porém, cada qual prefere desertar, tornando-se um oportunista, pois cada um espera que o outro deserte. Mesmo que nenhuma das partes queira prejudicar a outra, como ter certeza de que o acordo será cumprido, se não há garantias disso? É que para haver cooperação é preciso não só confiar nos outros, mas também acreditar que se goza de confiança dos outros. A confiança promove a cooperação, logo, quanto mais confiança numa comunidade, maior será a probabilidade de haver cooperação. E a própria cooperação gera confiança. Quando os atores são incapazes de assumir compromissos entre si, eles têm que renunciar, pesarosamente, porém racionalmente, a muitas oportunidades de proveito mútuo (PUTNAM, 1996PUTNAM, Robert. Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1996.), Hobbes confrontou-se com tal perplexidade, e propôs a solução clássica: a coerção de um terceiro. Se ambas as partes conferirem ao Leviatã poderes para estabelecer a harmonia entre elas, a recompensa será a mútua confiança necessária à vida civil. A questão é que a coerção é onerosa, sendo menos eficiente, mais sacrificante e menos satisfatória do que aquela onde a confiança é mantida por outros meios (HOBBES, 2002HOBBES, Thomas. Leviatã: ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. São Paulo: Martin Claret, 2002. Coleção a Obra-Prima de cada autor.). Nas associações de crédito rotativo, onde um grupo aceita contribuir regularmente para um fundo que é destinando a cada contribuinte alternadamente, contradiz claramente a lógica da ação coletiva, pois por que motivo um participante não deserta após ter recebido o montante? Diante de tal risco, por que alguém seria o primeiro a contribuir? Mesmo assim tais associações prosperam, mesmo não tendo um Leviatã para punir a deserção. Neste caso, o capital social é usado para ampliar os serviços de crédito disponíveis nessas comunidades e para aumentar a eficiência da operação dos mercados.

A idéia de que capital social gera riqueza às vezes nos induz a perceber esta riqueza gerada de forma equivocada. No exemplo dos agricultores, o capital social geraria uma cultura associativa e cooperativa onde um agricultor pudesse ter ajudado o outro. Isto contribui para uma redução de custos no manejo da produção. Esta cultura cooperativa e associativa só pode se realizar através do capital social, possibilitando, como dizia Coleman, certos objetivos que sem ele não seriam alcançados (COLEMAN, 1999COLEMAN, James S. Social capital in the creation of human capital. In: DASGUPTA, Partha; SERAGELDIN, Ismail. Social Capital: A multifaceted perspective. Washington, D.C, The World Bank, 1999.). A redução de custos poderia ser alcançada de outras formas, como no uso de equipamentos, mas esta cultura cooperativa e associativa não.

PARTICIPAÇÃO É CONQUISTA

A participação é um processo histórico infindável, que faz dela um processo de conquista de si mesma, "pois não existe como dádiva ou como espaço preexistente, existe somente na medida de sua própria conquista". Não existe participação acabada, suficiente. Ela também não é uma concessão, pois se fosse não seria uma conquista, nem seria a autopromoção. Seria uma participação tute lada e dependente de quem a doou (DEMO, 1996DEMO, Pedro. Pobreza política. 5° edição. Campinas, SP: Autores associados, 1996 (Coleção polêmicas do nosso tempo; v.27)).

Demo afirma que participação é um processo histórico de conquista, pois há em nossa sociedade uma tendência à dominação. Segundo o referido autor, nossa sociedade se organiza através de polarizações hierárquicas, predominando a postura de cima para baixo. Ele também afirma que não há falta de espaço para participação, não sendo um problema em si. Na verdade, este é o ponto de parti da, porque disto, partimos, ou seja, por tendência. histórica, primeiro encontramos a dominação e, depois, se conquistada, a participação. Se acreditarmos que não participamos porque nos impedem, teríamos que conviver com a idéia de participação assistencialista, que somente participamos se nos concederem a possibilidade (DEMO, 1999DEMO, Pedro. Participação é conquista: noções de política social participativa. 4º edição. São Paulo: Cortez, 1999.). Este pensamento nos faz recordar as idéias de Sen, de que certamente não nos interessa a liberdade que nos querem doar, conceder ou impor, mas aquela que nós mesmos construímos; caso contrário, não seria liberdade (SEN, 2000SEN, Amartya K. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo. Ed: Companhia das Letras. 2000.).

A qualidade política de uma comunidade depende decisivamente das organizações que permeiam esta comunidade, ou seja, a falta de qualidade política nessas organizações retrata a falta de qualidade política da comunidade. Todas as organizações sociais são fundamentais para o exercício da própria democracia, porque é onde aprendemos a eleger, a deseleger, a exigir a prestação de contas, a reivindicar rodízio de poder, a competir em clima de negociação, a reclamar representatividade das lideranças, a insistir na legitimidade dos processos de acesso ao poder, e muito mais (DEMO, 1999DEMO, Pedro. Participação é conquista: noções de política social participativa. 4º edição. São Paulo: Cortez, 1999.). É pobre politicamente aquela comunidade fragilmente organizada que serve de massa de manobra nas mãos do Estado e das elites e, por isso, não consegue construir representatividade legítima e satisfatória em seus processos eleitorais, com líderes excessivamente carismáticos, com serviço público marcado pela burocracia, pelo privilégio e pela corrupção (DEMO, 1996DEMO, Pedro. Pobreza política. 5° edição. Campinas, SP: Autores associados, 1996 (Coleção polêmicas do nosso tempo; v.27)).

Os fenômenos participativos, principalmente as formas de organização da sociedade civil, precisam manifestar pelo menos quatro marcas qualitativas para corresponderem à qualidade política que estamos tratando: representatividade, legitimidade, participação da base e planejamento participativo auto-sustentado.

  1. A representatividade centra-se nas lideranças, e sua primeira característica é que a autoridade não é própria e sim derivada. Esta liderança é aquela em que se deposita democraticamente, através de eleições, a confiança e a esperança da comunidade, que deve ser rotativa, ter o compromisso com a transparência, prestar contas e entender que está a serviço da comunidade (DEMO, 1996DEMO, Pedro. Pobreza política. 5° edição. Campinas, SP: Autores associados, 1996 (Coleção polêmicas do nosso tempo; v.27)).

  2. Legitimidade refere-se à qualidade política do processo participativo, quando estiver fundamentado em estado de direito. No caso das associações, esta se forja através dos estatutos, que são obra dos próprios membros. Neste documento se coloca, de comum acordo, como alguém se torna membro, como se desliga, como se definem as chefias e quais os direitos e deve res de todos. Estas premissas bastam para se estabelecer a legitimidade, mas só formal. Na prática o mais importante está nas pessoas que a com põem, os membros. Os membros são parte integrante, consciente, compromissada, sendo o verdadeiro dono e a autêntica origem da associação (DEMO, 1999DEMO, Pedro. Participação é conquista: noções de política social participativa. 4º edição. São Paulo: Cortez, 1999.).

  3. Participação de base é alma do processo, pois para ser verdadeira tem que vir da base, que é a sua origem. O poder é de baixo para cima, sendo na cúpula um poder delegado, um poder a serviço da comunidade, e não autônomo. A· ausência da maioria retrata o descompromisso geral dos membros em manter a associação. Acredita-se que a associação é de responsabilidade da diretoria, ou do governo. Membro que não se compromete com a manutenção da associação não é membro, nem a associação é legítima. Uma boa associação não é aquela que possui muitos membros, mas aquela em que é intensa a participação dos seus membros, compromissada com um projeto comum (DEMO, 1996DEMO, Pedro. Pobreza política. 5° edição. Campinas, SP: Autores associados, 1996 (Coleção polêmicas do nosso tempo; v.27)).

  4. Planejamento participativo auto-sustentado é a organização política competente de uma comunidade com vistas a descobrir criticamente os problemas que a afetam e a formular conjuntamente estratégias de solução, despertando para a iniciativa própria e criando soluções possíveis. Quer dizer a capacidade competentemente desenvolvida para resolver seus próprios problemas, passando pelo autodiagnóstico, através da consciência crítica; formulando estratégias de enfrentamento dos problemas detectados e, final mente, organização política (DEMO, 1996DEMO, Pedro. Pobreza política. 5° edição. Campinas, SP: Autores associados, 1996 (Coleção polêmicas do nosso tempo; v.27)).

REFERENCIAL EMPÍRICO: PROGRAMA DE COMBATE À POBREZA RURAL NO ESTADO DE PERNAMBUCO

Umas das principais características do PCPR é a descentralização e maior participação na definição e alocação de recursos para os projetos, que é orienta do pelas demandas comunitárias. Um dos requisitos para o recebimento dos recursos do PCPR é a formação de associações legalmente constituídas que representem as comunidades que recebem e submetem os projetos para financiamento. Essas associações também devem aceitar a responsabilidade pela operação e manutenção do investimento e apresentar uma contrapartida em serviços/material ou dinheiro, equivalente a 10% do financiamento. Os recursos para os projetos aprovados são repassados diretamente para as associações responsáveis pela implementação.

No governo do Estado de Pernambuco, o programa é implementado através da Unidade Técnica do PRORURAL e é chamado de Renascer, abrangendo atualmente 180 municípios, concentrando a aplicação dos recursos nos municípios e comunidades rurais mais pobres do Estado (IICA, 2001IICA - Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura. Carta convite: Avaliação do Programa de Combate à Pobreza Rural (PCPR) no Nordeste do Brasil. 6 de junho de 2001.). A relação entre as comunidades e o PRORURAL se realiza através de três mecanismos: o Programa de Apoio Comunitário (PAC), onde as comunidades rurais submetem os projetos diretamente ao PRORURAL; o Fundo Municipal de Apoio Comunitário (FUMAC), através do qual as comunidades apresentam seus projetos para financiamento aos Conselhos Municipais, onde estes conselhos priorizam, selecionam e aprovam os projetos que serão posteriormente apresentados ao PRORURAL para financiamento; e o Fundo Municipal de Apoio Comunitário - Piloto (FUMAC-P), sendo este mecanismo piloto uma variação do FUMAC, aumentando a descentralização da gestão dos recursos, onde estes fundos de financiamento são repassados e administra dos pelos Conselhos Municipais (IICA, 2001IICA - Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura. Carta convite: Avaliação do Programa de Combate à Pobreza Rural (PCPR) no Nordeste do Brasil. 6 de junho de 2001.). O PCPR-1 financiou no período de 1997/2000 um total de 1660 subprojetos, sendo 855 de infra-estrutura, 307 produtivos e 78 projetos sociais. O montante financiado foi de aproximadamente R$ 45.500.000,00, sendo através do PAC, o mecanismo mais utilizado que correspondeu a 52,57% dos projetos financiados. O PCPR-II segue a mesma linha de trabalho para 2001 a 2004, totalizando investimentos na ordem de US$ 80 milhões, privilegiando o formato FUMAC e FUMAC-P. No PCPR-11, espera-se financiar 3.120 subprojetos comunitários, beneficiando 220 mil famílias mais pobres. O projeto possui como meta a implantação e consolidação de 102 novos conselhos municipais do FUMAC e a formação de mais 14 conselhos FUMAC-P pela graduação de conselhos FUMAC.

Atualmente 80 municípios organizaram os seus conselhos municipais para este programa. Numa primeira análise feita do PCPR em 1997/1998, foi observado que muitas destas associações não representavam de fato os interesses da comunidade. Muitas delas foram criadas apenas para cumprirem ·os requisitos de recebimento dos recursos (PRORURAL, 2000PRORURAL. Relatório de Perfil de Entrada das Comunidades do PCPR-1. Recife. 2000. in mimeo.). Em alguns municípios, tanto os conselhos como as associações comunitárias de fato não representavam os interesses da comunidade, existiam no papel, mas a comunidade não participava destes espaços políticos. Estes espaços eram controlados por minorias tradicionais do poder local e a população não participava, como se esperava, no programa. A crença de que mecanismos que incluem maior participação da sociedade civil e maior descentralização nas decisões sobre alocação de recursos financeiros tendem a gerar melhores resultados para comunidades rurais pobres só seria efetiva se, no caso do PCPR, os dirigentes das associações de fato representassem os interesses da comunidade e principalmente com/ a participação da base.

METODOLOGIA DA PESQUISA

Nesta pesquisa, estamos trabalhando dentro do método hipotético dedutivo, em que a hipótese para a comprovação, ou não, é a seguinte:

A qualidade política das associações depende do estoque de capital social presente nas comunidades.

Sendo o capital social presente nas comunidades como variável independente e a qualidade política das associações que as r:epresenta como variável dependente.

A AMOSTRA

O PCPR atualmente abrange 180 municípios do estado de Pernambuco. Em sua primeira etapa foram contemplados 80 municípios, que já implementaram seus projetos e que também possuem conselhos. Nosso trabalho de pesquisa tomou como universo de análise esses 80 primeiros municípios, principalmente por dois fatores: se conhecia informações mais específicas sobre eles, devido a estudos anteriores, e a população rural interessada já o conhecia com bem mais intimida de. O programa abrange todas as micro-regiões do estado: Sertão, Vale do São Francisco, Agreste, Zona da Mata e Região Metropolitana. A amostra da pesquisa envolveu 14 municípios, contemplando 16 comunidades rurais, em todas as micro regiões do estado. A visita em cada comunidade teve a duração de 4 horas. Procuramos conhecer uma liderança comunitária e um diretor/presidente da associação, como também o projeto que foi implantado pelo PCPR na comunidade.

O critério de escolha de quais e de quantos municípios foram visitados para a amostra contemplou os seguintes fatores: limitação do tempo da pesquisa e da coleta de dados, despesas para a coleta das informações, difícil acesso às comunidades rurais, conveniência no roteiro de viagem, nº de municípios por micro região e nº de municípios do universo a ser pesquisado. A escolha da comunidade foi feita aleatoriamente, sob indicação do representante da prefeitura ou do sindicato dos trabalhadores rurais, que foram os contatos feitos quando chegamos aos municípios.

OS INDICADORES DE CAPITAL SOCIAL

Trabalhamos com três indicadores de capital social, que se revelaram viáveis na pesquisa de campo: cooperação, normas sociais no uso de bens coletivos e redes sociais. Estes três indicadores foram escolhidos, basicamente, por melhor retratarem os dois princípios amplamente argumentados por Putnam: confiança e relações horizontais. E é claro, por também serem fenômenos concretos de possível percepção numa entrevista.

Os indicadores de normas sociais no uso de bens coletivos

Este indicador nos revela a confiança entre os membros e a sua capacidade de auto-organizar-se sem a intervenção de um terceiro para mediar. Em nossa pesquisa entendemos que em comunidades em que haja bens coletivos, cujos membros da comunidade são responsáveis ou pela sua construção, ou pela gestão do uso ou manutenção, são comunidades onde há presença de confiança e principal mente capacidade de autogoverno, sem necessariamente a intervenção de um terceiro. Entendemos como bens coletivos aqueles bens presentes e em uso por uma comunidade, onde há um sentimento de pertencimento e de responsabilidade por esse bem, em que a comunidade participa da construção ou da gestão do uso ou manutenção. Buscamos sinais concretos, como por exemplo: poços comunitários, casa de farinha comunitária, barreiros comunitários, campos de futebol e muitos outros bens que são de responsabilidade da comunidade. Estes sinais nos revelariam a confiança social e a capacidade de auto-organização da comunidade.

Os indicadores de cooperação

A cooperação é uma das principais riquezas geradas pelo capital social e é, ao mesmo tempo, um importante fator para se perceber se há regras de reciprocidade fundamentadas na confiança social. Aqui investigamos se há fenômenos de cooperação entre os membros. A cooperação pode ocorrer de várias formas, entre membros da família, entre vizinhos ou mesmo entre várias pessoas de uma mesma comunidade. Neste caso queremos avaliar a cooperação entre um número significativo de membros de uma comunidade, que seja resultado de laços de confiança social da comunidade. Buscamos sinais de cooperação através da ocorrência de mutirões, com participação significativa da comunidade, para realizar atividades como limpar o barreiro, de uso comum, ou construir um armazém ou salão comunitário.

Redes sociais

As associações de crédito rotativo, o banco de sementes comunitário ou mesmo os fundos comunitários são formas de redes sociais, onde um certo grupo de pessoas de uma comunidade, unidos por laços de confiança social, resolvem se organizar para desfrutarem de facilidades, resultado desta confiança social. Estas redes demonstram a capacidade que as pessoas de uma determinada comunidade possuem de encontrar soluções para diversos problemas com baixo custo de transação. Estas redes costumam possuir normas para a participação, basicamente fundamentadas na confiança entre os membros, que são o principal alicerce destas organizações. Os exemplos citados acima são riquezas e ao mesmo tempo fatores que sinalizam a existência de capital social nas comunidades, pois são o resultado das relações sociais e dos laços de confiança aí incrustados.

Os indicadores da qualidade política nas associações

A literatura estudada nos sinaliza três fatores para podermos avaliar a qualidade política de uma associação: a representatividade, a legitimidade e a participação da base. Das três, resolvemos escolher a última, participação de base, como a que nos revelaria a principal informação sobre a qualidade política das associações por nos demonstrar o interesse e a real participação da comunidade nos interesses da associação.

Para percebermos o real interesse a efetiva participação da comunidade, ou seja, a participação da base nos interesses da associação, escolhemos nove indicadores para nos revelar:

  1. Porcentagem de famílias que participam da associação em relação ao total de famílias presentes na comunidade;

  2. Assiduidade dos sócios às reuniões;

  3. Periodicidade das reuniões;

  4. Revezamento de poder na associação;

  5. Nível de informação por parte dos sócios em relação ao PCPR;

  6. Nível de colaboração dos membros da diretoria em relação ao PCPR;

  7. Nível de colaboração dos demais sócios em relação ao PCPR;

  8. Índice de participação comunitária;

  9. Índice de participação efetiva.

A principal informação que queremos obter é sobre a real e efetiva participação da comunidade nos interesses da associação. Acreditamos que isso se materializa quando os membros da comunidade estão esclarecidos e informados sobre o que acontece na associação e, principalmente, participa diretamente de suas atividades, fazendo realmente parte da vida da organização. Para percebemos isso concretamente, resolvemos perguntar a um membro da direção sobre o quanto os sócios conheciam sobre o PCPR e como haviam colaborado para que a associação fosse beneficiada pelo programa. Para todos os entrevistados perguntamos sobre o mesmo assunto, acreditando que o fosse do conhecimento de todos.

ANÁLISE DOS DADOS E CONCLUSÕES

Para alcançarmos o objetivo geral da pesquisa relacionamos duas variáveis: capital social, como variável independente, e qualidade política nas associações que as representa, como variável dependente. Foram escolhidos três indica dores de capital social nas comunidades e sete indicadores de qualidade política nas associações. A leitura feita nesta análise nos conduz a acreditar que há uma relação entre o estoque de capital social nas comunidades e a qualidade política nas associações que as representa. Nas conclusões abaixo apresentaremos em que medida isto acontece.

Na Tabela 1, apresentamos uma síntese do que foi observado de capital social nas comunidades visitadas. A classificação foi por tipo de indicador e ao final temos o somatório, possibilitando uma avaliação do estoque de capital social presente, sem distinção entre os Indicadores.

Tabela 1

As comunidades foram classificadas em três grupos para a análise, de acordo com o estoque de capital social.

Para a análise da qualidade política das associações, iremos trabalhar com os seguintes índices:

  • Índice de Associação Comunitária (IAC) que é o quociente entre número de sócios da associação e o número de famílias na comunidade.

    I A C = n . º d e s ó c i o s n . º d e f a m í l i a s d a c o m u n i d a d e

  • Índice de Assiduidade (IA) que é o quociente entre o número médio anual de participação dos sócios nas reuniões e o número de sócios da associação.

    I A = M é d i a a n u a l d e p a r t i c i p a ç ã o d o s s ó c i o s à s r e u n i õ e s n . º d e s ó c i o s d a a s s o c i a ç ã o

  • Índice de Participação Comunitária (IPC) é o produto do somatório do Nível de Informação dos Sócios, Nível de Colaboração da Diretoria e Nível de Colaboração dos Associados pelo Índice de Associação Comunitária

    I P C = ( N I S + N C D + N C A ) x I A C

  • Índice de Participação Efetiva (IPE) é produto do somatório do Nível de Informação dos Sócios, Nível de Colaboração da Diretoria e Nível de Colaboração dos Associados pelo Índice de Assiduidade e pelo número de reuniões por mês (RP).

    I P E = ( N I S + N C D + N C A ) x I A x R P

A partir desses indicadores, se obteve os seguintes resultados:

  1. Não se observa qualquer tipo de relação de influência entre estoque de capital social e o Índice de Participação Comunitária (IPC). Isso pode ser devido ao fato de que multas associações dizem ter um grande número de associados no papel, mas que de fato não participam da vida associativa.

  2. Entretanto, a partir de um determinado estoque de capital social, o Índice de Assiduidade (IA) tende a ser influenciado pelo capital social. Isto fica claro no terceiro agrupamento, onde apesar de divergirem no Índice de Participação Comunitária, o Índice de Assiduidade é bem maior que os dos demais agrupamentos. Este dado é importante pois fica evidenciado que a partir deste estoque de capital social a participação dos sócios nas reuniões é influenciada pelo capital social.

  3. A partir de um determinado estoque de capital social, a periodicidade das reuniões (RM) tende a ser mais freqüente. isto fica claro no agrupamento número três.

  4. Também se consolida a mesma ocorrência com relação ao indicador de renovação de poder (RP) das associações. A partir de um determinado estoque de capital social fica consolidado esta característica.

  5. O Índice de Participação Comunitária (IPC) tende a não ser diretamente influenciado pelo estoque de capital social.

  6. Entretanto, com o Índice de Participação Efetiva (IPE) estabelece-se uma forte relação a partir de um determinado estoque de capital social.

O que se observa com esta análise é que não é verdadeira a premissa de que a medida que cresce o estoque de capital social, cresce a qualidade política das associações que as representa. Na verdade, observou-se que a partir de um deter

minado estoque de capital social é que se concretiza uma influência deste estoque de capital social das comunidades na qualidade política nas associações que as representa. Com estes dados, nos parece que é necessário haver um número "x" de capital social para que a qualidade política comece a ser efetivamente influenciada. Apesar de não ter levantado a hipótese de crescimento proporcional destas duas variáveis, havia a expectativa que isto pudesse se confirmar.

A hipótese de que a qualidade política das associações depende do estoque de capital social nas comunidades é verdadeira em parte. Se levarmos em consideração que a qualidade política está melhor representada principalmente pelo Índice de Participação Efetiva, que leva em consideração somente a parcela da comunidade que é associada, podemos afirmar que a qualidade política das associações depende do estoque de capital social, tendo ainda o reforço de outros indicadores como: periodicidade das reuniões, revezamento de poder e o índice de assiduidade.

Os resultados desta pesquisa nos levam a refletir sobre as possibilidades de programas de desenvolvimento em que a gestão é descentralizada a nível comunitário, sob a responsabilidade de associações A crença de que quanto mais descentralizada for a gestão melhores são os resultados pode não corresponder pelo simples fato que as associações não representam ou são pouco legítimas ou mesmo não possuem uma efetiva participação das bases comunitárias.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Dec 2004
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